Proporcionalidade e boa administração

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Proporcionalidade e boa administração Ricardo Marcondes Martins* Resumo: As decisões do Legislador não se fundamentam no livre-arbítrio: não são arbitrárias, mas discricionárias. A proporcionalidade é uma das principais restrições à discricionariedade legislativa, mas, para que uma medida legislativa seja proporcional, a Constituição não exige que ela seja a melhor dentre as medidas existentes. A discricionariedade administrativa difere da discricionariedade legislativa quantitativamente, por força da legalidade, e qualitativamente, por força da boa administração. Em consequência, o juízo de proporcionalidade do ato administrativo difere do juízo de proporcionalidade da lei: não basta que a Administração escolha uma medida idônea; impõe-se, regra geral, que escolha a melhor medida. Palavras-chave: discricionariedade legislativa estrutural e epistêmica; proporcionalidade; discricionariedade administrativa, legalidade, boa administração.

1. Breve introdução Após o final da segunda guerra mundial e o ocaso do Estado nazista o direito constitucional obteve extraordinário avanço científico:1 a riqueza da teoria dos direitos fundamentais alcançou aprofundamento conceitual similar à teoria do crime. Os constitucionalistas, preocupados em coibir leis intoleravelmente injustas,2 restringiram sua análise à função legislativa, deixando para os administrativistas o estudo da função administrativa.3 Para contenção do exercício da função legislativa * Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP. Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da PUC/SP 1

Os avanços são magistralmente retratados por ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. Traducción de Marina Gascón. 6. ed. Madrid: Trotta, 2005.

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A existência de leis raciais, formalmente aprovadas pelo parlamento, com veemente apoio da doutrina e ratificação jurisprudencial, é informada com precisão por RIGAUX, François. A lei dos juízes. 1. ed., 2. tir. Tradução Edmir Missio. São Paulo: Martins Fontes, 2003, Cap. 6, p. 107-130. O desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais e, mais precisamente, da teoria da proporcionalidade foi, sem dúvida alguma, motivado pelo inconformismo da comunidade jurídica às barbáries nazistas.

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Mariano Bacigalupo Saggese, ao prefaciar a monografia de Josefa Fernández Nieto, observou o pouco contato entre a doutrina constitucional e administrativa: “No ignoro que en la tradicional conformación y delimitación de las disciplinas jurídicas que ha venido observando en España desde hace muchas décadas el Derecho Administrativo y el Derecho Político (hoy Constitucional) han constituido – y todavía constituyen –, sobre todo en el ámbito académico, dos áreas de conocimiento distintas y separadas. Nunca he comprendido – ni compartido – tal separación, y menos aún que, más allá de la estricta configuración formal de las áreas de



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foi elaborada a teoria constitucional da proporcionalidade, apresentada em monumentais trabalhos doutrinários.4 Apesar de a proporcionalidade ter sido pioneiramente desenvolvida pelos administrativistas, sobretudo no exame do “poder de polícia”,5 a teoria elaborada pelos constitucionalistas passou a ser, cada vez mais, invocada no direito administrativo para contenção da função administrativa.6 Ocorre que as profundas diferenças entre a função legislativa e a função administrativa impedem a pura e simples aplicação ao direito administrativo da teoria da proporcionalidade desenvolvida pelos constitucionalistas. Em meu “Efeitos dos vícios do ato administrativo” defendi que a ponderação não é privativa do Legislador: se, como regra geral, a este cabe efetuar ponderações no plano abstrato; ao agente administrativo cabe efetuar ponderações no plano concreto.7 A decisão administrativa, afirmei, exige a aplicação do postulado da proporcionalidade.8 Ainda que não tenha me limitado a reproduzir o que os constitucionalistas afirmaram sobre o tema, apresentei apenas diferenças pontuais entre a ponderação legislativa e a administrativa.9 Minha proposta, na época, foi além da doutrina corrente, mas ficou, reconheço, muito aquém do que o tema exigia. Surpreendentemente, conocimiento académicas, el diálogo científico entre ambas haya sido – y, en lo esencial, siga siendo aún hoy, a mi juicio –, si no inexistente, sí de una intensidad notoriamente inferior a la que cabría esperar de profesores pertenecientes, en puridad, a una misma comunidad científica: la comunidad de los iuspublicistas”. (BACIGALUPO SAGGESE, Mariano. Prólogo. In: FERNÁNDEZ NIETO, Josefa. Principio de proporcionalidad y derechos fundamentales: una perspectiva desde el derecho público común europeo. Madrid: Dykinson, 2008, p. 23). A constatação também se aplica à doutrina brasileira. 4



Destacam-se: BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. 3. ed. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007; CLÉRICO, Laura. El examen de proporcionalidad em el derecho constitucional. Buenos Aires: Eudeba, 2009. No Brasil, destaca-se o pioneiro estudo de BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, Cap. 12, p. 356-397.

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Por todos, afirma Bonavides: “Redescoberto [o princípio da proporcionalidade] nos últimos duzentos anos, tem tido aplicação clássica e tradicional no campo do Direito Administrativo”. (Curso de direito constitucional, op. cit., p. 362, esclarecimento nosso). A ideia de proporção foi sintetiza na famosa metáfora de Walter Jellinek: “não se abatem pardais disparando canhões”. (BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 44).

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Registra-se a primorosa monografia de OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 42-58. Na análise empreendida pelo nobre administrativista não houve a contraposição entre a proporcionalidade da lei e a proporcionalidade do ato administrativo. Sem embargo, de seu estudo extrai-se nitidamente a sensível diferença entre elas, tendo em vista a submissão, nele enfatizada, da função administrativa ao princípio da legalidade (Op. cit., p. 225).

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Cf. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, Cap. 68-95.

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Idem, p. 166-171.

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Idem, p. 231-235.

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mais de seis anos depois, pouco se avançou. Ressente-se, ainda, de estudo doutrinário que aponte quais aspectos da teoria da proporcionalidade da lei não são aplicáveis à teoria da proporcionalidade do ato administrativo. Daí o objetivo deste estudo: pretende-se aqui apontar as diferenças significativas entre a aplicação da proporcionalidade pelo Legislador e pelo Administrador. Antecipo: elas não decorrem apenas vinculação administrativa à legalidade. A função administrativa, ao contrário da função legislativa, é também regida pelo postulado da boa administração, motivo pelo qual as três fases da proporcionalidade — a adequação, a necessidade, e a proporcionalidade em sentido estrito — encontram, na seara administrativa, limites muito mais estreitos do que na função legislativa. O ponto de partida para compreender essas diferenças é um tema clássico do direito administrativo, mas ainda em incipiente evolução no direito constitucional: a discricionariedade.

2. Discricionariedade legislativa Os administrativistas já gastaram rios de tinta sobre a discricionariedade administrativa. Em geral, não discutem a possibilidade de uma competência administrativa discricionária e sim quando ela se configura e, uma vez configurada, quais os limites impostos ao seu exercício. Ao revés, a discricionariedade legislativa é, ainda, assunto incipiente para os constitucionalistas. Boa parte deles nega o próprio conceito, segundo informa José Joaquim Gomes Canotilho ao arrolar três teorias sobre a vinculação do legislador à Constituição: a) teoria da execução (Verfassungsvollzug); b) teoria da aplicação (Verfassungsanwendung); c) teoria da conformação (Gestaltung der Verfassung).10 Pela primeira, da mesma forma que a Administração executa a lei, o Legislador executa a Constituição, não havendo diferença ontológica entre a discricionariedade administrativa e a legislativa. Pela segunda, se por um lado inexiste “liberdade administrativa”, por outro existe “liberdade legislativa”, de modo que a atuação legislativa é apenas formalmente limitada pelo constituinte. Pela terceira, a função legislativa possui uma “dimensão criadora” incompatível com o conceito de discricionariedade, ainda que materialmente limitada pela Constituição. Donde, só para a primeira corrente configura-se a discricionariedade legislativa. Pode-se, de plano, descartar a teoria da aplicação: hodiernamente é insustentável supor que a validade da lei depende tão somente da observância do procedimento estabelecido na Constituição para elaborá-la. Ao negar a possibilidade jurídica de uma inconstitucionalidade material, a teoria é incompatível com qualquer Constituição escrita vigente. O debate doutrinário gira em torno das teorias da execução e da

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra, 1994, p. 216-218.

