Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária

May 29, 2017 | Autor: F. Alves | Categoria: Publicidade, Publicidade E Propaganda, CONSUMIDOR, Dirieto Do Consumidor
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PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO

CONSUMIDOR NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE NO SETOR PETRÓLEO, GÁS E BIOCOMBUSTÍVEIS

REGULAÇÃO PUBLICITÁRIA

Fabrício Germano Alves

EIL

PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR NO ÂMBITO DA REGULAÇÃO PUBLICITÁRIA

PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR NO ÂMBITO DA REGULAÇÃO PUBLICITÁRIA

Fabrício Germano Alves

Natal - 2013

Copyright © 2013 by EIL - Espaço Internacional do Livro Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária Preparação do texto: Djason B. Della Cunha Diagramação: EIL Impressão e acabamento por: www.SERVGRAFICA.com.br (84) 3221-1065

1ª edição maio de 2013 ISBN : 978–85–62704–04-8

ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária / Fabrício Germano Alves – Natal, RN, 2013. 270p. ISBN: 978–85–62704–04-8 1. Direito do consumidor - Dissertação. 2. Publicidade – Defesa do consumidor - Livro 3. Publicidade - Controle judicial - Dissertação. 4. Autorregulamentação – Código braTodos direitos reservados ao IHCSA-EIL sileiro – III.osTítulo. RN/BS/CCSA

Espaço Internacional do Livro

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Rua Antonio Farache, 1800, Capim Macio. CEP: 59.082-110 – Natal – RN – Brasil. Tel.: (55) 84(3642-3639 / 9981-1028 Visite nosso site: www.ihcsa.com.br

Dedico este trabalho a todos que contribuem para a realização da Justiça mediante a aplicação do microssistema de proteção e defesa do consumidor, especialmente no âmbito da comunicação publicitária. De forma especial à minha família, que me propiciou todas as condições e o apoio necessário para que o presente trabalho fosse realizado.

ÍNDICE INTRODUÇÃO ........................................................................... 11 Capítulo 1 Panorama atual da proteção do consumidor em face da publicidade no sistema constitucional brasileiro ...................... 19 Capítulo 2 Abordagem conceitual da relação jurídica de consumo .......... 43 2.1. Conceituação de consumidor ................................................. 45 2.2. Conceituação de fornecedor ................................................... 56 2.3. Conceituação de produto e serviço......................................... 61 2.4. Relação de consumo e serviço público .................................. 65 Capítulo 3 Análise da comunicação publicitária sob o prisma do microssistema consumerista ....................................................... 73 3.1. Práticas comerciais ................................................................. 75 3.2. Conceituação de publicidade .................................................. 85 3.3. Publicidade e propaganda ...................................................... 89 3.4. Princípios da publicidade no Código de Defesa do Consumidor ................................................................................... 91

3.5. Publicidade institucional e publicidade promocional........... 102 3.6. Publicidade clandestina ........................................................ 103 3.6.1. Product placement ............................................................ 104 3.6.2. Mensagem subliminar ....................................................... 106 3.6.3. Teaser ................................................................................ 109 3.6.4. Dissimulada ....................................................................... 110 3.7. Publicidade testemunhal....................................................... 112 3.8. Publicidade comparativa ...................................................... 115 3.9. Espécies de publicidade expressamente proibidas no Código de Defesa do Consumidor ........................................................... 117 3.9.1. Publicidade enganosa ........................................................ 119 3.9.2. Publicidade abusiva ........................................................... 130 3.10. Contrapropaganda .............................................................. 139 3.11. Ônus da prova na publicidade ............................................ 142 Capítulo 4 Responsabilidade decorrente da comunicação publicitária .. 147 4.1. Controle judicial da publicidade .......................................... 152 4.2. Tutela jurisdicional coletiva no controle da publicidade ..... 155 4.2.1. Ação Civil Pública como instrumento de proteção nas relações de consumo ............................................................... 162 4.2.2. Publicidade como objeto de tutela da Ação Civil Pública 169 4.3. Aplicabilidade da Ação Popular no microssistema consumerista ................................................................................ 172

