Proposta de Tabela de Classificação de Paisagem Sonora

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Proposta de Tabela de Classificação de Paisagem Sonora Dr. André Luiz Gonçalves de Oliveira Felipe Fachiolli Pedro

Resumo: Esse texto tem como foco apresentar e explicar uma tabela para sua classificação de paisagens sonoras. Apresentam-se os princípios teóricos que norteiam a escolha de critérios específicos de classificação. Também se discute como essa tabela pode ser utilizada pensando em duas dimensões da ação musical, que se por um lado podem ser distintas, por outro são complementares: a criação musical e a educação musical. São apresentados no final dois tipos de utilização da tabela proposta em situações específicas tanto de educação como de composição musical. Resumen: Este texto se centra en presentar y explicar una mesa para la clasificación de los paisajes sonoros. Se presentan los principios teóricos que guían la elección de los criterios específicos de clasificación. También se explica cómo esta tabla se puede utilizar teniendo en cuenta dos dimensiones de la acción musical, que por un lado se pueden distinguir, en el otro se complementan: la creación de la música y la educación musical. Se presentan al final de dos tipos de uso de la tabla propuesta en situaciones específicas, tanto a la educación y composicion musical.

Introdução: As paisagens sonoras, enquanto um conceito abordado em diferentes áreas do conhecimento, tal como a música, a arquitetura, o planejamento urbano, e a ecologia, têm sido cada vez mais relevantes. Em qualquer que seja a aplicação do conceito e da experiência de ouvir e produzir paisagem sonora, é sempre imprescindível que esta seja objeto de análise e descrições classificativas dos ouvintes. É a partir dessa atividade analítico-descritiva que se iniciam as muitas práticas envolvidas com o ambiente sonoro. A proposta desse artigo é apresentar uma tabela de classificação dos vários eventos que podem ser ouvidos em paisagens sonoras específicas. Essa tabela pode ser utilizada como uma etapa em diferentes tipos de ação que envolvem produção sonora. Aqui nos interessa diretamente as aplicações artísticas, como em processos criativos que incidam sobre a paisagem sonora experimentada em determinado local, bem como as práticas pedagógicas musicais e ambientais que podem ser encaminhadas a partir da leitura dos dados coletados e classificados com a tabela. As paisagens sonoras têm sido objeto de estudo de uma ampla gama de áreas do conhecimento nas últimas décadas, uma vez que os instrumentos de gravação e

manipulação sonora permitem cada vez mais funcionalidades. No entanto há poucas relações sendo estabelecidas entre as dimensões científicas e estéticas envolvidas na experiência de paisagens sonoras. Em Pijanowski et al (2011) há uma descrição da agenda de pesquisa de uma suposta teoria unificada da Ecologia de Paisagens Sonoras, que mostra e relaciona valores estéticos e educacionais envolvidos, embora não se concentre nesses valores como foco central. As with other natural resources, natural and unique soundscapes have many associated human ideals, such as cultural, sense of place, recreational, therapeutic, educational, research, artistic, and aesthetic values. (Pijanowski et al, 2011, p.205)

Os autores apresentam, nas páginas 208 e 209 do paper citado, seis tópicos que seriam uma agenda de pesquisa para a área de paisagem sonora. A tabela de classificação que ora apresentamos está alinhada a tal agenda, e espera colaborar diretamente, sobretudo com o primeiro ítem. São eles: 1) Melhoria nas medições e quantificações sonoras. 2) Melhoria no entendimento sobre as dinâmicas espaçotemporais entre diferentes escalas. 3) Melhoria no entendimento sobre o quão importante é o impacto no som das co-variantes ambientais. 4) Avaliação do impacto das paisagens sonoras no mundo selvagem. 5) Avaliação do impacto humano na paisagem sonora. E 6) Avaliação do impacto da paisagem sonora sobre o ser humano. Esses seis itens foram considerados para a criação dos critérios de classificação que a tabela oferece. Muito embora relacione aspectos como o gostar ou o não gostar, Sasaki (1993) não apresenta em seus critérios para desenho de paisagem sonora, aspectos artísticos ou experiência estética. O pesquisador concebe dessa forma o estudo em paisagens sonoras: The main and basic tasks concerned with the realizing of good acoustical environment which acoustician have to solve are both the control of undesirable sounds and the creation of desirable sounds. (SASAKI, 1993, p. 189)