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conformação. Apesar de reconhecer que a última é amplamente majoritária,11 defendi no passado o acerto da primeira.12 Da mesma forma que o Administrador Público, o Legislador exerce função pública, situação jurídica incompatível com a liberdade. Ser livre é poder escolher entre duas ou mais alternativas tendo em vista apenas e tão somente o livre arbítrio. Quem é livre pode escolher a pior alternativa a seus interesses. Nenhum partidário da teoria da conformação afirma a validade de uma lei atentatória ao interesse público. É o que basta para asseverar: o legislador não age livremente, mas discricionariamente. Os defensores da conformação adotam um conceito equivocado de discricionariedade administrativa. Discricionariedade é o poder de, no exercício de função pública, escolher validamente entre duas ou mais alternativas. Está superada a concepção legalista segundo a qual a lei é considerada a fonte da discricionariedade. No neoconstitucionalismo a fonte da discricionariedade é o Direito e não a lei. Ainda que o Legislador estabeleça uma lei completa no plano abstrato é possível que, no plano concreto, configure-se uma competência discricionária; da mesma forma, ainda que o Legislador estabeleça uma lei incompleta no plano abstrato é possível que, no plano concreto, configure-se a vinculação. O legislador interfere na constituição da discricionariedade administrativa, mas não a domina. É a análise do Direito, globalmente considerado, que indicará, no caso concreto, a possibilidade ou não de escolha, pelo agente administrativo, entre duas ou mais alternativas. Discricionariedade administrativa, portanto, não exige habilitação legal. Quando se abre ao Legislador a possibilidade de escolher validamente entre duas ou mais alternativas, essa escolha sempre encontra, no ordenamento jurídico, limites. Não pode ser ditada única e exclusivamente pelo livre arbítrio. Não é, portanto, uma atuação livre, mas discricionária. Conceitualmente, é praticamente inquestionável que o agir do legislador, no exercício de função pública, não equivale ao agir livre do particular no âmbito da liberdade privada. A escolha volitiva do legislador Por todos, afirma Klaus Stern: “Si la constitución constituye la base jurídica para la legislación, la legislación no es sin embargo simple ejecución de la constitución. La relación entre constitución y legislación es distinta que la relación entre legislación y administración, aunque tampoco esta sea ejecución de la ley a secas. La legislación tiene que mantenerse dentro del marco del orden constitucional, en particular de los derechos fundamentales; contra estos principios no puede chocar ninguna norma jurídica. Pero sería una comprensión errónea de la constitución imputarle a esta un contenido en base al cual el contenido de las leyes podría ser deducido inmediatamente de la constitución. El legislador tiene un margen de actuación política propio. Es un órgano auténticamente político que tiene la plena responsabilidad de sus actos”. (STERN, Klaus. Derecho del Estado de la Republica Federal Alemana. Traducción de Javier Pérez Royo y Pedro Cruz Villalón. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1987, p. 224). José Joaquim Gomes Canotilho também defende, em farta argumentação, a teoria da conformação: “a lei cria, e não completa apenas, os pressupostos” (Constituição dirigente e vinculação do legislador, op. cit., p. 235).

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Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 47-48.

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é uma escolha discricionária (pautada pelo direito) e não arbitrária (pautada pelo livre arbítrio).

2.1 Âmbitos de discricionariedade legislativa Assim como é obviamente equivocado supor que a Constituição não estabelece limites materiais à atuação legislativa — os direitos fundamentais são limites materiais à maioria parlamentar —, é também equivocado supor que as respostas jurídicas, para todos os problemas, estão previamente fixadas na Constituição. O primeiro equívoco consiste no modelo de Constituição puramente procedimental, pelo qual toda decisão legislativa é admitida, exigindo-se apenas a observância do procedimento constitucionalmente estabelecido. O segundo equívoco consiste no modelo de Constituição puramente material, pelo qual toda decisão é constitucionalmente estabelecida, não havendo margem para escolhas legislativas. Pelo primeiro o Legislador possui um poder absoluto, pelo segundo possui um poder nulo. É de evidência solar o acerto do modelo material-procedimental: se, por um lado, a Constituição obriga e proíbe algo, por outro, ela permite muitas decisões.13 Ainda que não se abra uma esfera de liberdade, é indiscutível a configuração constitucional de ampla esfera de discricionariedade legislativa. Diferencia Robert Alexy a discricionariedade legislativa estrutural da discricionariedade legislativa epistêmica. A primeira diz respeito a escolhas que a Constituição, sabidamente, admite. A segunda diz respeito a escolhas em que, diante do desconhecimento das premissas fáticas, há dúvida se a Constituição admite ou não. Compreendê-las exige atentar para os contornos da função legislativa. Cabe ao legislador estabelecer, no plano abstrato, numa prognose do caso concreto, medidas de concretização (M) de valores constitucionais (P), chamados hodiernamente de princípios. Como regra, os valores podem ser realizados de mais de uma maneira distinta, abrindo-se ao Legislador um amplo leque de escolhas. Alexy apresenta um exemplo singelo: é possível salvar uma pessoa que está prestes a se afagar por meio de um salvamento direto a nado (M1), por meio do lançamento de uma boia (M2), por meio de um bote (M3).14 Quando é possível, validamente, concretizar um valor, no plano abstrato, por mais de um meio, admitindo o Direito tanto a escolha de um meio (M1) como a escolha de outro (M2), configura-se uma discricionariedade estrutural para escolha de meios. Ela se restringe à atuação estatal positiva, vale dizer, aos direitos à prestação (Leistungsrechte), não abrangendo a atuação estatal negativa, os direitos de defesa (Abwehrrechte).15 Os três modelos são apresentados por ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 579-583.

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14

Idem, p. 586.

Cf. ALEXY, Robert. Sobre los derechos constitucionales a protección. In: MANRIQUE, Ricardo García (org.). Robert Alexy: derechos sociales y ponderación. Madrid: Fundación Coloquio Jurídico Europeo, 2007, p. 79-80. Isso porque enquanto os direitos de defesa possuem

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Discute-se se o Legislador pode também escolher discricionariamente os fins a serem concretizados (P), chamada de discricionariedade estrutural para a escolha de objetivos. É evidente que o Legislador não é obrigado a realizar todos os valores constitucionais simultaneamente: há certa discricionariedade na escolha de qual princípio concretizar. Diante de valores jurídicos (P1, P2, P3, Pn) positivados, de forma expressa ou implícita, na Constituição, cabe ao Legislador escolher qual deles irá concretizar, em que momento o fará, em qual ordem de prioridade. A doutrina vai além e discute se o Legislador pode, ele próprio, estabelecer valores jurídicos a serem concretizados. Prevalece na doutrina, esmagadoramente, a resposta afirmativa.16 Considerando que os princípios materiais dividem-se em direitos subjetivos e bens coletivos,17 Alexy restringe a definição legislativa de objetivos aos bens coletivos.18 No passado defendi a posição minoritária: todos os valores jurídicos agasalhados pelo sistema normativo, sejam valores relativos a direitos subjetivos, sejam valores relativas a bens coletivos, estão expressa ou implicitamente estabelecidos no texto constitucional, não cabendo ao Legislador estabelecer novos valores a serem concretizados.19 Hoje, mantenho a posição, com temperamentos. Carlos Bernal Pulido, apesar de inicialmente afirmar a existência de um “princípio de liberdade de fins do Legislador”, pelo qual se atribui ao Parlamento a “faculdade de propor legitimamente qualquer fim, sempre e quando não estiver proibido pela Constituição”,20 posteriormente classifica os fins em imediatos e mediatos e assevera a natureza necessariamente constitucional dos fins mediatos. Nas palavras uma estrutura conjuntiva – a proibição de matar, por exemplo, abrange qualquer ato de matar –, os direitos à prestação possuem uma estrutura alternativa – o que se exige é que se realize uma medida que alcance a finalidade, ou outra, ou outra, dentre as medidas possíveis (Idem, p. 54-55). Por todos, afirma Luis Prieto Sanchís: “En línea de principio, pudiera pensarse que la ponderación se establece entre normas del mismo nivel jerárquico, es decir, entre fines con igual respaldo constitucional, pero creo que en la práctica puede existir una deferencia hacia el legislador, un respecto hacia su autonomía política – que, en verdad, constituye en sí misma un valor constitucional – de manera que se acepten como fines legítimos todos aquellos que no estén prohibidos por la Constitución o resulten abiertamente incoherentes con su marco axiológico. El legislador dispone de una facultad de regulación general y puede proponerse cualquier fin que no sea inconstitucional, de manera que este primer requisito desempeña una función más bien negativa: no impone la consecución de un cierto catálogo de fines, sino que sólo excluye algunos”. (PRIETO SANCHÍS, Luis. Justicia constitucional y derechos fundamentales. 2. ed. Madrid: Trotta, 2009, p. 199-200).

16

Cf. ALEXY, Robert. Direitos individuais e bens coletivos. In: ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Tradução Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, Cap. 10, p. 176-198.

17

18

Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 586.

Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., Cap. I-5, p. 35-36; Cap. VIII-5.6.1, p. 299-300.

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El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 698.

