Proposta de Parâmetro Curricular Nacional (PCN) para o Ensino Religioso através da Ciência da Religião

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SOTER (Org.)

ANAIS DO CONGRESSO DA SOTER 28º Congresso Internacional da Soter Religião e Espaço Público: cenários contemporâneos

PUC Minas, 14 a 17 de julho de 2015 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Comunicações Grupos Temáticos (GTs) e Fóruns Temáticos (FTs)

Edição Digital / Textos Completos

SOTER ISSN: 2317-0506 Belo Horizonte 2015

Anais do Congresso da SOTER 28º Congresso Internacional da SOTER Religião e Espaço Público: cenários contemporâneos

Proposta de Parâmetro Curricular Nacional para o Ensino Religioso através da Ciência da Religião. RESUMO

Matheus Oliva da Costa1

Uma busca sobre o tema Ensino Religioso (ER) no Brasil revela uma quantidade significativa de estudos sobre o tema, com ênfase para propostas sobre a natureza dessa disciplina. Contudo, faltam trabalhos que apontem para possíveis estruturas curriculares de conteúdos a serem trabalhados e quais habilidades os estudantes devem desenvolver, sendo basicamente lembrada a proposta da FONAPER. Lembramos que o ER é única disciplina escolar que não tem um Parâmetro Curricular Nacional (PCN) oficial pelo MEC, e faltam documentos reguladores também na maioria dos estados. Visando suprir essa lacuna é que apresentamos aqui nossa proposta de PCN de ER. Defendemos um “Estudo sobre religiões” no ensino fundamental de caráter não-confessional laico, escolarizado e fundamentado numa referência científicoacadêmica, a Ciência da Religião. Apresentamos uma breve justificativa e apresentação, e em seguida apresentamos os parâmetros para o ER em forma de um quadro sistemático. Acreditamos que nossa proposta seja adequada a uma matriz nacional para essa disciplina. Assim, pode servir de modelo para um futuro PCN oficial, já que além de conteúdos, apresentamos também objeto de estudo, objetivo e metodologia específicos para essa área onde são enfocados o desenvolvimento cognitivo e cidadão dos estudantes. Palavras-chave: Estudo sobre religiões na escola; escolarização; parâmetros; Ciência da Religião. INTRODUÇÃO Esta é uma versão resumida da nossa proposta de parâmetro curricular nacional ao Ensino Religioso (ER), visando fornecer uma estrutura curricular com bases científico-acadêmicas a essa disciplina escolar. Como diversos/as autores já mostraram, o ER tem raízes na negociação da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) com o estado brasileiro, sendo que desde a Monarquia (1822-1889) até boa parte do século XX, o ER era uma disciplina confessional com conteúdos e tutela explícita da ICAR. Desde o sacerdote católico Wolfgang Gruen, no final do séc. XX, começou-se a pensar no Brasil um segundo tipo de ER, de tipo inter-confessional,

1 Graduado em Ciência da Religião (Unimontes-MG), mestrando em Ciência da Religião (PUC-SP) com bolsa do CNPq, membro dos grupos de pesquisa CERAL e NEO. Email: [email protected].

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voltado ao desenvolvimento da “religiosidade” do estudante e ensino de “valores” (teológicos cristãos). Esse modelo ganhou muitos defensores e seria o principal modelo existente atualmente nas aulas e concepções do ER no Brasil (Diniz, Lionço e Carrião, 2010). Internamente, no entanto, existe uma diversidade de interpretações, ou na verdade ambiguidades propositais, tendo desde que quem é a favor de se falar em “deus” de modo não-religioso (como se fosse possível), ou propostas como a da Fonaper, uma das primeiras no Brasil a tentar dar cientificidade ao ER, mas ainda preso ao legado da ICAR, especialmente das ideias do seu último concílio (Derisso, 2006). No início do século XXI, no entanto, o esboço de uma terceira corrente surgiu: o ER baseado na Ciência da Religião (Passos, 2007; Soares, 2010). Em termos de epistemologia, muitos acadêmicos e especialistas já aprovam e recomendam