Autores como R. Carson (1962), ou Southworth (1969), já orientavam a ciência para a necessidade de ampliação de sua capacidade explicativa. Ampliação essa em direção à natureza, à abrangência de fenômenos naturais.. Em direção à necessidade de entender como os humanos afetamos sonoramente o mundo. Ou como e com que interesses afetamos o mundo sonoro de diversas outras criaturas vivas e o nosso mesmo. Foi na década de 1970 que pesquisadores canadenses como M. Schafer ([1977] 2012), B. Truax e H. Westerkamp, aproximaram, por fim, a música enquanto área de conhecimento e de pesquisa, aos estudos acerca de Ecologia Acústica. Assim, no final do século XX e nesse início de século XXI, é possível assistir um crescente

entendimento das paisagens sonoras como marcadores relevantes para o entendimento e descrição de diferentes atividades humanas e suas consequências diversas, incluindo as estéticas, sobre o mundo todo. Propor uma tabela de classificação de paisagens sonoras é colaborar com o desenvolvimento de metodologia de ação para várias áreas que podem utilizar as informações derivadas da classificação. Como dissemos anteriormente, aqui mostraremos dois casos específicos de utilização em atividades que operam com a dimensão estética, a composição e a educação musical. 1) Itens da Tabela

Para qualquer tipo de atividade que se venha a realizar envolvendo a descrição dos eventos sonoros que se escuta em um determinado ambiente e em um determinado intervalo de tempo (a paisagem sonora do local), será relevante ter um registro com certo nível de detalhe sobre cada evento sonoro. Esse detalhamento envolve diretamente um processo de classificação, enquanto distinção por meio de características e critérios específicos. A classificação permite que se possa operar com um nível maior de controle sobre os elementos experimentados. Dessa forma, tem papel fundamental na atividade de composição. A classificação tem também alta relevância quando o objetivo é favorecer o desenvolvimento da percepção e da cognição, como no caso de atividades em educação musical. A classificação das paisagens sonoras será feita por meio do preenchimento de uma tabela (Anexo 1) com itens sobre aspectos tipo-morfológicos dos eventos sonoros ouvidos e reconhecidos. Tais aspectos podem ser mais ou menos complexos de acordo com a finalidade específica da atividade. Nos dois casos em que o presente artigo se ocupa (casos de composição e de educação musical) a complexidade da tabela que se apresenta a seguir é de complexidade suficiente para realização das atividades-fim a que se destinam. Para que se preencha a tabela é necessário iniciar com uma lista de eventos sonoros escutados em um lugar e tempo específicos. A primeira coluna da tabela solicita o nome do evento sonoro escutado. Nominar algo é basicamente reconhecer algo como distinto entre uma variedade percebida. Cada grupo que estiver utilizando a tabela terá um viés particular de padrão de nominação. Algo bastante peculiar aqui é que se deve deixar claro que o evento sonoro não é a fonte sonora. Tal distinção parece óbvia, no entanto no decorrer do preenchimento da lista de eventos sonoros observa-se sempre tal confusão. É importante ressaltar que a fonte sonora é sempre uma co-relação entre um determinado material ou conjunto de materiais e uma certa ação exercida sobre eles. Schafer (apud KRAUSE 1987, p. 14) diz que “It takes two things to make a sound, but paradoxically, when two things collide only one sound is produced.” Distingui-se o conceito de fonte sonora do som produzido (o evento sonoro). Dessa maneira a