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dele: “o fim imediato do Legislador é um estado de coisas fático ou jurídico, que deve ser alcançado, em razão de estar ordenado por um princípio constitucional (fim mediato)”.21 Assim, o Legislador não possui discricionariedade para estabelecer fins mediatos: princípios constitucionais materiais, direitos constitucionais subjetivos ou bens coletivos constitucionais. Ele possui discricionariedade para escolher (e não para estabelecer, pois todos já constam expressa ou implicitamente do texto maior) qual princípio constitucional material (P) pretende concretizar por meio do estabelecimento, no plano abstrato, de um meio de concretização (M). Trata-se de uma competência discricionária estrutural para escolher fins mediatos. O Legislador, porém, possui uma ampla competência discricionária para o estabelecimento de fins imediatos: trata-se de competência discricionária estrutural para o estabelecimento de fins imediatos, por meio dos quais se concretizam os fins mediatos. Além de uma discricionariedade para escolha de fins mediatos e definição de fins imediatos (P), e de uma discricionariedade para escolha dos meios de concretização (M), há também uma discricionariedade estrutural para ponderar. É incorreto supor que toda ponderação de valores leve, sempre, a uma única resposta correta. Muitas vezes a ponderação apresenta duas ou mais soluções válidas. Com efeito: a ponderação imposta ao Legislador é um procedimento que não leva sempre a uma única solução. Há quem afirme, equivocadamente, que a ideia de otimização, de realização dos valores constitucionais na maior medida das possibilidades fáticas e jurídicas, é contrária a ideia de discricionariedade.22 Inexiste incompatibilidade: o texto constitucional não impõe sempre apenas uma solução ao Legislador. O dever de otimização dá-se pela proporcionalidade e esta respeita, em suas três fases, a competência legislativa discricionária. Antes de examinar cada uma das etapas da proporcionalidade, impende examinar, ainda que brevemente, a chamada discricionariedade epistêmica. Muitas vezes não se tem certeza sobre as premissas fáticas e, apesar da dúvida, faz-se necessária uma decisão jurídica. Robert Alexy apresenta o seguinte exemplo: caso se tenha certeza absoluta que uma substância faz muito mal a saúde, pode-se sustentar a obrigação constitucional de proibi-la, tendo em vista o mandado constitucional de que se proteja a saúde das pessoas na maior medida possível; por outro lado, caso se tenha certeza absoluta que uma substância não faz mal, pode-se sustentar a proibição constitucional de proibi-la, tendo em vista o mandado constitucional de que a liberdade das pessoas seja protegida na maior medida possível. O campo das proibições, imposições e permissões constitucionais diz respeito ao campo da vinculação

21

Idem, p. 719.

22

Cf. SCHERZBERG, Arno. Grundrechtsschutz und “Eingriffsintensität”. Berlim: Duncker & Humblot, 1989, p. 174 apud ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 587.



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e da discricionariedade estrutural. Já o campo da incerteza, da dúvida, é o campo da discricionariedade epistêmica.23 No exemplo apresentado, surge o problema quando não se sabe se a substância faz ou não mal à saúde das pessoas, havendo uma incerteza sobre as questões fáticas, dando ensejo à discricionariedade epistêmica do tipo empírico. Em muitos casos, mesmo diante dessa incerteza, abre-se ao Legislador a possibilidade de validamente escolher entre duas ou mais alternativas. É incorreto supor que a discricionariedade só se configura quando houver certeza sobre as premissas fáticas e sobre a correção das premissas jurídicas. Restringir a discricionariedade legislativa aos casos de certeza importa em reduzir a capacidade de ação legislativa a um ponto incompatível com o princípio democrático.24 A incerteza pode referir-se não apenas às premissas empíricas, mas também às premissas normativas, dando ensejo à discricionariedade epistêmica do tipo normativo.25 Nesta última não é possível ter certeza sobre a proibição ou imposição constitucional, havendo dúvida insolúvel se a Constituição permite ou não determinada escolha.26 Robert Alexy reconhece ser difícil diferenciar a discricionariedade estrutural para ponderar da discricionariedade epistêmica normativa:27 pela primeira inexiste dúvida de que a Constituição admite duas ou mais soluções na ponderação dos valores constitucionais; pela segunda não há certeza sobre essa admissibilidade. A diferença é sutil: na primeira está claro que a Constituição deixa ao Legislador a prerrogativa de escolher; na segunda há dúvida se ela permitiu ou não a possibilidade da escolha e, na dúvida, aceita-se a escolha legislativa. Eis, portanto, os seis âmbitos de discricionariedade legislativa: 1) discricionariedade estrutural para escolha de objetivos constitucionais mediatos; 2) discricionariedade estrutural para a definição de objetivos imediatos; 3) discricionariedade estrutural para a escolha dos meios; 4) discricionariedade estrutural para ponderar; 5) discricionariedade epistêmica empírica; 6) discricionariedade epistêmica normativa. Evidente que quanto mais peso se atribui ao princípio democrático, mais se alarga o âmbito decisório da maioria parlamentar por meio de teorias favoráveis à configuração desses seis âmbitos decisórios. O nazismo, mais precisamente, a promulgação das leis raciais de Nuremberg, gerou uma desconfiança sobre a atuação parlamentar. O resultado foi a elaboração das teorias neoconstitucionais restritivas da discricionariedade legislativa. Os neoconstitucionalistas foram criticados e o 23

24 25

“A questão acerca da existência de uma discricionariedade epistêmica surge quando é incerta a cognição daquilo que é obrigatório, proibido ou facultado em virtude dos direitos fundamentais”. (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 612).

Por todos: ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 616.

Idem, p. 612.

26

Idem, p. 621.

Idem, p. 614 e 620

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principal argumento foi, justamente, o amesquinhamento do princípio democrático.28 Diante das críticas, os teóricos propõem uma teoria conciliadora: nem absoluta arbitrariedade legislativa, nem absoluta vinculação: discricionariedade, mas ampla discricionariedade. Pode-se, porém, fixar uma diretriz: quanto mais sólida a democracia, mais confiança se tem no parlamento, mais alargados serão os contornos à discricionariedade legislativa, menos exigente será o Direito para caracterização dos âmbitos decisórios apresentados. Ao revés, quanto menos sólida a democracia, menos confiança se tem no parlamento e menos alargados serão os referidos contornos: o Direito será mais exigente na caracterização dos âmbitos decisórios. Discriminadas as hipóteses de discricionariedade legislativa, torna-se possível dar o passo adiante e examinar as escolhas discricionárias à luz das três fases do postulado da proporcionalidade. É fundamental, contudo, perceber que se a teoria da proporcionalidade elaborada pela doutrina alemã é adequada à realidade alemã, não é, necessariamente, adequada à realidade brasileira. Dito isso, reconhece-se: como a democracia brasileira é ainda apenas uma democracia formal29e o parlamento brasileiro é, segundo se extrai diariamente dos jornais, contaminado pela corrupção, a confiança da sociedade brasileira — e também da comunidade jurídica, presumidamente não alienada à realidade em que está inserida — à atuação legislativa não justifica teorias ampliativas do âmbito decisório legislativo. A realidade brasileira clama por teorias restritivas. Feita essa advertência passa-se ao exame da discricionariedade legislativa na adequação, na necessidade e na proporcionalidade em sentido estrito.

2.2 Adequação da medida legislativa A proporcionalidade (Verhältnismässigkeitsprinzip) diz respeito à proibição de excesso (Übermassverbot), aplicável aos direitos fundamentais de defesa, que exigem uma ação negativa estatal ou privada, e a proibição de proteção deficiente (Untermassverbot), quando se trata de direitos fundamentais de proteção em sentido amplo, que exigem uma ação positiva estatal ou privada.30 Ambas as proibições observam uma estrutura tricotômica: são três partes vinculadas entre si — adequação (Geeignetheit), Sobre as críticas à ponderação vide, por todos: BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Juízo de ponderação na jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 57 et seq.

28

Por todos: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. In: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Grandes temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 371-390.

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Sobre os dois aspectos da proporcionalidade vide, por todos: BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 806-807; SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 91, v. 798, p. 23-50, abr. 2002, p. 26-27. Sobre a classificação dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos à prestação vide, por todos: ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 433 et seq. Sobre a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas vide nosso Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 57 et seq.



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necessidade (Erforderlichkeit) e proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit) — numa relação de subsidiariedade. A terceira análise, da proporcionalidade em sentido estrito, só é realizada se houve resposta afirmativa às duas primeiras análises; a segunda análise, da necessidade, só se realiza se houver resposta afirmativa à primeira, da adequação.31 Sem adequação, portanto, não há proporcionalidade. E o que é adequação? Trata-se de uma qualidade do meio (M) de realização de um valor jurídico (P). O meio é adequado à concretização do respectivo valor se ele, de algum modo, for apto a “alcançar” esse valor. Não se faz necessário que o meio realize o valor, bastando que ele contribua de algum modo a essa realização32 ou, noutras palavras, basta que ele fomente a realização. Segundo Virgílio Afonso da Silva a melhor tradução do verbo alemão “ fördern”, utilizado pelo Tribunal Constitucional Alemão, para caracterizar a adequação, é fomentar e não alcançar.33 De fato, não é necessário “alcançar” o objetivo almejado, basta incentivar, estimular, encorajar, fomentar o alcance. Um exemplo sempre lembrado é a distribuição de preservativos para redução da disseminação do vírus HIV (fim imediato) e, com isso, a tutela da saúde das pessoas (fim mediato). Pois bem, ainda que as pessoas não utilizem os preservativos distribuídos e, assim, a distribuição em nada diminua a disseminação do vírus, o meio é adequado, pois ele incentiva, promove, fomenta, estimula, encoraja a diminuição e é o que basta. Pressuposto da adequação é a legitimidade do fim. Apesar de alguns considerarem esta a primeira fase da proporcionalidade, dividindo-a em quatro e não em três fases, vem prevalecendo que ela é inerente à fase da adequação, também chamada de

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Por todos: SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável, op. cit., p. 34.

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“A adequação exige uma relação empírica entre o meio e o fim: o meio deve levar à realização do fim. Isso exige que o administrador utilize um meio cuja eficácia (e não o meio, ele próprio) possa contribuir para a promoção gradual do fim”. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 165).

