PROPOSTA DIDÁTICA ARTICULADA AO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA: DIÁLOGOS ENTRECRUZADOS

June 16, 2017 | Autor: Ana Paula Perovano | Categoria: Ensino, Transdiciplinaridade, Alfabetização Matemática
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4º Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática 29, 30 de junho e 01 de julho de 2015

PROPOSTA DIDÁTICA ARTICULADA AO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA: DIÁLOGOS ENTRECRUZADOS Fernanda de O. Soares Taxa-Amaro1 Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) Ana Virginia de Almeida Luna2 Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) Ana Paula Perovano3 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)

RESUMO O presente painel articulador tem como objetivo debater a alfabetização matemática à luz de três perspectivas teóricas distintas, as quais se entrecruzam. Essas pesquisas foram desenvolvidas no estado da Bahia analisando a produção e uso de um material didático para a alfabetização matemática. A primeira perspectiva teórica é da concepção de currículo e a formação do(a) professor(a). A segunda perspectiva fundamenta-se na teoria dos campos conceituais de Vergnaud com uma visão de articulação dos conceitos no campo multiplicativo. E a terceira tem como vertente a teoria do sociólogo Basil Bernstein, com propósito de analisar a produção de textos matemáticos legítimos pelos alunos em processo de alfabetização. Os projetos de pesquisa que aqui se entrecruzam buscam potencializar a capacidade de conhecer e produzir informações matemáticas com criticidade, desde a infância, sejam elas contidas no ambiente escolar, no seu entorno, sobretudo, nos veículos de informação de massa, como o jornal, as revistas, os canais televisivos, as rádios e as múltiplas linguagens do mundo virtual. Palavras chave: Alfabetização Matemática. Transdisciplinaridade. Ensino. Existe uma força motriz mais poderosa que o vapor, a Eletricidade e a energia atômica: a vontade (Albert Einstein).

PALAVRAS INICIAIS Quando se pretende apresentar a construção em processo de uma proposta didática de alfabetização matemática que já vem tomando “corpo e forma” bem 1

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3380 In: Anais do Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, 4º, 2015, Ilhéus, Anais..., Ilhéus, Bahia, Brasil. p.3380-3391. ISSN 2446-6336.

Taxa- Amaro; Luna; Perovano

definidas e identidade própria desde o ano de 2011, atrevemo-nos recorrer a ideia Einsteniana, qual seja, a força e o poder da vontade humana sobre os objetos a que se debruça desvendar. Vontade que se traduz e concretiza no desejo e ânimo de um grupo de professoras-pesquisadoras que acredita poder instigar um processo de ensino e um processo de aprendizagem em que a Matemática seja compreendida como instrumento e linguagem que possibilitem a criança, desde a mais tenra idade, entender aspectos sociais, políticos, econômicos, artísticos, culturais e tecnológicos presentes na sociedade. Se não por acaso, a ideia de Eisntein também nos remete a pensar na ideia de vontade atrelada ao da de ciclos; e este último, por sua vez, nos faz lembrar da origem da palavra grega “Kyklos” que se refere ao “redondo”. E cabe aqui um “parêntese”, pois durante toda a proposta didática apostamos incansavelmente na exploração dos números redondos como um dos conhecimentos iniciais das crianças sobre as regularidades numéricas. O primeiro sentido que procuramos dar a nossa proposta foi a de entender o ciclo inicial de alfabetização como um período de virtuosa abundância de saberes: os trazidos pelas crianças dos anos iniciais do ensino fundamental e aqueles a serem construídos e formalizados no campo numérico, algébrico, geométrico e estatístico. Dentre as preocupações de políticas públicas, de gestores e de educadores acerca da necessidade de reverter o baixo desempenho em matemática dos alunos nas escolas públicas brasileira, em especial, no Estado da Bahia, promove-se a implantação do Programa PACTO COM OS MUNICÍPIOS – Todos pela Escola. O programa, implantado desde 2011, conta com o compromisso do Governo da Bahia, com a adesão das prefeituras, a colaboração dos gestores, educadores e a parceria das famílias. De um lado, a elaboração da proposta didática em Alfabetização Matemática contemplou, inicialmente (1º ano), o que preconizam os documentos oficiais, centrando-nos nos eixos estruturantes de forma interconectada; bem como na criação do que nomeamos “tempos didáticos contextualizados”: a) matematizar com jogos e desafios, b) matematizar na roda de conversa, c) matematizar com registros. 3381 4º SIPEMAT

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De outro lado, à continuação da referida proposta, buscamos avançar nas interconexões feitas anteriormente (eixos estruturantes e tempos didáticos contextualizados); e com isso, viabilizar na proposta um tom ainda mais, ou melhor, para além do transversal: um tom de complexidade e transdisciplinar. O objetivo deste trabalho é o de debater sobre o processo de alfabetização matemática em três vertentes teóricas distintas com ênfase na produção e uso de um material didático para os anos iniciais (1º e 2º) do ensino fundamental do estado da Bahia.