4.3.1. Apreciação de entendimento jurisprudencial proibitivo da utilização da Ação Popular na seara das relações de consumo ... 173 4.3.2. Ação Popular no Direito estrangeiro ................................. 177 4.3.3. Ação Popular no Direito brasileiro.................................... 181 4.3.4. Ação Popular como instrumento de controle da publicidade ..................................................................................................... 185 4.3.5. Ação Popular e Democracia Participativa ....................... 186 4.3.6. Proteção ambiental como interseção entre Ação Popular e publicidade abusiva ..................................................................... 190 4.4. Hipóteses de controle especial da publicidade ..................... 196 4.4.1. Publicidade de produtos fumígenos .................................. 200 4.4.2. Publicidade de bebidas alcoólicas ..................................... 210 4.4.3. Publicidade de defensivos agrícolas .................................. 217 4.4.4. Publicidade de medicamentos e terapias ........................... 221 Capítulo 5 O papel do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e do CONAR no autocontrole da publicidade ... 227 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................... 247 REFERÊNCIAS ........................................................................ 267

INTRODUÇÃO

os dias atuais, a comunicação publicitária desempenha uma função determinante na conformação do mercado de consumo, devido principalmente ao seu poder de influência, que é capaz de direcionar a conduta do consumidor no sentido pretendido pelo fornecedoranunciante. Entretanto, em consonância com a proteção do consumidor constitucionalmente estabelecida, o desenvolvimento da atividade publicitária é regulado pelo microssistema consumerista, tanto mediante o ordenamento jurídico de origem estatal, quanto por meio do conjunto de normas éticas instituídas pelos próprios publicitários.

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O presente trabalho tem como objetivo geral contribuir para o estudo da conformação da proteção constitucional do consumidor na seara da regulação publicitária com base na normatização instituída pelo microssistema consumerista. Especificamente, buscaremos descrever os principais aspectos que permeiam a proteção do consumidor em face da publicidade no sistema constitucional brasileiro; apresentar uma conceituação da relação jurídica de consumo, no escopo de permitir a sua identificação para fins de determinação da aplicabilidade do microssistema consumerista; e tratar especificamente do instituto da publicidade, analisando as suas principais facetas, formas de controle, bem como a atuação do 11

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Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) na aplicação do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos. As razões que justificam abordar o tema deste trabalho são: primeiramente a sua relevância, em razão da enorme influência quea comunicação publicitária exerce no mercado de consumo. Além disso, justifica-se o presente estudo em virtude da escassez literária de escritos específicos a respeito do tema proposto que possam servir de fonte de informação aos que exercem atividades relacionadas à seara consumerista. No Capítulo um, explicitaremos os principais marcos da proteção e defesa do consumidor em âmbito internacional ocidental assim como no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que tange a seara da comunicação publicitária. Veremos como se deu o início da preocupação com as questões consumeristas na América do Norte, o surgimento do movimento global de proteção do consumidor, a edição de diretivas e resoluções referentes à matéria no continente europeu, os acordos e instituições de proteção e defesa do consumidor na América do Sul, e o início e o desenvolvimento da proteção consumerista no Brasil, que se operacionalizou mediante a criação de órgãos governamentais e associações civis militantes, a consagração constitucional em 1988 e a edição de legislações e decretos específicos e relacionados à proteção e defesa do consumidor. No Capítulo dois, mediante a análise de todos os elementos que compõem a relação jurídica de consumo (subjetivos, objetivos e causal), buscaremos estabelecer uma conceituação desta a fim de que possa servir de critério para a delimitação do âmbito de aplicação do microssistema consumerista. Inicialmente, trataremos do conceito de consumidor, em sua dimensão direta e equiparada, estabelecido pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Realizaremos uma abordagem especial em relação às teorias a res12

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peito do elemento causal ou finalístico da relação de consumo, que fazem parte da conceituação de consumidor, juntamente com uma breve análise da condição peculiar de vulnerabilidade a que este está sujeito no mercado de consumo. Posteriormente, passaremos à conceituação de fornecedor adotada pelo microssistema consumerista, norteando-se principalmente pela definição apresentada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Em seguida, também com base nos dispositivos do mencionado Código, trataremos dos conceitos de produto e serviço como objetos da relação jurídica de consumo, que também servirão como critérios para fins de delimitação da área de aplicação da normatização consumerista. Por último, fundamentando-se em posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, além de algumas disposições normativas, teceremos alguns comentários em relação à possibilidade de reconhecimento de uma relação jurídica de consumo na atividade de prestação de serviços públicos. No Capítulo três, desenvolveremos um estudo pormenorizado da comunicação publicitária sob o prisma do microssistema de proteção e defesa do consumidor. Iniciaremos apresentando uma sistematização acerca da organização dos seguintes institutos no microssistema consumerista: práticas comerciais, marketing, comunicação comercial, oferta e publicidade. Para tanto, começaremos estabelecendo uma conceituação de práticas comerciais diferenciando-as das práticas de produção. Em seguida, analisaremos sucintamente os conceitos de marketing e comunicação comercial. Logo após, trataremos do conceito de oferta, comentando o princípio da obrigatoriedade do cumprimento, suas classificações quanto à determinação de seus destinatários, os requisitos que devem ser preenchidos na sua consubstanciação, a garantia instituída aos consumidores contra fabricantes e importadores, a regulamentação específica dirigida à modalidade de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, a forma de responsabilização do fornecedor do produto ou serviço pelos atos praticados por seus prepostos ou re13