Luís Virgílio Afonso da Silva critica a tradução efetuada por Gilmar Ferreira Mendes à decisão do Tribunal Constitucional Alemão BVerfGE, 30:292(316) e 39:210(230-1) (O proporcional e o razoável, op. cit., p. 36). Eis a tradução objeto da crítica: “O meio é adequado se, com a utilização, o evento pretendido pode ser alcançado; é necessário se o legislador não dispõe de outro meio eficaz, menos restritivo aos direitos fundamentais”. (MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos individuais e suas limitações: breves reflexões. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. 1. ed., 2. tir. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 248, grifo nosso). A crítica de Virgílio parece procedente: segundo o Dicionário alemão-português da Porto Editora fördern é traduzido por “proteger, apoiar, ajudar, patrocinar; promover, fomentar, incrementar; aumentar, encorajar, estimular, incentivar”. (PORTO EDITORA. Dicionário alemão-português. 2. ed. Porto: Porto Editora, 2009, p. 417). O signo “fomentar” também é utilizado por BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 695.

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idoneidade.34 Ambas as posições são equivocadas: a legitimidade do fim, como bem explica o saudoso Celso Ribeiro Bastos, é um pressuposto para aplicação da proporcionalidade e não uma fase desta.35 A realização de fins contrários à Constituição viola o postulado da supremacia da Constituição e não propriamente a proporcionalidade. Nos termos já antecipados, a escolha do fim a ser fomentado pressupõe uma ampla margem de discricionariedade: ainda que a Constituição imponha, e não faculte, a concretização de certos valores, cabe ao Legislador definir qual valor será concretizado no diploma legislativo respectivo. Ademais, se os fins mediatos estão todos estabelecidos na Constituição (princípios constitucionais materiais relativos a direitos subjetivos e bens coletivos), os fins imediatos (necessários para a realização dos mediatos) são, em geral, estabelecidos pelo Legislador. Há uma restrição constitucional à escolha legislativa: o fim imediato escolhido pelo Legislador tem, necessariamente, que estar conectado a um fim mediato constitucional.36 A definição do fim legislativo imediato pressupõe, portanto, escolhas entre duas ou mais alternativas. Há, em suma, na definição do fim legislativo, do objetivo a ser fomentado (P), evidente discricionariedade estrutural. Escolhido, a partir de uma decisão discricionária, qual o princípio constitucional será concretizado (fim mediato da lei – princípio constitucional concretizado) e definido qual o fim imediato a ser fomentado (fim imediato da lei), cabe ao Legislador escolher um meio de concretização adequado. Nas atuações estatais positivas quase sempre existe mais de um meio de concretização apto a fomentar o fim pretendido, configurando-se a discricionariedade estrutural legislativa para escolha do meio. Carlos Bernal Pulido observa que o meio pode contribuir para realização de um fim com certo grau de eficácia, rapidez, segurança, e pode fazê-lo em relação a um, alguns ou todos seus aspectos. Pela versão forte da adequação meio adequado é aquele que contribui com a máxima eficácia, rapidez e segurança para a realização do fim e que o realiza na maior medida possível. Pela versão fraca da adequação meio adequado é aquele que facilite a realização do fim com qualquer eficácia, rapidez, plenitude e segurança.37 Daí a pergunta: a proporcionalidade impõe a versão forte ou

Cf. BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 694-723; BOROWSKI, Martin. La estructura de los derechos fundamentales. Traducción de Carlos Bernal Pulido. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003, p. 129-130.

34

Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 191. Vide também nosso: A norma iusfundamental. Revista Brasileira de Direito Constitucional (RBDC), São Paulo, v. 4, p. 526-576, jul.-dez 2004, p. 547.

35

A relação entre o fim imediato e o fim mediato não é empírica, mas analítica. Cf. BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 731-733.

36

Cf. BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 724-725.

37



Proporcionalidade e boa administração

n 321

a versão fraca da adequação? A resposta de Bernal Pulido é categórica: em decorrência do princípio democrático, impõe apenas a versão fraca.38 A discricionariedade estrutural para escolha dos meios não se restringe à escolha de meios igualmente equivalentes. Abre-se ao Legislador, ao menos para o exame da adequação, a possibilidade de escolher um dentre todos os meios que possuam uma “relação positiva” com o fim pretendido. O leque de meios à disposição do Legislador abrange todos os meios, em tese, aptos a fomentar em algum grau e em algum aspecto o fim imediato pretendido. Assim, se o Legislador escolheu uma Medida (M1) apta a fomentar algum aspecto do fim imediato pretendido (P1), com certo grau de eficácia, rapidez e probabilidade, a medida é adequada, ainda que existam muitos outros meios (M2, M3, Mn), que o realizem com maior grau de eficácia, rapidez, probabilidade e em mais aspectos. Por isso, basta que a medida possua uma relação positiva, em qualquer aspecto, com o fim almejado para ser adequada.39 Ademais, basta que ela fomente a realização parcial do fim pretendido, sendo desnecessário fomentar sua realização em todos os aspectos, ainda que existam outras medidas que fomentem a realização de todos os aspectos do fim pretendido.40 Mais ainda, basta que no plano abstrato, ou em teoria, ela contribua de alguma maneira ao fim almejado, ainda que, na realidade, no plano concreto, ela em nada contribua para sua realização, mesmo que existam outras medidas que, em concreto, o realizem efetivamente.41 Nas palavras de Bernal Pulido: “La versión más débil del subprincipio idoneidad se aviene al máximo con las exigencias que se desprenden del principio formal de la competencia legislativa para configurar la Constitución. Esta versión reconoce que el Legislador dispone constitucionalmente de un ámbito para estudiar la información técnica de que disponga (ámbito legislativo de apreciación fáctica) y de un ámbito para evaluar las razones política que resulten pertinentes, en aras de adoptar las medidas que considere adecuadas para perseguir sus finalidades (ámbito legislativo de apreciación normativa). Estos dos ámbitos de apreciación son correlativos a un ámbito de decisión, que viene presupuesto por la competencia del Legislador para elegir uno, entre los diversos medios a su disposición, que sean idóneos en relación con sus objetivos (el ámbito de decisión estructural)”. (El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 727).

38

Trata-se da vigésima sétima regra enunciada por Bernal Pulido: “La idoneidad de una medida adoptada por el Parlamento dependerá de que ésta guarde una relación positiva de cualquier tipo con su fin inmediato, es decir, de que facilite su realización de algún modo, con independencia de su grado de eficacia, rapidez, plenitud y seguridad”. (El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 726).

39

40

Trata-se da vigésima nona regra enunciada por Bernal Pulido: “Debe admitirse que un medio legislativo es idóneo, aún cuando sólo haya dado lugar a una realización parcial del fin que se persigue. La idoneidad no se traduce en la exigencia de obtener plenamente el objetivo propuesto, ni en la de asegurar que será conseguido”. (El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 729).

Trata-se da vigésima oitava regra proposta por Bernal Pulido: “El Tribunal Constitucional debe aceptar que una medida legislativa es idónea, si, considerada en abstracto o en teoría,

41

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Não é necessário, portanto, que o Legislador escolha a melhor medida. Ele pode escolher até mesmo a pior. Se, dentre as medidas existentes, o Legislador escolher a que promova a realização do fim pretendido, em comparação às demais, no menor grau de eficácia, rapidez e probabilidade possível, e do modo mais parcial possível, a medida será considerada adequada para os fins de proporcionalidade legislativa. E nada muda se no plano concreto evidenciar-se que a medida legislativa foi inútil para realização do fim pretendido, pois basta que no plano abstrato ela seja apta a fomentar o fim. Assim, na fase da adequação não se impõe ao Legislador, por evidente, uma decisão ótima. O Legislador, ao escolher a medida de concretização do fim objetivado, faz um prognóstico: antecipa o caso concreto em que a medida será executada. A edição da norma abstrata, no plano abstrato, pressupõe um juízo de previsão do futuro, das condições fáticas e jurídicas do plano concreto em que a norma será aplicada. A adequação exige uma relação de causalidade entre a medida de concretização e o fim imediato pretendido pelo legislador: trata-se de um nexo empírico. Daí a pergunta: o juízo sobre esse nexo empírico dá-se na perspectiva ex ante do Legislador ou ex post de quem controla a constitucionalidade? No primeiro caso, deve-se indagar se, de acordo com o conhecimento existente no momento da elaboração da lei, podia-se considerar a medida inapta ao fim pretendido; no segundo caso, indaga-se se, com os conhecimentos disponíveis no momento do exame da constitucionalidade, tendo em vista o resultado da aplicação da medida no plano concreto, a medida foi apta a realizar o fim pretendido.42 Por óbvio, a adequação da medida legislativa deve ser examinada a partir de uma perspectiva ex ante.43 Basta que no momento em que a lei foi elaborada fosse razoavelmente possível considerar a medida escolhida pelo Legislador apta a fomentar, de algum modo, o fim imediato pretendido. Vale dizer: o exame da adequação exige uma prognose póstuma objetiva, ou seja, a indagação se, no passado, com as informações então disponíveis, era razoável supor que a medida, no futuro, fomentaria de algum modo o fim imediato pretendido. Reserva-se ao Legislador a possibilidade de errar a prognose.44 Ele pode equivocar-se, desde que o equívoco seja escusável. Basta que a adequação da medida puede contribuir de alguna manera a la obtención del objetivo que se propone. Dicho en sentido contrario, no es necesario constatar que la medida legislativa haya contribuido en la práctica para alcanzar su objetivo, como exigencia para declarar su idoneidad, sino que, para tal fin, es suficiente establecer que la medida tiene la virtualidad de facilitar la obtención de su fin”. (El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 729). BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 734-735.

