PROJETO, PROPOSIÇÃO, PROGRAMA: IMAGEM TÉCNICA E MULTIMEIOS NAS ARTES VISUAIS São Paulo -Anos 60 e 70

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTRUTURAS AMBIENTAIS URBANAS

PROJETO, PROPOSIÇÃO, PROGRAMA: IMAGEM TÉCNICA E MULTIMEIOS NAS ARTES VISUAIS São Paulo - Anos 60 e 70

Marco Antonio Pasqualino de Andrade

São Paulo / SP Nov / 1998

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTRUTURAS AMBIENTAIS URBANAS

PROJETO, PROPOSIÇÃO, PROGRAMA: IMAGEM TÉCNICA E MULTIMEIOS NAS ARTES VISUAIS São Paulo - Anos 60 e 70

Marco Antonio Pasqualino de Andrade

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre Orientadora.: Profa. Dra. Aracy Abreu Amaral

São Paulo / SP Nov / 1998

Esta dissertação foi defendida em ___ de ______________ de 199__, perante a seguinte banca examinadora:

___________________________________________ Presidente

__________________________________________

___________________________________________

Ao meu sobrinho Pedro, que adora apertar os botões das “caixas pretas”.

AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, devo agradecer à minha orientadora, Dra. Aracy Abreu Amaral, primeiramente, por me ter aceito como orientando em um momento que (com certeza) preferiria se dedicar a outros projetos pessoais e, nestes anos todos, ter me orientado com muita paciência, preocupação, atenção, dedicação, críticas, compreensão e puxões de orelha nas horas certas. E pelo incentivo em buscar novos rumos ao iniciar uma carreira como professor universitário. Ao CNPq, que financiou esta pesquisa com uma bolsa de estudos por dois anos. À Annateresa Fabris e Cacilda Teixeira da Costa pela leitura atenciosa do Memorial de Qualificação e as muitas contribuições que possibilitaram tomar um rumo mais preciso para esta pesquisa. À Ricardo Mendes, que forneceu grande parte do material sobre Vilém Flusser, sem o qual este trabalho teria uma lacuna insubstituível. À atenção de Giselda Leirner, Gabriel Borba, Ada Schendel, que contribuiram muito para traçar um perfil de Vilém Flusser e sua relação com Mira Schendel. Aos artistas, Nelson Leirner, Regina Silveira, Júlio Plaza, que foram atenciosos fornecendo informações e discutindo algumas questões propostas em relação a seus trabalhos e o período estudado. E também a Carmela Gross e Sonia Fontanezi, pelas dúvidas de última hora. À Maria Cecília França Lourenço e Ana Maria Moraes Belluzzo, com as quais pude aprender o significado de pesquisar a História da Arte. Ao incentivo imprecindível dos amigos: Yvoty Macambira, Tadeu Chiarelli, Shirley Paes Leme, Mauro Claro e Regina Ponte, Rosana Mariotto, Mila Chiovatto, Valéria Píccolli, Regina Teixeira de Barros e Maria Isabel Branco Ribeiro. Ao GAM, pelo convívio, exposições, jantares e festas. Aos colegas e alunos do Departamento de Artes da Universidade Federal de Uberlândia, em especial a Heliana Nardini, Beatriz Rauscher, Lucimar Bello, Lú de Laurentiz, Cláudia França, Maria José Ribeiro, Darli de Oliveira, Marília Vale, Beatriz Cappello, Luiz Eduardo Borda, Helena Rosa da Silva e Tereza Ferreira. E também aos muitos amigos que fiz na nova cidade. À amizade de Cidinha Pasqualini (e o empréstimo da impressora), Ângela Mendes (que também me ajudou na impressão das imagens), Vinício Frezza e em especial a Ivan Pinheiro, que me apoiou durante a convivência comigo neste último ano. À minha família: Iracy, Jacy, Léo, Silvana e o pequeno Pedro.

RESUMO

Esta dissertação tem como tema o uso das imagens técnicas e multimeios pelos artistas experimentais nas décadas de 60 e 70 deste século e a formulação de um juízo de valor que permita uma análise de tal produção. Para isto, recorre às correntes filosóficas da época (Estruturalismo, Teoria da Comunicação, Escola de Frankfurt) e às teorias da arte conceitual, em seguida relacionando estas idéias ao pensamento do filósofo Vilém Flusser, que viveu em São Paulo de 1940 a 1973. Este autor articula suas considerações em torno da questão da linguagem como construtora da realidade, e da transformação de uma cultura das letras para uma cultura das imagens técnicas, produzidas por programas em “caixas pretas”. A última parte deste trabalho analisa obras de cinco artistas residentes na cidade de São Paulo durante o período proposto (Nelson Leirner, Waldemar Cordeiro, Mira Schendel, Regina Silveira e Júlio Plaza), verificando a pertinência do uso dos critérios levantados pela pesquisa, segundo os quais deve-se questionar, desconstruir e subverter os códigos formulados pela arte e pelos meios de comunicação.

SUMMARY

This study has as subject the use of technical images and multimedia throught experimental artists of the 1960’s and 1970’s and the formulation of a value judgement that allows us to analise that production. For this, it takes the philosophical currents of then (Struturalism, Communication Theories, Frankfourt School) and the conceptual art theories, and relates these ideas to Vilém Flusser’s philosophy thoughts, who had lived in São Paulo during 1940 to 1973. That author articulates his considerations on the question of language as a reality constructor, and on the transformation from a letter’s culture to a technical image’s one, producted throught programs in “black boxes”. The last part of this study takes five works from São Paulo’s artists from that period (Nelson Leirner, Waldemar Cordeiro, Mira Schendel, Regina Silveira and Júlio Plaza), verifying the pertinence of using the criteries found in this research, due to them, we have to question, deconstruct and subvert the art and media formulated codes.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO, 01 1.1. Apresentação do problema 1.2. Objetivos da pesquisa 1.3. Justificativa 1.4. Métodos 2. O VIÉS “EXPLOSIVO” DAS ARTES VISUAIS: A ARTE CONCEITUAL COMO PARADIGMA, 13 2.1. Filosofia da linguagem, semiologia e estruturalismo 2.2. Novas teorias da comunicação 2.3. O pensamento crítico à cultura da sociedade de massa 2.4. Arte Conceitual 2.5. Novas tecnologias da imagem e multimeios nas artes visuais 3. AS IDÉIAS DE VILÉM FLUSSER SOBRE ARTE, LINGUAGEM E TECNOLOGIA, 51 3.1. Língua e Realidade 3.2. O final dos anos 60: fenomenologia e o problema do tempo 3.3. A Bienal de 73 e a relação com os meios tecnológicos 3.4. Pós-História e a Filosofia da Caixa Preta 3.5. Flusser e a teoria da Arte Conceitual 4. A EXPERIMENTAÇÃO EM SÃO PAULO: ESTUDOS DE CASO, 77 4.1. Nelson Leirner: “Aprenda colorindo gozar a cor” (1967) 4.2. Waldemar Cordeiro: “Derivadas de uma imagem” (1969) 4.3. Mira Schendel: “Os cadernos” (1971) 4.4. Regina Silveira: “Brazil Turístico” (1973-1978) 4.5. Júlio Plaza: “Os meninos” (1977) 5. CONCLUSÃO, 121 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 126 7. BIBLIOGRAFIA GERAL, 130

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Nelson Leirner - Aprenda gozando gozar a cor Figura 2-A - Waldemar Cordeiro - Derivadas de uma imagem - Derivação em grau 0 Figura 2-B - Waldemar Cordeiro - Derivadas de uma imagem - Derivação em grau 1 Figura 2-C - Waldemar Cordeiro - Derivadas de uma imagem - Derivação em grau 2 Figura 3-A - Mira Schendel - Sem título (caderno) Figura 3-B - Mira Schendel - Sem título (esquema das lâminas) Figura 4-A - Regina Silveira - Sem título Figura 4-B - Regina Silveira - Brasil Turístico/SP/Viaduto do Chá Figura 4-C - Regina Silveira - Proposta para um monumento Figura 5-A - Júlio Plaza - Os meninos (esquema) Figura 5-B - Júlio Plaza - Os meninos (fotos da instalação)

The unending gift

Um pintor nos prometeu um quadro. Agora, em New England, sei que morreu. Senti, como outras vezes, a tristeza de compreender que somos como um sonho. Pensei no homem e no quadro perdidos. “Só os deuses podem prometer, porque são imortais.” Pensei num lugar prefixado que a tela não ocupará. Pensei depois: se estivesse aí, seria com o tempo uma coisa mais, uma coisa, uma das vaidades ou hábitos da casa; agora é ilimitada, incessante, capaz de qualquer forma e qualquer cor e a ninguém vinculada. Existe de algum modo. Viverá e crescerá como uma música e estará comigo até o fim. Obrigado, Jorge Larco. “Também os homens podem prometer, porque na promessa há algo imortal.”

Jorge Luiz Borges, 19671.

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BORGES, Jorge Luiz. Elogio da Sombra. In: História Universal da Infâmia e outras histórias. São Paulo: Círculo do Livro, 1981, p. 171.

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1. INTRODUÇÃO

É difícil precisar exatamente qual foi meu primeiro contato com a arte contemporânea. Embora a prática do desenho não tenha sido um dominante da minha infância e adolescência, com certeza havia um vínculo de interesse pela cultura em geral: livros, música e, claro, a televisão. Ainda guardo na memória fragmentos da primeira TV preto e branco, da pioneira transmissão a cores, assistida na casa de um vizinho, e do procedimento de posse da nova casa: ligar o aparelho de TV. E foi por esta tela que ficava sabendo dos eventos que aconteciam na cidade: de modo especial as exposições no MASP. E, algo radicalmente diferente: a Bienal de São Paulo.

Ir às feiras no Ibirapuera era um costume, e a Bienal, a princípio, parecia ser mais uma delas, um lugar de diversão e surpresa. Não recordo qual o ano da primeira Bienal que visitei, talvez a de 1979, mas lembro perfeitamente de uma enorme cenoura erguida por um guindaste, e de muitas coisas estranhas que então não compreendia, como representações de figuras humanas em tamanho natural formando conjuntos e cenas, objetos muito diferentes de pinturas, cuja presença Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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realmente não tenho gravado na memória. A partir daí, ir às Bienais era uma atividade esperada ansiosamente, que causava sempre muita excitação.

Simultaneamente, comecei a me interessas por arquitetura e, paralelo à leitura da História da Arte de Gombrich, lia também as teorias de Le Corbusier, “devorando” qualquer coisa sobre estes assuntos que pudesse encontrar.

Se o ingresso na Faculdade de Arquitetura foi um salto, também foi fundamental frequentar a Oficina de Artes Plásticas do Centro Cultural São Paulo e, em seguida, trabalhar na monitoria da XVIII Bienal de São Paulo, em 1985, tornando-se a Fundação Bienal um “lar”, para o qual retornaria frequentemente, para novos trabalhos e pesquisas.

O interesse pela pesquisa em História da Arte se deu dentro da Universidade, primeiramente ligado a um assunto afim com as tendências “pós-modernistas”: a gravura simbólico / expressionista de Goeldi e, para o trabalho de graduação, seu aparente oposto: as vertentes conceituais, tema que tem, desde então, exercido um fascínio sobre mim, como um grande enigma a ser decifrado, mesmo que meu foco tenha se desviado temporariamente, realizando pesquisas esporádicas sobre Grandjean de Montigny e Debret.

Esta dissertação vem estabelecer uma primeira fronteira de conquista sobre esse assunto, que parece ser tão mal compreendido e avaliado, malgrado toda uma nova geração de artistas utilize seus princípios e códigos, e numerosas exposições e

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publicações retrospectivas tenham sido realizadas nos últimos anos. Na verdade, boa parte dos então artistas emergentes somente agora parecem ter atingido uma maturidade artística que exponha inequivocamente seu valor, o que acontece de modo mais flagrante no Brasil, como pode ser exemplificado por Waltércio Caldas, Cildo Meireles, Tunga, residentes no Rio de Janeiro, ou em Regina Silveira e Carmela Gross em São Paulo.

E, se não é a televisão em si o objeto deste trabalho, ela representa muito bem o recorte selecionado, ou seja, a incorporação da imagem técnica e dos multimeios pelas artes visuais voltadas à experimentação.

Apresentação do problema

Se compreender a arte contemporânea é um desafio para o público que visita as grandes exposições de arte, não o é menos para o estudioso que procura pesquisar seus motivos, procedimentos e resultados. Desde o século passado, a arte vem sofrendo um processo que torna sua produção mais complexa e distante do homem comum, mesmo para o burguês, que seria seu cliente ideal desde então.

Não que anteriormente ao século XIX a arte fosse menos complexa, mas seus propósitos se dirigiam mais a um discurso coletivo (mesmo que por imposição de uma certa classe social) que ao próprio artista, fato este que parece se inverter em um dado momento.

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Essa individualização da pesquisa artística, podendo ser chamada de “romântica”, “independente” ou “vanguarda”, acompanha o processo geral da cultura humana dentro da Modernidade, no qual cada área do conhecimento parece isolar-se, buscando organizar-se segundo códigos próprios, só decifrados pelos que fazem parte de sua especialidade1.

Um fato complicador se instaura de maneira mais perceptível desde o início deste século, quando as pesquisas plásticas se multiplicam e ramificam, dando orígem a experimentos de caráter diverso e antagônico, dos quais surgem as várias tendências “figurativas”, “abstratas”, “objetuais”, “desmaterializadas”, configurando a arte contemporânea como uma “babel” poli-linguística incompreensível.

Tentar resgatar cada uma destas linguagens criadas pela arte é uma importante tarefa do pesquisador, de modo a explicitar as intenções e valores colocados pelos artistas em sua produção, a fim de tentar torná-las acessíveis, tanto ao próprio circuito da arte, quanto ao público em geral que acompanha “atônito” tais experimentações.

Dentro deste propósito, a opção desta pesquisa se volta às difíceis décadas de 60 e 70, nas quais a transformação da sociedade parece assumir proporções maiores, tanto em termos da evolução tecnológica dos meios de comunicação, como em seu aspecto comportamental, o que gera conflitos políticos e sociais em todo o mundo, especialmente no Brasil, país em que um golpe militar instaura um regime autoritário que atua como uma força de contensão de todo esse processo, ao mesmo tempo que 1

Ver: GREENBERG, Clement. A pintura moderna. In: BATTCOCK, Gregory. (org.) A nova arte.

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acirra a polaridade das ações contrárias2.

Uma das tendências que surge e se desenvolve na década é a chamada “arte conceitual”, uma proposta radical e de difícil entendimento por parte do público, mas que, em suas premissas, colocava justamente a possibilidade de democratização da arte, desconstruindo o mito do artista “gênio”, “inspirado”, “talentoso”, “nato”. Embora a arte conceitual não tenha logrado este objetivo, sua relação intrínseca ao problema dos meios de comunicação trouxe um questionamento acerca de sua natureza que parece ser de extrema importância para nossa atualidade, quando a convivência com tais meios se tornou uma realidade irreversível e extremamente intensa, e a consciência de sua essência uma defesa contra seu caráter alienador.

A informação internacional sobre esta tendência artística chega ao Brasil quase que simultaneamente a seu surgimento, graças a uma comunicação facilitada pelas revistas de arte e pela Bienal de São Paulo, que tem exercido um notável papel referencial desde sua primeira edição em 1951. Contudo, pode-se constatar que idéias próximas já eram conhecidas e discutidas entre artistas e críticos brasileiros, tomando como exemplo a “Teoria do Não Objeto” de Ferreira Gullar3, escrita em 1960, mas que não aborda especificamente os meios de comunicação, centrando sua conceituação sobre o contato interativo obra-público, através de uma leitura da fenomenologia do filósofo Merleau-Ponty.

São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 95-106. 2 Ver: SCHWARCZ, Roberto. Cultura e Política, 1964-1969. In: O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p.61-92. 3 GULLAR, Ferreia. Teoria do Não-Objeto. In: PECCININI, Daisy. Objeto na Arte: Brasil anos 60. São Paulo: FAAP, 1977. (catálogo de exposição) Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Já em São Paulo, a arte concreta, a partir da constituição do grupo “Ruptura” nos anos 50, volta a buscar uma produção artística que se integre à produção industrial de massa, o que favorece a pesquisa dos meios de comunicação e do uso das novas tecnologias da imagem nas artes visuais.

É dentro deste contexto que nota-se a presença, no meio paulistano, do filósofo nascido na Checoslováquia e residente no Brasil desde os anos 40, Vilém Flusser, cujo pensamento se dirige à filosofia da linguagem e da comunicação. Embora não se possa afirmar que Flusser tenha influenciado diretamente a produção da época, podese observar seus constantes diálogos com Mira Schendel, entre outros artistas, e o interesse pelo mundo das artes, tendo participado da Comissão Técnica da XII Bienal de São Paulo, na qual articula um segmento dedicado à Arte e Comunicação.

Por outro lado, a produção artística paulistana, extremamente variada nos anos 60 e 70, apresenta uma parcela que se mostra afinada com tal discussão, na qual os meios de comunicação ocupam um lugar de destaque, denominados a partir de então como multimídia ou multimeios.

Cabe portanto verificar, através desta pesquisa, quais as relações entre a teoria da arte conceitual, as idéias do filósofo Flusser e a produção realizada em São Paulo, de modo a poder responder à seguinte questão: será possível formular um juízo de valor que nos ajude a compreender tal produção, seus motivos e procedimentos?

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Objetivos da pesquisa

1. Fazer um levantamento bibliográfico da teoria sobre a Arte Conceitual e seu desdobramento no uso da imagem técnica e dos multimeios;

2. Relacionar esta tendência artística às idéias do filósofo tcheco Vilém Flusser, residente entre 1940 e 1973 no Brasil, verificando a construção de um juízo de valor baseado em tais teorias;

3. Aplicar este juízo crítico em estudos de casos da produção artística realizada na cidade de São Paulo nas décadas de 60 e 70 deste século.

Justificativa

Dentre os vários segmentos da arte contemporânea, a arte conceitual e a produção artística afim a esta tendência tem sofrido uma certa desvalorização devido ao desconhecimento de seus propósitos e do mito que formou ao redor de si, segundo o qual não haveria critérios para distinguir a arte de qualquer outra coisa no mundo ou ação humana. Assim, “tudo seria arte”, ou “nada seria arte”, indistintamente. Ou seja, não existiria um juízo de valor.

A precariedade dos materiais e suportes usados então, aliado a uma despreocupação frequente com os aspectos plásticos tradicionais, faz com que, baseado nos modelos artísticos mais usuais, vejamos essa produção como, simplesmente, sem qualidade.

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Da mesma maneira, o interesse dos artistas das décadas de 60 e 70 pelas novas tecnologias e pelos veículos de comunicação social, os “mídia”, lançando toda e qualquer informação via correio, xerox, livro, jornal, radio, televisão, out-door, videotexto, computador, holografia, etc, indiscriminadamente, faz pensar que o jargão de Marshall McLuhan, “o meio é a mensagem”, foi tomado ao pé da letra, esquecendo afinal do conteúdo veiculado pelo meio.

Essa pesquisa se justifica, deste modo, pela necessidade de verificar qual afinal é o valor de tal produção, ou melhor, se existem critérios segundo os quais é possível julgar se algumas destas obras se distinguem qualitativamente de outras, de modo a compreender o papel que ocupam na cultura humana.

Além disto, este trabalho vem contribuir para o estudo da obra do filósofo Vilém Flusser, tentando estebelecer conexões entre suas idéias e a produção artística da época, somando-se a outras pesquisas em andamento na universidade4.

Como o objetivo da pesquisa não é realizar um levantamento histórico de tal produção (embora em um primeiro momento esta possibilidade tivesse sido cogitada), que envolveria um imenso trabalho de campo e uma dedicação integral que ora não é possível ao autor, os estudos de caso não pretendem representar o todo da atividade artística realizada em São Paulo no segmento temporal proposto, mas apenas exemplificá-la através de cinco experimentações dentro do uso da imagem técnica e dos multimeios: o out-door (Nelson Leirner), a imagem digitalizada no

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computador (Waldemar Cordeiro), o caderno / livro de artista (Mira Schendel), o cartão-postal / arte postal (Regina Silveira) e a fotografia / instalação (Júlio Plaza). Evidentemente, existem inúmeras outras possibilidades5 e artistas que as utilizaram, mas o intuito é que a partir destes estudos, seja possível estender tal análise a outros exemplos. Também não é uma pretensão do autor afirmar que as obras apresentadas sejam as mais significativas dos artistas escolhidos. Tal escolha se realizou pela possibilidade de aplicar os critérios e teorias estudados.

Por último. é necessário explicitar a contribuição deste estudo à area da arquitetura, na medida em que discute as noções de projeto, proposição e programa, a partir das quais será possível repensar a prática projetual dentro do mundo contemporâneo.

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Entre os pesquisadores, cito Ricardo Mendes, que investiga as idéias de Flusser e a fotografia, e Geraldo Souza Dias, que pesquisa o filósofo a partir da obra de Mira Schendel. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Métodos

Para construir uma História da Arte e dos juízos de valor atribuidos pelo homem costuma-se utilizar quatro metodologias básicas, citadas por Argan: a formalista, a iconológica, a sociológica e a estruturalista6.

Ao iniciar esta pesquisa, o autor aproximava-se de modo mais familiar dos dois primeiros métodos, não simpatizando com o terceiro e desconhecendo quase que completamente o quarto método, que considerava exclusivamente voltado à semiótica, e portanto, de difícil aproximação e uso.

Porém, no decorrer da pesquisa, verificou-se que o método estruturalista é o que mais se identifica à produção a ser analisada, ao mesmo tempo que se tomava consciência de suas muitas alternativas de abordagem, que não necessariamente transitam pelo eixo da semiologia, mas podem adotar aspectos da fenomenologia, da filosofia da linguagem, da teoria da recepção, da antropologia, entre outros tantos.

A pesquisa mostrou também que a fundamentação teórica da produção da arte conceitual baseia-se justamente nas idéias estruturalistas da época, assim como em uma retomada da filosofia de Wittgenstein, filósofo austríaco autor do Tractatus Lógico-Philosophicus, escrito sob a forma de proposições.

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Na escolha formulada, não se encontram exemplos de audio-visuais, super 8 e video, que merecem Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Vilém Flusser desenvolve seu pensamento também a partir da filosofia da linguagem e da fenomenologia, o que reforça a pertinência de estudar e aplicar seus métodos, o que considero uma conquista importante dentro do panorama da crítica e pesquisa em história da arte atuais em nosso país.

O estruturalismo será abordado no corpo deste trabalho, porém é importante esclarecer que este se baseia na hipótese de que o mundo é construído a partir de relações estruturais codificadas pela cultura humana através de sua história. Decifrar estas estruturas e evidenciar tais códigos é o princípio da disciplina, e portanto, adequa-se à intenção desta pesquisa, pois esta se destina a desvendar o juízo de valor por trás da construção da obra artística, que caracteriza-se como constituindo um código artístico atribuído.

Para isso, a pesquisa bibliográfica foi fundamental e constutui-se como o cerne da atividade investigatória, que foi somada, a título de complementação, com um número reduzido de entrevistas, levantamento de dados e outros meios empíricos, alternativa adotada também por escolha pessoal, devido sobretudo ao fato de o autor encontrar-se, já no início da investigação, envolvido com atividade didática fora do local principal da orígem dos dados.

Os capítulos estruturam-se segundo o objetivo proposto, sendo o primeiro dedicado ao estudo da arte conceitual,

amparando-se no estruturalismo, e de como esta

tendência se identifica às pesquisas das novas tecnologias da imagem e dos certamente uma pesquisa própria.

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multimeios; o segundo sintetiza as idéias de Vilém Flusser desde seu primeiro livro, Lingua e Realidade (1962) até A Filosofia da Caixa Preta (1985), estabelecendo relações com as teorias vistas no primeiro capítulo; o terceiro aplica tais teorias na análise de cinco obras de caráter múltiplo ou serial de artistas residentes em São Paulo durante as décadas de 60 e 70; e a conclusão procura verificar se neste trabalho foi possível chegar a um juízo de valor que colabore na compreensão da arte contemporânea.

Resta explicitar que a proposta inicial de trabalho era muito mais abrangente, mas, evidentemente, inadequada e utópica para uma dissertação de mestrado. Tendo tomado consciência disto muito tardiamente, não foi possível fazer pesquisas exaustivas sobre o corte adotado e a produção analisada. Porém, esta foi suficiente para estabelecer um arcabouço de considerações que julga-se capaz de lançar luz sobre o problema levantado e preparar terreno para novas investidas sobre os valores que embasam a arte contemporânea.