a Ciência da Religião. Já existe um número interessante de teses, dissertações, livros e artigos sobre esse modelo de ER. Contudo, até o momento, pouco se falou sobre diretrizes curriculares baseadas nesse modelo. Um das únicas exceções é o documento Referenciais Curriculares do Ensino Fundamental da Paraíba (SEEC-PB, 2010), que com forte influência dos professores do departamento de Ciências das Religiões da UFPB, criaram o referencial do ER presente no documento paraibano. Em geral, essa diretriz paraibana é bastante elogiável por ter bases científicoacadêmicas de forma clara, conteúdos escolarizados, e perspectivas pedagógicas atualizadas. No entanto, ao ler esse referencial, noto duas questões problemáticas: 1) é notável a presença de teorias e noções criptológicas, sobretudo pelo uso “inflacionário” do termo sagrado (Usarski, 2004), e nos eixos temáticos do 1º ao 4º ano, que tem temas de ensino de valores como “a família” e “Eu e o Outro”, próprio do contexto filosófico e teológico cristão; 2) da mesma forma, o uso da Ciência da Religião(ões) propriamente dita é pequeno, sendo restrito praticamente a Mircea Eliade e Filoramo e Prandi, ou seja, ainda que realmente seria a primeira proposta curricular de ER fundamenta na Ciência da Religião(ões), ainda guarda resquícios do modelo interconfessional da Fonaper, e apresenta uma desatualização de autores da Ciência da Religião(ões). No intuito de acrescentar força a esse terceiro modelo de ER, que vemos como o único realmente laico e preparado para a escola multicultural de hoje, é que apresentamos nossa proposta. 1. OBJETO, OBJETIVO E METODOLOGIA PARA UM ESTUDO SOBRE RELIGIÕES NA ESCOLA PÚBLICA Primeiramente, a terminologia “ensino religioso” é, em si mesma, ambígua, no sentido de que pode-se fazer entender como confessional. Um termo mais 516

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apropriado para essa disciplina é justamente Ciência das Religiões ou Estudo sobre Religiões, enfatizando o plural “religiões” para o entendimento adequado do público leigo sobre o tema nas escolas. Com uma postura de se afastar dessas propostas, é necessário elucidar questões relativas ao objeto, ao objetivo, e a metodologia do ER, buscando um modelo de fundamentos científicos da Ciência da Religião para essa disciplina escolar. Entendemos que o objeto de estudo da disciplina ER é toda produção culturalreligiosa humana. Ressaltamos a importância de que o docente trabalhe com noções sobre religião atualizadas, acadêmicas laicas (não teológicas), e não preconceituosas – assim, rejeitando qualquer noção etnocêntrica, cristianocêntrica, ou outras visões preconceituosas e superficiais de religião. Destarte, o objetivo do ER é estudar toda produção cultural-religiosa humana numa perspectiva laica, escolarizada, e fundamentada em conhecimentos da Ciência da Religião e outras áreas acadêmicas. A metodologia própria do ER deve ter como base também os métodos da Ciência da Religião. No que concerne à sua aplicabilidade na educação básica, dois princípios devem nortear o trabalho docente: 1) interdisciplinaridade – essa interação deve ocorrer tanto pela complementação via outras formas de conhecimento, quanto pelo intercâmbio ativo de professores e educandos com outros profissionais (Costa, 2013; Usarski, 2004); 2) estudo não normativo das religiões, evitando qualquer juízo de valor pessoal, hierarquizações das religiões ou opiniões de “verdades” religiosas (Usarski, 2013), se afastando assim de qualquer “ensino de valores”. Com base nestes princípios o docente deve buscar desenvolver aspectos cognitivos do educando – como todas as outras disciplinas escolares – através de estudos empíricos e sistemáticos sobre religiões em sala de aula adaptados à cada idade. O ER não deve “ensinar valores”, tal como um proselitismo sutil, mas proporcionar o desenvolvimento de habilidades e competências dos educandos através de estudos com bases científicas sobre culturas e religiões, se limitando a incentivar a boa convivência entre pessoas que praticam ou não religiões. Isso significa que a aula de ER busca o desenvolvimento cognitivo e formação educacional, devendo ser rejeitadas tentativas de moralizações arbitrárias dos educandos pelos docentes, por mais “nobres” que pareçam. 2. EIXOS DIDÁTICOS DO ER BASEADO NA CIÊNCIA DA RELIGIÃO