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presentantes autônomos, bem como as alternativas apresentadas ao consumidor em caso de descumprimento da oferta por parte do fornecedor que a tenha veiculado ou dela se utilizado. E por último, explicitaremos a localização sistemática da publicidade no microssistema consumerista. Posteriormente, passaremos a discorrer especificamente acerca do instituto da publicidade em consonância com a normatização consumerista que instituiu a sua regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro. Analisaremos o conceito de publicidade, explicitando os personagens que fazem parte da concretização da comunicação publicitária e comentando como se desenvolve o seu processo de criação; a dicotomia existente entre os institutos publicidade e propaganda; os princípios da publicidade consagrados pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor; a diferença entre publicidade institucional e publicidade promocional; o conceito e as principais espécies de publicidade clandestina (product placement, mensagem subliminar, teaser, e publicidade dissimulada); a publicidade testemunhal; a publicidade comparativa; a publicidade enganosa e a publicidade abusiva, comentando técnicas como a demonstração simulada (mock up), o exagero publicitário (puffing) e a oferta chamariz; a contrapropaganda ou contrapublicidade; o ônus da prova na seara da publicidade; e o regime de responsabilidade decorrente da comunicação publicitária. No Capítulo quatro, passaremos a tratar das formas de controle da publicidade. Primeiramente veremos a diferença entre os três sistemas de controle da atividade publicitária: o sistema exclusivamente estatal, o sistema exclusivamente privado e o sistema misto, e procuraremos identificar qual desses sistemas é adotado no ordenamento jurídico brasileiro. Logo após, faremos uma abordagem a respeito da configuração da tutela jurisdicional coletiva no controle da comunicação publicitária, perscrutando seus fundamentos constitucionais e infraconstitucionais, o seu momento de incidência e principalmente a diferenciação existente entre os direitos 14

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ou interesses coletivos lato sensu, onde estão compreendidos os direitos ou interesses coletivos stricto sensu, difusos e individuais homogêneos. Seguidamente, estudaremos a origem e a conformação atual da Ação Civil Pública no ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985 juntamente com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, observando suas hipóteses de cabimento, as possibilidades de efetivação de sua tutela, a competência para o seu ajuizamento, bem como a sua legitimação ativa e passiva, enfatizando a atuação do Ministério Público. Em um momento posterior, examinaremos a publicidade especificamente como objeto de tutela da Ação Civil Pública, onde discorreremos acerca da possibilidade de incidência desta, como instrumento de controle da comunicação publicitária em razão da caracterização de uma relação jurídica de consumo, trataremos das formas de efetivação da prestação jurisdicional nos referidos casos, assim como da natureza preventiva e repressiva que envolve o controle da publicidade mediante a Ação Civil Pública. Ainda sob o prisma do controle da publicidade, analisaremos a possibilidade de utilização da Ação Popular no microssistema consumerista. Tomaremos como ponto de partida a apreciação de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que rechaçou explicitamente o cabimento da Ação Popular como meio processual idôneo para atuar na seara das relações de consumo. Logo depois, examinaremos a conformação do instituto da Ação Popular em alguns países pontuais representando o Direito estrangeiro ocidental, e realizaremos uma abordagem mais aprofundada a respeito das suas hipóteses de cabimento, natureza jurídica e legitimidade ativa e passiva, em conformidade com o artigo 5 o, inciso LXXIII da Constituição Federal, juntamente com a Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965 e o microssistema jurídico instituído pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990). Em seguida, desenvolveremos o estudo da Ação Popular 15