segunda coluna da tabela pede exatamente o nome da fonte sonora do evento escutado, nos termos de seus materiais e ações. Essas duas primeiras colunas dizem respeito à descrição daquilo que se escutou. Há três conjuntos de parâmetros que são critérios de classificação e que ordenam essas colunas. O segundo conjunto de colunas, que vai da terceira até a oitava, dizem respeito a descrições dos chamados parâmetros físicos do evento sonoro. Por fim, as colunas 9, 10 e 11 são referentes a parâmetros psicofísicos. Espera-se com tais indicações psicofísicos e ecológicos (Gibson, 1966 e 1979), na medida em que se solicita descrições de significação e comportamento possíveis e prováveis, aproximar as descrições de estados afetivos e emocionais envolvidos com tais padrões de eventos sonoros escutados. No eixo vertical da esquerda da tabela há uma indicação classificatória para os eventos escutados, de acordo com um critério indicado por Krause apud Pijanowski et al (2011) Krause (1987) later attempted to describe the complex arrangement of biological sounds and other ambient sounds occurring at a site, and introduced the terms “biophony” to describe the composition of sounds created by organisms and “geophony” to describe nonbiological ambient sounds of wind, rain, thunder, and so on. We extend this taxonomy of sounds to include “anthrophony”—those caused by humans. (p. 204)

Na tabela há 3 espaços distintos (horizontalmente) para classificar o evento sonoro e sua fonte, inicialmente. As colunas com os critérios classificatórios incidirão sobre todos os eventos descritos nas três categorias. A terceira, quarta e quinta colunas tratam de uma descrição dos três parâmetros físicos básicos do som (altura, duração e intensidade). No entanto não se trata de uma medição com aparelhos físicos, portanto se solicita a altura, duração e intensidade relativas, de cada evento sonoro listado. Isso faz com que se classifique o som de um pássaro, como o bentevi piando bem próximo ao ouvinte, por exemplo, como com uma altura relativa (ao universo de eventos sonoros escutados) aguda, com duração relativa entrecortada e curta, e com intensidade relativa que vai de médio a forte. As colunas 6 e 7 descrevem a percepção do espaço de experiência do evento sonoro. Ao descrever a distância da fonte que o ouvinte se encontra, busca-se informação sobre disposições e relações espaciais. E ao se solicitar uma descrição da dinâmica espacial, espera-se alcançar informações sobre o movimento, e suas características, ou o não movimento da fonte com relação ao ouvinte. Essas duas informações são mais relevantes na medida em que se inclui e considera o espaço como elemento da experiência sonora e mesmo musical. A coluna 8 é a última desse bloco de informações sobre os parâmetros físicos do som. Ela pede a descrição do

envelope ADSR (ataque, decaimento, sustentação, release1). Tal descrição serve para ilustrar aspectos do tímbre do evento escutado e listado. Como parâmetros psicofísicos para a classificação dos eventos sonoros de uma paisagem sonora, criamos três colunas que tratam dos significados e comportamentos possíveis e prováveis frente à cada evento sonoro escutado. Aqui há uma referência direta ao conceito gibsoniano de affordance (Gibson, 1966 e 1979), o que nos mantem no contexto da abordagem ecológica da percepção. Ao descrever comportamentos e significados encontramos informações sobre os hábitos de vida e de escuta de uma comunidade específica e de situações particulares. Possibilidades de uso dos dados da tabela O levantamento de dados realizados com a tabela permite a sequência de diversas atividades sobre o assunto. O escopo dessas ações vai desde a sua utilização para planejamento de uso de espaços publicos e privados, passando pela possibilidade de criação de experiências com marcas de identidade específicas com fins artísticos ou comerciais, até atividades de educação em várias áreas como nas artes, música, educação física e meio-ambiente, por exemplo. No caso da composição musical essa tabela será bastante útil para o conhecimento do local sobre o qual se vai realizar a instalação de uma paisagem sonora, ou de um outro tipo de instalação/intervenção que se vá realizar em um local específico. Tais atividades de instalar ou intervir, são sempre uma espécie de colagem sobre uma paisagem já existente. Na medida em que se vai operar sobre algo que ja está ali colocado, passa a ser imprescindível que se tenha capacidade de descrever isso que ja está posto, com certo nível de detalhe. Dessa maneira ao saber dos parâmetros físicos e psicofísicos da paisagem ja existente no local escolhido, os criadores tem informações para orientar suas escolhas composicionais, seja para saturação de determinadas características presentes em tais eventos sonoros, seja para encontrar/criar nichos acústicos específicos na paisagem resultante. Na área de educação musical as possibilidades de utilização dessa tabela se ampliam sobremaneira. Em um caso específico ela pode orientar a ação de várias outras etapas de atividades com objetivo de conhecer a paisagem sonora de onde se vive. Essa tabela pode orientar a construção de um "mapa de paisagem sonora", uma espécie de partitura-roteiro da paisagem sonora, o qual pode vir a ser executado de diferentes maneiras. Para que se crie um mapa a partir dessa tabela pode-se incluir uma última coluna solicitando a criação de um signo gráfico 2 para cada evento sonoro. Na medida em que cada evento tem seu signo gráfico, estabelece-se em uma folha retangular ou quadrada em branco, um ponto central (ou não) significando o ponto de escuta. Na sequência os signos gráficos de cada evento podem ser dispostos observando-se os diversos critérios já indicados na classificação da tabela. Na 1 Desligamento 2 O ideal é que tal signo seja abstrato e desligado sobretudo, do desenho da fonte sonora.