42

Idem, ibidem.

43

44

Afirma Suzana de Toledo Barros: “É lícito que o legislador se equivoque acerca do desenvolvimento de seu prognóstico. E é exatamente à conta da possibilidade de erro de prognose legislativa que se sustenta deva a adequação ser aferida no momento em que o legislado tomou a sua



Proporcionalidade e boa administração

n 323

parecesse plausível tendo em vista os conhecimentos que então possuía o Parlamento. Esse tema diz respeito à discricionariedade epistêmica. Até que ponto o sistema normativo admite que o Legislador se apoie em premissas inseguras? Na primeira fase da proporcionalidade garante-se ao Legislador um grau máximo de discricionariedade epistêmica: a adequação só é afastada se no momento da elaboração da Lei era possível ter certeza sobre a inadequação. Na dúvida, impõe-se considerar a medida adequada. Noutros termos, em relação à adequação da medida, o exame da proporcionalidade submete a atuação legislativa a um controle de evidência: exige-se apenas a inexistência de premissas empíricas seguras, no momento da edição da lei, de que a medida escolhida não era apta a realizar o fim imediato pretendido.45 Na falta de certeza, considerando o conhecimento existente no momento da elaboração da lei, sobre a adequação da medida, atribui-se ao Legislador a faculdade de escolhê-la. Perceba-se: ele pode, dentre as várias medidas possíveis, escolher a menos segura para realização do fim imediato pretendido. A discricionariedade legislativa estrutural, enfim, não é restringida por um dever de buscar a melhor solução.

2.3 Necessidade da medida legislativa Se a medida for considerada adequada, ou seja, se superado o exame da adequação, passa-se ao exame da necessidade. E o que é uma medida necessária? É a que restrinja em menor intensidade os princípios constitucionais, dentre as medidas igualmente idôneas a contribuir para alcançar o fim imediato pretendido. Impõem-se aqui dois exames: apurar se existem outras medidas igualmente idôneas a fomentar o fim pretendido (eficiência das medidas); caso existam, se dentre elas há alguma que restrinja em menor intensidade o princípio constitucional contrariado pela medida examinada (grau de restrição das medidas).46 Eficiente é, pois, a medida que restrinja em menos intensidade os princípios constitucionais (mandados de otimização) dentre as igualmente eficientes. Ocorre que as medidas podem ser eficientes em diferentes aspectos. Segundo Bernal Pulido um meio alternativo pode ser tão ou mais eficaz do que o meio legislativo para a obtenção do fim imediato (perspectiva da eficácia); o meio alternativo pode ser tão ou mais presto (perspectiva temporal); pode contribuir para a realização de tantos ou demais aspectos relativos ao fim pretendido (perspectiva da realização do fim); pode contribuir com tanta ou mais segurança para a realização do fim decisão, a fim de que se possa estimar se, naquela ocasião, os meios adotados eram apropriados aos objetivos pretendidos”. (O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, op. cit., p. 78). 45

Cf. BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 737-739.

46

Cf. BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 740 et seq.; SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrição e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 171.

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objetivado (perspectiva da probabilidade).47 Daí a dificuldade em se considerar a medida legislativa desnecessária: deve haver outra medida que seja tão eficaz quanto ela em relação aos quatro aspectos. Percebe-se: não se impõe ao legislador que escolha a medida ótima. Basta que ele escolha uma medida que em relação a outras medidas realize mais intensamente um desses quatro aspectos, para que a medida escolhida por ele seja considera necessária. Se houver uma medida M2 que realize mais intensamente três aspectos, mas menos intensamente um aspecto, a medida M1 é, em relação a ela, necessária. Disso se extrai: há uma ampla competência discricionária legislativa para escolha do meio.48 O fato de existir uma medida alternativa que realize mais intensamente os quatro aspectos não significa, por si, que a medida legislativa seja desnecessária. Deveras: a existência de uma medida tão eficaz ou mais eficaz que a medida legislativa nos quatro aspectos referidos é condição necessária, mas não suficiente para a desnecessidade da medida legislativa. Exige-se ainda que a medida alternativa igualmente idônea seja menos restritiva a outro princípio constitucional que a medida legislativa. A assertiva evidencia ainda mais a não vinculação a melhor solução. O Legislador pode optar pela medida menos idônea, desde que a mais idônea não seja menos restritiva. Virgílio Afonso da Silva apresenta uma didática tabela relativa ao exame da necessidade, discriminando seis hipóteses.49 Acrescentam-se mais três (hipóteses 7, 8 e 9 não previstas por ele): Medida mais eficiente em relação ao objetivo imediato

47

Medida menos gravosa em relação ao bem ou direito protegido

A medida legislativa (M1) é necessária?

(1)

M1

M1

Sim

(2)

M1

M2

Sim

(3)

M2

M1

Sim

Cf. BERNAL PULIDO, Carlo. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 745.

48

49

Nas palavras de Bernal Pulido: “La exigencia de que el medio alternativo ostente un grado igual o superior de idoneidad em relación con el fin inmediato de la medida legislativa, desde la perspectiva de la eficacia, temporal, de la realización del fin y de la probabilidad, confiere al Legislador un más amplio margen de decisión, para adoptar el medio idóneo que considere más conveniente, de acuerdo con sus propias apreciaciones acerca de las circunstancias fácticas que rodean la expedición de la ley”. (El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 746).

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrição e eficácia, op. cit., p. 174.



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n 325

Medida mais eficiente em relação ao objetivo imediato

Medida menos gravosa em relação ao bem ou direito protegido

A medida legislativa (M1) é necessária?

(4)

M2

M2

Não

(5)

M1 = M2

M1

Sim

(6)

M1 = M2

M2

Não

(7)

M2

M1 = M2

Sim

(8)

M1

M1 = M2

Sim

(9)

M1 = M2

M1 = M2

Sim

A tabela tem o mérito de evidenciar a desnecessidade da imposição da melhor medida. Mesmo na hipótese (7) em que existe medida alternativa mais eficiente do que a legislativa, mas igualmente restritiva, a medida legislativa é considerada necessária. Dificilmente, impende reconhecer, as medidas são restritivas de modo equivalente. Retomam-se aqui os quatro aspectos referidos quando do exame da adequação: as medidas podem ser restritivas em diferentes graus de eficácia, rapidez e probabilidade do bem ou direito protegido constitucionalmente e podem afetá-lo em um, alguns ou todos os aspectos.50 Distinguem-se, portanto, os casos fáceis dos casos difíceis. Pelos fáceis: a medida alternativa afeta menos o direito ou bem protegido em todas as perspectivas ou em algumas delas, sem que afete mais em outras. Pelos difíceis: a medida alternativa afeta o direito ou o bem protegido em alguma perspectiva, mas o afeta mais sob outro ponto de vista.51 Respeita-se mais uma vez a discricionariedade legislativa: basta que a medida legislativa seja menos restritiva em uma perspectiva para ser considerada necessária.52 Sem embargo, a existência de um meio alternativo menos restritivo em algum aspecto do que o meio legislativo gera argumentos contrários à proporcionalidade em sentido estrito da medida legislativa.53

50

Cf. BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 750.

Idem, p. 750-751.

51

Idem, p. 751.

52

53

Eis a quadragésima primeira regra enunciada por Bernal Pulido: “Cuando um medio alternativo sea más benigno que la medida legislativa solo en una o en varias, pero no en todas las perspectivas posibles, debe considerarse que dicha medida es necesaria. Sin embargo, la menor restricción que el medio alternativo proyecta sobre el derecho fundamental en dichas perspectivas, debe ser tenida en cuenta en el análisis de proporcionalidad en sentido estricto”. (El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 752).

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2.4 Proporcionalidade em sentido estrito da medida legislativa Sendo a medida considerada adequada e necessária, passa-se ao exame da proporcionalidade em sentido estrito. Nela se realiza a ponderação dos valores em conflito, o valor escolhido pelo Legislador (P1) e dos valores contrariados pela medida escolhida pelo Legislador (P2, P3, Pn). Essa análise divide-se em três partes: na primeira é analisado o grau de realização da finalidade mediata (P1), tendo em vista a realização da medida legislativa considerada adequada e necessária para obtenção da finalidade imediata escolhida ou estabelecida pelo Legislador (M1); na segunda verifica-se o grau de afetação dos princípios constitucionais colidentes (P2, P3, Pn) pela execução da medida legislativa; pela terceira verifica-se se o grau de realização de P1 por M1 justifica a afetação de P2, P3, Pn, sendo M1 proporcional em sentido estrito e, pois, passível se ser executada, ou se se faz necessário substituir M1, por M2, M3, Mn, ou simplesmente não executar nenhuma medida de concretização de P1.54 A ponderação é regida pela primeira lei da ponderação, ou lei material da ponderação, e pela segunda lei da ponderação, ou lei epistêmica da ponderação, ambas propostas por Robert Alexy. Pela primeira: “quanto maior for o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro”.55 Pela segunda: “quanto mais pesada for a intervenção em um direito fundamental, tanto maior terá que ser a certeza das premissas nas quais essa intervenção se baseia”.56 Alexy propõe avaliar o grau de satisfação (S) e afetação (A) dos princípios por meio de um modelo triádico: leve (l), médico (m) e sério (s). Num conflito entre dois princípios (P1 e P2) há nove possibilidades:57

Com algumas variantes: ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 594; BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 765.