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especificamente como instrumento de controle da comunicação publicitária, perscrutando o liame existente entre aquela e a doutrina da democracia participativa, assim como a sua relação com a publicidade abusiva traçada pela proteção ambiental. Por último, analisaremos as formas de controle especial a que estão sujeitas as publicidades de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, defensivos agrícolas, medicamentos e terapias, instituídas pela Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996 (Lei Murad), juntamente com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e alguns de seus anexos, fundamentando-se na disposição contida no artigo 220, §4o da Constituição Federal c/c o artigo 220, §3o, inciso II da mesma. No Capítulo cinco, nos deteremos ao estudo do sistema de autorregulação da comunicação publicitária, analisando principalmente a configuração do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) e seus anexos no microssistema consumerista, bem como o papel desempenhado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) no controle da publicidade. Inicialmente, veremos a natureza e a finalidade das normas que compõem o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) e seus anexos, o que nos permitirá obter uma visão mais clara da conformação dessa normatização no microssistema de proteção e defesa do consumidor. Logo após, passaremos ao estudo do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), explicitando a sua posição como instituição no microssistema consumerista e a finalidade de sua criação, assim como apresentando todos os órgãos que fazem parte da sua composição, especificando a função de cada um. Veremos também como se desenvolve a atuação do CONAR no controle da comunicação publicitária, observando principalmente as formas de iniciação dessa atuação, o momento adequado para tanto, bem como o fundamento, a natureza e o que pode resultar de suas deliberações,

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tanto no que diz respeito aos seus associados quanto no que se refere a todos os participantes da atividade publicitária em geral. No entanto, tomaremos como foco do capítulo em questão a seara referente às sanções aplicadas pelo CONAR, tanto as instituídas pelo artigo 15 de seu Estatuto Social, assim como as previstas no artigo 50, caput do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Nesse contexto, analisaremos primeiramente as deficiências e percalços que impedem a efetividade do sistema normativo de autorregulação da atividade publicitária materializado nas deliberações sancionatórias do CONAR, e por último, buscaremos apresentar soluções para que a atuação do referido órgão no microssistema consumerista brasileiro se torne cada vez mais eficaz.

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Capítulo 1 PANORAMA ATUAL DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR EM FACE DA PUBLICIDADE NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

ação humana é produto de um processo de tomada de decisões marcado pela influência de fatores tanto de ordem emocional quanto racional. Sempre que o ser humano se propõe a decidir algo há influência do fator emocional na inclinação escolhida, seja de forma direta, quando esse fator mostra-se como determinante da decisão, ou de forma indireta, nos casos em que as decisões são baseadas principalmente em critérios racionais, sendo afetadas apenas indiretamente pelo fator emocional. Tanto é assim que parece ser uma tendência natural a escolha do conjunto de informações que favorece a decisão que nos sentimos mais inclinados a tomar.

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De tal forma, devido a essa circunstância que demonstra o poder colossal do fator emocional no processo decisório humano, esta é uma área bastante explorada pelos fornecedores no desenvolvimento da atividade publicitária, com a finalidade de controlar a ação dos consumidores no sentido de influenciá-los a adquirir ou utilizar determinados produtos ou serviços, ou mesmo criar empatia em relação a certas marcas ou empresas. É fato que a mensagem publicitária desempenha um papel fundamental para a ativação da rede de neurônios que desencadeia o processo decisório, em outras palavras, a publicidade praticamen19

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te nos faz tomar decisões. Sendo assim, uma forma bastante utilizada atualmente pelos agentes publicitários para influenciar ocomportamento dos consumidores consiste no uso de técnicas específicas que propiciam a indução de padrões neurais através dos chamados neurônios-espelho (ou células-espelho), que são ativados quando realizamos uma ação assim como quando vemos outra pessoa a realizar. Segundo Lakoff1, uma parte da mesma estrutura neuronal do cérebro é utilizada quando vivemos uma narração e ao observamos o outro vivendo essa narração. Destarte, por meio da manipulação de técnicas de indução de padrões neurais, os agentes publicitários procuram desencadear nos consumidores processos de imitação e empatia, mediante mensagens publicitárias que exibem pessoas em situações bastante agradáveis proporcionadas pela aquisição ou utilização de certos produtos ou serviços. É justamente em razão dessa possibilidade de manipulação de padrões neurais para influenciar a conduta dos indivíduos que Castells afirma que o poder é construído nas redes neurais do nosso cérebro, gerado nos moinhos da mente 2. Por isso, um número considerável de práticas publicitárias é fulcrado principalmente na aplicação de técnicas que se aproveitam de determinadas vulnerabilidades mentais a que um incontável número de pessoas está sujeito para que possam impingir-lhes algum produto, serviço ou marca. Esse tipo de publicidade é operacionalizado mediante o desenvolvimento de peças publicitárias que contenham mensagens capazes de provocar naqueles que a ela forem expostos um estado