CAMPO TEÓRICO A construção do material didático de Alfabetização Matemática, seja ele para o 1º ano (2011- 2012) ou para o 2º ano (2013 - 2014) do ensino fundamental levou a equipe a fundamentar-se nos estudos e pesquisas da Psicologia da Educação Matemática, em especial na Teoria dos Campos Conceituais (VERGNAUD, 1982), e em estudos da Educação Matemática como os de Sinclair, Mello e Siegrist, (1990), Lerner e Sadovsky (1996), dentre outros. Contemplamos, ainda os documentos oficiais como os referentes aos Direitos de Aprendizagem do Ciclo de Alfabetização e os preconizados pelo Ministério da Educação na década de 1990. A construção de uma proposta didática com muitos olhares e a muitas mãos nos impôs, então, revisitar um campo de conceitos, e começamos por aqueles que se contrapõem aos princípios cartesianos de fragmentação do conhecimento. Deste mote, tanto o pensamento complexo como a transdisciplinaridade articulam-se porque nos valem como instrumentos para observarmos a realidade; e sobretudo, com relação à prática educativa, nos revelam a trama conceitual (defasada) a que estamos submetidos na escola, na ação do ensinar e do aprender. A transdisciplinaridade favorece o despertar da consciência na aquisição do conhecimento, favorecendo a integração e inserção do outro, da sociedade, da natureza, do planeta, pautados pelo respeito, pela cooperação e pela solidariedade (D`AMBROSIO, 2001). Quando se trata de fazer um “recorte textual” sobre a interconexão do pensamento complexo e suas implicações nos processos de ensino e de 3382 4º SIPEMAT

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aprendizagem no campo da Matemática, a primeira ideia que nos vem à cabeça é a de que a lógica da separação e disjunção entre esta área e as demais são incompatíveis. Em não admitindo este cenário é que nos propusemos, a partir da concepção de uma realidade complexa e carregada de contradições, aproximar e integrar a proposta didática de Alfabetização Matemática a diálogos mais interculturais, que considerassem a diversidade e a multiformidade. Morin (2001) lembra-nos que quando ignoramos a necessidade de promover o conhecimento capaz de apreender os problemas globais e a partir destes, dar vez aos conhecimentos parciais e locais, estamos fragmentando e obstruindo qualquer possibilidade de conhecermos em contexto, na e para a complexidade. Isso nos impulsionou na caminhada de constituição da proposta didática e nos fez ancorar em temáticas que dessem voz e vez para a Matemática e os sujeitos envolvidos em sua apropriação.

CAMINHO METODOLÓGICO O presente estudo envolve três pesquisas com uma abordagem qualitativa, sendo essas de natureza bibliográfica e empírica. Tais pesquisas desenvolvem em comum a análise documental do material didático “Alfabetização Matemática” (SANTANA et al, 2013a, 2013b), elaborado para o ensino de Matemática de crianças baianas. Esse material foi produzido para o Programa Pacto com os Municípios, da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, com o intuito de alfabetizar todos os alunos das redes municipais baianas do ciclo inicial do Ensino Fundamental. Os três projetos de pesquisa em discussão foram iniciados entre 2012 e 2013. O primeiro projeto refere-se ao “Programa Todos pela Escola – PACTO com os municípios baianos e a Alfabetização Matemática: construindo olhares didáticos com professores” e vem sendo desenvolvido em uma rede colaborativa entre pesquisadores de Universidades públicas do Estado da Bahia e do Estado de São Paulo.