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ARGAN, G.C e FAGIOLO, M. Guia de História da Arte. Lisboa: Estampa, 1992, p. .34-42. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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2. O VIÉS “EXPLOSIVO”7 DAS ARTES VISUAIS: A ARTE CONCEITUAL COMO PARADIGMA.

Desenvolver as relações entre as artes visuais experimentais e a tecnologia parece ser uma tautologia, ou uma redundância: as palavras arte e técnica derivam de ars e tekne,

de

origem

respectivamente

latina

e

grega,

ambas

significando

aproximadamente o mesmo conceito do fazer humano, visto como poiesis, uma ação criadora de valor ontológico, transformação do não ser ao ser, ou da matéria em forma. Para Aristóteles há, entretanto, uma diferenciação: poiesis englobaria todo produto humano, e tekne teria um sentido mais restrito, designando as atividades nas quais o processo, o método, seriam realizados “com conhecimento das razões (logos) daquilo que produz”8, ou seja, de maneira deliberada, estudada, controlada, intencional , descrevendo um como fazer, ou seja, a tecnologia (estudo da técnica, do

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Termo utilizado por Renato Barilli distinguindo, dentro da pós-modernidade, as tendências artísticas que exploram a alta tecnologia eletrônica daquelas que voltam-se à práticas antropológicas, artesanais e à história da arte (chamadas “implosivas”). BARILLI, Renato. Uma Geração Pós-Moderna. Tradução em apostila de Una generazione post-moderna. Roma: Mazzota, s.d. por Ricardo Dall’Antonia, revisto por Mariarosaria Fabris, São Paulo, 1985. 8 ARISTÓTELES apud GRASSI, Ernesto. Arte como antiarte: a teoria do belo no mundo antigo. São Paulo: Duas Cidades, 1975, p. 120-1. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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modo de fazer). Assim, toda tekne seria uma poiesis, mas nem toda poiesis seria uma tekne.

Vendo desta maneira, parece evidente que o conceito atual de Arte, assim em letra maiúscula, que se refere basicamente às belas artes, ou artes eruditas, apoiadas em conhecimento teórico, prático e histórico, está estreitamente relacionado à tecnologia, a um saber fazer, e ao desenvolvimento desse fazer, através da invenção e domínio de novas técnicas e processos.

Essa evidência, entretanto, não foi vista de maneira tão óbvia pela modernidade artística e cultural, embora frequentemente ela estivesse implícita ou vinculada à produção de tais obras. O dado fundamental parecia ser outro: o mito da criação, ou da originalidade, que conduziria fatalmente à transformação do artista em “criador”, exacerbando uma subjetividade única, individual, diferenciada.

A visão do “gênio”, ancorada no Romantismo, provavelmente consistia em uma fuga, ou alternativa, ao surto de proliferação de objetos seriados detonado pela Revolução Industrial. O artista se enxergava alijado de suas funções na sociedade, e retrógrado em seu fazer artesanal, agora destinado aparentemente apenas a uma burguesia abastada e de gosto medíocre e um tanto conservador (que seria suprida de maneira eficaz pela produção das Academias). A estratégia seria, desse modo, buscar o diferenciado, o novo, o original, que atuaria inicialmente como choque, ruptura, redefinição de códigos, e assim, podendo competir com os rápidos avanços da ciência desde o século XIX.

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Ora, isto implicava em uma não aceitação de sua produção pela burguesia (seu cliente ideal), e consequentemente, de uma marginalização (ao menos temporária, até sua absorção) da produção e do artista. Tal procedimento leva aos salões independentes do século XIX e às vanguardas do início deste século.

Da radicalização e satirização destas posturas surge o Dadá, contextualizado no momento da Primeira Guerra Mundial, e a personalidade singular de Marcel Duchamp, que batiza uma nova maneira de “criar”: o ready-made, baseado em uma escolha aleatória e não estetizada de um objeto qualquer já existente, especialmente aquele industrializado, incluindo aí a imagem em série advinda da sua reprodutibilidade técnica fotoquímica e mecânica. Este novo gesto criador estava amparado na consciência de cristalização de um sistema ou circuito de arte específico, com códigos e regras próprias.

Por outro lado, acentuam-se também as tentativas de intervenção do artista na indústria de objetos e imagens, reivindicando a si a tarefa de projetar, conceber e administrar tal produção. Essa vertente, que se inicia com o movimento de Artes e Ofícios de William Morris, no final do século XIX, se ramifica também, no início deste século, com as vanguardas históricas, através das vanguardas russas e dos movimentos de reconstrução depois da Primeira Guerra Mundial, como o Purismo de Le Corbusier, o Neo Plasticismo de Van Doesburg e Mondrian, a criação da escola Bauhaus na Alemanha de Weimar, assim como suas sucessoras, como a Escola Superior da Forma de Ulm, dirigida por Max Bill, e também por todo movimento concretista, na América do Sul.

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Essa segunda postura enxerga o domínio e desenvolvimento de novas tecnologias como um pressuposto e uma necessidade da arte, a fim de que esteja sempre em consonância com a demanda da produção em massa, e possa intervir qualitativa e conceitualmente no produto industrial (de modo, frequentemente, utópico, engajado, desalienador de ideologias).

Ambas concepções da arte moderna muitas vezes se entrecruzam, e é exatamente do fruto dessa síntese que surge uma parcela da produção artística de fins dos anos 60, vinculada de maneira mais próxima ao que será chamado de arte conceitual, assim como alguns de seus desdobramentos.

Compreender intrinsecamente quais os propósitos da arte conceitual não é tarefa das mais simples. Implica, inicialmente, tentar desvendar as várias forças culturais que atuaram naquele momento, e que podem ser condensadas na expressão “contracultura”, que se relaciona de maneiras várias ao estruturalismo francês e à filosofia da linguagem, às idéias futurísticas de uma transformação social e cultural vinda dos novos meios de comunicação, como as de McLuhan, e ainda a posturas críticas e radicais a essa nova sociedade (Escola de Frankfurt).

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Filosofia da linguagem, semiologia e estruturalismo

A filosofia da linguagem de Ferdinand de Saussure e Ludwig Wittgenstein e a fenomenologia de Martin Heidegger podem ser colocados, de maneira simplista, como antecedentes do pensamento estruturalista francês. Dos primeiros, a crença da língua como ente fundamental da construção da cultura humana, que se coloca como alternativa à visão marxista, baseada no capital e nas relações de troca. Saussure irá criar os pressupostos para a ciência da Semiologia, que adota o signo como unidade básica da linguagem, a partir do qual serão elaborados todos os códigos humanos. Wittgenstein, por outro lado, enxerga o mundo exclusivamente através da lingua, sendo esta um jogo autônomo que, dentro de suas próprias regras e códigos, pode ser jogado de infindáveis maneiras, mesmo que seu resultado final não se constitua em significado racional, lógico ou pertinente. Já Heidegger e a fenomenologia concedem um método de abordagem no qual o fato é visto de modo sempre inédito, distanciado, como pura opacidade e livre de conceitos, tentando evitar as armadilhas das inúmeras teorias já conhecidas pela filosofia.

O estruturalismo se desdobra em vários caminhos, que podem levar à antropologia de Claude Levi Strauss, à psicologia de Jacques Lacan, à fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty e ao pensamento de Michel Foucault e Roland Barthes.

Foucault, em As palavras e as coisas, nos coloca o problema da transformação da linguagem como representação para linguagem como objeto, ou seja, de que modo a lingua deixa de falar da realidade e das coisas do mundo para tomar consciência de

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que também é uma coisa no mundo, e então iniciar um discurso sobre si própria9. Esse estado da linguagem que, para Foucault, está num ponto intermediário entre o discurso crítico científico e a instituição da ordem e do código, é o campo da própria experiência do saber. Esse campo, enquanto possibilidade empírica, implica em uma alternativa lúdica frente à linguagem, uma espécie de teste de seu potencial e de seus limites. Assim, a frase “C’est ne pas une pipe” (Isto não é um cachimbo) sob uma representação imagética gráfica / pictórica de um cachimbo, no quadro de Magritte, apresenta um jogo linguístico no qual simultaneamente negamos a semelhança entre as representações (imagem e palavra) e a coisa, assim como afirmamos seu estado de substituição atribuida sob a forma de código, convenção10. Uma consciência profunda da presença da linguagem e da ausência da coisa se oferece como experiência reveladora e fonte de conhecimento, de saber. Em última instância, chegamos ao homem, a uma auto-consciência deste como ser pensante, fazedor e simbolizador (embora carregue intrínseco seu caráter transitório, temporário e, consequentemente, profetise o fim dessa consciência, o fim do sujeito). Foucault se interessará prioritariamente pelas relações entre o “mesmo” e o “outro”, dedicando a este último estudos específicos, desmembrados em discursos sobre a loucura, o crime, a sexualidade e, finalmente, as relações de poder.

Roland Barthes define o estruturalismo como uma atividade, cujo objetivo é “... reconstituir um objeto, de modo a manifestar nessa reconstituição as regras de

9

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.311-7. 10 FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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funcionamento desse objeto. A estrutura é, pois, de fato, um simulacro do objeto.”11 Assim, o interesse recai sobre a função do ato de simbolizar, mais que de seu conteúdo específico, tentando decifrar a condição da construção do sentido, enfim, a desconstrução de sua ideologia. Desloca, dessa maneira, o interesse do significado ao significante, do conteúdo à forma.

Em 1968, publica o ensaio A morte do autor12, no qual defende a idéia do fim do “império” do autor, que se estendeu desde o final da Idade Média até este século, e já mostra abalos, especialmente no século XIX, com o poeta francês Mallarmé, para quem é a linguagem que fala, não o autor. Para Barthes, a escritura não age no real, é o exercício do símbolo, um código narrativo mais próprio de uma “performance” que de um ato de “gênio”, na qual o texto é um tecido de signos, de citações, cujo conteúdo é a cultura humana. Escrever é um gesto de inscrição, não de expressão. Segundo ele, os críticos tentam descobrir o autor por trás do texto, ou suas hipóstases: a sociedade, a história, a psíque, a liberdade, e tentam explicá-lo, mas o signficado está na própria escritura que se torna revolucionária, no momento em que se volta ao leitor, que é anônimo, não uma personalidade, e possibilita livres e infinitas interpretações.

11

BARTHES apud DOSSE, F. História do Estruturalismo. São Paulo: Ensaio, 1993, v.I, p.238. BARTHES, Roland. La mort de l’auteur. Essais critiques IV: Le bruissement de la langue. Paris: Éditions du Seuil, 1984. p.61-7.

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Novas teorias da comunicação

O termo vanguarda só tinha sentido antes que McLuhan nos fizesse compreender o significado dos meios de comunicação. A pintura e a escultura se relacionavam com a idéia préeletrônica dos meios de comunicação. Agora que realmente sabemos o que são os meios de comunicação, devemos convertê-los no tema principal.13 As idéias de McLuhan foram decisivas no sentido de criar uma reflexão em torno dos meios de reprodução da informação, os media, e ajudou a criar toda uma “comoção cultural” em torno da publicidade, das histórias em quadrinhos, das revistas, etc., preparando o terreno para a apropriação das imagens de massa pela arte e cultura Pop.

Em seu livro Os meios de comunicação como extensões do homem, McLuhan separa o que chama de conteúdo do que chama de mensagem14. Para ele, o conteúdo, sempre provindo da referência de outro meio já conhecido, é aquilo que mais chama a atenção do público em geral, e compõe-se das narrativas, histórias, fatos, idéias, já veiculados por códigos anteriores, e mais fáceis de serem compreendidos pelas massas. Um meio, sempre podendo ser o conteúdo de outro, desenvolve uma cadeia que, em última instância, se origina no próprio corpo do homem, como sua extensão. McLuhan vê também como um meio uma diferença no código da linguagem (por exemplo: a transformação da pintura em impressionista, cubista, abstrata, concreta).

13

LEVINE, Les. In: BATTCOCK, Gregory. (org.) La idea como arte: documentos sobre el arte conceptual. Barcelona: Gustavo Gili, 1977, p.150. 14 McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1969. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Já a mensagem, nunca se mistura com o conteúdo. Ela não deriva de outro meio, mas é intrínseca ao próprio meio. “... É a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas”15. Ou seja, a transformação que a introdução do meio produz na sociedade e na cultura humanas. É este o ponto fulcral, que sintetiza a orígem do valor para McLuhan.

Isso significa que cada novo meio já possui um valor em si, independente até de seu uso. Os meios não são bons ou maus, melhores ou ruins, pois essas qualidades, em última instância, provem do próprio homem e da humanidade. Se a arma mata o ladrão ou a vítima, tanto faz. Se a geladeira destrói a camada de ozônio, isso não invalida o que trouxe para o lar moderno. Se o meio possui ou não conteúdo, é insignificante. A escala de valores só é alterada, então, pela intensidade da transformação que acarreta. Se a tranformação é pequena, insensível, o meio tem pouco valor. Se a transformação é essencial, irreversível, altera drasticamente a vida, então sua significação é enorme. Mas todo meio possui significação, em essência.

Seu conceito de que a Era Eletrônica é baseada na simultaneidade, transformando o mundo numa “aldeia global”, antecipa um conceito caro à Pós-Modernidade. Para McLuhan, a humanidade iniciou seu processo numa fase em que a oralidade dominava, no qual o sentido da audição era o mais importante (espaço acústico). Após a escrita, e a imprensa, o sentido predominante transformou-se na visão (espaço pictórico). E na Era Eletrônica, baseada na interatividade (os meios mais cool, “frios”), estamos entregues ao tato. A tactibilidade, para o autor, é o sentido mais

15

Ibid., p.22. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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importante, descentralizado no corpo, democrático, e traz a idéia de sentido espacial (o environment), no qual o ser humano se torna imerso, consciente.

Saber que “o meio é a mensagem” (ou a massagem, que toca o corpo e a mente), é estar consciente do meio e de sua significação. Desalienar o indivíduo é essencial, retirá-lo do estado de narcissus narcosis, ou seja, o entorpecimento do homem que não distingue sua imagem, suas extensões, os meios de que utiliza, de si próprio. A idéia de “minar” o sistema, subvertê-lo por dentro de seus instrumentos ideológicos, colocando-os despojados de seu conteúdo enganador, é idéia chave, a ser seguida por muitos artistas da época. Ao mesmo tempo, McLuhan concede também o elemento teórico que vai guiar a contra-cultura do final dos anos 60: as tribos “hippies” que procuram seu “éden elétrico” através do “sexo, drogas e rock’n roll”.

O pensamento crítico à cultura da sociedade de massa

A chamada Escola de Frankfurt, na Alemanha, desenvolveu um pensamento filosófico bastante peculiar em relação ao surgimento da sociedade de massa. Amparados firmemente nas idéias de Karl Marx sobre uma estrutura social fundada no capital, nas trocas e na “mais valia”, estes pensadores enxergam a cultura e as artes como uma superestrutura altamente dependente de tais bases, e estabelecem uma crítica em geral negativa acerca do produto cultural voltado às massas, normalmente de caráter “alienante”.

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Se Walter Benjamin, em seu texto A obra de arte no tempo da reprodutibilidade técnica (1938), tenta ver um lado positivo no desaparecimento da “aura” da obra de arte única, e uma possibilidade “desalienadora” na produção do cinema soviético (embora alarmado com a vertente americana), seus seguidores parecem não compartilhar do mesmo otimismo, enxergando um futuro negro para a humanidade, mergulhada em tais produtos ilusórios, restando às artes experimentais ou de vanguarda uma atividade de “resistência” frente à cultura dominante.

O termo “indústria cultural” é criado por Theodor Adorno16 e Horkheimer, em alternativa a “cultura de massa” ou mass media, para designar a produção artística voltada às massas, baseada numa alta reprodutibilidade gráfica ou transmissiva, que geralmente tende à redundância, com o propósito de “divertir” ou “convencer” o público a consumir determinado produto ou idéia e, portanto, plena de ideologia, em acordo às leis do mercado e da circulação, e baseada no efeito. A obra artística, porém, constitui uma “negação determinada” da sociedade, que faz uma mediação que permite seu conhecimento crítico. Para Adorno, o indivíduo autônomo se contrapõe às massas e ao processo histórico do capitalismo tardio, que leva ao “mundo totalmente administrado”, que a todo custo deve ser combatido, a fim de preservar a liberdade17.

Ainda mais radical, Herbert Marcuse desenvolve uma teoria da “contra-cultura”, propondo uma atividade de sabotagem ao establishment cultural, através, por exemplo, do uso intensivo da gíria e do “palavrão” por parte dos segmentos 16

ADORNO, Theodor W. Theodor W. Adorno: sociologia. São Paulo: Ática, 1994, p.92-9. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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segregados da sociedade, tática amplamente adotada pela juventude radical revolucionária que quer a transformação das instituições conservadoras. Para ele, “a arte... não pode mudar a realidade..., não pode submeter-se às exigências da revolução sem ver-se obrigada a negar sua própria essência.”18. Por outro lado, devese buscar um modo de notificar as pessoas, fazê-las compreender que são livres. “E como não existe nenhum modo de inventar uma linguagem política totalmente nova, a única esperança reside na subversão das formas de comunicação já existentes.”19. Das formas de comunicação, Marcuse afirma que duas são especialmente convenientes à tal subversão: as artes e as tradições populares. Segundo Battcock20, Marcuse teria uma visão estética bastante tradicional, desdenhando a produção de vanguarda contemporânea, adepta da anti-forma e anti-arte, que considera carentes “da transcendência que opõe a arte à ordem estabelecida”, distante “da reflexão e contemplação”, e destituida de “profundidade e sentimento”, portanto não capaz de produzir uma insatisfação real e efetiva, que conduziria a uma mudança autêntica. Ao mesmo tempo, afirma que a obra de arte deve “transformar a ordem que prevalece na realidade”, e ainda, que a revolução cultural “aponta muito além da cultura burguesa..., se dirige contra a forma estética enquanto tal”, e que “o caminho da arte é a subversão estética permanente”. Já para Ursula Meyer, Marcuse, diferentemente de Duchamp, leva a arte aos supermercados e à rua, e não às galerias e museus, ou seja, cria a visão da “sociedade como obra de arte”, na qual haveria uma união entre “uma arte e uma tecnologia liberadoras” 21. Para Meyer, uma das questões principais

17

ADORNO, Theodor W. Teoria Estética. Lisboa: Edições 70, 1988, p.280-2. MARCUSE apud BATTCOCK, op. cit., p.21. 19 Ibid., p.22. 20 BATTCOCK, op. cit., p.22-8. 21 MEYER, Ursula. In: BATTCOCK, op. cit., p.96-102. 18

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do filósofo alemão seria a “dessublimação”, na qual o sublime, o belo, o ordenado, o harmônico teriam perdido seu sentido, sua sacralidade, substituidos subversivamente por uma apropriação negativa e ridicularizada desses conceitos, originando, assim, uma “anti-arte” que, citando Battcock, deveria caracterizar-se, ao menos temporariamente, “inaceitável como arte”.

Mais recentemente, Jürgen Habermas, que também enxerga um caráter conservador na visão de Marcuse sobre a arte contemporânea22, assume esse papel de oposição, resistindo firmemente às idéias do Pós-Estruturalismo francês e da Pós-Modernidade americana, que pregam uma aceitação e dissolução da cultura de massas na produção erudita, acolhendo o historicismo e o ecletismo como possibilidades inerentes à fragmentação do mundo contemporâneo. Contra tal postura, o autor propõe uma continuidade dos ideais da Modernidade, sempre com caráter crítico e transformador, pois a “missão” da cultura e da arte moderna ainda não foi concluída, ou seja, a desalienação da sociedade frente ao domínio do poder do capital23.

*

*

*

Destas três fontes de pensamento, já é possível sintetizar algumas idéias básicas que vão guiar a arte nas décadas de 60 e 70: a desconstrução das estruturas e códigos da linguagem (Estruturalismo); a consciência dos meios de comunicação e da transformação que causam em nossa sociedade (McLuhan); e a subversão

das

ideologias, sejam elas relacionadas à linguagem, à dominação socio-econômica, ou à 22

HABERMAS, J. Habermas: sociologia. São Paulo, Ática, 1980, p.132-8.

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arte (tradicional), através da invasão do espaço público e dos meios de comunicação (Marcuse e Escola de Frankfurt). Vejamos agora como estas premissas se adaptam ao discurso artístico da arte conceitual.

Arte Conceitual

A arte conceitual emerge de várias iniciativas individuais a partir de meados da década de 60, adotando tal designação por volta de 1968, e tendo em comum um “repúdio aos aspectos ‘burgueses’ da arte tradicional”24. Os artistas conceituais planejavam uma ruptura às habituais atividades de produção, contemplação e apreciação artísticas, contrariando seus aspectos comerciais e de consumo, e aproximando-se de preocupações sociais, ecológicas e intelectuais.

De modo geral, a arte conceitual está inserida no processo que Lucy R. Lippard denominou “desmaterialização” do objeto artístico25, ou seja, uma redução dos aspectos materiais - obra única, permanente, decorativa ou estética - da obra de arte, em relação às obras anteriores, tradicionais. O termo englobava, além da arte conceitual, a Arte Povera italiana, a Land Art (arte ecológica), a Body Art (arte corporal), e outras tendências próximas. Entretanto, tal designação foi contestada, principalmente pelo grupo inglês Art-Language, que observava que, por mais efêmeros que fossem os materiais utilizados, especialmente na documentação (como

23

HABERMAS, J. Modernidade versus Pós-Modernidade. Arte em Revista, São Paulo, CEAC, n.7, p. 86-91, 1993. 24 BATTCOCK, op. cit., p.9. 25 Tal denominação aparece pela primeira vez na revista Art International de fevereiro de 1968, e vai ser adotado pela autora nos anos seguintes. LIPPARD, Lucy R. Six Years: The dematerialization of the art object from 1966 to 1972. New York: Praeger Publishers, 1973. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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xerox em folhas de papel), ainda eram, em essência, materiais.

Benjamin Buchloh construiu uma história da arte conceitual, principalmente de suas orígens, bastante interessante, na qual lista, em nota, a presença do termo nas artes plásticas na década de 60: a concept art de Henry Flynt, em 1961 (publicado em 1962); o concept tableaux, nome usado por Edward Kienholz, em 1963; conceptual, Joseph Kosuth, em 1966 (porém publicado em 1967); e finalmente conceptual art, nos famosos parágrafos de Sol LeWitt, em 196726.

O autor coloca a orígem da tendência nas várias leituras da arte minimalista, realizadas pelos jovens artistas de meados dos anos 60, como Dan Graham, baseado em Sol LeWitt, Mel Bochner, em Dan Flavin, e Joseph Kosuth, influenciado por Donald Judd. Bochner é apontado como primeiro autor de uma exposição tipicamente conceitual, em 1966 (Working Drawings and Other Visible Things on Paper not Necessarily Meant to be Viewed as Art27 - School of Visual Arts - NY), na qual reune quatro livros com documentação e desenhos em xerox sobre quatro bases idênticas.

Sol LeWitt, por outro lado, é visto como introdutor de um processo que estabelece uma das principais vias da atividade conceitual, especialmente de seu caráter estruturalista: uma estrutura fixa abriga um conteúdo formal/visual organizado aleatoriamente (e aqui estabelecendo uma ligação com o poeta Mallarmé e seu livro 26

BUCHLOH, Benjamin H. D. Conceptual art 1962-1969: from the aesthetic of administration to the critique of institutions. October, New York, p.105-43, 27 set 1990. 27 “Trabalhos em Desenho e Outras Coisas Visíveis sobre Papel não Necessariamente Pensadas para serem Vistas como Arte”. (tradução do autor) Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Un coup de dés - Um Lance de Dados).

Evidentemente, Marcel Duchamp é citado frequentemente por artistas e historiadores, entre eles o próprio Kosuth, como o divisor de águas da produção artística. Robert Morris, segundo Buchloh, faz uma leitura do ready-made, na qual este é visto em analogia com o modelo lingüístico de Saussure, no qual o significado é gerado pela relação estrutural (ou contextual).

Buchloh constrói uma hipótese sobre a proliferação de obras utilizando quadrados e cubos, tão presentes no início da década de 60, na qual o quadrado, por processo de opacidade ou transparência, acaba se mostrando como objeto tridimensional e ganhando o espaço real, e com isso transformando-se em processo fenomenológico, e a seguir em conceito linguístico, lidando com a relação institucional do circuito de arte, e saindo dele, como faz, por exemplo, o artista francês Daniel Buren.

Outro ponto é a interligação entre a arte conceitual e as vanguardas russas do início do século, usando como estratégias suas práticas e procedimentos (e não seus materiais e morfologias). Daí um certo caráter utópico revolucionário, de contestação, dirigindo-se a uma dissolução da arte na vida cotidiana (idéia próxima à “Filosofia da Libertação” de Marcuse).