54

55

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 167 e p. 593. Idem, p. 617.

56

ALEXY, Robert. A fórmula do peso. In: ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 145. Alexy observa ser possível pensar-se em modelos mais refinados como um modelo triádico duplo de nove variáveis: ll, lm, ls, ml, mm, ms, sl, sm, ss (ALEXY, Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 609; Sobre los derechos constitucionales a protección, op. cit., p. 63). Evidente que quanto mais se refina o modelo, mas controverso e problemático se torna utilizá-lo. É mais difícil afirmar que uma medida satisfaz ou afeta um valor de modo moderadamente sério (ms) ou levemente sério (ls) do que afirmar que ela o satisfaz ou afeta de modo sério (s). Ainda que se queira enfrentar a dificuldade há, reconhece o aclamado constitucionalista, um limite racional: não é racionalmente possível entender o que significa algo “sério e levemente moderado (mls)”. (Sobre los derechos constitucionales a protección, op. cit., p. 63).

57



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1) SP1: s, AP2: l

4) SP1: l, AP2: s

7) SP1: l, AP2: l

2) SP1: s, AP2: m

5) SP1: m, AP2: s

8) SP1: m, AP2: m

3) SP1: m, AP2: l

6) SP1: l, AP2: m

9) SP1: s, AP2: s

Nas três primeiras possibilidades (1, 2 e 3) a medida legislativa é proporcional em sentido estrito, pois P1 prevalece sobre P2 (P1 > P2), sendo, no plano abstrato (prima facie, a depender do exame do caso concreto), apta a ser executada. Nas três seguintes (4, 5, 6), a medida legislativa é desproporcional, devendo ou ser substituída por outra medida ou, dependendo do caso, ser afastada, pois P2 prevalece sobre P1 (P1 < P2). Nas três seguintes (7, 8, 9), configura-se um impasse ponderativo e, pois, uma discricionariedade legislativa estrutural: cabe ao Legislador escolher se satisfaz P1 e afeta P2 ou satisfaz P2 e afeta P1.58 Como ele escolheu satisfazer P1, a medida legislativa é considerada proporcional em sentido estrito, sendo, no plano abstrato, apta a ser executada. Dois fatores interferem na ponderação dos princípios: a) os diferentes pesos abstratos que eles possuem; b) o grau de conhecimento das premissas fáticas.59 Por um lado, os princípios, no plano abstrato, possuem diferentes pesos. Por evidente, não é possível afirmar que a dignidade da pessoa humana possui, no plano constitucional, importância equivalente à economicidade. Consequentemente, os diferentes pesos abstratos interferem na ponderação. Por outro lado, como já afirmado, o sistema jurídico não exige que haja certeza sobre as premissas fáticas para a imposição de uma medida de proteção de um princípio constitucional. O Legislador pode fixar a medida no plano abstrato mesmo diante de uma incerteza sobre as premissas fáticas. Contudo, o grau da incerteza interfere na ponderação, pois quanto maior a incerteza, menos autorizado ele está a estabelecer a medida. Esses fatores evidenciam que a terceira fase do exame da proporcionalidade em sentido amplo é a mais complexa. Escapa aos limites deste estudo examiná-los mais profundamente. Interessa aqui evidenciar as diferenças entre a proporcionalidade legislativa e a proporcionalidade administrativa tendo em vista as significativas diferenças entre a discricionariedade legislativa e a discricionariedade administrativa. Pelo que se expos até aqui é possível dar o passo seguinte.

“Para a questão da discricionariedade estrutural os casos de impasse são de especial interesse. Neles o peso concreto de Pi é sempre igual. Isso expressa ideia de uma equivalência de valores para todos os casos de impasse. Essa equivalência do impasse no sopesamento é a razão para a discricionariedade estrutural”. (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 606).

58

Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 604 e 619; A fórmula do peso, op. cit., p. 148-152.

59

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3. Discricionariedade administrativa Discricionariedade, nos termos já afirmados, é a possibilidade de validamente escolher entre duas ou mais alternativas. O elemento fundamental do conceito é o advérbio “validamente”. No caso, se o agente público escolher a alternativa “A”, sua escolha será válida; se escolher a alternativa “B”, sua escolha também será válida. Impugnada a decisão, outro agente público, no exercício do controle de legitimidade, não poderá considerar inválida a escolha da alternativa “A” porque não foi escolhida a alternativa “B” e vice-versa. Nessas situações, o Direito admite ambas as possibilidades e imputa a escolha ao agente competente. Eis a chamada competência discricionária.60 A razão filosófica da discricionariedade é a possibilidade de valorações subjetivas. Nem toda valoração é objetiva: se, por um lado, há valorações cuja correção independe da opinião das pessoas, de modo que a valoração deve ser imposta a quem divirja, por outro há valorações cuja correção depende da opinião de cada um.61 A razão jurídica da discricionariedade é o pluralismo político: quando a valoração é subjetiva, o direito reconhece a subjetividade, e imputa a escolha ao agente competente. A decisão, nesse caso, não é ditada pela “correta” interpretação do Direito (por um juízo cognitivo), mas pela vontade do agente competente (juízo volitivo). Nos termos retro estudados, essa possibilidade de escolha se configura no exercício da função legislativa. Não é restrita a ela: configura-se também, e o reconhecimento é bem menos controverso, no exercício da função administrativa. Em meu “Efeitos dos vícios do ato administrativo” proclamei a identidade ontológica entre a discricionariedade legislativa e a discricionariedade administrativa.62 Sobre o tema vide nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., Cap. 183-185. Retomamos o tema em nosso Ato administrativo. In: MARTINS, Ricardo Marcondes; BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Tratado de direito administrativo – v. 5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 118-126.

60

61

É erro supor que toda valoração resulte numa decisão que possa ser considerada justa independentemente da opinião de cada um. Foi o que reconheceu Edmund Bernatzik, nos termos expostos por Afonso Rodrigues Queiró: “na aplicação do direito, como também em qualquer outra esfera de actividade lógica do espírito, há um limite além do qual terceiras pessoas deixam de poder avaliar da justeza da conclusão obtida. Por conseguinte, essas terceiras pessoas podem ser de outra opinião, mas não podem legitimamente pretender que só elas tenham uma opinião justa e que a das outras pessoas seja falsa: se o pretendessem, não teriam a generalidade a dar-lhes razão”. (BERNATZIK, Edmund. Rechtsprechung und materielle Rechtskraft, 1886, p. 1-46 apud QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. O poder discricionário da administração. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1948, p.121-122). No mesmo sentido: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade administrativa e controle jurisdicional. 2. ed., 2. tir. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 42-43. Eis o campo da discricionariedade: o campo em que a justiça é subjetiva. Quando a valoração sobre a justiça for objetiva, e independer da opinião de cada um, cessa a discricionariedade. Sobre o tema vide nosso Um diálogo sobre a justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2012, Cap. II-7.3, p. 70-72; Cap. IV-8.5, p. 205-211. Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., p. 47.

62



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Preocupava-me em me opor à posição majoritária que simplesmente negava o conceito de discricionariedade do Legislador. Como ele exerce função, não pode ser considerado livre para decidir; suas escolhas não podem ser consideradas arbitrárias, fundadas no arbítrio. Hoje percebo que, se por um lado, acertei ao afirmar o conceito, por outro, errei ao afirmar a identidade ontológica. As discricionariedades não diferem apenas em grau, mas qualitativamente. Por força da legalidade a discricionariedade administrativa é quantitativamente diferente da legislativa: se o Legislador é restringido apenas pela Constituição, o Administrador público é restringido pela Constituição e pelas leis. O âmbito da discricionariedade administrativa, por força da legalidade, é sensivelmente mais estreito do que o âmbito da discricionariedade legislativa. Por força da boa administração a discricionariedade administrativa é qualitativamente diferente da legislativa. Antes de explicar a diferença qualitativa e, pois, retificar o equívoco do passado, faz-se necessário uma breve análise da relação entre a legalidade e a proporcionalidade.