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O PACTO com os municípios se notabilizou como uma política pública implantada de forma autônoma pelo Estado da Bahia, visando o desenvolvimento qualitativo do ensino da alfabetização linguística e matemática do referido Estado. O grupo de professoras-pesquisadoras de quatro universidades baianas distintas e uma universidade paulistana, por meio da Secretaria da Educação do Estado da Bahia vem desenvolvendo a construção de uma proposta didática, já implementada nas salas de aulas do 1º Ano, buscando minimizar dificuldades nos processos de ensino e de aprendizagem da Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O segundo projeto envolve a pesquisa, “As estruturas multiplicativas e a formação de professores ensinam Matemática na Bahia” (PEM) cujo objetivo principal é investigar a prática dos professores no ensino das Estruturas Multiplicativas fundamentada na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud (1996). A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) financia esta pesquisa que está sendo desenvolvida em rede envolvendo seis Núcleos de Pesquisa da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Regional Bahia (SBEM/BA), situados em Ilhéus, Vitória da Conquista, Feira de Santana, Amargosa, Salvador e Senhor do Bomfim. Trata-se de uma pesquisa aplicada a professores e estudantes do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental dividida em dois estudos: diagnóstico e formação colaborativa de professores. O terceiro projeto envolve a pesquisa, “A alfabetização matemática com o uso de material didático e a produção de textos matemáticos legítimos por alunos do 1º ano do ensino fundamental no estado da Bahia” (PAMAT), iniciada em 2013. Essa pesquisa é financiada pela agência de fomento Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado

da

Bahia

(FAPESB),

sendo

desenvolvida

por

pesquisadores

de

Universidades Públicas do Estado da Bahia e por grupos de estudos de professores da Educação Básica coordenados por quatro Núcleos de Pesquisa da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Regional Bahia (SBEM/BA), sediados em Feira de Santana, Ilhéus, Salvador e Vitória da Conquista, esse projeto é desenvolvido a luz da teoria sociológica de Basil Bernstein.

ANALISANDO OS RESULTADOS À LUZ DE TRÊS PERSPECTIVAS 3384 4º SIPEMAT

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Primeira perspectiva Duas grandes frentes coadunam na elaboração da proposta didática em Alfabetização Matemática: a primeira delas refere-se à concepção de currículo empregada no decurso no material didático; e a segunda, refere-se à maneira de concebermos a formação continuada em serviço do (a) professor (a). Na análise concernente à concepção de currículo subjacente à proposta, encontram-se duas vertentes: a) transversalidade, b) transdicisplinaridade. Ambas vêm complementando o trabalho teórico-metodológico da proposta de Alfabetização Matemática, com destaque maior de um currículo transversal para o material do 1º ano e a de um currículo transdisciplinar para o material do 2º ano (Ensino Fundamental). Apresentamos, a seguir, a planificação da proposta didática de Alfabetização Matemática contemplando o eixo transversal e o transdisciplinar.

Figura 1 – Planificação da estrutura da proposta didática de Alfabetização Matemática Fonte: Elaborado pelas autoras da Proposta Didática de Alfabetização Matemática

A concepção de transversalidade implica contemplar conteúdos que fazem parte das preocupações diárias do sujeito na realidade atual, e que temáticas sociais devem aparecer como um fio condutor, perpassando o trabalho na escola. Têm como pano de fundo as reflexões acerca da dicotomia entre a ênfase de um ensino voltado para as disciplinas clássicas do currículo e a introdução de um currículo que contemple o conhecimento social e afetivo impregnados na vida cotidiana dos sujeitos (TAXA e FINI, 2001). 3385 4º SIPEMAT

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Ao longo da produção do material de Alfabetização Matemática para o 1º ano, as atividades possibilitaram trânsito entre a aquisição do conhecimento matemático a conhecimentos de natureza ética, ambiental e de pluralidade cultural entre outras que marcam a transversalidade curricular. Como uma concepção de currículo, entendemos ainda a transversalidade como uma “abertura” que nos possibilitou outro caminho (além do curricular): o metodológico. Se no material do 1º ano foi possível elaborarmos uma proposta didática de Matemática em que se permeavam eixos transversais, buscamos dar um outro “passo” (complementar ao que vínhamos propondo) que se configurou na adesão aos princípios da Complexidade (Morin,2001) e da transdicisplinaridade (NICOLESCU, 1999). Santos (2008,p.74) explica que a transdisciplinaridade transcende a lógica clássica, daquilo que designamos “sim” ou “não”; e exatamente por meio deste pensamento não caberiam “definições como ‘mais ou menos’ ou aproximadamente [...] considerando-se que há um terceiro termo no qual ‘é’ se une ao ‘não é’ (quanton). E o que parecia contraditório em um nível da realidade, no outro, não é”. Dessa forma, o caráter transdisciplinar da proposta didática de Alfabetização Matemática do 2º ano do Ensino Fundamental buscou associar-se à dinâmica da multiplicidade das dimensões da realidade disciplinar (matemática, artes, ciências, múltiplas linguagens, língua materna, libras, entre outras). Quanto a segunda e última frente deste projeto, conforme citado anteriormente, temos nos debruçado em analisar o material da proposta didática na ótica do professor como mediador e numa prática constante de reflexão, como sugere Schön (1992) num triplo movimento com: o conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação. O pensar e o agir de forma diferenciada, buscando construir e reorientar tanto a nossa proposta didática de Alfabetização Matemática quanto o processo de formação dos “formadores estaduais” (nomenclatura dos profissionais envolvidos no Programa Pacto com os Municípios) tem refletido, para a secretaria estadual de educação da Bahia, uma política de inovação no currículo e na formação continuada em larga escala.