atividade de criar tais signos gráficos, haverá necessidade de estabelecer vínculos entre variáveis sonoras e variáveis visuais, para que a representação gráfica tenha coerência com a paisagem que busca representar. Quando esse mapa fica pronto o que se tem é uma representação gráfica abstrata dos eventos sonoros dispostos em torno do ponto de escuta de onde se percebeu a paisagem sonora. Uma próxima etapa possível é a adequação desses mapas em partituras roteiros para a execução musical (Anexos 2 e 3). É interessante que se criem grupos de estudantes para executar cada mapa. Da maneira como exposto aqui, o exercício integra práticas artísticas sonoras e visuais, bem como oferece condições de reflexão sobre condições sonoras ambientais. Tal interdisciplinaridade é algo que caracteriza sempre as ações na área de estudos em paisagem sonora, portanto não poderia estar ausente na experiência aqui proposta.

Referências Bibliográficas CARSON, R. Silent Spring. Greenwich: Fawcett Publications, 1962. GIBSON, J. J. The Senses Considered as Perceptual Systems. Boston: Houghton Mifflin Company, 1966. ____________ Ecological Approach to Visual Perception. Hillsdate: Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 1979. KRAUSE, B. Bioacoustics: Habitat ambience and ecological balance. In: Whole Earth Review, No. 57, Winter, 1987. PIJANOWSKI, Bryan C.; VILLANUEVA-RIVERA, Luis J.; DUMYAHN Sarah L.; FARINA, Almo; KRAUSE, Bernie L.; NAPOLETANO, Brian M.; GAGE, Stuart H.; PIERETTI, Nadia; Soundscape Ecology: The Science of Sound in the Landscape. BioScience. Oxford, Vol. 61, No.3, março, 2011. Disponível em: Acesso 10 fev. 2015. SASAKI, M. The preference of the various sounds in environment and the discussion about the concept of the sound scape design. Journal of the Acoustical Society of Japan (E). Vol. 14, No. 3, 1993. Disponível em: Acesso 10 fev. 2015. SCHAFER, R. M. A afinação do mundo: uma exploração pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto de nosso ambiente: a paisagem sonora. São Paulo: Ed. da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", 2012.

SOUTHWORTH, M. The sonic environment of cities. In: Environment and Behaviour, Junho, 1969.

Anexos: Os exemplos mostrados nas imagens a seguir são decorrentes de atividades didáticas com alunos do curso de Graduação em Música da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE) no ano letivo de 2014, na turma de Percepção Musical sob a responsabilidade do professor André Luiz Gonçalves de Oliveira. 1) Tabela preenchida por aluno em atividade com o curso de Licenciatura em

Música da UNOESTE - Presidente Prudente, São Paulo, 2014.

2) Partitura Roteiro de Paisagem Sonora - parte 1

3) Bula da partitura roteiro.

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