Para este autor, a arte conceitual constituir-se-ia, enfim, como uma “estética da administração” (e não da produção) da obra de arte, que em tudo se espelharia no sistema burocrático da manipulação da informação na era “pós-industrial”.

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Segundo outro autor, Bruce Altshuler28, o final da década de 60 inaugura a ascensão do curador como criador, ou seja, um articulador que pode inclusive subverter o formato tradicional da exposição. Como exemplos dessa nova postura, cita Seth Siegelaub e Harald Szeemann, ligados especialmente às primeiras exposições de arte conceitual.

Siegelaub, após algum tempo trabalhando com uma galeria de arte tradicional (uma “caixa branca”), parte para novas propostas, ligadas às novas tendências, nas quais a exposição pode inclusive ser substituída pelo próprio catálogo, este tornando-se a “informação primária” e não mais “secundária” da atividade artística. A primeira dessas investidas foi Douglas Huebler: November, 1968, no qual os trabalhos são apresentados através de mapas, descrições, fotos, enfim, documentação. Nos créditos, uma inscrição informava que tal documentação encontrava-se em um armário do apartamento de Siegelaub, e para sua surpresa, algumas pessoas foram até lá para “ver a exposição”, que, evidentemente, não existia. Seguiram-se Lawrence Weiner. Statements, (Afirmações) contendo apenas frases indicando atividades possíveis de serem desenvolvidas (as “obras”) e com a seguinte declaração: 1. O artista pode construir a peça 2. A peça pode ser fabricada 3. A peça não necessita ser construída Cada uma dessas possibilidades sendo idêntica e de acordo com a intenção do artista, a decisão sobre sua condição fica sujeita ao receptor na ocasião de sua recepção.29 e o que foi chamado de Xerox Book, impresso por fotocópia com edição de 1000 28

ALTSHULER, Bruce. The avant-garde in exhibition: new art in the 20th century. New York: Harry Abrans, 1994, p.236-55.

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exemplares, contendo 25 páginas destinadas a cada um dos sete artistas participantes.

Uma exposição híbrida, e considerada marco da arte conceitual, foi January 5-31, 1969, mais conhecida como January Show, realizada em um escritório de um prédio comercial da Rua 52, em Nova York, reunindo Lawrence Weiner, Douglas Huebler, Robert Barry e Joseph Kosuth. Siegelaub afirmava então que a exposição consistia nas idéias comunicadas no catálogo, sendo a presença física do trabalho suplementar a este. Invertendo a premissa, as obras expostas no local são uma ilustração do catálogo, que contém todas as obras.

Duas outras exposições realizadas por Siegelaub, reunidas apenas em catálogo, no mesmo ano de 1969, foram: March 1-31, 1969 , reunindo 31 artistas internacionais (um dia para cada um) e July, August, September 1969, com onze artistas realizando obras em várias cidades da América e Europa.

Harald Szeemann, diretor do museu Kunsthalle em Berna, Suíça, realizou, também em 1969, uma grande exposição, remontada em várias cidades, chamada When Attitudes

Become

Form:

Works-Processes-Concepts-Situations-Information,

conhecida por uma frase publicada na primeira página do catálogo: Live in Your Head.30 A mostra reunia sessenta e nove artistas de várias tendências, como antiforma, Arte Povera, arte conceitual e Land Art, com trabalhos dentro ou fora do espaço do museu, materiais ou imateriais. Diferentemente dos catálogos de 29

GOLDSTEIN, Ann e RORIMER,Anne. Reconsidering the object of art: 1965-1975. Los Angeles: Museum of Contemporary Art, 1995, p.222. (tradução do autor) 30 “Quando Atitudes se tornam Forma: trabalhos - processos - conceitos - situações - informação. Vive em sua mente.” (tradução do autor) Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Siegelaub, o desta exposição, embora funcionando similarmente, continha ainda textos críticos, além de uma apresentação, relatando o próprio desenvolvimento de curadoria da mostra, entendida como um período de processo, dentro do qual os artistas fariam atividades, transformando o museu e a cidade em um grande ateliê de portas abertas.

Altshuler, porém, adverte que tal exposição foi patrocinada pela Philip Morris, isto quer dizer, uma mostra de arte creditada como “não comercial”, só foi possível graças ao patrocínio de uma empresa privada multinacional.

Lucy Lippard pode-se juntar a Siegelaub e Szeeman, ocupando tanto o lugar de uma crítica engajada, como de curadora de exposições e catálogos inovadores, como lembra Susan L. Jenkins31. Em 1969, organiza uma série de exposições que trocam de nome, de acordo com a população da cidade em que é montada: em Seattle, “557.087”, em Vancouver, “955.000”, e assim por diante, sempre a partir de instruções enviadas pelos artistas. O catálogo era composto por fichas soltas, sem ordem estipulada, desenhadas pelos artistas, ou contendo textos de teóricos e filósofos. Aos poucos, se interessa especialmente por artistas mulheres e temáticas relacionadas ao movimento feminista, compondo em 1973 uma mostra itinerante que podia ser facilmente transportada, cabendo em um pequeno pacote.

Joseph Kosuth, um dos principais artistas conceituais, foi também seu principal teórico, e seu artigo Arte depois da filosofia, publicado em 1969, aparece como um

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verdadeiro manifesto da arte conceitual, no qual coloca suas principais premissas.

Para Kosuth32, a arte teria tomado o lugar da filosofia na tarefa de lançar novas asserções sobre o mundo e suprir as necessidades espirituais do homem. A filosofia do século XX teria se tornado, para ele, uma metalinguagem “histórica”, que não produziria idéias novas, e se ocuparia de nichos do pensamento muito específicos. Isso se oporia frontalmente a qualquer possibilidade de ver a arte como entretenimento, pura diversão, decoração, experiência visual, coisas que deveriam ser supridas pela cultura kitsch e pela tecnologia. A viabilidade da arte estaria em dedicar-se à sua própria condição específica enquanto conhecimento (o que, à princípio, se alinha às idéias de Greenberg).

Porém, esta condição (e aqui contradizendo Greenberg, que segundo Kosuth seria um crítico do gosto) não estaria na visibilidade ou visualidade, ou seja, em seu aspecto formal. Estética, para ele, não teria nada a ver com arte. Esta serviria apenas para esconder a arte, tanto quanto os aspectos literários, religiosos ou sociais das obras. Tal condição estaria, sim, na sua capacidade de formular novas proposições e conceitos. O veículo material e formal utilizado para isto seria apenas arte em seu aspecto contingente, isto é, temporariamente. Assim que é lançada a mensagem, se tornaria inútil, permanecendo apenas como lembrança do fato artístico, e por isso seria guardado nos museus. Olhando deste modo, as pinturas de Van Gogh valeriam tanto quanto seus pincéis ou paleta, ou seja, seriam meras curiosidades de

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JENKINS, Susan L. Information, communication, documentation: an introduction to the cronology of group exhibitions and bibliographies. In: GOLSTEIN e RORIMER, op.cit., p.269-75. 32 KOSUTH, Joseph. Arte depois da filosofia. Malasartes, Rio de Janeiro, n.1, set/out/nov 1975. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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colecionador. A verdadeira arte seria a nova possibilidade artística que Van Gogh concedeu à arte (sua proposição artística).

Kosuth encontra uma referência a seus pensamentos na filosofia da linguagem de Wittgenstein, na qual o significado é fruto de um jogo de contextualização. Assim, qualquer objeto material (ou qualquer proposição ou acontecimento) poderia ser utilizado enquanto arte. Tanto um desenho, uma pintura, uma escultura, quanto qualquer objeto ready-made. Duchamp, segundo Kosuth, seria “o pai da arte conceitual”, pois teria feito esta colocação de maneira absolutamente clara. E, a partir de tal ponto, seria impossível retroceder.

As categorias artísticas, segundo o artista, não seriam, portanto, a priori, arte. E ainda afirma que realizar uma pintura ou escultura, imediatamente, já desvalorizaria sua condição enquanto arte, pois já estaria atrelada a uma tradição ou código artístico já conhecido e que, portanto, não haveria transformação e questionamento do próprio conceito, função ou natureza da arte, orígem do valor artístico para Kosuth.

Contudo, inovar na linguagem não seria o mesmo que inovar na proposição. A linguagem da arte é um meio, e como tal, poderia existir sem questionar sobre a natureza da arte. O autor dá como exemplo a arte cinética, que para ele seria tão formalista como outras vertentes artísticas menos tecnológicas. A proposição deveria ser um ato analítico, ou seja, deveria descrever a arte em sua exclusiva condição de arte, e não sintética, baseada na experiência de fatos empíricos. A proposição deveria usar a lógica e portar-se enquanto tautologia, sendo objetiva e evitando qualquer

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subjetividade.

Segundo Kosuth, a nominação de arte caberia, em primeira instância, ao próprio artista, que qualifica sua atividade enquanto arte, e só posteriormente caberia ao circuito, que a expõe, divulga, critica, historiciza, mercantiliza. O crítico de arte era necessário

para

a

mediação

artista-obra-público

devido

ao

dualismo

idealização/percepção, dentro do sistema de “entretenimento” que dominava a arte. A proposição conceitual acaba com este sitema: a arte não é um espetáculo, o artista não é um demiurgo e o público se resumiria aos especialistas em arte (os próprios artistas). Assim, o crítico se tornaria desnecessário, pois a função de conceituar a arte caberia exclusivamente ao artista. Não cumprir esta função seria sinal de irresponsabilidade e incompetência.

Assim, o valor artístico seria medido a priori, pelo próprio artista, que faria sua proposição e já a analisaria a partir da própria obra. O que anularia instantaneamente qualquer possibilidade de juízo de valor, já que qualquer sistema de avaliação posterior à obra tenderia a ser negado pelo artista. Atividade típica da contra-cultura, a Arte Conceitual abriria a tendência à desconstrução dos sistemas (inclusive o da própria arte) e, no momento em que a arte é identificada com a idéia, o conceito, e não com a materialidade ou visualidade da obra, seria abolida sua inserção enquanto mercadoria (ao menos, ideologicamente, pois todos os “registros materiais” das idéias ou proposições eram comercializados normalmente) dentro do capitalismo internacional.

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Na introdução do primeiro número da revista editada pelo grupo britânico Art & Language (Atkinson, Bainbridge, Baldwin e Hurrell)33 são colocadas algumas interessantes questões sobre a arte conceitual: 1) a arte conceitual não se confunde jamais com teoria da arte ou crítica de arte, embora, assim como essas disciplinas, articule idéias sobre a natureza da arte e da obra de arte; 2) partindo da experiência do ready-made de Marcel Duchamp, no qual um objeto industrial do cotidiano, inserido num contexto artístico, torna-se obra de arte, é possível pensar algumas outras hipóteses, como, inversamente, tomar um objeto feito em meio artístico e colocá-lo em meio não artístico, declarando-o não mais como obra de arte, e assim retirando sua artisticidade (Crane de Bainbridge - 1966) ou, de modo ampliado, declarando não um objeto, mas todo um determinado ambiente ou situação, em um dado intervalo temporal, como passível de ser considerado arte (Declaration Series de Atkinson e Baldwin - 1967); 3) a interrelação entre a psicologia da percepção e a arte conceitual, considerando a transformação da percepção, pela suspensão dos hábitos cotidianos da atividade do ver, mas tendo como referência o sistema lingüístico convencionado e utilizado pelo circuito da arte.

Ursula Meyer34 explicita a razão pela qual a arte conceitual deseja dispensar o mediador (ou crítico) que interpreta a obra de arte: uma vez que as idéias ou intenções do artista encontram-se colocadas na própria obra, de modo objetivo, diferentemente de outras reduzidas à sua aparência,

fica o juízo de valor sem

sentido, na medida em que possibilita equívocos ou interpretações diversas daquelas estabelecidas pelo artista.

33

Art & Language n.1,Coventry: Art Language Press, 1969. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Meyer relaciona a arte conceitual aos novos aparelhos eletrônicos, nos quais os microchips, “abstrações de abstrações”, comandam o aparelho, substituindo as antigas e pesadas peças mecânicas. O mesmo ocorre na arte, tornando sem sentido o objeto artístico manufaturado, permanente, de qualidade, e dotado de estilo pessoal. A estética é entendida, não como “filosofia do belo”, mas como “filosofia da percepção”. Assim como a ciência se destina a cientistas, e a filosofia a filósofos, a arte se destina somente aos artistas.

Dentro das premissas da arte conceitual, está inserida uma contestação geral ao circuito de arte instituído, e representado pelas galerias, museus, críticos, revistas de arte, colecionadores, que fazem uma intermediação entre o artista, sua obra e o público. Victoria Combalia35 comenta o fato, lembrando que, evitando a mercantilização da arte como produto, e sua devoração pelas instituições, deveriam ser atacadas todas formas de dotação de valor, no qual o museu é visto como um aparelho ideológico do Estado, assim como a crítica, pretensamente livre, portadora das normas impostas pelo sistema. E a galeria, geradora da “mais valia”, retira o controle da mão do produtor, o artista (embora a autora lembre que em 1975 os artistas conceituais eram disputados pelas maiores galerias, como Leo Castelli e Konrad Fisher).

Combalia tenta ver tal produção a partir da ideologia da qual parte, ou que reflete, e reconhece a ligação da arte conceitual com a ideologia empirista, em sua versão mais

34

MEYER, Ursula. (org.) Conceptual Art. New York: E.P.Hutton, 1972. COMBALIA Dexeus, Victoria. La poética de lo neutro: análisis y crítica del arte conceptual. Barcelona: Editorial Anagrama, 1975. 35

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moderna, o neopositivismo e a filosofia analítica.36 Característica das tendências filosóficas, o conceitualismo partiria de uma postura distanciada e acrítica, rumo a estilemas aparentemente neutros e pseudocientíficos, que a autora afirma colaborar com o imobilismo e a sectarização dos campos, tática comum à ideologia dominante37.

Sobre a questão da documentação, observa que há um certo romantismo quanto ao “lugar de orígem” da obra, que carregaria uma conotação existencial para o artista e os poucos que porventura estivessem presentes, fato este imediatamente “esfriado” pela intermediação da fotografia e outros meios de reprodução, e ao mesmo tempo, gerando o privilégio às revistas de arte como meios primeiros de informação38.

Por outro lado, tal relação existencial emerge de uma postura de completa identificação entre arte e vida, na qual “tudo pode ser considerado arte” ou qualquer coisa pode chegar a ser arte, desde que descontextualizada de seu ambiente natural e recontextualizada em ambiente artístico. Mais que a vontade de escândalo (de Dadá), há uma fascinação por parte do artista em suas vivências, e mesmo de disciplinas como a ciência e a matemática.39. Justifica-se, desse modo, a inserção dos outros sentidos (audição, olfato, paladar, tato), com uma redução significativa do aspecto visual. Porém, confundir arte e vida seria um equívoco, pois a prática artística, como 36

A metodologia empirista, explica a autora em nota, citando Manuel Castells, é a representação da prática científica que, pressupondo que o conhecimento está contido nos fatos, conclui que deve resumir-se em comprová-los, reuní-los e sistematizá-los, através de um processo de abstração que os faça sucetíveis a um manejo eficaz, ou seja, acumuláveis e comunicáveis. Parte da Teoria dos Dados, segundo a qual, primeiro se armazenam informações “objetivas”, para posteriormente analizá-las. COMBALIA, op. cit, p.52. 37 Ibid., p.32-3. 38 Ibid., p.39-40. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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forma de apropriação do mundo, não supõe ser este mundo, e como apresentação específica da realidade, não pode ser esta mesma realidade.40 E indaga-se: Como pode se pensar que arte e vida sejam o mesmo se uma ação de qualquer artista é difundida por canais artísticos e sua fotografia é vendida?41 Para ela, existem dois fatores, essencialmente artísticos, que permanecem: 1) a comunicação da obra, através de determinados canais e 2) o contexto em que a obra está inscrita. E, no lugar de uma vontade de gozo estético, existe uma vontade de investigação (estética). Essa “neutralidade estética”, ou vontade de evitar coisas “belas’, para a autora, é, mais que indispensável, um estilema distintivo da arte conceitual42. Porém, o “belo” não é um conceito absoluto, mas fruto de normas ou códigos estéticos e os movimentos de vanguarda, no âmbito de rompê-los, acabam por transformá-los e inauguram novas formas de percepção e, com eles, novos padrões do “belo”. O objetivo é, desta forma, fazer visível um novo modo de perceber a realidade. Esse modo, porém, ampara-se basicamente no processo de constatação, ou seja uma seleção feita sobre a realidade observada, sem aparentes modificações ou juízos. Citando o crítico italiano Germano Celant, é uma visão sobre o appariscente, uma espera epifânica do advento do fenômeno material.

A ciência e a matemática, outros estilemas conceituais, são vistos como uma ampliação do interesse das vanguardas que parte do objeto representado para o objeto declarado de arte (readymade), e para os princípios científicos de sua construção (que 39 40

Ibid., p.42. Ibid., p.44.

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esta autora vê como uma justificação redundante). Em especial, as medidas de espaço, tempo ou lugar, atuam como redundância, justificável como elemento de retórica, ou seja, socialmente persuasiva (devido ao crédito incondicional na ciência), e portanto, atestando o caráter “sério” da arte experimental, necessário em consequência do vazio no qual parece estar imersa a arte para o público, que não entende sua função, já que não decora, não representa, não evoca. Possui também, desta maneira, função ideológica.

Outro ponto importante, para Combalia, é a estetização do processo de construção da obra, com a consequente documentação de todas suas fases, também com base científica, desconstruindo o próprio momento de criação. Deriva disso, segundo a autora, o gosto pela série, ou a captação da realidade de forma sequencial.

A mitificação da idéia, comum a muitos artistas, pode ser resumida, citando Sol LeWitt, em “pensamentos ilógicos” que devem ser “seguidos com estrita lógica”, afirmando, assim, um irracionalismo da idéia (não compartilhado por Kosuth). Essa supervalorizaçao do aspecto mental sobre o material também aponta para um trabalho cuja forma é o esboço ou projeto da idéia, que não necessita ser posta em prática.

Combalia aponta ainda os níveis dos significados denotados (códigos e subcódigos específicos) e conotados (sistemas retóricos, subcódigos estilísticos) como os níveis principais de atuação da arte conceitual, que ora fazem uma hipóstase do significante, 41

? cómo puede pensarse que arte y vida sean lo mismo si una acción de cualquier artista es

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40

ora do significado.

Sobre o problema da tentativa de anular a crítica, como se esta fosse redundante às idéias colocadas a priori pelos artistas, Combalia esclarece que há outro equívoco, cujo propósito é de impedir um juízo valorativo, como se este desvirtuasse as intenções do artista, e apenas suprisse o conteúdo da obra, e não (como realmente deveria se colocar) como um saber científico de efetiva valoração, a partir de posições e critérios seletivos claros. A própria crítica engajada, como a de Ursula Meyer, que afirma sua neutralidade, é falsa, pois contém, ideologicamente implícitos, seus reais propósitos e juízos, na própria seleção que faz, de artistas, documentação, textos.

Catherine Millet43, examinando as modificações acontecidas na arte nas últimas duas décadas, estabelece um padrão de aparente oposição, fazendo algumas considerações sobre a arte conceitual: a mudança da circulação de obras de arte pela circulação de idéias, e a desvalorização do objeto que será sucedida por sua supervalorização. Afirma que, mais que uma negação do formalismo, o conceitualismo evidencia-se como sua continuação, ampliada, que, além do quadro como auto-referência (citando Greenberg), se verifica uma preocupação de demonstrar a inserção deste no espaço real, e mais além, a especificidade da obra de arte dentro da sociedade e sua inserção relativa e móvel neste sistema. O colecionador é abordado ao mesmo tempo como um “despossuído”, que muitas vezes não mais pode adquirir a obra, contentando-se difundida por canales artísticos y es vendida su fotografia? Ibid., p.45. 42 Ibid., p.59-60.

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com sua documentação (aparentemente sem valor), ou financiando sua realização, e assim, adquirindo uma nova projeção no circuito de arte , como um mecenas moderno (embora contraditoriamente repudiado pelos artistas). O mercado de arte, como produtor de valor, é denunciado e contestado incessantemente, mas para Millet, tal fato se torna uma forma geratriz para as gerações posteriores, deixando evidente a inscrição da obra de arte em uma dada estrutura social.

Robert Morgan44 utiliza a metáfora da penumbra, ou zona cinza, para contextualizar a arte conceitual como intermediária entre o modernismo e o pós-modernismo, considerando-a ao mesmo tempo como fim de um período e início de outro, e responsável pela introdução, não de um estilo, mas de um método inovador para a prática artística dentro da “Era Informacional”, dominada pelo advento da crescente acessibilidade ao computador e aos sistemas de informação. Para Morgan, pode-se dizer que constitui uma passagem do visível ao invisível. Ou melhor, tomando Duchamp como referência, um salto para um anti-formalismo “não-retiniano”, e assim, oposto à crítica formal de Greenberg, Michael Fried e da então emergente Rosalind Krauss. Em lugar da Forma, a Idéia, ou um sistema de pensamento com um epicêntro linguístico. Sua orígem poderia ser concentrada no ano de 1913, quando simultaneamente Duchamp apresenta seu primeiro ready-made, a “Roda-deBicicleta”, e Malevitch realiza sua primeira pintura suprematista, o “Quadrado Negro Sobre Fundo Branco”, demonstrando os limites da lógica cartesiana, e a contestação de que a forma equivale ao sentimento. Do híbrido dessas duas vertentes surgiria a 43

MILLET, Catherine. Le montant de la rançon. L’art conceptuel: l’avant e l’après. Art Press, Paris, n. 139, p.36-41, st 1989.

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arte conceitual.

Morgan apresenta três tipos de métodos utilizados pelos artistas conceituais: o estruturalista, o sistêmico e o filosófico.

O método estruturalista se baseia na premissa de que, citando Lucy Lippard e John Chandler, a obra de arte, enquanto linguagem, não é uma coisa em si, mas símbolos ou representações de coisas, ou seja, um meio, mais que um fim, e que, como meio, não precisa trazer mensagem, pois os meios tradicionais da arte já carregam mensagens em si. A afirmação do meio significa a presença da arte, enquanto o objeto artístico ganha uma condição de ausência. Ou, como diria Ad Reinhardt, “arte como arte”. Destes termos nasce a concepção de Kosuth de que a arte deve estar engajada na investigação da arte como método de esclarecer seu significado em relação à cultura. Melhor dizendo, segundo Jack Burnham, deve-se decifrar os códigos culturais ocultos da arte, compreendendo qual é sua posição em um determinado contexto social, negando, deste modo, a universalidade da arte, e investigando a linguagem que utiliza. Tal método se apoia na ausência do significante (o objeto) em relação à função do significado (a idéia). Para isso, é essencial um determinado contexto, que é construído a fim de explicitar a idéia, que só existe em relação a tal contexto. Assim, o sentido de uma obra conceitual pode variar, dependendo de sua inserção contextual imediata, ou seja, de suas condições físicas e temporais. Portanto, é modificado pelo ato da recepção do espectador, que é contantemente desafiado a decifrar tais sentidos, ou o colapso dos significados em 44

MORGAN, Robert. Art into ideas: essays on conceptual art. Cambridge: Cambridge University Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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signos. Em última instância, o que está por trás de tal método é o contexto sociopolítico e econômico, e a crítica ao objeto artístico, através de sua ausência, é uma crítica das instituições que permitem sua existência.

O método sistêmico se aproxima e deriva da experiência minimalista, e tem por base o sitema e a seriação, como um método anti-formalista de ir além da limitação da ordem expressiva. Para isto, parte-se de uma convenção de forma, cor, aspecto, que uniformize a apresentação da informação, ou seja, um modelo, de modo a minimizar seu caráter estético (por exemplo: catálogos, fichários, listas, estatísticas, plantas, mapas, etc). Os sistemas de informação podem ter alguma importância, mas o que realmente conta é a maneira pela qual se opera o sistema. Dentro desse método estariam Sol LeWitt, On Kawara, Hanne Darboven, Mel Bochner, Vito Acconci e Hans Haacke. Este último, através de seus sistemas, traria à tona outros sistemas maiores e mais complexos, como os políticos e sociais, demonstrando, através de seus questionários e gráficos, sem necessidade de comentários, a propria dependência da produção do objeto artístico em relação ao sistema social.