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Segunda Perspectiva A escolha por analisar a proposta didática alfabetização matemática (SANTANA et al, 2013a, 2013b) sob a luz da Teoria dos Campos Conceituais devese ao fato que a mesma fornece elementos para a análise das dificuldades das crianças constituindo-se em uma poderosa ferramenta para a construção de situações-problema. Quando as crianças adentram no ciclo de alfabetização, trazem um conhecimento matemático informal, e é na escola que esse conhecimento será organizado de modo a propiciar a construção e desenvolvimento de novos conhecimentos matemáticos. Dessa forma, espera-se que as crianças experienciem situações-problema que promovam o desenvolvimento de informações e estratégias inerentes ao campo conceitual multiplicativo. Para tanto, buscamos continuamente a interface do conhecimento informal das crianças com a formalização de conceitos matemáticos; e neste caso, elencamos na 1ª Semana da 3ª Etapa no 2º dia, sugestões para que os(as) professores(as) utilizem a “Máquina Transformadora” como recurso didático para exploração das quatro operações, como pode ser visualizado na Figura 2:

Figura 2: Extrato da Proposta Didática Alfabetização Matemática. Fonte: (SANTANA et al., 2013b, p. 109)

O conhecimento informal aliado à proposta de solução e formulação de problemas por parte das crianças, presentes no material de Alfabetização Matemática, coadunam com o objetivo e direitos de aprendizagem relacionados ao campo conceitual multiplicativo, qual seja: “Elaborar, interpretar e resolver situaçõesproblema do campo multiplicativo (multiplicação e divisão), utilizando e comunicando suas estratégias pessoais por meio de diferentes linguagens e explorando os diferentes significados” (BRASIL, 2012, p.75). A nosso ver, para que as crianças possam se apropriar do conhecimento matemático é necessário que elas possam utilizar seus próprios procedimentos e 3387 4º SIPEMAT

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estratégias na resolução das situações propostas ou formulação de novas situações: ênfase didática muito presente no material da proposta didática Alfabetização Matemática. Quando a criança comunica suas ideias, mesmo que em linguagem informal, o que é comum nessa etapa escolar, há o aprimoramento de sua capacidade de resolver problemas ampliando seus conhecimentos matemáticos. Terceira Perspectiva O material didático para a alfabetização matemática está sendo, também, analisado com a vertente teórica bernsteiniana, especialmente como são produzidos os textos do discurso matemático escolar no processo de alfabetização em práticas pedagógicas entre diferentes professores e seus respectivos grupos de alunos do 1º ano do Ensino Fundamental com uso de um material didático Santana et al (2013a, 2013b). Entendemos prática pedagógica como um dispositivo singularmente humano, tanto para a reprodução quanto para a produção cultural, com um conjunto de princípios que a regulam, denominado de discurso pedagógico (BERNSTEIN, 2003). De acordo com Bernstein (2003), os princípios que regulam a prática pedagógica, são analisados em termos de comunicação, ou seja, por meio do que é legítimo ser dito ou como o texto pode ser dito em determinado contexto. Analisamos aqui o que é legítimo falar e como falar em uma sala de aula o texto da alfabetização matemática. Para Bernstein (2000), a produção de textos dos professores e alunos na sala de aula envolve a seleção (critérios de escolha dos temas a serem abordados); sequenciamento (formas de organização dos conteúdos), e ritmo (diferentes formas de compassamento da prática pedagógica) dos conteúdos escolares, os quais constituem o discurso instrucional. Segundo o autor, a produção de texto depende, ainda, das relações entre professores e alunos, ou seja, da maneira como acontece essa transmissão ou comunicação no que se refere à ordem social, às formas que adaptam as relações hierárquicas na relação pedagógica e às previsões relativas à conduta que constitui o discurso regulativo. Estes dois discursos, o instrucional e o regulativo, constituem o discurso pedagógico. Focaremos as relações sociais (discurso regulativo) que constituem a prática pedagógica. Nesta direção apresentaremos a seguir um recorte da análise desses textos, com a discussão de uma atividade proposta no material. A atividade proposta tem como objetivo