Entendemos o ER como a transposição didática da Ciência da Religião para a educação Básica. Dessa forma o ER seria dividido pelas duas subáreas da Ciência da Religião: a 1) Ciência da Religião sistemática ou Religiões Comparadas, e a 2) Ciência da Religião empírica ou História das Religiões, conforme a tradicional proposta de 517

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1924 de Joaquim Wach (Greschat, 2005; Hock, 2010; Usarski, 2013). No seu aspecto sistemático, a Ciência da Religião busca entender temas mais gerais, abrangentes e transversais sobre o objeto religiões, como o próprio conceito de religião, cultura, ou temas como religião e gênero, religião e economia, etc. Já na dimensão empírica, a ideia seria descrever e analisar singularidades de casos específicos, como o desenvolvimento histórico de uma religião “x”, os ritos de uma tradição, ou os aspectos religiosos em textos ditos leigos ou seculares. Contudo, é importante lembrar que ambas as dimensões se nutrem mutuamente, formando uma dinâmica da Ciência da Religião como um todo. Nos últimos anos começou-se apensar numa Ciência da Religião Prática ou Ciência da Religião Aplicada (Passos e Usarski, 2013). Trata-se de um conjunto de estudos e ações que visam contribuições da Ciência da Religião ao exercício da cidadania próprio de uma sociedade plural. Busca-se, com isso, a construção de propostas à cultura de convivências pacíficas entre religiosos/as, mediações de conflitos cultural-religiosos, contra qualquer discriminação. Por exemplo: acessória para políticas públicas sobre diversidades cultural-religiosas, propostas de Diálogo inter-religioso, ou fornecendo bases a um Estudo das Religiões laico nas escolas públicas. Consideramos essa terceira “frente” da Ciência da Religião em consonância com as diretrizes nacionais e estaduais relativas à formação cidadã no sentido de construção da consciência para as responsabilidades e direitos de um cidadão de um Estado Democrático de Direito. Já a Ciência da Religião, com suas subdivisões tradicionais em empírica e sistemática, fornece subsídios para um ER que tem como bases estudos científicos sobre religiões, e não para religião, de forma que a dimensão cognitiva dos educandos seja trabalhada durante as aulas. Como consequências, acreditamos que esse é um caminho seguro para que seja rompido com o histórico de confessionalismo e desamparo estatal para essa disciplina. Essa caminho proporciona espaço para o direito das minorias e o respeito às diferenças (Diniz, et al, 2010), abrindo mais espaço também para a implementação da Lei 11.645/2008 que versa sobre obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. Diante do exposto, propomos três Eixos didáticos ao ER: A) Religiões comparadas (Ciência da Religião Sistemática); B) Estudo empírico das religiões (Ciência da Religião Empírica); C) Diálogo inter-religioso (Ciência da Religião Aplicada); Vejamos agora o resultado concreto da nossa discussão e sistematização, através de uma versão resumida do nosso quadro curricular para o ER. Acreditamos 518

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que esse modelo seria o ideal para ser utilizado no ER de escolas públicas, e também de particulares, no Brasil. EIXO 1 – RELIGIÕES COMPARADAS UNIDADES 1.1 - CULTURA E RELIGIÃO