3.1 Proporcionalidade administrativa e legalidade Sempre que o Legislador adota uma decisão, e fixa uma medida de concretização (M1) de um valor constitucional (P1), incide o princípio formal que dá primazia às ponderações legislativas (Pfl).63 É formal porque independe do conteúdo legislativo. Dessarte: em decorrência do princípio democrático e da separação dos poderes, há uma norma no sistema pela qual as decisões do legislador devem ser, prima facie, respeitadas. O Administrador Público, no caso concreto, quando realiza uma ponderação, não deve levar em consideração apenas o princípio concretizado pela lei (P1) e o princípio contrariado por ela (P2). Impõe-se, por força da legalidade, que leve em consideração o peso atribuído pelo princípio formal que dá primazia às ponderações legislativas. Por isso, ele deve considerar P1 + Pfl e P2. Donde: como regra geral, deve cumprir a lei, tendo em vista o significativo peso de Pfl. Excepcionalmente, Sobre a teoria dos princípios formais vide nosso Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado, op. cit., p. 39 et seq. Foi pioneiramente elaborada por ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op. cit., p. 611 et seq. Segundo Robert Alexy: “A definição de comandos de otimização como ‘normas que exigem que algo seja realizado na máxima medida possível, dadas as possibilidades jurídicas e fáticas’ aplica-se a princípios formais do mesmo modo que a princípios materiais. A diferença entre esses dois tipos de princípios se limita àquilo a que a palavra ‘algo’ se refere, ou seja, ao objeto da otimização. A differentia specifica dos princípios materiais é que seus objetos de otimização são determinados conteúdos, como, por exemplo, a vida, a liberdade de expressão, o mínimo existencial e a proteção do meio ambiente. Em contraste, os objetos de otimização de princípios formais são decisões jurídicas, independentemente de seus conteúdos. Princípios formais exigem que a autoridade de normas expedidas devidamente (em conformidade com o ordenamento jurídico) e socialmente eficazes seja otimizada”. (ALEXY, Robert. Princípios formais. In: TRIVISONNO, Alexandre Travessoni Gomes et al. (org.). Robert Alexy: princípios formais e outros aspectos da teoria discursiva do direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 13).

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porém, à luz das circunstâncias fáticas, pode ser que o princípio oposto (P2 > P1 + PF) tenha mais peso que a referida soma. Nesse caso, deverá afastar a lei ou substituir a medida legislativa por outra. Donde: a legalidade não transforma a Administração Pública numa executora mecânica dos comandos legais.64 Justamente por força do princípio formal que dá primazia às ponderações legislativas, ainda que a medida legislativa não seja a melhor, tendo em vista outras existentes, a Administração, regra geral, deve cumpri-la. Conforme antecipado, o sistema normativo não impõe ao Legislador que escolha a melhor medida. Medida legislativa adequada e necessária não significa a medida que melhor realize, dentre todas as existentes, o fim imediato e, pois, o fim mediato objetivado. A discricionariedade legislativa estrutural e epistêmica é compatível com a escolha da pior medida. Logo, por força do princípio formal que dá primazia às ponderações do Legislador, o Administrador deve, regra geral, executar a medida legislativa, ainda que, à luz do caso concreto, existam outras medidas mais adequadas para a finalidade pretendida. A legalidade restringe, por evidente, a atuação administrativa. Da mesma forma que existe um princípio formal que garante o respeito à escolha do Legislador, também existe um princípio formal que garante o respeito à escolha do Administrador público (Pfa). Propus duas regras a respeito desse princípio. Pela primeira, a que chamei regra da discricionariedade administrativa, quanto mais incompleto for o comando legal, mais peso tem o princípio formal que dá primazia às ponderações administrativas (Pfa) e menos peso tem o princípio formal que dá primazia às ponderações legislativas (Pfl); e quanto mais completo for o comando legal, mais peso tem o princípio formal que dá primazia às ponderações legislativa (Pfl) e menos peso tem o princípio formal que dá primazia às ponderações administrativas (Pfa).65 Assim Pfa é mais pesado quando o Legislador se vale de conceitos vagos, fluidos, indeterminados, do que quando ele se vale de conceitos precisos. Do mesmo modo, Pfa é mais pesado quando o Legislador atribui à Administração a escolha entre duas ou mais alternativas — seja na descrição legal da hipótese seja na descrição legal do comando normativo —, do que quando não atribui escolha.66 Pela segunda, a que chamarei aqui de regra da sujeição especial: nas relações especiais

Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., Cap. III-2.5, p. 93-94.

64

Idem, Cap. VI-5.4, p. 182; Um diálogo sobre a justiça, op. cit., Cap. IV-8.5, p. 209.

65

Uma lei completa gera, nesses termos, apenas um indício de vinculação e uma lei incompleta um indício de discricionariedade. Por isso, a fonte da discricionariedade administrativa é o Direito e não o Legislador: ainda que o editor da lei queira estabelecer a discricionariedade no plano abstrato, é bem possível que no plano concreto o Direito admita apenas uma solução, configurando-se uma competência vinculada. Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., Cap. VI-5.3, p. 180-181.

66



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de sujeição o princípio formal que dá primazia às ponderações administrativas (Pfa) tem maior peso do que nas relações gerais de sujeição.67 Nas ponderações do Legislador o princípio formal que dá primazia às ponderações legislativas simplesmente não atua. Daí a significativa diferença de grau entre a discricionariedade legislativa e a discricionariedade administrativa (quantitativa). Por isso, reconhece-se: a atuação administrativa sem base em lei é excepcional. Quando inexiste lei, o princípio formal que dá primazia às ponderações legislativas acresce seu peso ao princípio concretizado pela omissão estatal (P1 + Pfl), como, dentre outros, a liberdade negativa. Assim, haja ou não lei, sempre incide o Pfl.68 Em conclusão: tanto a atuação administrativa sem base em lei, como a atuação legislativa contra legem, teoricamente possíveis, são restringidas pelo peso de Pfl e, por força dele, são excepcionais.

3.2 Proporcionalidade administrativa e boa administração Pelo chamado dever de boa administração, diante de duas alternativas, a Administração é obrigada a escolher a alternativa melhor para o interesse público. Ele foi pioneiramente tratada por Guido Falzone que, em clássica monografia, definiu-o nestes termos: “L’esigenza di buona amministrazione per gli enti pubblici infatti, si sostanzia nella necessità che l’interesse pubblico, che costituisce il fine dell’attività amministrativa, sia sempre perseguito e nel modo migliore”.69 Na doutrina brasileira o tema foi difundido por Celso Antônio Bandeira de Mello, em monografia de mão e sobremão sobre a discricionariedade administrativa: “em sendo corretas — como certamente o são — as lições de Guido Falzone, segundo quem existe um dever jurídico de boa administração e não apenas um dever moral ou de Ciência da Administração, porque a norma só quer a solução excelente, se não for esta a adotada haverá pura e simplesmente violação da norma de Direito, o que enseja correção jurisdicional, do que terá havido vício de legalidade”.70 Ambos os autores restringem a boa administração à atuação discricionária da Administração.71 Na verdade, eles se referem às hipóteses em que lei determina a Cf. nosso Regulação administrativa à luz da Constituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 310.

67

Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., Cap. VI-4.2 e 4.3, p. 163-166.

68

FALZONE, Guido. Il dovere di buona amministrazione. Milano: Giuffrè, 1953, p. 72.

69

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade administrativa e controle jurisdicional, op. cit., p. 37.

70

FALZONE, Guido. Il dovere di buona amministrazione, op. cit., p. 82. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: “É exatamente porque a norma legal só que a solução ótima, perfeita, adequada às circunstâncias concretas, que, ante o caráter polifacético, multifário, dos fatos da vida, se vê compelida a outorgar ao administrador — que é quem se confronta com a realidade dos fatos segundo seu colorido próprio — certa margem de liberdade para que este, sopesando as circunstâncias, possa dar verdadeira satisfação à finalidade legal. Então, a

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atuação da Administração, mas não impõe a medida a ser executada. E a razão é evidente: a legalidade, nesses casos, é um obstáculo à incidência do postulado da boa administração. Retoma-se: não se impõe ao Legislador que escolha a medida ótima. Ele pode escolher a medida que não seja a melhor, tendo em vista as demais existentes. Se estabelecer na lei uma medida outra que não a melhor, incidirá o princípio formal que dá primazia às ponderações legislativas (Pfl), obrigando, regra geral, a Administração a executá-la, ainda que no plano concreto apresentem-se outras medidas mais adequadas. Se a boa administração regesse toda a atuação da Administração, sempre que, à luz das circunstâncias fáticas do caso concreto, outra medida se configurasse como mais eficaz em relação à medida legislativa, em algum dos aspectos assinalados (eficácia, rapidez, segurança, efetividade), deveria a Administração substituí-la. A boa administração importaria, pois, na morte da legalidade. A não incidência da boa administração nesses casos de fixação legislativa da medida a ser executada (impropriamente chamados de competência vinculada)72 deve ser parcialmente revista. No legalismo, a confiança do Legislador era quase absoluta. Diante disso, negava-se a possibilidade de uma atuação legislativa às margens ou contra a lei. No neoconstitucionalismo, nos termos brevemente expostos, a atuação administrativa não amparada em prévia ponderação do legislador é, ainda que excepcionalmente, admitida. O Administrador deve efetuar a ponderação à luz do caso concreto e se P2 for mais pesado que P1 + PF deve: a) executar uma medida não prevista em lei (na falta da lei); b) substituir ou afastar a medida legislativa (na presença da lei). A existência de uma medida melhor, no plano concreto, é um indício de que a ponderação legislativa deve ser afastada. Isso não significa que havendo uma medida melhor sempre deva ser afastada a ponderação legislativa: a legalidade, é mister insistir, muitas vezes exige a execução da medida legislativa, ainda que ela não seja a melhor medida. Feita essa advertência, reconhece-se: a legalidade não é uma regra absoluta, como o Direito quer sempre a ótima solução, muitas vezes a ponderação do Legislador, à luz do caso concreto, deve ser parcial ou totalmente afastada. É possível, pois, estabelecer a seguinte regra: quanto menos idônea é a medida legislativa, comparada com outras medidas existentes, menos peso tem o princípio formal que dá primazia às ponderações legislativas.73 Essa é a regra da boa administração em face da medida legislativa. discrição nasce precisamente do propósito normativo de que só se tome a providência excelente, e não a providência sofrível e eventualmente ruim, porque, se não fosse por isso, ela teria sido redigida vinculadamente”. (Discricionariedade administrativa e controle jurisdicional, op. cit., p. 35). 72 73

Nos termos retro afirmados a completude normativa é apenas um indício de vinculação.