O método filosófico tem por princípio investigar a natureza da arte, aproximando-se aos métodos científicos, à matemática e à lógica. Citando o artista francês Bernar Venet, trata-se de verificar como se dá o processo criativo, descobrir suas estruturas, não as descrevendo, mas mostrando-as enquanto se desenvolvem e se revelam. Ou, como coloca o americano Harry Flynt, aliado esporadicamente ao grupo Fluxus, uma meta-teoria, que desenvolve uma posição estética sobre a grande totalidade de existir

Press, 1996, p.2. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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no mundo, a percepção da vida em sua essência concreta. Observações, diálogos, reduções lógicas da realidade ontológica seriam a prática desse método, no qual arte e vida ofereceriam sentidos através da linguagem, que se auto-referencia em termos do assunto falado.

Sobre o perceptível afastamento do público e da crítica a estas práticas artísticas, Morgan coloca que, isenta de apelos visuais, e plena de teorias intelectuais, a arte conceitual parece opaca, inerte ao laço da crítica e gera a noção de que está isenta de critérios qualitativos, pois considera irrelevantes as interpretações, na medida em que se apoia em proposições e intenções, coisa que o autor vê como uma ingenuidade. Após mais de vinte anos, é possível identificar trabalhos efetivos e medíocres, o que mostra que o aspecto qualitativo é tão importante para a arte conceitual como para outras formas de arte, mais tradicionais. Apenas, a perspectiva é outra, baseada na linguagem, pela qual pode-se analisar a clareza dos conceitos, podendo inclusive ser dotada de conteúdo emocional, mesmo sendo “desmaterializada”.

Assim como Morgan, Stephen Melville45 também diferencia a arte conceitual de um estilo, ou movimento artístico, e propõe pensá-la essencialmente como um novo paradigma, dentro da questão da Pós-Modernidade. Melville compartilha também o pensamento de que tal produção integra dialeticamente questões opostas, e enfatiza a influência de Wittgenstein, de quem são tomadas simultaneamente as idéias do início de sua obra (o positivismo lógico e as proposições) e do fim (aforismas). Cita também Heidegger e, especialmente, Merleau Ponty, como fontes que se dirigem à

45

MELVILLE, Stephen. Aspects. In: GOLSTEIN e RORIMER, op. cit., p.229-45. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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fenomenologia da percepção ou, como já foi dito, a uma transformação ou negação da estética tradicional. É uma vitória do saber sobre o sentir, como diz Francesca Allinovi46.

Giulio Carlo Argan tem uma visão bastante crítica, e afirma que a arte conceitual “é algo mais e algo menos do que a morte da arte: algo mais porque não é apenas uma ausência, mas uma presença contrária; algo menos porque implica, e sempre, uma actividade artística, embora de sinal contrário. O paradoxo é evidente: se o fazer antiarte é o único modo de fazer arte, a arte destrói-se no acto de se fazer a si própria.47 Para ele, a obra de arte era o modelo ideal do objeto, e sua crise traz à tona a própria crise da noção de objeto, da mercadoria, o que gera a crise do valor, e portanto, de seu juízo crítico. O conceito de arte “separa-se de qualquer experiência da realidade, de qualquer finalidade social ou ideológica, de qualquer noção histórica da arte, de qualquer teoria da arte ou estética”.48 Enfim, “... o conceptualismo coloca decididamente a arte fora do espaço e fora do tempo, exclui-a, talvez para sempre, do mundo existente”49.

Ainda segundo Argan50, o fim da obra de arte como objeto coincidiria com o fim da idéia de que o objeto constituisse um valor ou, economicamente falando, um bem patrimonial. “A coisa foi substituída por sua imagem...” e reduzida à notícia.

“A

inserção da exigência estética na tecnologia da informação e da comunicação não é 46

ALLINOVI, Francesca. Natura impossibile del post-moderno. In: L’arte mia. Bologna: Il Mulino, 1984, p.203. 47 ARGAN, Giulio Carlo. Arte e crítica de arte. Lisboa: Estampa, 1988, p.119. 48 Ibid., p.123-4. 49 Ibid., p.124. 50 ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.581-92. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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teoricamente impossível,...mas choca-se com a finalidade do sistema, que,... faz de tudo para desestimular nos consumidores a tendência de formular juízos de valor”51.

Anuncia algumas hipóteses, que considera inconsistentes, de que a sociedade contemporânea tentaria realizar com suas tecnologias os valores que, no passado, realizavam-se com as técnicas artísticas, ou as utilizaria para produzir valores estéticos diferentes e coerentes com suas estruturas. A chamada “morte da arte” não seria, senão a decadência consumada de um conjunto de técnicas artesanais, que já não se coordenaria com o sistema industrial de produção. Segundo ele, muitos artistas sentiram a necessidade de deixar de lado os objetos artísticos, para trabalhar no ambiente:

Superado o problema da arte-objeto, o protagonista da experiência estética passa a ser o ambiente, enquanto espaço em que os indivíduos e grupos sociais se inserem e vivem, enquanto o outro, no sentido mais amplo, com que se defronta o si. ... Uma intervenção cuidadosamente projetada e consumada partiria da idéia ( ou da ideologia) de um ambiente reformado segundo princípios que, pelo simples fato de serem o que são, limitariam a autonomia individual. É por isso que se almeja a “contestação total” como substituição da razão pela imaginação, para resolver os problemas da existência.52

51 52

Ibid., p.582. Ibid., p.589. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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47

Novas tecnologias da imagem e multimeios nas artes visuais

Pode-se verificar, no entrelaçamento das várias reflexões apresentadas neste capítulo, alguns pontos em comum que levam à formulação de uma estratégia específica de atuação das artes plásticas experimentais, a partir principalmente do final dos anos 60, e que se estende pela década seguinte, em seguida diminuindo seu potencial de aglutinação e influência (mas persistindo até os dias atuais). Essa estratégia visa a utilização intensiva dos meios de reprodução e transmissão de imagens e informações, em especial dos novos meios tecnológicos, ou seja, os mesmos usados pela indústria cultural, mas com intenção de subvertê-los, dissecar suas estruturas, formular novos códigos e linguagens. Examina suas contradições internas como meios aparentemente democráticos, destituídos de valor material, e ao mesmo tempo saturados de valores ideológicos falseados em entretenimento, serviços, informações “isentas” e “neutras”. Potencializa também sua pesquisa linguística pura, abandonando

os

conteúdos

tradicionais

conservadores

em

prol

de

um

experimentalismo radical do meio enquanto significante.

Para Argan53, o uso dos mídia traduz-se como uma investida contra a informação em sentido único que, sendo geralmente gerida pelo poder, poderia transformar-se em fator de repressão e opressão. “Daí a tentativa de agir em sentido inverso, contestatório, pela manipulação e experimentação individual desses mass media (...),

53

Ibid., p.592. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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48

visando a convertê-los em meios de comunicação que não sejam de mão única e permitam a resposta e o discurso”54.

Frank Popper chama a atenção para a diferença entre “participação” e “interação”, sendo a primeira derivada da arte participativa dos anos 60, na qual há um envolvimento intelectual e comportamental, normalmente envolvendo atividade física e pessoal, e a interatividade seria específica dos meios tecnológicos, que permitiriam estímulo e resposta em dois sentidos entre obra e espectador”55. Além da interatividade,

Popper

enumera

outros

valores

para

a

arte

tecnológica:

multisensorialiadade, as alterações do processo criativo e as possibilidades de estímulo

mental

e

emocional

relacionado

à

multidimensionalidade

espacial/temporal56.

Segundo Victoria Combalia57, os artistas conceituais se esforçaram para dizer que os meios utilizados seriam um simples canal que retransmitia suas idéias, estas constituindo o fator principal, e importante. Mas a autora afirma que, na verdade, o “como” apresentar a idéia, altera seu sentido, e portanto, mais uma vez, a neutralidade ideológica dos meios é negada pela prática artística. Os meios “frios” (na classificação de McLuhan), tem um papel preponderante, na medida em que propiciam a participação ativa, distanciada e analítica por parte do espectador, tornando-se, assim, altamente significativos, e “esfriando” as ações “quentes” (corpo, voz, gesto). Citando Celant, a seleção dos mídia não seria uma recusa do natural pela 54

Id. POPPER, Frank. Art of the Electronic Age. London: Thames & Hudson, 1993, p.8. 56 POPPER, op.cit., p.180. 55

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tecnologia, mas uma ampliação da consciência da comunicação pessoal que estes poderiam oferecer. Ao mesmo tempo, haveria uma identificação da arte conceitual com os mídia, gerando uma confusão e submissão a eles, podendo mesmo ser reconhecida por seu uso formal.

Resumindo: para a arte conceitual, a condição funcional da obra enquanto arte predomina sobre sua condição material enquanto forma, matéria, imagem, sem contudo eliminá-las de todo. Tal pressuposto justifica o mínimo apelo estético de tal produção, que passa a outros olhos como medíocre, precária, aparentemente destituída de valor.

Para determinar este valor, então, deve-se perguntar o quanto uma obra é capaz de transformar nossa consciência da realidade do mundo, de nós mesmos e da própria arte, ou seja, qual é seu efeito de desalienação frente às ideologias e sistemas representacionais dos códigos criados pela humanidade. É essencial, pois, determinar qual o seu poder de questionamento e verificar se esta problematização consegue chegar ao espectador que interage com a obra.

Entretanto, é inegável que a arte conceitual acaba, por sua vez, criando um novo código artístico, e não apenas no sentido desse novo juízo de valor criado, mas também nos estilemas que constrói formalmente: as séries, as coleções de documentações e esquemas “científicos”, a ausência quase absoluta da cor, substituída por preto, branco e graus de cinza, o formato quadrado, as legendas e

57

COMBALIA, op.cit., p.80. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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textos que acompanham as imagens e, sobretudo, a preferência pela imagem técnica e os multimeios em detrimento aos materiais e suportes autográficos tradicionais.

Inserir-se nestes novos meios significa, portanto, uma tentativa de atingir o público pelos mesmos canais da indústria cultural, com o propósito de tentar alertá-lo sobre o poder dos próprios meios e os discursos ideológicos que estes podem conter e transmitir.

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3. AS IDÉIAS DE VILÉM FLUSSER58 SOBRE ARTE, LINGUAGEM E TECNOLOGIA

A importância da presença de Vilém Flusser no Brasil ainda está para ser resgatada de maneira adequada. Sua personalidade forte e suas idéias deixaram marcas sobre o circuito de arte paulistano que, mesmo indiretamente, se refletem sobre a arte contemporânea, “tendo sido o principal mentor intelectual de várias gerações de artistas brasileiros que enfrentaram o desafio da tecnologia”59.

Flusser manteve um estreito contato com o meio intelectual e artístico de São Paulo, convivendo com filósofos e pensadores como Anatol Rosenfeld, José Longman e Vicente Ferreira da Silva. Dentre os artistas, talvez a mais importante tenha sido 58

Vilém Flusser nasce em Praga, Tchecoslováquia, em 1920, tendo iniciado seus estudos de filosofia na Europa, e depois, no Brasil, para onde migra em 1940, dedicando-se, sobretudo, ao problema da Filosofia da Linguagem. Desde os anos 50, colabora com jornais e periódicos, especialmente no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, escrevendo inúmeros artigos que posteriormente serão, alguns deles, compilados em livros. Ao mesmo tempo, realiza palestras e atividade docente na Universidade de São Paulo, na FAAP e no ITA, entre outras instituições, permanecendo em São Paulo até 1973, quando fixa-se novamente na Europa, agora na França, na região de Provença, contudo, sem deixar de visitar e fazer palestras, regularmente, no Brasil. Morre em um acidente de automóvel, nas proximidades de Praga, em 1991. 59 MACHADO, Arlindo. Repensando Flusser e as imagens técnicas. Ensaio apresentado no evento Arte en la Era Electrónica - Perspectivas de una nueva estética. Barcelona: Centre de Cultura Contemporánia, 29/01 a 01/02/1997. In: Boletim Flusser, São Paulo, n. 5, 1998. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Mira Schendel, com quem travou um diálogo por anos e a quem o pensador dedicou muitos textos e artigos. Além dela, Ely Bueno, Felícia e Giselda Leirner, Alan Meyer e Gabriel Borba, estes últimos, seus assistentes no início dos anos 70, inclusive na época de sua participação como organizador da mostra de Arte e Comunicação da XII Bienal de São Paulo, em 1973, reverberando suas idéias no meio artístico experimental mais ligado aos novos meios.

O pensamento de Vilém Flusser é bastante complexo, e devemos abordá-lo cronológicamente, conforme vão se estruturando suas teorias, até chegarmos ao texto básico para a compreensão da sua abordagem da imagem técnica e dos multimeios na arte: a “Filosofia da Caixa Preta”, editado em alemão em 1983, e em português em 198560.

Língua e Realidade

No seu primeiro livro publicado61, Vilém Flusser desenvolve uma teoria derivada da Filosofia da Linguagem, que apresenta aproximações com as idéias de Wittgenstein62, porém com formato absolutamente diverso do Tractatus deste autor, baseado formalmente em proposições63 numeradas. O texto de Flusser se constrói em um fluxo constante, com a clareza e a didática de quem costuma apresentar (http//www.fotoplus.com.br/flusser) 60 FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta. São Paulo: Hucitec, 1985. 61 FLUSSER, Vilém. Lingua e Realidade. São Paulo: Herder, 1963. 62 Idéias que Flusser conhecia e criticava, demonstrado pelas diversas citações no texto. Em 1969 escreve uma resenha da tradução do Tractatus de Wittgenstein realizada por José Arthur Giannotti, na qual discute com profundidade o sentido das “proposições”. FLUSSER, Vilém. Wittgenstein traduzido? Suplemento Literário. OESP, São Paulo, p. 5, 22 mar 1969. 63 Há indicações que o Tractatus Logico-Philosophicus deveria chamar-se “A Proposição”, tendo sido modificado por sugestão de Bertrand Russell. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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oralmente seu discurso, de maneira poética e, por vezes, com uma sutil ironia e humor.

O princípio da obra e sua hipótese principal é a da identificação entre a língua (a linguagem) e a realidade. Tal idéia parte da busca do espírito humano, em meio ao caos, de uma ordem, ou de estruturas internas que poderiam ajudá-lo a compreender, governar e modificar o mundo. Flusser identifica dois sistemas para essa explicação do mundo: um de referência, que visa a fixação das aparências, de modo estático, gerando sua apreensão através de uma catalogação desses fenômenos; e um de regras, que através da coordenação das aparências, de modo dinâmico, busca sua compreensão e hierarquização64. Com estes processos, transforma-se o caos em cosmos ou, o que “aparentemente” é caótico, torna-se “realmente” ordenado. Assim, esta “realidade” identifica-se com a estrutura proposta, ou melhor, só pode ser percebida através dela, somente podendo existir representada por ela. A filosofia, a ciência, a religião e a arte seriam “métodos pelos quais o espírito tenta penetrar através das aparências até a realidade e descobrir a verdade”65. Afirmando a identificação desta estrutura com a língua, Flusser vê a filosofia e a ciência como “pesquisas da língua” e a religiào e a arte como “criadoras de língua”66, e portanto concebendo a língua como um dado ontológico do mundo, e não como um dos fenômenos da realidade. Língua é pensamento, e para Flusser abrange tanto a lógica formal tautológica dos matemáticos, quanto os jogos de palavras dos poetas

64

FLUSSER, Vilém. Língua a Realidade. São Paulo: Herder, 1963, p.11-2. Ibid., p.12. 66 Ibid., p.15. 65

Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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concretos67. Seu método consiste em reconquistar “uma ingenuidade em face da língua”68, apoiada na “fenomenologia” de Husserl, que por ser utópica, caracteriza-se como de “segundo grau”. Pensar a língua, ou seja, formular e articular pensamentos, seria então o papel do homem na estrutura do cosmos, preenchendo desse modo, sua condição humana69.

Mas, como constitui-se essa realidade, ou esta língua? Flusser admite os sentidos como os fornecedores de dados, com a hipótese da predominância do ouvido e da visão, pelos quais se dá a captação dos dados, seja em estado bruto, como dados imediatos, ou por palavras, lidas e ouvidas. Acontece que tais dados imediatos são automaticamente

mediados

também

por

palavras,

para

que

possam

ser

compreendidos. Assim, é basicamente a palavra, ordenada em frases, que constitui a realidade, que é esse conjunto de dados70.

E o que são as frases? Trata-se de um conjunto de palavras ligadas de acordo com certas regras estabelecidas. A palavra é a unidade (átomo, mônada) e atua basicamente como símbolo, dotado de um significado atribuido por “acordo”, que substitui, aponta ou procura algo. O que é esse “algo” (realidade? nada?), não importa para Flusser, pois está acima da compreensão humana, que se dá apenas pela mediação da palavra. Como surgiu esse “acordo” também, do mesmo modo, constitui-se em falso problema, confundindo-se com a própria orígem da língua71.

67

Ibid., p.15-6. Ibid., p.18. 69 Ibid., p.19. 70 Ibid., p.22-3. 71 Ibid., p.24-5. 68

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Analisando a relação das palavras dentro da frase, Flusser conclui que “o significado de cada símbolo torna-se compreensível somente dentro do conjunto do sistema inteiro”72 (portanto, dentro do contexto). A frase é verdadeira se segue as regras estabelecidas pela língua. Não há, desse modo, correspondência de verdade entre a frase e a realidade (verdades absolutas), mas sim dentro da língua e do pensamento.

O intelecto transforma os sentidos em palavras e estabelece uma conversação, através das frases. O dado bruto “realiza”, então, seu “vir a ser” através da lingua. Como existem várias línguas, e não uma única, existem também várias realidades. Realidade é, portanto, uma potencialidade composta do conjunto de linguas existentes ou que possam ser criadas, e se traduz somente em palavras. Pensando assim, não há diferenciação entre natureza e cultura, ou entre fenômeno e essência, que se fundem na presença da linguagem73.

Flusser estabelece também uma correspondência entre o cientista, como produtor de palavras, e o poeta (retomando o termo grego poiesis, o fazer74), considerando a ciência como lingua em construção, e que cria realidade própria, que pode ser traduzida para outras linguas e realidades (o português, por exemplo)75, embora funcione independentemente de qualquer tradução. A tradução entre línguas e realidades acontece de modo apenas aproximado, por semelhança, não existindo com caráter exato. É, para Flusser, um “aniquilamento” seguido de “ressurreição”, pois se

72

Ibid., p.26. Ibid., p.37-40. 74 Ver Cap.I. 75 Ibid., p.42. 73

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transporta, em salto, de uma realidade à outra76.

Flusser classifica as línguas existentes em três grandes grupos: as flexionais (ex.: português), as aglutinantes (esquimó) e as isolantes (cantonês). As primeiras são compostas por palavras em frases, e seguem uma determinada lógica, na qual as palavras mantém uma certa estabilidade significativa. As segundas são realizadas em “superpalavras”, agrupamentos em que as palavras perdem seu sentido original e se transformam radicalmente, como blocos de significado. As terceiras consistem de poucos elementos sem significado determinado que se juntam a outros, mantendo seu isolamento, aparentemente sem regras, a não ser estéticas, constituindo “auras” de significados e pensamentos77. Contudo, há contaminações entre os três grupos.

A filosofia, derivada da linha flexional, baseia-se na lógica, e pesquisa sua estrutura. A ciência seria uma maneira de redescobrir a orígem das estruturas na natureza. Ambas tem em comum o fato de “abstrair”, pondo a nu a estrutura da língua78. Esse “simbolismo lógico”, capaz de produzir uma estrutura formal universal (ao menos para os sistemas flexionais), ao mesmo tempo que ganha abrangência, perde significado79, aproximando-se da tautologia (e aqui cita explicitamente Wittgenstein).

No mundo das linguas isolantes, não há, a rigor, uma procura por esta linguagem comum, pois ela já existiria através dos ideogramas, cujo sentido se dá somente no

76

Ibid.,p.51. Ibid., p.51-5. 78 Ibid., p.60. 79 Não seria interessante pensar esta questão dentro da abstração das formas na arte? 77

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ato de escrever e ler de modo “estético”80. É possível, pois, uma comunicação entre esses dois mundos através da arte.

Já as linguas aglutinantes representam para nossa civilização o caos, um mundo difuso e amorfo, portanto, incompreensível, um significado a ser construido.

Flusser pondera que Wittgenstein, embora tendo penetrado profundamente o problema da língua, comete um equívoco quando menciona a língua, como se apenas existisse uma81, e assim também a filosofia. Esta, como conversação, deveria ter como tema a própria conversação, auto-reflexiva, mas não por isso tautológica. E criativa, dinâmica, não estática, fixa. Propõe que se faça um diálogo entre Wittgenstein e Heidegger, que busca uma filosofia na essência das palavras alemãs e gregas82.

Mais um ponto que nos interessa: voltando às linguas isolantes, e sua relação estética com as artes, Flusser coloca a ausência de distinção entre a poesia, a filosofia e a ciência na caligrafia do ideograma. Produzir novas formas, novos ideogramas, é produzir conhecimento, e assim se identifica com o desenho e a pintura, produzindo a cultura da civilização material83. Aqui, Flusser sugere que a pintura abstrata e concreta e a poesia concreta seriam processos de criar uma nova língua, dentro do mundo flexional, independente da língua falada84.

80

Ibid., p.71-5. Ibid., p.81. 82 Ibid., p.82-3. 83 Ibid., p.200. 84 Ibid., p.201. 81

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Por outro lado, a pintura figurativa, fazendo parte da civilização material ocidental, faz parte, segundo Flusser, da camada de conversação, e não de poesia. Seria uma conversa sensorial, exprimível sob a forma de estilo, ou aspecto pictórico não intelectualizado da língua85.

Mas ainda existe uma “poesia da ciência hipotética”, traduzida pela técnica, na qual se alojam conceitos e estruturas chamadas “hipóteses científicas”, e que são vistas como atividade plástica da língua para Flusser. Dessa poiesis surgem as máquinas e seus produtos, como a cibernética86.

A partir de um esquema gráfico da língua, Flusser enumera um percurso da poesia em direção à música e à plástica, ambas terminando, utopicamente, respectivamente, em “um tipo de composição que, para ser apreciada, não precisará de execução” e uma “pintura tão abstrata que não precisará ser executada”87. “Radicalizando a música, estaremos espacializando-a, e, radicalizando a pintura, estaremos temporalizando-a. (...) Juntas, música e pintura serão a lingua integral, nas quatro dimensões”88 . Porém, Flusser adverte que são exteriorizações da lingua, seus “excrementos”, “são as cinzas desta atividade”. “A língua exteriorizada, isto é, civilização (inclusive a civilização material), é realidade ultrapassada89. (Isto é: o que era pensamento, se materializou em realidade e agora constitui-se em passado e memória, ou seja, cultura).

85

Ibid., p.203-4. Ibid., p.205-6. 87 Ibid., p.207-8. 88 Ibid., p.208. 89 Ibid., p.210. 86

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Ao final do livro, conclui: “qualquer frase, se analisada logicamente, revelará, mais cedo ou mais tarde, seu caráter tautológico, perdendo, neste processo, a qualidade poética que porventura tenha possuído90”.

Como pudemos ver, Flusser constrói seu modelo filosófico sobre a hipótese de uma identificação entre a linguagem (ou as línguas) e a realidade (realidades), constituindo-se como sua representação mais fidedigna. A realidade não é alcançavel diretamente, mas apenas por sua representação, que é composta de dados visuais e sonoros. Sua unidade é a palavra, que se articula sempre por relações contextuais codificadas que lhe conferem significado. Isolada, a palavra não tem sentido. Também não existem verdades, mas a verdade da língua. Dentro de sua regras, pode haver invenção poética, e se nos afastamos da palavra em direção ao som ou à imagem, estaremos caminhando para as artes, em direção à abstração e ao pensamento poético puro (nas línguas isolantes, orientais, não há essa diferenciação); também podemos rumar para uma análise lógica das próprias regras, e nesse caso chegamos à tautologia, ao mesmo tempo que nos afastamos da estética e do significado.

90

Ibid., p.232 Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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60

O final dos anos 60: fenomenologia e o problema do tempo

O pensamento de Flusser sobre a língua, que acabamos de ver, começa a tomar uma direção mais definida em meados dos anos 60, sendo perceptível nos artigos que escreve no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, colaboração que se prolonga até 1971, em preocupação específica com a fenomenologia, via Heidegger, que se liga com as idéias de Wittgenstein, mas filtradas pela sua leitura crítica.

Isso se mostra evidente na resenha que faz da tradução do Tractatus LogicoPhilosophicos, realizada por José Arthur Giannotti em 196991, respondida em seguida pelo tradutor92. O debate entre as duas partes se concentra na primeira proposição de Wittgenstein: “1. Die Welt ist alles, was der Fall ist”, que é traduzida por Giannotti da seguinte maneira: “O Mundo é tudo que ocorre”, e por Flusser: “O Mundo é tudo aquilo que é o caso”.