TEMAS 1.1.1 – Culturas 1.1.2 – Religião, religiões, espiritualidade 1.2.1 – Símbolos religiosos 1.2.2 – Mitos 1.2.3 – Ritos

1.2 - RELIGIÃO COMO EXPRESSÃO SIMBÓLICA

1.3 - TEMAS TRANSVERSAIS ÀS 1.3.1 – Religiões e gênero RELIGIÕES (Obs.: os temas aqui expostos são 1.3.2 – Religiões em estatísticas sugestões). EIXO 2 – ESTUDO EMPÍRICO DAS RELIGIÕES

UNIDADES 2.1 - HISTÓRIA DAS RELIGIÕES 2.2 - CIÊNCIAS SOCIAIS E PSICOLÓGICAS DAS RELIGIÕES 2.3 – ESTUDOS COMPLEMENTARES DAS RELIGIÕES

TEMAS 2.1.1 – Religiões no mundo 2.1.2 – Religiões no Brasil 2.1.3 – Religiões locais

2.2.1 – Aspectos sociológicos no estudo das religiões 2.2.2 – Aspectos antropológicos no estudo das religiões 2.2.3 – Aspectos psicológicos no estudo das religiões 2.3.1 – Geografia da religião 2.3.2 – Economia da religião 2.3.3 – Ciências naturais da religião

EIXO 3 – DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

UNIDADES 3.1 – CONFLITOS E TOLERÂNCIAS RELIGIOSAS

TEMAS 3.1.1 – Conflitos e intolerâncias religiosas 3.1.2 – Tolerância religiosa, liberdade religiosa e laicidade 519

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3.2 – DIÁLOGOS ENTRE RELIGIÕES

3.3 – REGULAÇÕES LEGAIS DAS RELIGIÕES

3.2.1 – Ecumenismos

3.2.2 - Diálogos inter-religiosos 3.3.1 – Religião e legislações internacionais e nacionais

REFERÊNCIAS DERISSO, José Luis. O Ensino Religioso na escola pública e a epistemologia dos materiais implementados nas escolas oficiais do Estado de São Paulo após a lei nº 9475/97. Dissertação de mestrado em Fundamentos da Educação. São Carlos – SP: Universidade Federal de São Carlos, 2006. DINIZ, Debora; LIONÇO, Tatiana; CARRIÃO, Vanessa. Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília: UNESCO: Letras Livres: EdUnB, 2010. GRESCHAT, Hans-Jürgen. O que é a ciência da religião?. Tradução Frank Usarski. São Paulo: Paulinas, 2005.

HOCK, Klaus. Introdução à Ciência da Religião. Tradução Monika Ottermann. São Paulo: Edições Loyola, 2010. PASSOS, João Décio. Ensino Religioso: construção de uma proposta. São Paulo, SP: Paulinas, 2007.

PASSOS, João Décio e USARSKI, Frank (orgs.). Compêndio de Ciência da Religião. São Paulo: Paulus, 2013, pp. 603-614.

SENA, Luzia (org.). Ensino Religioso e formação docente: ciências da religião e ensino religioso em diálogo. São Paulo: Paulinas, 2006. SOARES, Afonso M. L. Religião & educação; da ciência da religião ao ensino religioso. São Paulo: Paulinas, 2010. SEEC-PB – Secretaria de Estado da Educação e Cultura da Paraíba. Referenciais Curriculares do Ensino Fundamental – Vol. 03. Paraíba, 2010.

USARSKI, Frank. Os Enganos sobre o Sagrado – Uma Síntese da Crítica ao Ramo “Clássico” da Fenomenologia da Religião e seus Conceitos-Chave. REVER, São Paulo, n. 4, 2004, pp. p. 73-95. Disponível em http://www.pucsp.br/rever/ rv4_2004/t_usarski.htm. Acessado em 10/3/2015.

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