Observa com absoluto acerto José Roberto Pimenta Oliveira: “Se a ponderação legal é legítima (constitucional), em linha de princípio, há de prevalecer nos casos concretos. Esta conclusão deve ser matizada, pois não se podem eliminar os casos em que da proporcionalidade in



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Nos casos em que a medida é escolhida pela Administração a incidência do princípio da boa administração não encontra obstáculos: sempre que se abrir a possibilidade de escolha ao agente administrativo, ele é obrigado a escolher a melhor alternativa. A necessidade de observar o princípio formal que dá primazia às ponderações legislativas, por força do princípio da legalidade, diferencia a ponderação administrativa — e, pois, a proporcionalidade em sentido estrito do ato administrativo — da ponderação legislativa — e, pois, a proporcionalidade em sentido estrito da lei. A boa administração importa em diferenciação ainda mais significativa. Por essa razão, acerta a doutrina ao enfatizar que o exame da proporcionalidade à luz do caso concreto difere do exame da proporcionalidade no plano abstrato.74 Sempre que o agente administrativo estabelecer uma medida de execução (e não simplesmente executar a medida legislativa) deve escolher a melhor a medida. Essa é a regra da boa administração em face da medida administrativa. Nos termos já explicados, a discricionariedade configura-se quando à luz do caso concreto, o Direito admite duas ou mais possibilidades e imputa a escolha ao agente administrativo. Não é correto afirmar que a regra da boa administração em face da medida administrativa só incide na competência discricionária. Ela incide sempre que a medida é fixada pela Administração e não pelo Legislador. Deveras, a escolha da medida pela Administração (e não a execução da medida legislativa) dá-se em três hipóteses: A) Quando a própria lei atribui à Administração a competência para escolher o meio de realização. Nesse caso, são possíveis duas hipóteses: A1) a lei fixa vários meios e atribui ao agente público a competência para escolher um deles (incompletude legal relativa); A2) a lei não estabelece o meio e atribui ao agente público a competência para estabelecê-lo (incompletude legal absoluta). No primeiro caso a lei descreve a medida M1, M2, Mn e imputa a escolha de uma delas ao agente administrativo; no segundo caso a lei não descreve medida alguma, determinando a escolha ao agente administrativo.

abstrato da disciplina legal que autoriza o proceder administrativo não derive automaticamente a proporcionalidade in concreto, frente a múltiplas situações polifacéticas que enfrenta a atividade administrativa”. (Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo, op. cit., 58). 74

Por todos, afirma Carlos Bernal Pulido: “Desde un punto de vista frontalmente distinto, el examen del medio más benigno también suscita dificultades a la hora de determinar si es preciso que el medio alternativo sea más benigno, comparado en abstracto o en concreto con la medida legislativa. Para tratar este aspecto debe introducirse la diferencia entre dos niveles de aplicación del subprincipio de proporcionalidad en sentido amplio: el nivel de control abstracto de la constitucionalidad de las leyes, mediante el recurso y la cuestión de inconstitucionalidad, y el nivel de control concreto de aplicación de las leyes y control de los actos de la Administración y del Poder Judicial, que tiene lugar mediante recurso de amparo”. (El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 755).

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B) Quando a lei fixa uma medida a ser executada pela Administração e, à luz do caso concreto, excepcionalmente, a ponderação do Legislador é parcialmente afastada (P2 > P1 + PFl – regra legislativa), exigindo-se a substituição da medida legislativa por outra mais idônea. C) Quando inexiste lei, mas à luz do caso concreto, excepcionalmente, a ponderação efetuada pela Administração exige a edição de um ato administrativo que concretize um princípio constitucional (P2 > P1 + PFl – omissão legislativa). Só na primeira hipótese (A) não há afastamento do princípio formal que dá primazia à ponderação do legislador; as demais (B e C) são, em decorrência desse afastamento, excepcionais. Nessas três hipóteses, é possível que à luz do caso concreto o Direito só admita uma medida (competência vinculada) e é possível que o Direito admita duas ou mais medidas (competência discricionária). A boa administração pode ou não, a depender do caso concreto, eliminar a discricionariedade. O fundamental é perceber que o Direito impõe ao agente administrativo a execução da melhor medida, vale dizer, a medida que contribui com a máxima eficácia, rapidez e segurança para a realização do fim imediato pretendido e que o realize na maior medida possível. Não basta para que a medida administrativa seja considerada adequada que ela facilite a realização do fim com qualquer eficácia, rapidez, plenitude e segurança. Por força da boa administração impõe-se a versão forte da adequação. É possível que se configure a discricionariedade: uma medida (M1) contribua num grau mais rápido para a realização do fim, e outra medida (M2) contribua num grau mais eficaz. A depender do caso concreto, é razoável e justo tanto buscar algo mais rápido como buscar algo mais eficaz. Diante da situação agônica, o Direito imputa a escolha ao agente competente, cabendo a ele escolher entre a medida M1 e a medida M2. Porém, perceba-se: sempre que for possível afirmar, perante o caso concreto, que M1 é mais idônea que M2, afastada estará a discricionariedade. O Direito exige que a Administração escolha a melhor medida. Ao Legislador, nos termos dantes explicados, basta escolher uma medida que fomente a realização do fim. Ao revés, como a Administração decide à luz do caso concreto, não basta que a medida fomente a realização do fim, ela deve procurar escolher uma medida que realize o fim pretendido. Assim, se M1 realiza o fim e M2 fomenta o fim, impõe-se a escolha de M1. Conforme expliquei no passado: a regra de que a adequação da medida deve ser examinada a partir de uma perspectiva ex ante só se aplica as regras administrativas abstratas e às normas administrativas concretas cujos efeitos se exaurem após sua aplicação.75 Em relação às normas administrativas concretas cujos efeitos não se exaurem após a aplicação, constatado que o juízo inicial foi equivocado ou que, em decorrência de eventos futuros, elas se tornaram inadequadas ao fim pretendido, impõe-se a extinção ou a modificação

75

Cf. nosso Efeitos dos vícios do ato administrativo, op. cit., Cap. VI-9.4, p. 233-234.



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do ato administrativo. O juízo de adequação acompanha toda vigência da norma administrativa concreta, não se restringindo ao momento de sua edição. Abre-se à Administração a possibilidade de uma discricionariedade epistêmica. No exemplo que dei em outra oportunidade, para interditar um imóvel que ameace ruir, não se exige que a administração tenha certeza sobre o momento em que ocorrerá a ruína.76 Incide aqui a segunda lei da ponderação: quanto maior a probabilidade da ruína, mais estará autorizada a Administração a interditar o imóvel; quanto menor a probabilidade de ruína, menos estará autorizada a interditá-lo. Com efeito: admite-se o agir administrativo a partir da incerteza das circunstâncias fáticas. Contudo, a discricionariedade epistêmica legislativa não é equivalente à discricionariedade epistêmica administrativa: pode-se exigir mais certeza em relação às premissas empíricas de quem age no plano concreto em relação a quem age no plano abstrato. A doutrina diferencia três intensidades de controle quanto à certeza sobre as premissas empíricas relevantes: a) o controle de evidência, quando não seja possível total segurança sobre as premissas e, diante da incerteza, admite-se a atuação estatal; b) o controle de intensidade média, que exige um maior grau de certeza sobre as premissas empíricas; c) controle substancial intensivo, que exige a certeza absoluta sobre elas.77 Se no exercício da função legislativa, admite-se, muitas vezes, apenas o controle de evidência, na instância administrativa esse controle é, regra geral, insuficiente. Sempre que for possível para a Administração ter certeza sobre as premissas empíricas no momento da edição do ato administrativo, impõe-se o controle substancial intensivo. Quando não for possível ter certeza sobre as premissas, impõe-se o controle de intensidade média. Se para a interdição do prédio não se exige certeza sobre o momento da ruína, exige-se demonstração efetiva da probabilidade de que ela ocorrerá. O princípio da precaução, como bem explicado por Juarez Freitas, incidente na instância administrativa, exige que a Administração atue mesmo diante da incerteza,78 diferentemente do que ocorre com a prevenção, em que se exige a certeza.79 Mas não

Idem, p. 232.

76

77

Cf. BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, op. cit., p. 737.

“O princípio constitucional da precaução, igualmente dotado de eficácia direta, estabelece (não apenas no campo ambiental) a obrigação de adotar medidas antecipatórias e proporcionais mesmo nos casos de incerteza quanto à produção de danos fundadamente temidos (juízo de forte verossimilhança)”. (FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 98).

78

79

“No cotejo, pois com o princípio da prevenção, a diferença sutil reside no grau estimado de probabilidade da ocorrência do dano (certeza versus verossimilhança)”. (FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública, op. cit., p. 100).

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bastam temores “excessivos ou desarrazoados”,80 vale dizer, impõe-se o controle de intensidade média, não bastando o controle de evidência.

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