Flusser acusa Giannotti de retirar a premissa original de Wittgenstein, na medidaem que a tradução se aproxima da idéia “tudo flui” de Heráclito, que se contraporia ao “subsistir dos estados das coisas” (proposição 2) do filósofo astríaco. Giannotti responde que “fluir” e “ocorrer” não são equivalentes em português, e pelas suas observações, fica evidente uma postura diferenciada dos dois: Giannotti é muito mais “materialista” que Flusser, e crê neste “materialismo” de Wittgenstein, como se este tivesse a concepção do mundo através apenas das substâncias e das coisas. Já Flusser, 91

FLUSSER, Vilém. Wittgensatein traduzido? Suplemento Literário OESP, São Paulo, p.4, 22 mar 1969. 92 GIANNOTTI, José Arthur. Wittgenstein traduzido. Suplemento Literário OESP, São Paulo, p.3, 12 abr 1969. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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mostrando um certo “existencialismo”, considera que Wittgenstein esteja tratando não só de coisas, mas de processos, aliados ou não em “situações” que rompem com o caráter “histórico” (que Flusser identifica no termo “ocorre” de Giannotti) da concepção do mundo.

A prova disto é a proposição 6.44, que Flusser considera uma das “mais belas” de Wittgenstein, e que citará diversas vezes em seus artigos: “Nicht wie die Welt ist, ist das Mystische, sondern dass sie ist”, traduzida por Giannotti como: “O que é místico não é como o mundo é, mas que ele seja”. Entretanto, discorda do misticismo lógico contido nas proposições “É verdade que certas coisas não podem ser ditas. Isto mostra que são aquilo que é místico”. O que não pode ser dito por palavras, para Flusser, pode ser dito de outra forma, por imagens, que silenciam as palavras e estão além destas, que neste período chama de “concretas”, plenas de “imaginação conceitual”93. Mas, tentemos acompanhar seu raciocínio.

Durante a realização da IX Bienal, em 1967, quando da vinda das obras dos artistas Pop na representação americana, Flusser escreve um artigo94 em que defende o uso da fenomenologia, que define como uma filosofia que “pretende redescobrir as coisas do mundo”, “fazer com que as coisas resplandeçam de novo”, “reconquistar aquele espanto que causam todas as coisas, quando vistas”95 (pela primeira vez). Defende que cessem as tentativas de “explicação” do mundo, ou as perguntas como “que significa isto?”. Diz: “como existência que sou, sou centro do meu mundo, e 93

FLUSSER, Vilém. Vilém Flusser on the Unspoakable Future. Curie’s Children. Artforum, p.72, march 1990.

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estruturo meu mundo ao dar-lhe sentido”.

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Para Flusser, esperar que as coisas

confiram sentido ao homem é um erro. Prefere que a exposição seja uma “obra aberta” (citando Umberto Eco96), “do contrário, será uma ‘caixa branca’ ”97 (ou seja, sem significado, neutra).

Em um artigo sobre outra Bienal98, tenta fazer uma consideração do que seja uma “exposição bienal em São Paulo”. Coloca que o público, o espectador, deveria ser o motivo da exposição, mas que os papéis muitas vezes são trocados, e ele acaba por ser “programado” por aqueles que fazem e administram a bienal (em última instância o próprio sistema da sociedade). Considera a bienal um evento anacrônico, que atende a um saudosismo vanguardista do público, com caráter de festa, no “tempo da circularidade”, mas que, por ser “planejada”, característica do “tempo do progresso”, acaba por se desmitificar, a si e à própria arte. Há, portanto, uma contradição entre a busca de um “novo” (a surpresa, o inesperado), e sua “programação” periódica99.

Essa questão do tempo, de seu conceito e sua vivência, é abordado por Flusser como um problema contemporâneo, constatando um divórcio entre os dois aspectos: de um lado, um pensamento baseado em um conceito histórico do tempo, que se desdobra em um intelectualismo estéril, formalista, objetivo, ortodoxo, isento de valores, tendendo a uma “futuração” previsível; de outro, um antiintelectualismo imediatista 94

FLUSSER, Vilém. Bienal e fenomenologia. Suplemento Literário OESP, São Paulo, 555, p.5, 02 dez 1967. 95 Id. 96 ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 1978. 97 Id. 98 Flusser, Vilém. As Bienais de São Paulo e a vida contemplativa. Suplemento Literário OESP, São Paulo, p.4, 27 set 1969.

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(“hippie”), que vivencia um outro tempo, imprevisível, subjetivo, empirista, visando a experiência e o momento presente, e recusando a “futuração”, pois crê que esta retira o sentido da vida100.

Flusser acredita que as duas posições radicais estão erradas, e tal dicotomia só pode ser resolvida com a reformulação do conceito de tempo, que deve tornar-se mais vivenciável, des-historicizado e, além disso, deve ser acompanhado da reformulação de outro conceito, o de “religiosidade”101.

O tempo linear, vetorial, do “progresso”, seria para Flusser uma herança da tradição judáica, que acredita na irrecuperabilidade do instante (relacionado ao princípio da entropia), ou “uma correnteza que arrasta consigo o espaço todo”, ou seja, “o espaço corre no tempo”. Já o tempo circular seria uma herança grega, baseado na reversibilidade, no princípio da conservação de energia, e no “movimento das coisas no espaço”, isto é, “o tempo corre no espaço”.102

Do primeiro conceito viria a “diacronia”, uma “tentativa de sintetizar o espaço tridimensional e basicamente euclidiano com o conceito vetorial do tempo”103. Isto implica em um “sentido”, relacionado a uma direção, uma determinação (a idéia de “progresso”), que acelerado pela tecnologia, se precipita sobre um abismo. A

99

Cf: ROSENBERG, Harold. A Tradição do Novo. São Paulo: Perspectiva, 1974. e PAZ, Octávio. A Tradição da Ruptura. In: Os Filhos do Barro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983. 100 FLUSSER, Vilém. Do futuro. Suplemento Literário OESP, São Paulo, p.4, 01 fev 1969. 101 Id. 102 FLUSSER, Vilém. Diacronia e diafaneidade. Suplemento Literário OESP, São Paulo, p.4, 26 abr 1969. 103 Id. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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vivência do progresso problematiza o sentido de tudo, e entra em crise104. Nessa cosmovisão a ocorrência dos fenômenos se relaciona sempre como passado e futuro, ou causa e efeito, e sua crise é uma crise das explicações, que “sobram”: “o mundo passa a ser inexplicável por excesso de explicações oferecidas e inadequáveis”105. A solução para essa crise pode ser encontrada naquela proposição mística de Wittgenstein, ou no que Flusser chama de “diafaneidade”.

A “diafaneidade” distancia-se do progresso e da explicação, no qual “o espaço evapora e o tempo desaparece, dando ambos lugar a uma interpenetração de estruturas”, que sempre se referem ao presente estruturado: “é a ‘concreção’ dos conceitos abstratos ‘tempo’ e ‘espaço’.”106

Mas Flusser difere o “concreto” no sentido tradicional (as “coisas”), pelo novo sentido de “concreto”: “estruturas interpenetrantes”, “campos”,

ou “situações”

(“persistência” para Wittgenstein; “estar à mão” para Heidegger). Tal diafaneidade é inimaginável e inconcebível, e só pode ser “captada”, de modo mais sintomático, pela arte, não adiantando procurar “sentidos” ou “explicações”. E por isso, parece ser um convite ao misticismo. 107

Em um outro artigo, “O espírito do tempo nas artes plásticas”108, Flusser considera a possibilidade de existir uma tendência artística que reflita esse novo conceito de

104

Id. Id. 106 Id. 107 Id. 108 FLUSSER, Vilém. O espírito do tempo nas artes plásticas. Suplemento Literário OESP, São Paulo, p.4, 03 jan 1971. 105

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tempo que está surgindo, pensando que a arte, como linguagem, ou sistema de signos, estaria mais apta a evidenciá-lo.

Mas, formulando a hipótese de que essa tendência existe, há uma dificuldade de articular tal questão pelo discurso verbal, a língua portuguesa, pois esta se identifica com o sistema linear superado, e o novo sistema trabalharia com a multidimensionalidade, que não pode ser discursada. Por não possuir estrutura lógica, é impenetrável, mas é possível pensá-la em termos de “simbolizações”. Tomando a fenomenologia, diz que “a realidade está na própria relação entre o universo e seu sujeito, portanto, no canal comunicativo”109. As artes plásticas atuais buscariam propor uma alternativa ao universo discursivo, com significados e regras diferentes.

Flusser coloca que houve uma mudança na concepção de arte, que deriva da mudança da concepção de natureza, sendo difícil de distinguir, atualmente, entre uma e outra. Assim, ambos colocam-se como o “real”, ao contrário do mundo da ciência e da tecnologia, que parece “absurdo”, “fantástico”. Portanto, é mais fácil viver no mundo da arte que no mundo tecnológico.Tal mundo da arte constitui-se no mundo do “jogo”, “não tanto o objeto manipulado, mas a proposta para um jogo”110. A arte “nos propõe regras de acordo com as quais poderemos organizar elementos plásticos em situações novas”, regras não necessariamente lógicas, mas não menos rigorosas. Não devem ser regras por imposição, mas por proposição, e podem ser alteradas, pois são “abertas”, livres. “E esses elementos são plásticos não apenas no sentido de serem

109 110

Id. Id. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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manipuláveis hápticamente, mas ainda no sentido de serem substituíveis”111, propondo situações imprevisíveis, e se contrapondo a uma tecnologia futurável previsível, plena de aventura, intensa.

Flusser considera que “as artes negam a tecnologia,

e isto significa,

‘hegelianamente’, que a superam conservando-a no seu próprio seio”112, por isso, recorrem à tecnologia para as suas próprias finalidades, desvirtuando-a. “A ciência e a tecnologia passam a funcionar em função da arte, (...) passam a ser jogos, isto é, arte”113.

Como será possível perceber, nestas idéias já se colocam muitas das premissas que articulará na “Filosofia da caixa preta”.

Ao mesmo tempo, é perceptível a

identificação de alguns elementos que articulam sua visão da arte: nesta, as imagens, superando as palavras, formularão uma nova linguagem que se colocará como ponte entre o homem e a realidade. Sua vivência, fenomenológica, é a vivência do jogo, no qual as regras, ou programas, dão margem a diversas situações diferenciadas, de livre escolha do espectador, que se converte em participante, a partir de uma determinada proposição.

111

Id. Id. 113 Id. 112

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A Bienal de 73 e a relação com os meios tecnológicos

Flusser participa em 1973 do Secretariado Técnico da XII Bienal de São Paulo, junto a Francisco Matarazzo Sobrinho, Antonio Bento, Bethy Giudice e Mário Vilches, sendo responsável pelo novo regulamento e pela seleção dos projetos em equipe.

Segundo Borba114, a comissão foi instituida por influência de Flusser, que o convidou para ser seu assistente na Bienal, assim como o fazia na FAAP, junto à disciplina Ciências da Comunicação115. Flusser viaja para a Europa para selecionar artistas que trabalhavam com Arte e Comunicação, o tema da Bienal, e Borba fica no Brasil recebendo o material e organizando a mostra.

Flusser trouxe para o evento artistas que estavam experimentando basicamente com videotapes: Fred Forest, Alexandre Bonnier, Horia Damian e Radu Varia (França); Jean Otth, Gerald Minkoff e Merendaz (Suiça); Ritzi / Peter Jacobi (Alemanha); Regina Cornell (EUA), trazendo videotapes de 17 artistas americanos; e Derrick de Kerchhove (Canadá)116. Otth trouxe fotos de seus trabalhos em video, Minkoff mostrou seus videos durante uma seção privada e apenas Regina Cornwell, que conseguiu trazer algum equipamento, realmente apresentou-os na Bienal117.

114

BORBA, Gabriel. Entrevista ao autor, Embu das Artes, 21 jan. 1998. ZANINI, Walter. Video-arte: uma poética aberta. In: PECCININI, Daysi (org) Arte: novos meios / multimeios - Brasil 70 / 80. São Paulo: FAAP, 1985, p.90. 116 Cf: XII BIENAL de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal, 1973, p. 213-9. (catálogo geral) 117 Cf: ZANINI, Walter. Video-arte: uma poética aberta. In: PECCININI, op. cit, p.90. 115

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Não há muitos textos de Flusser publicados nesta época, mas é possível constatar que seu interesse se deslocou fortemente em direção aos meios tecnológicos e de comunicação, como veículos para uma produção artística vinculada a um jogo vivencial e participativo, que ajudem a formular novos “modelos” que orientem a existência humana118.

Pós-história e a filosofia da caixa preta

No fim dos anos 70, Flusser começa a desenvolver uma teoria filosófica que será a base para suas obras Pós-história e A filosofia da caixa preta, publicados nos anos 80. Tal teoria se constrói, em um primeiro momento, a partir da constatação de que estamos vivendo em um mundo de imagens, mais que em um mundo de letras, ou seja, está havendo uma mudança de linguagem predominante119.

Mas estas novas imagens não são iguais àquelas anteriores à escrita, pois são resultado de “aparelhos fundados sobre a ciência moderna”120, e portanto, devemos aprender a lê-las. A primeira imagem nova é a resultante da fotografia, em que se baseiam todas as demais. Assim, sua invenção marca um ponto de inflexão na história121.

As novas imagens, além de carregarem suas mensagens em “superfícies coloridas”, ainda se movem e falam, e por serem índices ou “sintomas” das coisas e das pessoas, 118

FLUSSER, Vilém,. Modelos mudam. In: Pro Jeto. São Paulo: [s.n.], [197-], p. 12. FLUSSER, Vilém. Ora, aprenda a ler televisão, fotografia... Revista Especial, São Paulo, n.1, dez 1979, p.51. 120 Id. 119

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carregam em si um ar de veracidade: “elas não podem mentir”122.

Mas tal frase é deliberadamente enganosa. E a explicação de tal engano está na mediação entre a imagem e seu significado, realizada pelo “aparelho”123.

Aparelhos derivam dos “instrumentos” (prolongamentos do corpo) e “máquinas” (instrumentos criados por teorias científicas). “Aparelhos são máquinas que visam produzir significados”124. São, além disso, tão complexas, que é muito difícil entender seu funcionamento, ou seja, são “caixas pretas”125, as quais apenas se alimentam (input) e cospem (output) informações. Dentro da “caixa preta” está o “funcionário”, que “existe em função das funções que exerce dentro do aparelho”126, ou seja, realiza sua atividade sem entender o aparelho. O propósito do aparelho não são as imagens, mas o próprio aparelho. Seu mundo de circularidade (o funcionário está em função do aparelho que está em função do funcionário) é semelhante ao antigo “mundo da magia”, anterior à escrita. Sob tal esquema, o aparelho é visto como devorador de textos lineares e de ações, em suma, da história, e como projetor de programas em tecno-imagens e de consumidores, em suma, de pós-história.127

Para viver em tal mundo, devemos “imaginar conceitos”, desenvolvendo uma nova 121

Ibid., p. 52. Id. 123 Ibid., p.53. 124 Ibid., p.54. 125 Id. 122

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consciência, baseada em pensamentos formais, estruturais e cibernéticos, chamada por Flusser de “tecno-imaginação”128, que evitará, com o decifrar das “tecnoimagens”, que nos tornemos apenas funcionários “programados” pelos aparelhos e por seus programadores, e sejamos dominados pela “idolatria” de tais imagens, que tendem a se tornar opacas à decifração.

Flusser, na medida que constrói sua teoria, vai percebendo que sua abrangência é tão grande quanto assustadora: “a cultura ocidental, como um todo, se revela destarte como projeto que visa transformar-se em aparelho”129. Ou seja, os aparelhos transformam todos os fenômenos, inclusive o homem, em objetos de conhecimento e de manipulação, que visam, em última instância o aniquilamento do próprio homem.130. Essa visão pessimista e existencialista permeia todo o texto de PósHistória, que no fundo é um exercício de tentar descobrir e compreender um modo de viver dignamente neste período da humanidade, que seria baseado em “programas”.

Programas seriam caracterizados como “sistemas nos quais o acaso vira necessidade”131. “São jogos nos quais todas as virtualidades, até as menos prováveis, se realizarão necessariamente, se o jogo for jogado por tempo suficientemente longo”132. O conceito fundamental da visão programática é pois o acaso”133, sem

126

Id. Id. 128 Ibid., p.55. 129 FLUSSER, Vilém. Pós-História: vinte instantâneos e um modo de usar. São Paulo: Duas Cidades, 1983, p.14. 130 Ibid. p.15. 131 Ibid., p.27. 132 Ibid., p.27-8. 127

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propósito nem causa.

Dentro de tal contexto, “a liberdade é concebível apenas enquanto jogo absurdo com os aparelhos” e programas134. Para os aparelhos, “o homem é funcionário a ser programado para viver em contexto simbólico”, a ser simbolizado (enumerado), inserido em jogos formais, como “estatísticas ou cartões perfurados”135, através de formulários e requerimentos (sempre acompanhados de fotografias)136. As teorias seriam estratégias dos jogos, e somente aplicáveis quando existem regras, “convenções que ordenam a manipulação dos signos”137. E tais regras podem surgir tanto do temido “totalitarismo” quanto de um desejável “consenso”.

Para tal consenso ser possível, é necessário existir comunicação humana. A comunicação se apresenta em dois aspectos, que Flusser chama de “produtivo” e “cumulativo”. O primeiro produz informações por síntese, e tal método sintético é chamado “diálogo”. O segundo deposita informações em memórias, e é chamado “discurso”. É necessário haver um equilíbrio entre os dois para que haja comunicação.138

Na sociedade medieval predominou o discurso “tradicional” e “religioso”, no qual a

133

Ibid., p.28. Ibid., p.31. 135 Ibid., p.38. 136 Ibid. p.122-3. 137 Ibid., p.39. 138 Ibid., p. 58. 134

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informação se transmite praticamente inalterada, e na sociedade moderna, o diálogo entre

“especialistas”,

com

a

crescente

produção

de

informações

novas

incompreensíveis. A sociedade “pós-histórica” trata de transcodificar essas informações de maneira simples e compreensível, realizando discursos em larga escala, através dos mass media. Para essa transcodificação e irradiação, são utilizados os “aparelhos”, que transformam eventos em programas. Constituem-se diálogos “em rede”, e não visam produzir informação nova, mas “opinião pública” ou feedback139 para consumo. O consenso da sociedade de massas é o desejo de serem enganados140 pelos aparelhos, ou seja, a diversão141.

Flusser considera uma curiosa relação entre o habitual e o estético: o habitual é vivenciado como “bonito”, o inabitual como “feio”. A transição entre os dois, ou a tensão entre eles, é a vivência do “terror superado”, e tal salto é a “beleza”.142 Tornada hábito, novamente vira “bonita” ou “kitsch”.

Descobrir a beleza, transcender o terror, é aprender a amar, reconhecer o outro. Flusser diz que precisamos superar nosso medo do futuro “programado” e aprender a amá-lo, admitir que nosso mundo está morrendo e nos engajarmos nisto. Esta arte suprema é “ars moriendi”, aventura, e devemos vivenciar a morte de nossa cultura como experiência do belo143, ou um “passo rumo ao ‘nada’ (‘estrutura ausente’)”144 tornando-nos “homo ludens” conscientes de estarmos em um mundo que é pura

139

Ibid. p.62. Ibid., p.69. 141 Ibid., p.118. 142 Ibid., p.78. 143 Ibid., p.79. 144 Ibid., p.103. 140

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ficção, absurdo.

O tempo dessa “pós-história” é o abismo, o vazio, o tédio. Tudo é presente, tudo se apresenta. “Não há mais progresso, nem vanguarda”145. Nele, compreendemos que somos “fenda”, “nada”, e os programas e aparelhos servem para “divertir-nos da experiência da morte”146. “O tédio é a desmistificação do aparelho”147. Mas há o inesperado, a catástrofe, o aterrorizante, única coisa que pode transformar nossa espera da morte.

Flusser escreve: “Engajar-se em liberdade, (...) implica atualmente em estratégias para retardar o progresso. (...) Podemos apenas ser sabotadores: jogar areia nas rodas do aparelho. Com efeito: toda ação emancipatória atual é, quando inteligente, ação sabotadora. Tudo, o terrorismo, a ‘técnica alternativa’, o movimento ecológico, o das mulheres e dos homossexuais, das escolas paralelas e das tendências artísticas, da antifilosofia e da anti-história, das antimemórias e das contraculturas, é reação ao progresso.”148

A arte proporciona experiência imediata, para escapar da ambivalência da mediação cultural, e “articula” este imediato, em direção à cultura. É “publicação de experiência concreta”149, “viscosidade ontológica”150. O artístico é artificial. A obra

145

Ibid., p.123. Ibid., p.126. 147 Ibid., p.127. 148 Ibid., p.133. 149 Ibid., p. 150. 150 Ibid., p.142. 146

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de arte, artimanha. O gesto artístico problematiza o aparelho151, e a partir desse senso crítico, deve ser possível “programar os aparelhos”152.

Segundo Flusser, devemos estar abertos para a experiência do concreto, vivenciada sob forma de solidão para a morte, nossa, do outro e no outro. Jogar em função do outro. Retornar ao concreto “para sermos homens”153.

Para Vilém Flusser, se é a fotografia a responsável por toda esta mudança, pensar a fotografia pode nos ajudar a realizar a tarefa proposta e encontrar a liberdade. Para isso, considera que são os fotógrafos que podem ser capazes de responder nossas perguntas, através da observação de sua praxis.154 As respostas que percebe, por essa observação são: 1. o aparelho é infra-humanamente estúpido e pode ser enganado; 2. os programas dos aparelhos permitem introdução de elementos humanos não previstos; 3. as informações produzidas e distribuídas por aparelhos podem ser desviadas da intenção dos aparelhos e submetidas a intenções humanas; 4. os aparelhos são despresíveis. 155 E conclui que “liberdade é lutar contra o aparelho”156 , e enxerga essa liberdade no uso experimental da fotografia (e de todas imagens técnicas e multimeios), obrigando o aparelho a “produzir imagem informativa que não está em seu programa”157 Para

151

Ibid., p.142-3. Ibid. p.152. 153 Ibid., p.168. 154 FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985, p.82-3. 155 Id. 156 Id. 157 Ibid., p.84. 152

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Flusser, opor-se, desvirtuar, subverter o aparelho é a maneira de se viver livre na sociedade programada.

Flusser e a a teoria da arte conceitual

Vimos neste capítulo como as idéias de Vilém Flusser, a partir de uma filosofia da linguagem, se desloca, acrescido de um olhar fenomenológico e existencialista, para uma teoria da imagem técnica, que seria a representação por excelência deste novo período de Pós-História em que estamos entrando, baseado em programas não transparentes, ou seja, “caixas pretas”.

Dentro desse parâmetro, a arte deve voltar-se às imagens técnicas e aos multimeios, e construir jogos programados com tais meios, de modo a que, a partir da vivência destas situações, e da alteração ou subversão crítica dos programas e das imagens, chegue-se a uma decifração ou consciência de seus códigos e, em última instância, das ideologias que os constroem, e da própria realidade.

Podemos relacionar essa teoria de Flusser ao propósito da arte conceitual, que também visa a um questionamento da sua natureza, ou seja, de seus códigos, a partir da conscientização de que qualquer elemento utilizado, dependendo de seu contexto, modifica seu significado. Porém, como alerta Flusser, a crítica do código, transformada em tautologia, como o fazem muitos artistas conceituiais, pode ser tão redundante que não atinge seu objetivo e pode cair em um vazio sem significado.

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Por isso, o conceito de jogo, ou artimanha, é fundamental, pois se coloca como uma estratégia de envolver o espectador, ganhar seu interesse, e a partir disso conscientizá-lo sobre os códigos da representação.

A importância de utilizar os canais de comunicação como instrumentos lúdicos coincide, portanto, com a tomada de conciência de seu poder retórico e da programação que lhe estrutura. Re-programar, artisticamente, os mídia, é alterar e subverter suas ideologias, transformando-os em canais interativos dinâmicos.

Ou, como diz Arlindo Machado, um leitor atencioso de Flusser, ”as obras verdadeiramente criativas, ao invés de “esgotar” determinadas possibilidades do “código” específico de um meio, redefinem a nossa própria maneira de entender e de lidar com esse meio”158.

158

MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das Poéticas Tecnológicas. São Paulo: Edusp, 1993, p.14-15. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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4. A EXPERIMENTAÇÃO EM SÃO PAULO: ESTUDOS DE CASO

As teorias analisadas nos capítulos anteriores, e que estabeleceram alguns parâmetros sobre um juízo de valor para as imagens técnicas e multimeios nos anos 60 e 70, serão aplicadas, neste capítulo, sobre alguns exemplos da produção artística realizada em São Paulo no período, a fim de verificar, de um lado, seu potencial analítico, e de outro, como tal experimentação reflete ou não as considerações formuladas.

