Promover a cultura da paz: por um Estado da Palestina independente, soberano e democrático

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Francisco FOTOS: L’OSSERVATORE ROMANO

Religião

Moisés Sbardelotto *

Promover a cultura E

DA PAZ

Por um Estado da Palestina independente, soberano e democrático

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m maio, mais um importante passo foi dado nas relações da Igreja com a Palestina. Ou melhor: com o“Estado da Palestina”. E são justamente essas poucas palavras a mais, reconhecendo aqueles territórios como um verdadeiro Estado, que dão um significado e um peso muito maiores a toda a questão palestina e, especialmente, à postura eclesial em relação a esse tema sob o pontificado de Francisco. A questão palestina se arrasta há anos, especialmente depois que, com o surgimento do nazismo na Europa, os judeus começaram a migrar para a região da Palestina, território historicamente marcado por uma grande

revista família cristã

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Papa Francisco e o presidente da autoridade nacional da da Palestina, Mahmoud Abbas, no dia da canonização de duas religiosas palestinas

Comunidade católica palestina em frente ao Vaticano

presença árabe. Lá, formaram os chamados kibutzim, colônias agrícolas, na tentativa de reunir todos os judeus dispersos pela Diáspora. Depois da proclamação por parte da Organização das Nações Unidas (ONU) da criação do Estado de Israel em 1948, houve diversas guerras e sublevações para defender a posse dos territórios entre árabes e judeus, que também tiveram o envolvimento dos Estados Unidos, do lado de Israel, e da Rússia, do lado palestino. Todo esse processo afetou os diversos fiéis católicos da região, tornando-se uma questão premente também para a Igreja Católica como um todo, particularmente nas suas relações oficiais com os dois povos. Assim, em 1994, no mesmo momento em que Israel propôs um acordo de paz entre os dois Estados, reconhecendo a soberania palestina sobre a Faixa de Gaza e Jericó, a Santa Sé, no dia 26 de outubro do mesmo ano, estabeleceu

suas relações oficiais com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Tal fato permitiu a constituição de uma Comissão Bilateral Permanente de Trabalho, que chegou a um acordo-base entre a Santa Sé e a OLP, assinado no dia 15 de fevereiro do ano 2000. Tal acordo girava em torno da vida e da atividade da Igreja no Estado da Palestina e outros assuntos de interesse comum. Com a viagem de Bento XVI à Terra Santa em 2009, as negociações receberam um novo impulso. Agora, no dia 13 de maio passado, a Santa Sé anunciou oficialmente que a Comissão Bilateral da Santa Sé e do Estado da Palestina concluiu os trabalhos sobre o texto-base, chegando a uma formulação concordada de um acordo global, não mais apenas com a OLP, mas com o próprio “Estado da Palestina”, em “um clima cordial e construtivo”. Tal acordo, informa a nota da Santa Sé,

“aborda aspectos essenciais da vida e da atividade da Igreja Católica” na Palestina. O texto será apresentado às respectivas autoridades para ser aprovado e,“em um futuro próximo”, assinado por ambas as partes. Coincidência ou não, o anúncio do acordo ocorreu no mesmo dia em que a Santa Sé confirmou que o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, seria recebido em audiência privada pelo papa Francisco no dia 16 de maio passado. O encontro ocorreu na véspera da canonização de duas freiras nascidas em território palestino antes da criação do Estado de Israel – Maria Alfonsina Danil Ghattas (nascida em Jerusalém, em 1843) e Maria de Jesus Crucificado Baouardy (nascida em Nazaré, em 1846). As primeiras santas palestinas da Igreja em toda a história. Na nota divulgada pela Santa Sé sobre o encontro entre o pontífice e o presidente palestino, informa-se que Francisco junho de 2015 49

