Prólogo a \"O que vi - Diário de um espectador comum\"

June 5, 2017 | Autor: Eduardo Pellejero | Categoria: Literatura, Filosofía, Artes
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Eduardo Pellejero - O que vi. Diário de um espectador comum

Prólogo Devo admitir que em realidade não vi tudo o que testemunham estas páginas, pelo menos não diretamente, o que se diz em pessoa. Outros (muitos) viram essas e outras coisas antes que eu – de alguma forma, o fizeram por mim. Nesse sentido, o presente ensaio é, por princípio, em colaboração. Falo de historiadores e filósofos, de escritores e curadores, de aficionados e especialistas, mas sobretudo falo dos desiguais artistas que, através das suas obras, permitiram-me entrever vislumbres da realidade e da fantasia que de outro modo jamais teria imaginado possíveis. Apesar de nem sempre ter conseguido evitar o uso de conceitos filosóficos ou noções da história da arte, a minha intenção não foi propor um método de observação nem esboçar uma teoria do visível. Deter-se para olhar alguma coisa, contemplar algo com atenção e delicadeza, são gestos que carecem de razão suficiente e parecem prescindir de qualquer condição necessária. Sobre a lição das imagens, preferi a fidelidade ao que podemos chegar a aprender desses encontros que têm lugar, sem antecipação nem cálculo possível, a golpes de vista. Nenhum saber especializado ou conhecimento específico, portanto, servem de pressuposto à presente experiência. Sem ideias preconcebidas nem reservas mentais, tentei apenas atender às solicitações do sensível e às variações do meu desejo, respeitando a subtil materialidade do que se oferecia aos meus sentidos e à imprevisibilidade dos voos aos que se arriscava a minha imaginação. O resultado é uma série de observações – quiçá nem sempre verdadeiras, mas sempre, sim, honestas – nas que se confundem, sem ordem nem precedência, questões que guardam relação com o poder das imagens e o exercício do olhar, a intrínseca singularidade do visível e o comum da sua intelecção, o tempo da arte e o espaço do museu – e, em última instância, com a minha vivência de tudo isso como espectador. Acatei, na medida do possível, a forma e as alternativas do diário que mantive durante os meses nos quais me consagrei a esta empresa (sem projeto), eliminando apenas ênfases desnecessários, repetições e redundâncias. A isso deve-se, em parte, a fragilidade e a hesitação que caracterizam as observações das primeiras páginas, condicionadas pela falta de trato com as imagens da que carecia por negligência própria.

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Eduardo Pellejero - O que vi. Diário de um espectador comum

Inclusive quando nascemos imersos no visível, ver exige um prolongado adestramento do olhar, que cada quem deve realizar com os meios ao seu alcance, sem outro apoio que o que podem nos oferecer as experiências de outros homens e mulheres como nós que, nas pausas da sua aprendizagem pessoal, julgaram importante deixar registro do que viram e pensaram para o uso dos outros. Há um inquietante desafio nisso: a emancipação é um processo rigorosamente individual, mas só é possível e ganha sentido no diálogo com os outros. Uma coisa me moveu a recolher-me durante todo um ano para levar a cabo este experimento: recuperar a sensibilidade e o entendimento do mundo. Realizei consideráveis progressos no primeiro. Não posso assegurar o mesmo do segundo. De todos os modos, nem uma nem outra coisa admitem acumulação significativa e exigem, de cada um de nós, que retomemos, sempre e em todo o momento, como em estado nascente, a aventura que nos propõe a experiência sensível. A minha não acaba aqui. Tampouco aqui começa a tua. Ainda está tudo por ver, por pensar e por fazer.

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