As informações históricas de tais empreendimentos poderão ser encontradas, principalmente, em textos de Walter Zanini159, e na tese e publicações de Daisy Peccinini160, que reunem textos e cronologias sobre o período.

159

ZANINI, Walter. História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983, v.II. e ZANINI, Walter. Duas décadas difíceis. In: AGUILAR, Nelson (org.) Brasil Bienal Século XX. São Paulo: Fundação Bienal, 1994. 160 ALVARADO, Daisy Peccinini de. Novas figurações, nono realismo e nova objetividade. Brasil Anos 60. São Paulo: 1987. Tese (Doutorado) - Escola de Comunicações e Artes - Universidade de Sào Paulo; PECCININI, Daisy. Objeto na Arte: Brasil anos 60. São Paulo: FAAP, 1978 e PECCININI, Daisy. Arte - Novos Meios / Multimeios - Brasil 70/80. São Paulo: FAAP, 1985. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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figura 1 NELSON LEIRNER - APRENDA COLORINDO GOZAR A COR Out-Door de 16 folhas - 300 x 450 cm - 1968

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Nelson Leirner: “Aprenda colorindo gozar a cor” (1968) A trajetória de Nelson Leirner (1932)161 deixa entrever uma obra carregada de ironia, provocação e polêmica, que vem construindo desde o começo dos anos 60, o que faz deste artista uma espécie de “Duchamp” tropical, ou ao menos um representante legítimo da herança Dadá em nosso país, com ecos, talvez, do Novo Realismo francês162.

Das primeiras pinturas abstratas que expôs no início da década de 60, passou a construir objetos ou situações a partir da seriação de ready-mades, ou mesmo por

161

Nelson Leirner nasceu em 1932 em São Paulo, filho de Isaí Leirner (colecionador, criador do Prêmio Leirner de Arte Contemporânea da Galeria das Folhas nos anos 50) e Felícia Leirner (escultora) e irmão de Giselda Leirner (desenhista e pintora). Entre 1947 e 1952 vive nos EUA, onde estuda Engenharia Textil no Lowell Technological Institute, retornando sem concluir o curso. Em 1956 estuda pintura com Juan Ponç e em 1958 frequenta o ateliê de Samson Flexor. Em 1961 realiza sua primeira individual na Galeria São Luiz, com pinturas. A partir do ano seguinte, começa a se utilizar de objetos apropriados, os portões. Em 1965 expõe com Geraldo de Barros na Galeria Atrium e no Museu de Arte Moderna de Buenos Aires. Em 1966 forma o Grupo Rex com Geraldo de Barros, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo, Frederico Nasser e José Resende. Em 1967 participa da exposição “Nova Objetividade Brasileira”, no MAM-RJ; recebe prêmio na Bienal de Tóquio pelas obras “Homenagem a Fontana I e II”; realiza a “Não Exposição”, encerrando a Rex Gallery; faz múltiplos de “Homenagem a Fontana” a preço de custo; envia a obra “Matéria e Forma”, com um porco empalhado ao Salão de Brasília, e questiona ao juri sua aceitação; com Flávio Motta organiza as “Bandeiras na Praça” e os carimbos em Brasília. No ano seguinte leva as bandeiras ao Rio de Janeiro e realiza o outdoor “Aprenda Colorindo Gozar a Cor”. Em 1969 ocupa o vão do MASP e o MAM-RJ com a instalação “Playground”. Em 1970 sua instalação na FAU USP é destruida pelos alunos antes da inauguração. Em 1971 expõe “Múltiplos ao Cubo” e “Tecnologias do Cotidiano”. Em 1973 apresenta “Estandartes” na Galeria Grupo B no Rio de Janeiro. Em 1974 expõe “A Rebelião dos Animais”, recebendo o Prêmio APCA. Em 1975 realiza experiências com filme super 8 e expõe “Esporte é Cultura”. A APCA encomenda um trabalho como prêmio, que é recusado por ser em xerox. Em 1977 começa a dar aulas na FAAP. Em 1980 expõe desenhos com o título “Pague para Ver”, cujo texto no catálogo causa polêmica. Em 1983 expõe trabalhos em off-set e a série “Xeque-Mate”. Em 1984 realiza a instalação “O Grande Desfile” no MAM-RJ, sendo seguido por “O Grande Combate”, em 1985 (Galeria Luisa Strina) e “O Grande Enterro” em 1986 na Pinacoteca do Estado. Em 1990 expõe a série “A Santa Ceia”. Em 1993 realiza na Capela do Morumbi a instalação “O Jardim das Delícias”. Em 1994 é realizada uma retrospectiva de sua obra com lançamento de um livro no Paço das Artes. Em 1998 causa polêmica com obras no qual interfere com desenhos eróticos sobre cartões fotográficos representando crianças. 162 Os “Conceitos Espaciais” de Lucio Fontana, incluidos por Pierre Restany nas mostras européias do movimento, são homenageados por Nelson Leirner em 1967, com obras que apresentam fendas, com a substituição dos cortes por zíperes. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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projetos realizáveis através dos meios industriais163.

Amigo de Geraldo de Barros, com este faria exposições conjuntas, incluindo a formação do Grupo Rex, entre 1966 e 1967, do qual participaram Wesley Duke Lee164, Carlos Fajardo, José Resende e Frederico Nasser.

O Rex criou uma intervenção única no circuito de arte de então, do qual faziam parte uma galeria (“Rex Gallery & Sons”) e um jornal (“Rex Time”) próprios, de certa maneira criando um circuito paralelo que vinha desafiar aquele oficial. O empreendimento durou menos de um ano e cinco exposições, mas significou uma tomada de posição dos artistas frente a um fato que naquela época ainda era, na verdade, muito tênue: o poder do mercado de arte, inserido no panorama do capitalismo internacional. Assim como seus colegas norte-americanos e europeus, estes artistas vinham denunciar as estratégias e manobras do sistema artístico (o primeiro número anunciava: “Aviso: é a guerra!”), prevendo que a ingenuidade instaurada então se transformaria em algo desproporcional, a partir do “boom” do mercado nos anos 70. Na verdade o que era questionado era a insuficiência de galerias, espaços de exposição, salões, críticos, enfim, a precariedade e conservadorismo do circuito de arte no Brasil e em São Paulo (especialmente para uma produção mais “experimental”).

163

É pertinente lembrar que o artista era efetivamente um industrial, dono das confecções em malha Tricot-Lã e Lan Over. 164 Wesley Duke Lee, através de seu experimentalismo e influência sobre os jovens artistas (Fajardo, Baravelli, Nasser, Resende e outros), teve um papel de destaque no período estudado, tendo desenvolvido obras em happenings (1962), ambientes (1967-69), e novas tecnologias (xerox, video e, mais recentemente, imagens digitais). Sobre ele, consultar COSTA, Cacilda Teixeira da. “Um salmào na corrente taciturna”: o percurso interior, a vida e a obra de Wesley Duke Lee. São Paulo: 1997. Tese (Doutorado) - Escola de Comunicações e Artes - Universidade de São Paulo. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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A última exposição da Rex foi a de Nelson Leirner, chamada de “Não Exposição”, em abril de 1967, na qual o público foi convidado e desafiado a retirar as obras das paredes gratuitamente, e levar seus prêmios para casa. O anúncio atraiu uma multidão165 que, em questão de minutos, esvaziou a galeria, constituindo-se como um típico happening dos anos 60. A proposição deveria ser devidamente documentada, mas um curto-circuito imprevisto impediu que esta acontecesse, restando algumas fotos que permitem imaginar o acontecido.

Aliás, a documentação, para Leirner, em suas muitas intervenções, proposições e happenings, nunca teve um propósito próprio de transformar-se em representação da obra, inclusive com sua exposição, como acontece com os conceituais internacionais, para os quais esta é fundamental e constitui o cerne da materialização da obra.

Leirner parece concentrar-se na situação criada e na reação do público, sem preocupar-se com uma intelectualização e reflexão sobre tal situação, constituindose, desse modo, em uma investigação predominantemente empírica, e não analítica, aos olhos das teorias de Kosuth.

Porém, algumas vezes, utiliza métodos semelhantes, como no exemplo do out-door de 16 folhas “Aprenda colorindo gozar a cor” que espalha pela cidade166 em 1968, obra de natureza inédita no Brasil, e que demorará quase uma década até ser mais frequentemente utilizada pelos artistas brasileiros, e mesmo assim geralmente com 165

Segundo o artista, devido ao fato de ter recebido o prêmio na Bienal de Tóquio. LEIRNER, Nelson. Depoimento ao autor, 20 nov. 1998. (comunicação pessoal) 166 Principalmente nas regiões Centro (Consolação, Bela Vista, Bexiga), Oeste (Pinheiros, Rebouças, Avenida Europa) e Sul (Vila Mariana, Aeroporto). Id. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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caráter mais artesanal167: Leirner produziu 200 cartazes utilizando os métodos industriais168, portanto multiplicando-o como meio informativo de maneira idêntica a uma publicidade comercial.

No cartaz estavam escritas as palavras: “aprenda colorindo gozar a cor”, seguidas do nome “Nelson Leirner” diferenciado, e de três desenhos iguais de um rosto de mulher com a boca aberta169, retirado de um livro para “aprender desenhando”, em branco e duas cores diferentes: sépia e vermelho.

Lembrando uma ilustração de um livro de colorir de crianças, o out-door foi tomado pelo público da época, segundo o próprio artista, como uma propaganda de uma escola de arte170. Entretanto, é possível identificar uma intenção do artista em utilizar tal imagem “clichê” justamente porque é a visão mais popular e difundida das artes plásticas, aqui associada ao gozo e ao prazer. Mas, simultaneamente, tal imagem traz a idéia de um processo construtivo, e as palavras “aprenda colorindo” a reforça, na medida em que propõe um envolvimento cúmplice no fazer arte, engajado, mas distraído, divertido, como um jogo, e provocador, na medida em que relaciona o prazer da arte e o do sexo.

Portanto, o out-door constitui-se em um jogo semântico ou uma proposição conceitual, ou seja, propõe explicitamente os valores do artista, do que seja arte para 167

Ver a respeito, BARROS, Stella Teixeira de. “Out”- Arte? In: Arte em Revista n.8, São Paulo, CEAC, p.46-54, out 1984. 168 Leirner entrega um projeto em “arte final” para a empresa Espaço, que se encarrega de produzir e distribuir o out-door. LEIRNER, Nelson. Depoimento ao autor, 20 nov. 1998. (comunicação pessoal) 169 Segundo Agnaldo Farias, “em um inconfundível êxtase sexual”. FARIAS, Agnaldo. O fim da arte segundo Nelson Leirner. Nelson Leirner. São Paulo: Paço das Artes, 1995, p.57. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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ele: a fundamentação do trabalho no compartilhamento do processo junto ao público. Mais do que obra, é um manifesto do que seja arte.

O público que vê a imagem, distraido, lê a mensagem e procura decodificá-la: o que está sendo vendido? Um curso de arte? A palavra “arte” situa o assunto, mas não há endereços, telefones, apenas um nome: “Nelson Leirner”. O texto é imperativo. Provocativo. Duvida-se da intenção do autor. Há uma diferenciação entre esta mensagem e as outras. Um ruído se instala. Depois, pode haver um compartilhamento da dúvida: pergunta-se a outras pessoas - “Você viu?”; “Você entendeu?”. É portanto, uma mensagem “fria”, que necessita que o espectador interprete, livremente, o que vê.

Até que ponto tal obra traz um questionamento da natureza da arte, ou de suas estruturas? Visualmente, não há nenhuma novidade ou choque. A problematização vem, pois, por dois aspectos: a proposição anunciada, que deve ser submetida ao raciocínio e aceita ou não; e o próprio veículo da mensagem artística: palavras escritas em um out-door, que normalmente não são consideradas arte.

O conjunto frase/imagem, em si, poderia ser transmitido por outros meios, como folhetos, cartazes, impresso em jornais ou revistas, anunciado na TV. Não perderia sua essência e, portanto, o conceito formulado. É informação, acima de tudo. Sua concepção se confunde com o projeto industrial publicitário. Questiona, portanto, o objeto artístico tradicional, que é único.

170

LEIRNER apud BARROS, op. cit., p.47. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Mas é pertinente pensar que a escolha do out-door não foi aleatória. Cada veículo de comunicação tem um código próprio, e o artista selecionou aquele que considerava mais adequado, na época, a cumprir suas intenções, incluindo aí, talvez, o acesso que poderia obter, em termos mesmo de custos, conhecimento técnico e possibilidade de fatura. A horizontalidade, a repetição seriada, a forma de leitura se adequam ao código do meio e à forma de distribuição.

Mas será que o artista foi bem sucedido? A pouca reação do público e a confusão estabelecida com um curso de arte não teriam atrapalhado as suas intenções? Ou a ambiguidade criada seria proposital?

Diz Leirner: “Ë difícil pôr arte na rua. O meu código, mesmo na rua, é para quem está a par. O passante na rua pode se inquietar, mas de duas uma: ou não tem resposta, ou não se incomoda.”171

Parece que Nelson Leirner se depara com essa questão em muitas obras e atividades que realiza desde então. Esse “fio da navalha” o acompanha constantemente, o que faz pensar se não é exatamente isso que torna sua obra interessante. Ou seria uma ingenuidade, uma fraqueza de seu trabalho?

Evidentemente, Leirner está mais para Duchamp que para Kosuth. Causar polêmica, provocar ruídos na comunicação, sabotar a ordem do circuito artístico são comuns

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em sua trajetória. O que confirma seu valor dentro dos parâmetros analisados. Porém, o artista não atinge plenamente o público e não desmonta a “caixa preta” dos códigos da arte e da imagem técnica que utiliza. Sua atuação é basicamente anárquica. Questionadora, porém apenas parcialmente conscientizadora.

O inusitado de tal proposição na rua, misturado a outras informações comerciais comuns, abre uma brecha para outras iniciativas junto aos meios de comunicação172. A arte na rua, através de manifestações e intervenções, tornou-se, por outro lado, iniciativa comum em seu trabalho do final da década de 60173, e também de inúmeros outros artistas da época.

171

LEIRNER apud BARROS, op.cit, p.54. Lembrando a inserção de um caderno em um jornal diário por Antonio Manuel, em 1973, assim como o evento “O som é você”, realizado na rádio Pan Americana por Aracy Amaral e Fred Forest no mesmo ano. Foram utilizados também, além de out-doors, os painéis eletrônicos, como o do Vale do Anhangabaú. Mais recentemente, vemos uma nova geração internacional (Jenny Holzer, Barbara Kugler, Gonzalez-Torres) utilizar-se desses meios. 173 Leirner e Fávio Motta realizaram outras iniciativas de contato ao público: em 1967 solicitaram a 12 artistas que fizessem carimbos de borracha, de aproximadamente 20 x 20 cm, que foram levados ao Salão de Brasília e expostos como mural e colocados à disposição do público em carteiras escolares, permitindo a este carimbar em folhas soltas e levar o trabalho para casa; e, no mesmo ano, confecionaram bandeiras em serigrafia e mostraram-nas na esquina da Avenida Brasil com a Colômbia, sendo confundidos com camelôs, com a consequente apreensão das bandeiras. 172

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figura 2-A WALDEMAR CORDEIRO E GIORGIO MOSCATI - DERIVADAS DE UMA IMAGEM (Transformação em Grau Zero) - Press Out Put - 47 X 34,5 cm - 1969 - Col. Família Cordeiro

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figura 2-B WALDEMAR CORDEIRO E GIORGIO MOSCATI - DERIVADAS DE UMA IMAGEM (Transformação em Grau 1) - Press Out Put - 47 X 34,5 cm - 1969 - Col. Família Cordeiro

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figura 2-C WALDEMAR CORDEIRO E GIORGIO MOSCATI - DERIVADAS DE UMA IMAGEM (Transformação em Grau 2) - Press Out Put - 47 X 34,5 cm - 1969 - Col. Família Cordeiro Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Waldemar Cordeiro: “Derivadas de uma imagem” (1969) O nome de Waldemar Cordeiro (1925 - 1973)174 está relacionado de modo mais frequente ao grupo Ruptura e ao desenvolvimento da arte concreta no Brasil. Entretanto, além de capitanear tal movimento, sua produção artística e teórica se desdobra ao longo da década de 60 em busca de novas alternativas que dialogam com as questões internacionais da arte: os objetos “Pop-cretos” e, a partir do fim da década, a experimentação com as possibilidades da imagem digitalizada através do computador.

Esta experimentação, sem dúvida pioneira, especialmente no contexto nacional, no qual o atraso tecnológico na época era francamente perceptível, abre caminhos de discussão inéditos, em virtude de seu caráter eminentemente problematizador, coisa que hoje pode parecer até banal em virtude de nossa inserção instantânea e submissa à imagem técnica digitalizada.

174

Waldemar Cordeiro nasce em Roma em 1925, de pai brasileiro e mãe italiana, realizando seus estudos de arte na Academia de Belas Artes daquela cidade. . Muda para o Brasil em 1946, instalandose em São Paulo e trabalhando como jornalista, critico de arte e ilustrador na Folha da Manhã (até 1952). Em 1947 organiza com Bassano Vaccarini a exposição de inauguração da Galeria Domus. No mesmo ano conhece Luiz Sacilotto, Geraldo de Barros e Lothar Charoux e faz uma viagem a Roma. Expõe obras de características expressionistas. Em 1951 participa da I Bienal de São Paulo já com obras de caráter abstrato e concreto. Em 1952 expõe com o grupo Ruptura, no MAM e é lançado o seu manifesto. Inicia estudos e trabalhos em paisagismo. No ano seguinte conhece Décio Pignatari e os irmãos Campos, e trava contato com o grupo argentino concretista de Tomas Maldonado. Em 1956 participa da “I Exposição Nacional de Arte Concreta”, junto aos artistas cariocas do grupo Frente, e em 1960 da “Exposição Internacional de Arte Concreta” em Zurique, organizada por Max Bill. Realiza, nesta época, experiências pintando com revolver de ar comprimido, com a consequente indefinição dos limites pictóricos (“formas-luz”). A partir de 1962 incorpora em seu trabalho a apropriação de objetos, elementos matéricos e espelhos, que serão denominados por Augusto de Campos, em 1964, de “Pop-cretos”, e pelo artista de “arte concreta semântica”. Viaja no mesmo ano para a Europa, conhecendo o grupo Recherches de l’Art Visuel e a arte Pop americana. Participa, no ano seguinte das exposições “Opinião 65” e “Propostas 65”, e faz individual no MAM do Rio de Janeiro. Em 1967, participa da exposição “Nova Objetividade Brasileira”. Em 1968 inicia na USP, com Giorgio Moscati, pesquisa sobre imagens realizadas com auxilio do computador, expondo-as no ano seguinte na Europa e em 1970 na mostra “Computer Plotter Art” na Galeria da USIS, em São Paulo. Em 1971 organiza na FAAP a exposição “Arteônica”. Falece em 30 de junho de 1973. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Se nos dias atuais o processo de digitalização da imagem é realizado pelas novas “caixas pretas”, o scanner e as câmeras fotográficas e de video digitais, Cordeiro, na precariedade dos recursos da época, teve que penetrar os princípios do signo e da construção de tais imagens, pré-realizadas então de modo artesanal, ponto por ponto, e traduzidas por uma sobreposição de letras impressas, que formariam os diversos graus de saturação de preto ou tons de cinza.

A relação de tais experiências e as idéias de Vilém Flusser podem não ser tão evidentes; afinal, Cordeiro não se coloca como um “sabotador” da linguagem, mas inversamente, como um construtor do novo código, como seria coerente à linhagem da arte concreta, que direciona-se a um “engajamento” às técnicas industriais e à sua utilização plena, na qual a arte tem papel fundamental enquanto fornecedora de substratos linguísticos, sendo o artista um especialista que vem conceder a qualidade necessária à tarefa de comunicar-se com as massas. Mas, quando deixa à mostra o processo construtor da imagem, ou modifica-a através da inserção de “ruídos” visuais aleatórios programados, Cordeiro está questionando o próprio código em formação, testando seus limites, deixando claras as situações criadas, “clareando” a “caixa preta”, concomitantemente ao processo de sua programação.

Segundo Ana Belluzzo: “... a questão central dos primórdios da arte eletrônica é o programa. Programar uma imagem é traduzir o que se tem em mente em um modelo, que tenha a forma de um ou mais algoritmos. Em arte programada, os criadores elaboram modelos, e não imagens finais. Quando se observa a imagem, aprecia-se o código, suas virtualidades e as possibilidades que não estão lá. A compreensão

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envolve o processo todo.”175

Cordeiro, após transcodificar suas imagens para a linguagem do computador, estabelece procedimentos a serem executados dentro de uma escala de probabilidades aleatórias, que atua, basicamente, testando a resistência da imagem digital. Se pergunta, até que ponto ela sobrevive, ela segura seu conteúdo representacional de figura frente a um processo crescente de abstração?

Cordeiro realiza pesquisas com o computador de 1968 a 1973, primeiro na USP, com Giorgio Moscati e outros colaboradores (“Beabá”, 1968; “Derivadas de uma Imagem”, 1969; “A Mulher que não é B.B.”, 1971), e depois de 1970 na Unicamp (“Retrato de Fabiana”, 1970; “Gente”, 1972/73; “UNICAMP”; “Goya, detalhe de Saturno”; “Pirambu”, 1973).

Em “Derivadas de uma imagem”, que segundo Ana Belluzo inaugura o desenho por computador no Brasil e configura-se como o principal salto qualitativo em relação às obras subsequentes176, realizada em parceria com o Professor Giorgio Moscati, do Departamento de Física da USP, em 1969, vemos, na primeira imagem da série, dois perfis de um casal de namorados unidos pela testa e um vulto de um casal de costas à direita na parte superior, provavelmente apropriada de uma foto publicada em uma revista. Esta imagem, composta por sinais gráficos sobrepostos para obter um determinado grau de cinza, numa escala de zero a seis, é submetida a dois graus de derivação, segundo a relação de contraste entre dois pontos horizontais sucessivos, 175

BELLUZZO, Ana Maria. Waldemar Cordeiro: uma aventura da razão. São Paulo: MAC USP,

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que gera na nova imagem um sinal equivalente à relação obtida. O resultado é uma transformação de superfícies de tons de cinza em uma crescente linearização, que Ana Belluzzo chama de “desespacialização”, ou “caminho da foto ao desenho”177, sendo que a primeira derivação fragmenta a imagem, tornando-a mais difusa e menos compreensível, e a segunda concentra as áreas escuras nos limites de contorno das figuras, tornando-as novamente pregnantes.

O processo de digitalização da imagem é realizado de modo ainda rudimentar, através de sua quadriculação e reticulação, traduzida em sete valores tonais, e seguida de uma correção visual manual dos pontos constituintes.

Assim como nas experimentações seguintes, Cordeiro tenta averiguar possibilidades de interferência na imagem que estabeleçam alguns procedimentos básicos de alteração: nesta, o processo de linearização citado, em outras, a ampliação, a fragmentação, o contraste, a cor. O resultado obtido, que parece ainda um tanto primitivo, lembra um pontilhismo gráfico de Seurat. Porém, a busca de seu valor não pode ser dado pelo visual, mas por outros parâmetros.

Waldemar Cordeiro, em 1965, já adiantava que seria necessária uma nova arte que anulasse as contradições entre a arte figurativa e não figurativa, e que a indústria de massa apontava um caminho para essa superação, na qual “decodificar a arte nos

1986, p.32. 176 BELLUZZO, op. cit., p. 32. 177 BELLUZZO, op. cit., p.33. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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sinais visíveis da vida leva à decodificação da vida nos sinais da arte”178. Para Cordeiro, o computador é um auxiliar valioso na tarefa de estudar “as variáveis de uma idéia (estrutura ou meta-estrutura de uma imagem)”, “proporcionando a almejada arte ‘auto-consciente’(C. Alexander), interdisciplinar e operativa”179.

Afirma ainda, em outro texto: “o fracasso das atividades artísticas e culturais que utilizam canais naturais (Bienal, exposições, teatros, etc.) e o aumento da audiência do radio e TV, sem entrar em maiores considerações, reiteram a decadência desses meios e reforçam a imagem da importância hegemônica dos meios elétricos.180 O artista considera a transformação das cidades através dos canais comunicativos eletrônicos e reflete sobre a necessidade de que a arte participe desse processo, não pela simples digitalização de imagens tradicionais, mas pela intervenção qualitativa nos novos meios181, e aí inserida a utilização do computador como possibilidade de produzir imagens que não sofram transformação significativa ao serem veiculados pelos meios de comunicação.