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Francisco

e Abbas expressaram o desejo de que possam ser retomadas as negociações diretas entre Israel e Palestina, “para encontrar uma solução justa e duradoura ao conflito”. Avanços – Diante do avanço dessas negociações, é inevitável ver o anúncio do acordo entre Santa Sé e Palestina também como um fruto da viagem do papa Francisco à Terra Santa há exatamente um ano. No encontro com as autoridades palestinas, no dia 25 de maio de 2014, Francisco reconheceu as “dramáticas consequências do prolongamento de um conflito que produziu tantas feridas”, justamente na terra “onde nasceu Jesus”. E afirmou: “Chegou a hora de pôr fim a essa situação, que se torna cada vez mais inaceitável, e isso pelo bem de todos”. Francisco também defendeu a criação das “condições de uma paz estável, baseada na justiça, no reconhecimento dos direitos de cada um e na segurança recíproca. Chegou o momento de todos terem a coragem da generosidade e da criatividade a serviço do bem, a coragem da paz, que se apoia no reconhecimento por parte de todos do direito de dois Estados existirem e gozarem de paz e segurança dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas”. E, no mesmo discurso, dirigindo-se a Abbas, dissera:“O recente encontro no Vaticano com o senhor e a minha atual presença na Palestina atesta as boas relações existentes entre a Santa Sé e o Estado da Palestina, que eu espero que possam se incrementar ainda mais pelo bem de todos. A tal respeito, expresso o meu apreço pelo 50

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L’OSSERVATORE ROMANO

Cristãos católicos da Palestina, em Roma, na beatificação das religiosas Maria Alfonsina Danil Ghattas e Maria de Jesus Crucificado Baouardy

compromisso voltado a elaborar um Acordo entre as Partes, referente a diversos aspectos da vida da comunidade católica do país, com especial atenção à liberdade religiosa”. Um ano depois, o desejo do papa se concretiza com o recente anúncio do acordo. Um dos artífices dessas negociações, do lado católico, é o subsecretário para as Relações com os Estados do Vaticano, monsenhor Antoine Camilleri. Em entrevista ao jornal L’Osservatore Romano do dia 13 de maio passado, Camilleri explicou que o acordo global irá expressar “o desejo por uma solução da questão palestina e do conflito entre israelenses e palestinos no âmbito da ‘Solução de Dois Estados’ e das resoluções da comunidade internacional”. Além disso, afirma Camilleri, a Igreja aponta ainda mais alto: visa a “ajudar os palestinos a verem estabelecido e reconhecido um Estado da Palestina independente, soberano e democrático, que viva em paz e segurança com Israel e os seus vizinhos”. Por isso, também no seu nível mais alto, diplomático e soberano, na sua qualidade de “Estado da Cidade do Vaticano”, a Igreja de Francisco quer ser uma “Igreja em saída”. Ou seja, uma comunidade missionária que se envolve com a vida dos outros, com

obras e gestos, encurtando as distâncias com os povos e entre os povos (cf. Evangelii Gaudium, 24). Assim, ela também “acompanha a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam”, como a questão israelense-palestina. Enquanto no mundo, continua o papa, “especialmente em alguns países, se reacendem várias formas de guerras e conflitos, nós, cristãos, insistimos na proposta de reconhecer o outro, de curar as feridas, de construir pontes, de estreitar laços e de nos ajudarmos ‘a carregar os fardos uns dos outros’(Gl 6, 2)” (EG, 67). Com uma presença efetiva nas grandes questões mundiais – rezando e jejuando pela paz na Síria e no Iraque, derrubando um “muro” histórico como o embargo dos Estados Unidos contra Cuba e aproximando-se cada vez mais das relações oficiais com a China –, a Igreja de Francisco promove, também no seu nível institucional mais elevado, a “cultura do encontro”, ou seja, a construção de uma “harmonia pluriforme” (EG, 220) entre povos e nações. * Moisés Sbardelotto é jornalista, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, e La Sapienza, em Roma. É também autor de E o Verbo se Fez Bit (Editora Santuário).

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