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de identificar a disposição espacial de pessoas e objetos em desenhos de obras de arte, centra-se em relações espaciais. No primeiro momento da atividade são apresentadas três obras de arte inspiradas em telas produzidas pelo artista plástico Ivan Cruz, como a apresentada na figura 1, para que os alunos possam descrever os cenários, contextualizar as situações das brincadeiras contidas nas obras e estabelecer relações espaciais. O material didático sugere que os alunos sejam organizados em trios para a proposição da brincadeira, que é um ditado dos desenhos das obras. Este momento, ao ser proposto por uma professora da rede municipal de uma escola no interior da Bahia, propiciou a produção dos textos a seguir:

Figura 4: Releitura Bola de Gude de Ivan Cruz. Fonte: (SANTANA et al, 2013a) VA: – Faz uma menina com a gude na mão. Coloca ela embaixo do lado de cá. VA: – Agora, faz um neném do outro lado. Ele é pequeno e tem um bico na mão. FA: – Aí agora, você vai fazer uma roda cheia de gude. KA: – Cheia, como assim? VA: – ‘Peraí’. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito... com 9 gudes. VA: – Faz agora, em cima do desenho, 4 casas. FA: – Olha, tem que ser quatro casas. KE: – Mas, não deu, eu vou fazer embaixo. VA: – Mas não pode, é do lado uma da outra. KE: – E agora? Profª: – Para fazer no espaço que você tem, o que vai ser preciso? KE: – Diminuir.

No excerto apresentado acima, com abreviações para indicar os diferentes alunos, preservando a identidade de cada um deles, é possível observar que o texto legítimo do discurso da alfabetização matemática, nesta situação, no que se refere às relações espaciais, é produzido pelo aluno ao ditar a obra de arte para que o colega realize o desenho e, também, pela criança que está desenhando ao reconhecer e realizar o texto produzido e identificar problemas para atender aos comandos do colega em decorrência de ações anteriores. Na prática realizada as crianças tiveram a oportunidade de interagir entre si e de vivenciar experiências diferentes para a produção do desenho com uma 3389 4º SIPEMAT

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disposição espacial específica, o que permitiu a aproximação do texto de geometria, referente ao discurso legitimado para o processo da alfabetização matemática em documentos oficiais e materiais didáticos como o investigado na presente pesquisa.

PARA FINALIZAR Neste artigo foi apresentada uma discussão sobre o processo de alfabetização matemática em três vertentes teóricas distintas com ênfase na produção e uso de um material didático para os anos iniciais (1º e 2º) do ensino fundamental do estado da Bahia. Essas vertentes permitiram uma análise do processo de produção do material didático e sobre a repercussão do material para os alunos, a partir da análise de textos produzidos em salas de aula, em práticas pedagógicas desenvolvidas com o material. Com isso, ainda que as teorias que fundamentam as três pesquisas não abram uma interlocução direta entre as três pesquisas, os resultados permitem uma relação com o propósito do material que é favorecer a alfabetização matemática dos alunos, o que nos sugere que o material investigado envolve uma proposta didática articulada

ao

ciclo

de

alfabetização

matemática

com

lentes

e

diálogos

entrecruzados. Com esta proposta didática de Alfabetização Matemática temos buscado inserir a criança na cultura Matemática, considerando que a construção do conhecimento matemático passa pela transitoriedade de saberes, de verdades inacabadas e de contínua pesquisa. A proposta busca ultrapassar saberes infantis que envolvam apenas o cálculo, a contagem, a escrita algorítmica, entre outros conteúdos formais e clássicos da Matemática. Além disso, os projetos de pesquisa que aqui se entrecruzam buscam potencializar a capacidade de conhecer e produzir informações matemáticas com criticidade, desde a infância, sejam elas contidas no ambiente escolar, no seu entorno, sobretudo, nos veículos de informação de massa, como o jornal, as revistas, os canais televisivos, as rádios e as múltiplas linguagens do mundo virtual.

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