Esse processo transformador, hoje realizado nos computadores por um simples toque de botão, é obtido por uma função matemática, que automatiza o processo. Mostrar esses passos e deixar evidentes as condições que originaram tal sequenciação, nos

178

CORDEIRO, Waldemar. Realismo ao nível da cultura de massa. Propostas 65. São Paulo: Fundação Armando Álvares Penteado, 1965, p.16 (catálogo de exposição). Reproduzido em BELLUZZO, op. cit. 143. 179 CORDEIRO, Waldemar. Computer Plotter Art. São Paulo: Mini-Galeria da USIS, 1969 (catálogo da exposição). Reproduzido em BELLUZZO, op. cit., p.146. 180 CORDEIRO, Waldemar. Uma nova variável para o modelo de organização territorial: a evolução dos meios eletrônicos de comunicação. Salvador: VII Congresso da SIAP. 1970. Reproduzido em BELLUZZO, op. cit., p. 163. 181 CORDEIRO, Waldemar. Arteônica. São Paulo: Edusp, 1971. (catálogo da exposição). Reproduzido em BELLUZZO, op. cit., p.166-8. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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dias atuais, é fundamental para tomar consciência do que está por trás da imagem digital e dos programas de alteração da imagem. Claro que seria uma aberração demonstrar todos os processos científicos que constituem o código que ampara o computador. Não é esta a questão. Mas a iniciativa de Cordeiro, que em verdade, em seu contexto, estava ajudando a construir estas possibilidades, nos conscientiza e desaliena frente a este mundo mágico tecnológico.

Mostrar o processo de construção da imagem é desvendar seus códigos estruturais, e é esta condição que coloca esta obra, junto à série de experimentações que a seguem, como pontos marcantes e essenciais dentro da arte internacional. Eminentemente cerebral, isto pode parecer uma experimentação fútil e visualmente desinteressante se tomada dentro da tradição da arte. Mas coloca em cheque, a priori, um código em construção, no qual o projeto, o antecipar das circunstâncias futuras, dá lugar ao programa, no qual se estabelecem as regras e funções de transformação da realidade, diante de um imprevisível futuro baseado na probabilidade.

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figura 3-A MIRA SCHENDEL - SEM TÍTULO (Caderno) Serigrafia sobre papel - (12 lâminas [2 capas] aparafusadas por um ponto) - 22 X 22 cm Rio de Janeiro: Galeria Paulo Bittencourt e Luiz Buarque de Hollanda, 1975 (Assinado 1971) Col. Ada Schendel Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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figura 3-B MIRA SCHENDEL - SEM TÍTULO (Caderno) (esquema das lâminas)

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Mira Schendel: um caderno (1971) Embora Mira Schendel (1919-1988)182 não seja exatamente um exemplo típico de uma artista que trabalhe com imagem técnica e multimeios, Vilém Flusser dedicou a ela vários textos e uma amizade e interlocução duradouras. Schendel, através de suas obras do final dos anos 60 e início dos 70, principalmente aquelas que utilizam suportes transparentes ou translúcidos, fornecerá elementos para que o filósofo desenvolva seu conceito de “diafaneidade”, relacionado ao problema da Pós-História, antes que este volte-se enfaticamente às “caixas-pretas”. Além disto, a utilização frequente de letras e algarismos em suas obras da época evoca uma relação estreita entre linguagem escrita e visual, situando-se, talvez, neste meio-termo ambigüo, tão menosprezado pela Modernidade (pelo menos a de Greenberg) e tão cortejado pela pós-Modernidade. Esta presença fantasmática do reino do texto nas artes visuais, comum a outros 182

Mira Schendel (Myrrha Dagmar Dub) nasce em 1919 em Zurique, Suiça. Em Milão, cursa escola de arte e o curso de Filosofia na Universidade Católica. Em 1941, fugindo da guerra, vai para Sarajevo, onde se casa com Josip Hargesheimer. Em 1946 muda-se para Roma, permanecendo até 1949, quando migra com o marido para o Brasil, fixando-se em Porto Alegre. Começa a pintar e fazer escilturas em cerâmica. Em 1950 realiza a primeira individual em Porto Alegre. Em 1951 participa da I Bienal de São Paulo. Em 1953 muda-se sozinha para São Paulo. No ano seguinte, conhece e passa a viver com Knut Schendel. Expõe no MAM. A partir dessa época, começa a conviver com pessoas ligadas à congregação dominicana. Em 1957, com o nascimento de sua filha, interrompe sua produção por alguns anos. Em 1960 casa-se oficialmente com Knut Schendel, passando a assinar Mira Schendel. Reinicia sua produção artística e torna-se amiga de Mário Schenberg e Theon Spanudis. Começa a realizar trabalhos com papel de arroz e participa de diversas exposições. Em 1963 expõe pinturas na Galeria São Luiz. A partir de 1964 inicia a produçào de monotipias. Em 1966 realiza as “Droguinhas” e os “Trenzinhos”. Em 1966, por intermédio de Guy Brett, expõe na galeria Signals, em Londres. Em Stuttgart conhece Max Bense. Em 1968 participa da Bienal de Veneza, expondo “Objetos Gráficos”. Em 1969, na Bienal de São Paulo, realiza a instalação “Ondas Paradas de Probabilidade”. Produz trabalhos com chapaz de acrílico transparentes, letras e signos gráficos. Entre 1970 e 1971 realiza cerca de 150 cadernos. A partir de 1975 seu interesse por filosofia se dirige à fenomenologia de Hermann Schmitz e para o conceito de “corporeidade”. Luiz Buarque de Holanda e Paulo Bittencourt editam um dos cadernos para a individual da artista no Rio de Janeiro. Em 1980 realiza a série de têmperas “I Ching”. Produz também pinturas com inserções de triângulos em folha de ouro. Em 1984 expõe na Galeria Paulo Figueiredo “Mais ou Menos Frutas”. Em 1987 produz a série “Sarrafos”.

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artistas de então183, embora não compareça frequentemente em seu trabalho estabelecendo sentidos e palavras legíveis, indica justamente o momento em que se pode perceber que a linguagem escrita é engolida, ou absorvida, pela visualidade, de modo a enfatizar que o domínio, doravante, na Pós-História descrita por Flusser, será da imagem (técnica), e que os textos terão de se submeter a esta, irrevogavelmente. Dos muitos cadernos (aproximadamente 150) que Mira Schendel realiza no início dos anos 70 (expostos em 1971, no MAC USP), e que não podem ser chamados exatamente de “livros de artista” típicos, já que são artesanais184, embora possam ser considerados protótipos não executados, apenas um é editado em série185, em 1975, patrocinado pela Galeria Luiz Buarque de Hollanda e Paulo Bittencourt, sediada no Rio de Janeiro, por ocasião de sua exposição individual. Sem dúvida, o que está por trás desta singular escolha de organização material do trabalho, para a artista, é, em primeiro lugar, a exigência de manipulação da obra pelo público, que deve tocá-lo, sentí-lo, virar suas páginas segundo sua vontade; em segundo lugar, o aspecto temporal que concede ao folhear de páginas, uma atrás da outra, como um proto-cinema; além disso, é a decisão do espectador que define a ordem, a velocidade, o sentido, a posição de cada página. O caderno transforma-se, assim, em um jogo, cujo desenvolvimento será de critério do público, a partir das Começa a trabalhar em uma sala na Galeria de Paulo Figueiredo com pinturas com pó de tijolo. Morre em 1988 com câncer no pulmão. 183 Citando a exemplo, Cy Twombly, Robert Indiana (para citar os Pop) e Opalka (para citar os conceituais), entre muitos outros. 184 Ver, a propósito, FABRIS, Annateresa e COSTA, Cacilda Teixeira. Tendências do Livro de Artista no Brasil. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1985. 185 Segundo Ada Schendel, em depoimento ao autor, São Paulo, 23 nov. 1998, (comunicação verbal) até este momento não se sabe exatamente quantos exemplares foram editados. Não apresentam numeração ou indicação de tiragem. Provavelmente, para a filha da artista, foi realizado substituindo

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regras da artista. Constitui-se, desse modo, em programa, uma estrutura prédeterminada que pode se valer de vários conteúdos diferentes, sem perder suas características fundamentais. Isso é possível de sentir ao folhear muitos dos cadernos de Schendel: existem certos agrupamentos de possibilidades que articulam séries de cadernos,186 o que permite, parcialmente, prever seu desenvolvimento, embora com elementos inusitados que rompem o programa, sabotam sua previsibilidade, concedendo um fator anárquico que gera informação e sentido originais a cada um. Para Flusser, “o artista quer que sua mensagem contenha ruídos, e que o modelo proposto por ele entre em conflito com os modelos já disponíveis. É portanto sobre isto que a crítica de arte deve concentrar-se.”187 O objeto de análise escolhido, em coerência ao estudo proposto, é o único caderno que foi editado, embora a maioria deles possa passar pelo mesmo processo188, o que os torna protótipos, ou projetos, não existindo perda significativa com sua multiplicação técnica189. Como a edição foi realizada de maneira não idêntica, foi escolhido um dos um convite ou catálogo da exposição. Os exemplares também não são idênticos, apresentando variações na ordem das folhas e na impressão, que foi feita manualmente em serigrafia. 186 A artista explorou várias possibilidades do caderno, pensando transparência e opacidade do papel, como as folhas seriam articuladas (soltas, presas por um parafuso, encadernadas por espiral ou calha), tipos de intervenções (linhas, letras, furos), etc. 187 FLUSSER, Vilém. Explicar a recepção. Palestra da série Como explicar a arte. São Paulo: Galeria Paulo Figueiredo, 4 nov. [198-?] (texto mimeografado - Arquivo Ada Scendel) 188 De alguns foram feitas réplicas reproduzidas artesanalmente na época da exposição na Galeria do SESI em 1995. 189 Provavelmente, na época, a partir mesmo de sua condição financeira e isolamento dentro do circuito de arte, era mais importante para a artista fazer cadernos diferentes do que multiplicar apenas alguns. Consistia basicamente em uma experimentação. Por outro lado, as técnicas não autográficas da maioria deles (letraset, linhas realizadas em nanquim com réguas e compassos), pressupõe a

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exemplares para efeito de descrição e análise, ilustrado por imagem e esquema gráfico. De formato quadrado e tamanho 22 x 22 cm, este caderno é preso, em um dos cantos, por um parafuso metálico que permite um giro independente de 360 graus para cada página em torno de seu eixo. Portanto, já se distingue de um livro comum, preso pela lateral, que obriga a folheá-lo abrindo cada página numa ordem préestabelecida. Duas capas de cartão plastificado esverdeadas protegem o conteúdo, isentas de qualquer informação e, devido à encadernação, uma delas estará sempre visível, mesmo com as páginas abertas. As folhas foram impressas apenas de um dos lados, em processo serigráfico, contendo apenas dois tipos de intervenções: uma letra (“p” ou “b”), sempre isolada,

e uma linha em arco. Ambas interferências se

apresentam em cor vermelha. Apenas em uma das páginas a linha não é acompanhada pela letra. Estas encontram-se sempre em posição ortogonal e paralela a um dos lados do caderno, transformando-se, por giro de 180 graus, em “d” e “q”. A ordem é a seguinte: bq - pd - bq - 0 - bq - pd - bq - pd - pd - pd. Portanto, “pd” se repete cinco vezes e “bq” quatro. Há alternância de “bq”, e “pd” no final se coloca em sequência tripla. Dos arcos, três se dispõem com centro de seu raio no parafuso, um em oposição, quatro com o raio perpendicular a um dos lados do caderno e dois tangenciam o parafuso. Como o parafuso permite qualquer combinação entre as páginas, é possível dispor até três delas abertas, em qualquer sequência desejada, ou entreabrí-las como um leque. Esta estrutura combinatória ilustra muito bem a obra como programa, pois permite um manuseio praticamente infinito diante das possibilidades que o espectador pode possibilidade latente de sua multiplicação. Ver AMARAL, Aracy. Mira Schendel: os cadernos. In: Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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obter com tal objeto, e sua manipulação tem caráter extremamente lúdico. O jogo traz surpresas a cada novo contato realizado. Para Flusser, os cadernos de Mira Schendel situam-se além dos limites da linguagem, são “desafio aos cadernos de Wittgenstein”190, ou “experimentos em estrutura linguística [...] no limite entre linguagem e não linguagem, [...] o grito antiwittgensteiniano desafiando o indizível. É prece”191. Podemos pensar, a partir destas idéias, que este caderno se distingue de outros do cotidiano, e neste sentido introduz ruídos sobre o código conhecido de manipulação e leitura de livros ou publicações semelhantes. Ao mesmo tempo, funda uma nova forma, ou código, através dos parâmetros que impõe. Híbrido entre as artes plásticas e a linguagem escrita, se situa naquele interstício entre tempo e espaço que Flusser chama de diafaneidade. Por outro lado, é preciso considerar que os cadernos de Mira Schendel são eminentemente produto de um fazer, do contato artista-matéria. Ou seja, são produto da experimentação empírica, mais que de um projeto fechado prévio. Se eles “imaginam conceitos”, como diz Flusser, isto se dá não por uma intensa racionalização, mas por um embate fenomenológico direto. Isto a diferencia em essência aos demais exemplos estudados, embora seu resultado se coloque em um caminho muito próximo, como proposições e programas, mas plenos de existência.

Arte e meio artístico: entre a feijoada e o x-burguer. São Paulo: Nobel, 1983, p.183-5. 190 Tal referência se pauta no fato de Wittgenstein afirmar que não há nada além da língua,ou melhor, apenas “o que é místico” (na proposição preferida de Flusser). FLUSSER, Vilém. Fora do alcance da língua. Arte em São Paulo, São Paulo, n.36, 1987. 191 FLUSSER, Vilém. Mira Schendel. (texto datilografado, s/d - Arquivo Ada Schendel) Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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figura 4-A REGINA SILVEIRA - SEM TÍTULO Colagem - 12,5 X 15 cm - 1973 - Col. Particular Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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figura 4-B REGINA SILVEIRA - BRASIL TURÍSTICO/SP/VIADUTO DO CHÁ (ON/OFF 1) Off-Set - 32 X 22 cm - 1973 - Col. Arquivo MAC USP Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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figura 4-C REGINA SILVEIRA - PROPOSTA PARA MONUMENTO (ON/OFF 2) Serigrafia sobre papel - 10 X 15 cm - 1973 - Col. Arquivo MAC USP

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Regina Silveira: “Brasil Turístico” (1973)

Há uma constante nos trabalhos de Regina Silveira (1939)192 realizados desde o início dos anos 70: uma preocupação com os códigos de representação da realidade e um clima de pesadelo que ronda uma grande parte deles, que às vezes é acompanhado de um certo humor sutil e irônico.

Sua produção anterior a essa época, que passa por momentos de estilemas expressionistas e de abstração, foi subitamente substituido, pelo impacto de seu contato com a produção internacional européia e norte-americana193, por um interesse em novos materiais industriais, formas seriadas e possibilidade de manipulação ou transformação de suas características visuais pelo espectador.

192

Regina Silveira nasce em 1939 em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Em 1959 conclui bacharelado em Pintura no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde estuda com Aldo Locatelli e Ado Malagoli. No mesmo ano realiza a primeira individual. No ano seguinte conclui licenciatura em Desenho pela Faculdade de Filosofia da PUC-RS. A partir de 1960, e até 1966, desenvolve trabalho de ilustração para o Correio do Povo de Porto Alegre. Em 1961 estuda pintura com Iberê Camargo e xilogravura com Francisco Stockinger, e no ano seguinte litografia com Marcelo Grassmann. Desenvolve nesta época gravuras de caráter expressionista. Trabalha no Hospital Psiquiátrico São Pedro. Em 1964, é contratada como auxiliar de ensino no IA-UFRGS. Em 1965 realiza a primeira individual no Rio de Janeiro na Galeria Goeldi. Em 1967 viaja para a Europa, estudando História da Arte na Faculdade de Filosofia e Letras de Madri, como bolsista. Conhece Júlio Plaza. Começa a realizar colagens geométricas. Em 1968, de volta a Porto Alegre, realiza esculturas geométrico-construtivas. Em 1969 casa-se com Júlio Plaza, e com ele é convidada a lecionar na Universidade de Porto Rico, onde permanece até 1973. Realiza as primeiras serigrafias e inicia trabalhos utilizando malhas e perspectivas. Começa a atuar no circuito de Arte Postal. Em 1973, retorna ao Brasil e fixa-se em São Paulo. Começa a dar aulas de gravura na FAAP e, no ano seguinte, na ECA USP. Expõe a série “Destruturas”. Em 1977 realiza a série “Jogos de Arte” e exibe as primeiras experiências em video P/B. Em 1978 funda com Walter Zanini,Júlio Plaza e Donato Ferrari a escola Aster. Em 1979 inicia a série “Anamorfas”, na qual usa a deformação perspéctica e que constituirá sua dissertação de mestrado. Em 1982 inicia a série “In Absentia” e “Simulacros”, sua tese de doutorado, defendida em 1984. Em 1985 retoma a pintura e deixa as aulas da FAAP. Em 1991 recebe a bolsa Guggenheim e permanece em Nova York, intensificando sua carreira internacional. Em 1993 aposenta-se da ECA USP, permanecendo como orientadora de pós-graduação. 193 Regina Silveira viaja para Madrid em 1967, como bolsista do Instituto de Cultura Hispânica, visitando também Paris, onde entra em contato com a produção de arte cinética, e Londres, onde vê uma exposição de serigrafias de artistas Pop. ZANINI, Walter. A aliança da ordem com a magia. In:

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A artista teria uma importante experiência em Porto Rico, de 1969 a 1973194, para onde iria conjuntamente com Julio Plaza, como professora do Departamento de Humanidades da Universidade, sendo responsável pela área de desenho e gravura. Além do rico ambiente cultural local, por onde transitaram artistas como Robert Morris, a proximidade com os Estados Unidos também permitiu que visitasse exposições como “Information”, no MOMA, em 1970195. Alí iniciaria uma produção voltada aos meios de reprodução da imagem, ampliando seus estudos da gravura para as áreas da litografia e da serigrafia, sempre realizados a partir da manipulação de imagens ready made, fotográficas ou advindas da indústria cultural, e de esquemas gráficos de desenho, amparados na linguagem técnica da perspectiva.

Em 1973, Regina Silveira retorna ao Brasil e instala-se em São Paulo, onde inicia uma atividade didática nos cursos de artes plásticas da Faculdade Armando Älvares Pentado e na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Sua experiência internacional, em contato com o meio paulistano, especialmente o ligado ao meio universitário, contribui para articular as experimentações paulistanas em torno de uma atividade que ela e Plaza já praticavam em Porto Rico: a Mail Art, ou arte postal.

Tal atividade, iniciada pelo grupo internacional Fluxus, nos anos 60, era caracterizada como uma via alternativa e democrática ao circuito oficial das artes: as

MORAES, Angélica (org) Regina Silveira: cartografias da sombra. São Paulo: EDUSP, 1995, p. 130-3. 194 É interessante notar que são esses os anos mais difíceis da ditadura militar no Brasil, o que coincide, de certa forma, com os “exílios voluntários” da época, embora a artista não estivesse estritamente engajada na militância política. 195 ZANINI, op. cit., p.141-3. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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galerias e museus. Seus pressupostos eram o de criar uma “rede” intenacional de divulgação das idéias artísticas, que poderiam ser materializadas por meios autográficos, como o desenho, mas no qual predominava o uso de meios alternativos, como o carimbo, a colagem, o xerox, aliados à serigrafia e ao off-set. Constituia-se como um “jogo”, como dira Flusser, para o qual eram apropriadas as regras do próprio meio (o correio), a fim de utilizá-las artisticamente, questioná-las e subvertêlas. É interessante observar como tal atividade se torna frequente, para não dizer dominante, entre os artistas experimentais brasileiros, e de modo mais específico, paulistas, caracterizando-se como a mais recorrente e constante até o início da década de 80, enquanto outras atividades, como o “Livro de Artista”, e outras experimentações com os meios, eram mais esporádicas e pontuais.

Dentro do contexto apresentado, Regina Silveira iria desenvolver uma vertente de sua investigação a partir do conceito do “cartão postal”, na série batizada de “Brasil Turístico”, ou “Brazil Today”196, realizada entre 1973 e 1977, contendo imagens urbanas típicas de postais brasileiros (o Viaduto do Chá, o MASP, o Metrô, o Monumento às Bandeiras, o Monumento do Ipiranga, etc)197.

Os cartões postais funcionam, para o viajante, como um demarcador de sua passagem por um determinado sítio cultural ou histórico, “provando” sua presença em um dado

196

Esta designação foi dada a uma série editada em 1977 em 4 volumes, na qual a intervenção era realizada em serigrafia diretamente sobre os postais coloridos. 197 Há uma obra imediatamente anterior, datada de 1973, realizada ainda em Porto Rico, , composta de um envelope em tamanho ofício com três imagens em serigrafia com interferência do “cemitério de automóveis”, intititulada “Three proposals for a junk yard”, contendo uma imagem do Congresso Nacional de Brasilia. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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lugar e contexto.198

Regina Silveira, entretanto, parte de outra questão: o postal como simbolizador do monumento, e portanto da própria nação. Normalmente, este constrói-se a partir de uma imagem contundente e idealizada da paisagem e do monumento inserido em tal ambiente. Grandes panoramas, iluminação teatralizada e dramática noturna, deformações perspécticas que acentuam sua grandiosidade são exemplos de estratagemas fotográficos que atuam em tais representações, advindas, sem dúvida, dos códigos já construidos pela história da arte em seus vários momentos, e que são traduzidos (“transcodificados”) para a fotografia. Esta concede uma “autenticidade”, uma afirmação pseudo-ontológica de “fato verdadadeiro” e inquestionável, que contribui para a retórica ideológica ufanista e nacionalista a que se propõe a imagem.

Para combater tal ideologia199, Regina Silveira, nesta série, acrescenta ao cartão postal original uma imagem de um cemitério de automóveis200 em forma de fotomontagem, que contrasta violentamente à primeira imagem, enquanto forma e cor (o postal é colorido e a nova imagem em preto e branco) forçando uma desestruturação do significado: o monumento se contrapõe ao lixo, assim como a cidade (e a nação) idealizada se contrapõe às suas mazelas e ao seu estado político. 198

Tal questão já havia sido explorada pelo artista nipo-americano On Kawara que, desde o final dos anos 60, enviava diariamente postais dos lugares por onde havia passado com uma inscrição ou mensagem metódica (como por exemplo o horário em que se levantara), com o intuito de registrar sua existência terrestre. 199 E lembrando do contexto político em que se insere a obra, a Ditadura Militar, e o clima de opressão e falta de liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que se exaltam os “valores patrióticos” da nação. 200 Segundo a artista, em depoimento ao autor, São Paulo, 20 nov 1998 (comunicação pessoal), a imagem do cemitério de automóveis surgiu a partir de uma visita a um local de Porto Rico que a impressionou muito, e do qual foram tiradas fotografias (por Júlio Plaza), que serviriam de base para as interferências futuras. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Regina Silveira, como em outras séries, multiplica esta imagem básica a partir de vários meios de reprodução, como a serigrafia, o off-set, o xerox, modificando novamente o conjunto, e uniformizando pela impressão monocromática as duas “realidades” justapostas, de modo a torná-las uma única imagem, que funciona como uma nova “realidade”.

O processo também se desdobra com a redução das nova imagens ao tamanho de cartão postal, que estabelece uma relação ontológica ao primeiro referencial, recebendo o mesmo tratamento gráfico para escrita e endereçamento em seu verso, e possibilitando sua utilização no circuito do correio, com caráter idêntico a qualquer postal. Assim, com sua veiculação, o sistema se fecha, e passa a circular como “interferência ideológica”201.

Para o estudo desta série, foram escolhidas três obras, que sintetizam este processo: primeiro, temos uma das colagens202 que originam a série, no caso o Viaduto do Chá acrescido do cemitério de automóveis em sua parte inferior. A inserção modifica as proporções do postal, e cada imagem domina metade do novo campo visual. A metade superior é colorida, e a inferior em tons de cinza203. A ordem de uma constância de verticais e os dados perspécticos acentuados em cima contrastam com a

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Assim como as “interferências em circuitos ideológicos” de Cildo Meireles, nas quais se imprime alguma mensagem em um produto de um circuito (garrafas de coca-cola, notas de dinheiro), com sua posterior devolução ao circuito. 202 Regina Silveira, neste período, realiza várias séries a partir da colagem, fotomontagem ou interferência por meio gráfico de duas imagens que estabelecem um diálogo, transformando a significação original. 203 O cineasta alemão Wim Wenders costuma relacionar, em seus filmes, o mundo colorido como a realidade ilusória e alienada, e a imagem preto e branco como uma maneira de enxergar melhor as estruturas escondidas da realidade. Isso está explicito, por exemplo, em “O Estado das Coisas” e “Asas do Desejo”. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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desordem de diagonais e formas angulosas de baixo.

