Propostas e Desafios da Curadoria de um Cineclube nos Dias Atuais

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Propostas e Desafios da Curadoria de um Cineclube nos Dias Atuais Rodrigo Bouillet Organizador do Cineclube Tela Brasilis [email protected] Texto do folheto da sessão do Cineclube Tela Brasilis realizada na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 16 de fevereiro de 2006 em homenagem aos dez anos de falecimento de Cosme Alves Netto. A exibição de Deus e do Diabo na Terra do Sol (dir. Glauber Rocha, 1964) foi antecedida pelo curta Amazonas, Amazonas (dir. Glauber Rocha, 1966) e seguida de debate com o conservador-chefe da Cinemateca do MAM Hernani Heffner. A proposta de exibição deste conjunto de filmes não se esgota ao disponibilizar títulos da predileção de Cosme, curador, defensor e verdadeiro símbolo da Cinemateca do MAM durante quase 30 anos, local que ele tornou uma referência cultural obrigatória no Rio de Janeiro. Esta homenagem nos incentiva a fazer uma breve pausa e colocar em discussão o próprio Cineclube Tela Brasilis. Não se trata de fazer um inventário de nossas atividades, quantificar exibições; citar filmes, seus movimentos, procedências ou épocas; ou ainda enfileirar nomes de debatedores presentes – dados compilados no folder da sessão de aniversário de 2 anos, em agosto de 2005, quando foi exibido o filme Insônia –, mas sim de apurar quais perspectivas de ação se apresentam hoje em dia a um curador cineclubista, ou seja, um “programador alternativo”, fora do circuito das salas comerciais comprometidas com lançamentos. Exponho aqui minha visão sobre o Cineclube Tela Brasilis. Podemos começar por distingui-lo pela natureza de seus fundadores e atuais organizadores, todos estudantes de Cinema da Universidade Federal Fluminense, da graduação ou da pós. Este ponto parece ser de crucial importância para a fisionomia do cineclube. Assim como outros cineclubistas, os organizadores do Tela Brasilis também são realizadores, no entanto sempre ligados ao interesse acadêmico, voltados para a pesquisa na área de cinema. Este grupo ingressou na faculdade entre 1998 e 2001, época de interesse revigorado pelo cinema brasileiro diante do crescimento da produção nacional. Nas salas de aula, exibiam-se os cânones da cinematografia nacional – ao menos aqueles que estavam disponíveis em VHS ou DVD. Nos livros que tecem a história do cinema brasileiro tomávamos conhecimento da existência de filmes de atribuída importância fundamental, mas que não haviam como ser assistidos. Mesmo fazendo parte deste meio supostamente privilegiado no acesso a informações e aos próprios filmes que constituem a cinematografia nacional, impressionou-nos a dificuldade em entrar em contato com essa (nossa) história. O que pensar então de toda uma geração (talvez possamos

falar em gerações) de público pouco ou nada próxima a esse universo? Então, partindo de um intuito de tentar assistir estas obras, disponibilizá-las também aos nossos pares, transpor o muro que parece apartar a academia do cotidiano da população e promover um trabalho de recirculação de um patrimônio cultural nacional, resolvemos criar um cineclube dedicado exclusivamente à exibição de longas, médias e curtas brasileiros. Porém, que filmes exibir? De que forma abordá-los? Começando pela segunda questão, concordamos em encarar os filmes através de um outro olhar sobre historiografia clássica, problematizando as grandes obras e reavaliando outras nem tão privilegiadas. De forma geral, procuramos evitar a exibição de filmes da “tradição cinematográfica brasileira moderna” (Ismail Xavier), o Cinema Novo e o Cinema Marginal. Não se trata de ignorar essas produções ou seus realizadores, pois estaríamos perdendo a oportunidade, como já dito, de problematizá-las nas mais variadas frentes: social, política, estética, cultural e econômica. Tratase, sobretudo, de uma política de colocar a disposição títulos pouco assistidos ou conhecidos – uma vez que a recorrente falta de investimentos em preservação acelera o desaparecimento destes sem que as gerações seguintes tenham a chance de apreciá-los. Por conseguinte, pretende-se re-oxigenar os estudos sobre o Cinema Brasileiro já que a maior parte de seus estudos incide “excessivamente sobre determinados momentos, movimentos, cineastas, filmes, que a consagração preservou” (Roberto Moura). Por último, e particularmente, julgo que todo filme, independentemente de quaisquer condicionantes, é alvo de interesse por ser um fato de cultura strictu senso e por possuir um autor. No entanto, não se trata de uma autoria baseada em recorrências ou em ditos engajamentos políticos ou estéticos, mas na crença de que por mais que se variem os temas dos filmes, se diversifiquem as abordagens, se (re)inventem projetos estéticos, se proponham novas linguagens, ou que a tecnologia ofereça cada vez mais formas de registro, manipulação e exibição do material, nunca se escapa ao fato de que sempre haverá um sujeito detrás da câmara a retratar seu tempo de forma individual, única e intransferível. Sendo assim, podemos responder a primeira questão: todo e qualquer filme brasileiro é alvo de interesse, para além de ditas importâncias culturais e históricas, se entendidas como construções discursivas de estudos historiográficos, bem como da mídia, do público e da própria classe cinematográfica. Infelizmente, na prática, dispor de todos estes títulos não é possível para qualquer cineclube. Primeiro, nem todos possuem uma gama variada de formas de exibição – projetores nas bitolas 35, 16 e 8mm, e/ou projetores digitais conjugados a players de DVD, BetaCam ou VHS. Segundo, quem lidar com os títulos disponíveis nos acervos verá que a realidade destes locais revela o total descaso do poder público (e, por muitas, vezes de seus

próprios realizadores): grande parte das matrizes e cópias encontram-se ameaçadas quando não estão em adiantado estado de deterioração. Muitos títulos estão disponíveis apenas em cópias de preservação (não sendo permitida sua exibição), e nunca foi implementada de forma sistemática a transposição dos filmes para cópias em DVD, BetaCam ou VHS, para que, de alguma forma, pudessem circular. * A exibição de um filme considerado um dos clássicos indiscutíveis do cinema brasileiro, talvez a obra-prima daquele que é julgado o maior cineasta nacional, pode parecer pouco inovador. Entretanto, a geração mais nova – ao qual pertencemos e com que nos identificamos – ouve muito da história do Cinema Brasileiro, mas efetivamente vê poucos filmes dessa mesma história. Quando assiste a um filme como Deus e o Diabo... o que ela enxerga? Um filme antigo, preto e branco, pobre, realizado há mais de 40 anos atrás, que não lhe diz mais nada? Um “clássico” do qual não se pode ter nenhuma outra postura do que a reverência absoluta retirada dos livros? Ou ainda, um interesse fetichista que leva a uma opinião sem reflexão acerca da genialidade de seu diretor, no mesmo apetite consumista que estampa o rosto de Che Guevara em qualquer camisa vendida nos shoppings? Pensando no significado da cópia restaurada digitalmente de Terra em Transe sendo exibida no Unibanco Arteplex ou do DVD de Deus e o Diabo... sendo vendido em lojas de departamentos é que interessa exibir hoje o longa-metragem que consagrou Glauber Rocha, numa cópia 35mm, num cineclube organizado e freqüentado por jovens e, principalmente, com um debate após a sessão.

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