A segunda obra escolhida é uma versão da primeira, “Brasil Turístico/SP/Viaduto do Chá”, datada de 1973, realizada em off-set204, a partir de um fotolito do original. Impressa apenas em preto, a dicotomia anterior é anulada, e assim a imagem ganha uma veracidade pela cor uniforme, ao mesmo tempo que também é “esfriada”. As proporções do campo mudam: agora se insere em um retângulo vertical, mas se mantém o horizonte no centro da composição. As dimensões também se ampliam para as de uma folha ofício.

O terceiro exemplo toma outra imagem, a do Monumento às Bandeiras de Brecheret, instalado no Parque do Ibirapuera em 1954, por ocasião das comemorações do IV Centenário da cidade. A estrutura é a mesma: a parte superior mostra o monumento, mas desta vez, o cemitério de automóveis preenche também o entorno do monumento. Intitulada “Proposta para um Monumento”, e realizada em 1973 para a 2a. edição de On/Off205, o formato e as proporções são idênticas ao postal original (10 x 15 cm), incluindo no verso as linhas guias tradicionais para endereçamento. Deste modo, torna-se um simulacro do verdadeiro postal, ampliando o caráter de estranhamento da obra. Impressa em serigrafia, tendo os pontos gráficos bastante abertos, a imagem tende a se fragmentar, como se o monumento projetado estivesse 204

Esta imagem pertencia à publicação On/Off, São Paulo, número 1. Regina Silveira afirma que começou a trabalhar intensamente no off-set apenas a partir de 1975, pois anteriormente as obras eram reproduzidas em sua maioria pelo processo serigráfico, implantando a nova técnica de impressão para fins artísticos dentro do Laboratório da FAAP. PECCININI, Daisy. Arte: novos meios/multimeios. Brasil ‘70/80. São Paulo: FAAP, 1985, p. 321. 205 On/Off era uma coletânea de trabalhos artísticos realizados por meios gráficos, distribuido informalmente em mãos ou pelo correio, na forma de Arte Postal. Foi editado três vezes, as duas

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prestes a se desfazer em ruínas. O movimento em diagonal ascendente ainda confere um certo grau de monumentalidade à imagem da escultura de Brecheret.206

Esta série vem problematizar a imagem da cidade que temos como referência da urbanidade e da cultura humana. Sabotá-la virtualmente por meio da reprodução gráfica é um modo de conquistar um distanciamento crítico a tais imagens convencionais, e portanto, também da cidade e da nação que representam.

Annateresa Fabris coloca que a artista desenvolve “um modo peculiar de descontextualização que lhe permita evidenciar a questão da fotografia enquanto simulacro absoluto. Isto é, enquanto produção totalmente artificial, apesar da aparente homologia com o referente exterior, enquanto resultado de um conjunto de operações, alicerçado na lógica industrial, que tem na fidelidade e confiabilidade da imagem um de seus esteios fundamentais”207.

Acima de tudo, trata-se de uma constatação de que a imagem, enquanto linguagem, é manipulável e construída, e não pode ser percebida como “verdade”, mas apenas enquanto representação.

Receber este postal “falso”, adulterado, é tomar ciência tanto do circuito ideológico que o sustenta, como da manipulação livre dos códigos do desenho e da arte, além de primeiras em 1973 e a terceira em 1974. A segunda versão, da qual foi extraída esta obra, foi elaborada unicamente com o formato de cartão postal, ao contrário das outras, com formato livre. 206 Regina Silveira retomaria o tema em 1987, na instalação que realiza na exposição “A Trama do Gosto”, intitulada “Monudentro”, na qual o uso da perspectiva aplicada à silhueta do Monumento transforma-se em uma sombra deformada projetada às paredes em hexágono, rodeadas de grama artificial verde.

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constituir-se em jogo lúdico interativo (pode-se, por sua vez, alterar esta imagem e transformá-la novamente, retornando-a ao circuito postal).

Assim, seu valor se estabelece, independente do resultado visual que obtém, a partir do estímulo problematizador que provoca no público que o recebe ou o contempla.

207

FABRIS, Annateresa. Sombras simuladoras. In: MORAES, op.cit. A transcrição vem de acordo com as alterações reimpressas na errata, p.6. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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figura 5-A JÚLIO PLAZA - OS(AS) MENINOS(AS) Instalação com seis fotografias (100 X 100 cm cada) - 1977 - Galeria Arte Global - SP (esquema impresso no catálogo)

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figura 5-B JÚLIO PLAZA - OS(AS) MENINOS(AS) Instalação com seis fotografias (100 X 100 cm cada) - 1977 - Galeria Arte Global - SP (fotos da instalação impressas no catálogo) Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Júlio Plaza: “Os(as) meninos(as)” (1977)

Júlio Plaza (1938)208 parece ser, mais que os outros artistas aqui selecionados, aquele que pode representar intrinsecamente e de modo específico o problema proposto: vindo de uma formação européia e interessado ambiguamente pelas artes plásticas e pela poesia concreta, vai desenvolver um trabalho que se aproxima gradualmente das questões da semiótica e do uso dos multimeios e novas tecnologias, no qual a postura intelectual sempre predomina na condução da obra.

Se a arte postal e a multimídia foram suas principais investidas no período aqui estudado, tais gêneros se amparam fortemente em um desenho gráfico rigoroso e inventivo, que pode ser exemplificado pela edição dos livros-objeto “Poemóbiles” e da “Caixa Preta”, realizados em conjunto com Augusto de Campos.

A problemática da interatividade entre espectador e obra também é um dado fundamental, que pode ser vista como organizada em torno da concepção de “jogo” de Flusser, da “obra aberta” de Eco, ou da “morte do autor” de Barthes: manipular o 208

Júlio Plaza nasce em 1938 em Madrid, na Espanha, iniciando-se em desenho e pintura em 1957. Frequenta a Volksschule de Colonia, a Academia Julian e Escola de Belas Artes de Paris. Em 1967 participa da IX Bienal de São Paulo, e ganha uma bolsa do Itamaraty para estudos no Brasil. Nesta época desenvolve um trabalho próximo da arte cinética e estruturas primárias. No ano seguinte, Julio Pacello edita seu Livro-Objeto. Em 1969 viaja para Porto Rico, junto com Regina Silveira, com quem se casa, dando aulas na Universidade de San Juan, envolvendo-se paulatinamente com os meios gráficos e a arte postal. Em 1973 muda-se para São Paulo, tornando-se professor da FAAP e ECA USP. No ano seguinte organiza no MAC USP a exposição “Prospectiva 74”, voltada para os multimeios, e em 1975 edita com Augusto de Campos Poemóbiles e Caixa-Preta, e faz exposição individual no Gabinete de Artes Gráficas. A partir de 1977 realiza várias instalações utilizando fotos e objetos. Em 1978 abre a escola Aster, com Regina Silveira, Walter Zanini e Donato Ferrari. Em 1979 inicia uma pesquisa sobre o uso do video-texto como meio artístico. Desde meados dos anos 80 reduz sua atividade como artista, dedicando-se à Semiótica, Poéticas Visuais e às atividades didáticas,

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livro, trocar correspondência artística, fazer escolhas reversíveis no video-texto são atitudes que concentram sua atenção no público, na sua reação, no seu livre-arbítrio (mesmo em tempos de repressão), no despertar de sua percepção e de seu intelecto.

Júlio Plaza explica:

A característica marcante desta produção é o predomínio da quantidade da criação sobre a qualidade, assim como a descentralização dos centros de produção e veiculação de arte; (...) propõe a informação como processo e não como acumulação, agrupando-se seus produtores espontaneamente e por grupos de afinidade para a troca de intercâmbio de idéias e de informações; (...) em que a função poética (estética) deixa de ser prioritariamente privilegiada. (...) A intersemioticidade, intermediação e interdisciplinaridade que permeiam estas linguagens são muitas vezes responsáveis por situações-limite, nas quais a demarcação de um trabalho como ‘artístico’, dá-se apenas por sua inclusão num contexto de arte.209 (...) esse princípio [criativo] que pode ser incorporado nos meios tecnológicos como jogo (asobi) lúdico com as regras. Inclui-se aí o caráter espontâneo dos meios (wasa) como contemporaneidade entre pensamento e ação, acaso e imprevisibilidade.210 Plaza vai experimentar também um certo número de instalações211, nas quais o contato público-obra pode ser realizado de modo mais físico e corporal, embora, no obtendo os títulos de Mestre pela ECA USP (1980), Doutor pela PUC (1985) e Livre-Docente pela ECA (1991). Atualmente leciona simultaneamente na ECA USP e na UNICAMP. 209 PLAZA, Júlio. Poéticas Visuais. São Paulo: MAC USP, 1977 (catálogo de exposição). Reproduzido em PECCININI, Daisy. Arte: novos meios/multimeios. Brasil ‘70/80. São Paulo: FAAP, 1985, p.85. 210 MACHADO, Arlindo e PLAZA, Júlio. Arte e Tecnologia. São Paulo: MAC USP, 1985. (catálogo de exposição). Reproduzido em PECCININI, op. cit., p.309. 211 É preciso alertar que tal designação foi incorporada à linguagem específica das artes plásticas no Brasil a partir do final dos anos 70, na verdade por um vício de tradução das legendas de fotos em revistas americanas de arte. Instalation view, que se refere à instalação de qualquer tipo de obra no recinto da exposição, ou seja, sua montagem, transformou-se no termo “instalação”, que se aproxima, enquanto significado, ao termo inglês site especific, referindo-se a uma obra concebida para um local específico, mas incorporando também a noção de “ambiente”, usada nos anos 60, que designa uma

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caso deste artista, sempre liderado pela apreensão mental, e não sensorial, das informações inseridas no espaço.

Uma das mais interessantes destas intervenções212 foi montada na Galeria Arte Global, em São Paulo, em 1977, sob o título “Os Meninos” ou “As Meninas” (o “O” e o “A” das palavras se sobrepunham graficamente formando o símbolo do anarquismo), e acompanhado com o comentário “vai em homenagem a estes dois pensadores não verbais, meta-pintores e meta-artistas: Marcel Da Vinci e Leonardo Duchamp”213. A citação à Leonardo Da Vinci, Marcel

Duchamp e à obra de

Velazquez é óbvia. O que não é tão óbvio, e que deve ser decifrado, é sua significação face ao ambiente proposto.

A instalação era composta de seis fotografias em preto e branco e formato quadrado de 1m x 1m, dispostas simetricamente em oposição duas a duas, nas quais estavam representadas as paredes imediatamente opostas aquela na qual cada fotografia estava fixada. Um esquema, impresso no catálogo, mostrava as fotos sobrepostas à planta da galeria com os ângulos de observação de cada uma.

A referência à obra “As Meninas” de Velazquez, na qual o pintor representa a si mesmo, à família real e sua corte, todos olhando em direção ao espectador, que encontra-se no mesmo lugar dos reis da Espanha (que são vistos em um espelho ao

obra que pode ser penetrada pelo espectador, ou seja, no qual este é envolvido por um determinado contexto artístico. 212 Plaza realizou posteriormente, em setembro do mesmo ano, outra instalação semelhente no Espaço B do Museu de Arte Contemporânea da USP, intitulada “Câmara Obscura”, desta vez utilizando fotos internas e externas ao ambiente proposto. 213 PLAZA, Júlio. Os(as) meninos(as). São Paulo: Galeria Arte Global, 1977. (catálogo de exposição) Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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fundo) pode parecer evidente, embora tratada de maneira sutil: a pintura, inserida no período barroco, tem a intenção de envolver o espectador, colocá-lo em posição como se este fizesse parte da cena (coisa que pode ser vista em pinturas de Rembrandt ou nas esculturas de Bernini), para isso dirigindo o olhar dos personagens representados em nossa direção. Mas, além disso, e do espelho, outro objeto típico do código visual barroco214, Velazquez representa a si mesmo e sua tela, na qual está pintando aquilo que vê a sua frente (os reis, o espectador, ou um outro espelho?).

Júlio Plaza retoma esse enigma através das fotos da parede oposta a que olhamos, quer dizer, vemos representado diante de nós aquilo que está atrás de nós, porém, não como um espelho, mas como se nosso olho se deslocasse 180 graus para permitir tal visão (ou se colocasse como se fosse o olho do artista). Tal deslocamento do olhar, através da imagem técnica215, permite uma consciência de si e do espaço em que se está inserido, ao mesmo tempo que revela sua condição de representação, de simulacro, construído através dos códigos da arte e de sua história.

É essa fundamentação no código que aproxima a obra de Da Vinci e Duchamp: o primeiro como inventor e mestre da ilusão, através da perspectiva, do chiaroscuro, dos jogos de olhares e mãos que criam enigmas visuais; o segundo, responsável pela desconstrução dos códigos, através da livre manipulação da perpectiva, e da 214

E também da arte conceitual, a exemplo de trabalhos de Michelangelo Pistoletto, Robert Morris, Waltércio Caldas ou Iole de Freitas. Tal fato concede mais um argumento para se pensar em uma época “neobarroca”, como dizem teóricos contemporâneos, como Omar Calabrese e Gilles Deleuze. Por outro lado, as teorias psicanalíticas de Lacan analisam o espelho sob o mito de Narciso, que comparece também na idéia de narcissus narcosis de McLuhan. Umberto Eco também faz um interessante ensaio sobre o tema.

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explicitação da orígem das regras do jogo artístico: o próprio circuito de arte, ou contexto, no qual são artificialmente atribuídos os valores e condições de construção das obras.

Por causa disto, é impossível pensar nas fotografias expostas de maneira tradicional e individual: esteticamente, retratam em uma composição equilibrada um lugar vazio, e são muito parecidas umas com as outras. Ou seja, são desinteressantes, monótonas, frias, uniformes. E só podem ser expostas no local apropriado, caso contrário, perdem sentido. É o contexto que as une e confere significado, a situação criada pela persistência dos estados da coisa. E necessitam de alguém que esteja presente e fixe o olhar nestas imagens, que se coloque interagindo com elas. Também não importa se tais fotografias foram feitas pelo artista ou por outro profissional especialista contratado: a concepção ou proposição caracteriza a autoria da obra, que é projetada antecipadamente, na mente e no papel.

De modo análogo, o catálogo, que é a documentação que possuimos hoje, consegue transcodificar a instalação para o meio gráfico, sobrepondo as reproduções das fotografias sobre a planta baixa da galeria onde foram expostas, complementadas por traços cheios e tracejados indicando o ponto de tomada das fotos, resultando em um diagrama codificado substitutivo da instalação. O catálogo é complementado por novas fotografias, agora realizadas no próprio local, contendo as primeiras fotos inseridas no ambiente. Fotos de fotos, que se assemelham às originais, como um

215

O artista americano Bruce Nauman realizou, em 1969, uma experiência semelhante, na qual por um monitor de tv no fundo de um corredor o espectador podia ver a si mesmo de costas, graças a uma câmera no alto da entrada do corredor. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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labirinto de espelhos paralelos borgianos. Simplesmente, metalinguagem. Ou, como diz o proprio autor, “meta-espaço”216.

No seu desejo de presentificar, tornar concreto o objeto que pretende comunicar, o artista exacerba ou torna proeminentes os caracteres do meio que utiliza, tornando-o auto-referencial. Essa passagem-tensão entre meios que querem comunicar mas que acabam se auto-referenciando toca no que há de mais transgressor e mais sensível na linguagem dos suportes, ou seja, na sua própria materialidade como elemento detonador de seu sentido como pura semelhança.217 O dado do símbolo anarquista reforça a idéia da arte enquanto subversão, desconstrução, não conformismo aos códigos impostos pelo meio artístico. Pois a arte, como nosso “terceiro olho”, permite que vejamos o que não pode ser visto, ou seja, amplia nossa visão e nos desaliena em relação ao lugar em que estamos inseridos, e em última estância, à nossa realidade.

216

PLAZA, Júlio. Os(as) meninos(as). São Paulo: Galeria Arte Global, 1977. (catálogo de exposição) MACHADO, Arlindo e PLAZA, Júlio. Arte e Tecnologia. São Paulo: MAC USP, 1985. (catálogo de exposição). Reproduzido em PECCININI,op. cit., p.308.

217

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5. CONCLUSÃO

Ao folhear o catálogo da exposição “Multimídia Internacional”, realizada na Escola de Comunicações e Artes da USP em 1979, e idealizada por Tadeu Junges218 e Walter Silveira, é possível perceber por um momento o que significava na época a prática dos multimeios: fazer arte, então, não constituia um privilégio, uma atividade específica para os “iniciados”, mas uma atividade comunicativa que deveria ser intensa o suficiente para suportar as desigualdades qualitativas que certamente existiam. No vendaval comunicativo, uma resposta formal, uma anotação ao lado de um recorte de jornal, ou mesmo um papel em branco constituiam um significado tão importante quanto uma amostra de um processo muito mais cerebral, consciente e esteticamente maduro que outros artistas exibiam.

No meio de tantas reproduções de obras, de que não se tem idéia se constituem-se em arte postal, videos, fotos, ou qual sua real dimensão, está uma anotação manuscrita ao

218

Que posteriormente, como videomaker, se apresentaria Tadeu Jungle. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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lado de um recorte de uma crítica publicada em um jornal assinada por Annateresa Fabris: “o que você acha do Flusser?”. O artigo era sobre uma exposição de artistas italianos que faziam comentários artísticos sobre uma obra de Ticiano, e a discussão da autora girava sobre codificação, desconstrução da criação, cópias mecânicas, olhar histórico, a arte e a história da arte como discursos, talvez tautológicos. A pergunta não trazia respostas. Perdida entre tantos aforismas artísticos, o enigma reverberava como se ecoasse de um infinito labirinto de espelhos.

Este trabalho tentou trazer uma faisca de luz para esta questão. Mesmo que Vilém Flusser, naquele momento, estivesse já há alguns anos morando na França, sua presença era constante, através de palestras, cursos, debates, ou diálogos com o meio cultural e artístico. Suas idéias não se refletiram diretamente sobre os artistas ou sua produção. Também ele não se propôs a comentar sobre nenhum trabalho específico da linhagem dita conceitual da arte produzida no Brasil. Contudo, é inegável que há muitos pontos de contato entre sua teoria e a prática artística.

Talvez possa parecer contraditório eleger apenas cinco estudos de caso para tentar verificar os valores da produção através das imagens técnicas e dos multimeios. São inúmeros os artistas ou não-artistas que aderiram e utilizaram tais meios, tanto na cidade de São Paulo como em outros pontos do Brasil. Porém, tentar abraçar a multiplicidade de tal produção correria o risco de continuar perpetuando a falsa idéia de ausência de critérios de juízo que, ao contrário de elevar todas obras a um mesmo patamar, como era o desejo de seus protagonistas, poderia simplesmente levar à conclusão, por tabula rasa, de que nada daquilo tinha algum valor.

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Colocando em confronto as teorias da arte conceitual, o pensamento de Flusser e as obras selecionadas, chegamos à conclusão de que existe a possibilidade de formular e aferir o valor dessas imagens técnicas, independente de sua análise formal tradicional, e este juízo passa necessariamente por uma crítica dos códigos de representação da realidade presentes e construídos pelos meios e canais de transmissão da informação.

Se voltarmos aos exemplos analisados, veremos que todos possuem um grau de desconstrução dos meios utilizados, o que lhes confere o valor formulado. Por outro lado, olhando novamente para o catálogo “Multimídia Internacional”, é possível verificar que tal questão, embora presente em muitas obras, não é uma constante absoluta na exposição. Então surge a pergunta: estas outras obras não tem valor? Ou será que a teoria apresentada não consegue abranger toda produção dos multimeios?

Arriscando uma resposta, as duas perguntas são pertinentes e complementares. Um dos princípios implícitos nesta produção é a possibilidade de subverter os meios através da constituição de uma malha comunicativa em forma de redes, que pressupõe o feedback de informações, sem censura ou restrições de qualquer tipo. A exposição citada, como muitas outras realizadas no período, como a “Jovem Arte Contemporânea” de 1972 no MAC USP, as propostas enviadas pelo correio para serem retornadas, e outras semelhantes, partem de tal proposição, e desta maneira, devemos considerar que a verdadeira obra não é aquela individual de cada artista envolvido, mas o conjunto integral constituido pelo todo das respostas e participações, independente de sua qualidade específica isolada.

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Tais eventos são programas, e os artistas envolvidos os homo ludens que, baseados nas regras formuladas, brincam e jogam aleatoriamente com tais regras, se submetendo a elas, subvertendo-as, questionando seus códigos, respondendo ou não às formulações propostas.

Observando hoje, quase duas décadas depois, é possível perceber que, embora este tipo de iniciativa tenha se minimizado, na verdade ainda temos o grande programa, que é o próprio circuito de arte, e os artistas continuam atuando em relação à grande proposição de fazer arte. As bienais, exposições, pequenos eventos se encarregam de disseminar as regras do jogo, e é diante disto que deve-se assumir uma postura de coerência e consciência frente aos códigos da arte.

A Pós-Modernidade legitima o jogo, e se admitem indistintamente as posições neoconservadoras ou pós-estruturalistas, como adverte o crítico americano Hal Foster219, segundo as quais se aceitam ou contestam as regras e códigos estabelecidos, mas de qualquer maneira se brinca com eles. É diante desta pluralidade que os pressupostos de Flusser se tornam mais evidentes e assustadores, na medida em que nos enxergamos como simples “funcionários” de uma caixa preta completamente inacessível.

A História e a Crítica da Arte tem o dever de tentar desvendar e esclarecer estes múltiplos códigos, os sistemas, estruturas, programas que envolvem a atividade artística. E, diante desta Pós-História de que nos fala Flusser, na qual nos

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encontramos incondicionalmente rodeados pela imagem técnica, e que parece adquirir contornos inéditos com a expansão e acesso à rede mundial da internet, nos resta desejar ter o discernimento de poder considerar como a Arte pode contribuir para o processo cultural que a humanidade está construindo, sem que o limite da consciência seja rompido, para que possamos continuar com o juizo lúcido e transparente, coisa que cada vez pode parecer mais difícil.

Com estas considerações finais quero mergulhar este trabalho no grande rio da conversação para que seja levado pela correnteza da realização até o oceano do indizível. Vilem Flusser220

219

FOSTER, Hal. Polêmica (Pós) Moderna. In: Recodificação. São Paulo: Casa Editorial Paulista, 1996. 220 FLUSSER, Vilém. Lingua e Realidade. São Paulo: Herder, 1963, p.234. Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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LEIRNER, Sheila. Arte como Medida. São Paulo: Perspectiva, 1982. LUCIE-SMITH, Edward. Movements in art since 1945. London: Penguin Books, 1990. MACEDO, Ronaldo Rêgo. Arte conceitual. Rio de Janeiro: MAM, 1972. MARCHÁN, Simon. Del arte objectual al arte del concepto. Madrid: Alberto Corazón, 1974. _________________. La estetica en la cultura moderna: dela ilustración a la crisis del estructuralismo. Barcelona: Gustavo Gili, 1982. MARCUSE, Herbert. Contra-revolução e revolta. Rio de Janeiro: zahar, 1981. _________________. A ideologia da sociedade unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

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MERQUIOR, José Guilherme. Arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969. ________________________. Formalismo e tradição moderna: o problema da arte na crise da cultura. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1974. MILLER, J. As idéias de McLuhan. São Paulo: Cultrix, 1973. MILLET, Catherine. Textes sur l’art conceptuel. Paris: Daniel Templon, 1972. MÜLLER, Grégoire. La nova avanguardia: introduzione all’arte degli anni settanta. Venezia: Alfieri, 1972. NETTO, Raphael Buongermino (coord.) Linguagens Experimentais em São Paulo 1976. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento de Informações e Documentações Artísticas, Centro de Pesquisa de Arte Brasileira, 1980. READ, Herbert. História da pintura moderna. São Paulo: Círculo do Livro, 1981.

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Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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Depoimentos e Entrevistas: Ada Schendel Gabriel Borba Giselda Leirner Júlio Plaza Nelson Leirner Regina Silveira

Arquivos Consultados: Arquivo “Wanda Swevo” da Fundação Bienal de São Paulo Arquivo Multimeios da Divisão de Pesquisa do Centro Cultural São Paulo Arquivo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo Arquivo Mira Schendel

Marco Antonio Pasqualino de Andrade

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