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George Lakoff, The political mind: why you can’t understand 21st-century politics with an 18th-century brain, p. 40. 2 “Power is constructed, as all reality, in the neural networks of our brain. Power is generated in the windmills of the mind.” Manuel Castells, Communication power, p. 145.

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emocional de empolgação onde estes são praticamente impelidos para o consumo. Na sociedade industrial contemporânea a publicidade exerce um papel determinante na manipulação de necessidades que seriam naturalmente próprias das sociedades substituindo-lhes por interesses adquiridos (impostos) que, conforme salienta Marcuse, opera mediante uma coordenação técnico-econômica não terrorista 3. Tão amplo é o poderio de influência das práticas publicitárias no mercado de consumo que o perfil da demanda chega a ser definido pelo próprio sistema corporativo4. Partindo desse pressuposto, podemos perceber o extraordinário poder de influência que detém a comunicação publicitária nas suas mais diversas formas, e entender por que se mostra tão necessário o desenvolvimento de um estudo mais apurado da regulamentação jurídica a respeito desse tema, assim como de sua autorregulação. Um grande marco para a história do Direito consumerista ocorreu em fevereiro de 1936, quando, a partir do discurso Protecting Consumers’ Rights (Protegendo os Direitos dos Consumidores) proferido por Colston Warne, professor de economia da Amherst College, e com influência do trabalho desenvolvido pelos engenheiros Arthur Kallet e Frederick Schlink 5, foi fundada na cidade de Nova Iorque a Consumers Union (CU), organização independente e sem fins lucrativos, que possuía o escopo de trabalhar por um mercado justo para todos os consumidores, além providenciar meios que possibilitassem a autodefesa do consumidor. A Consumers Union foi criada no tempo em que a publicidade começou a se alastrar pelos meios de comunicação social em massa, 3

“[…] a non-terroristic economic-technical coordination which operates through the manipulation of needs by vested interests.” Herbert Marcuse, One-dimensional man: studies in the ideology of advanced industrial society, p. 5. 4 Ladislau Dowbor, Democracia econômica: um passeio pelas teorias, p. 51. 5 100,000 Guinea Pigs: Dangers in Everyday Foods, Drugs, and Cosmetics.

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deixando os consumidores sem uma fonte confiável de informação a respeito da veracidade das mensagens publicitárias divulgadas e tampouco da qualidade dos produtos e/ou serviços anunciados 6. Porém, podemos afirmar seguramente que o movimento global de proteção do consumidor somente teve inicio com a conferência de Haia (Holanda) em março de 1960, onde 05, das 17 organizações presentes procederam a criação da International Organisation of Consumers Unions (IOCU)7. Em 1995 este movimento recebeu a denominação de Consumers International (CI), e atualmente conta com mais de 220 organizações em 115 países atuando mediante o desenvolvimento de campanhas com a finalidade de contribuir para a construção de um poderoso movimento internacional que visa ajudar, proteger e fortalecer os consumidores em todo o mundo. Ainda na década de 60, mais precisamente no dia 15 de março de 1962 o presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy emitiu uma mensagem especial ao Congresso dos Estados Unidos ressaltando a importância da proteção dos interesses do consumidor. Nesta, já havia uma observação atentando para o fato de que a vontade do consumidor é influenciada pela publicidade em massa através da utilização de artes de persuasão altamente desenvolvidas8. Na mesma mensagem emitida pelo presidente Kennedy havia

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“The organization was founded in 1936 when advertising first flooded the mass media. Consumers lacked a reliable source of information they could depend on to help them distinguish hype from fact and good products from bad ones”. About Consumers Union. Disponível em: . Acesso em: 23 ago. 2010. 7 Segundo o texto: History of the consumer movement. Baseado nos escritos de Julian Edwards, diretor geral da Consumers International de 1996 a 2005. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2011. 8 “Consumer choice is influenced by mass advertising utilizing highly developed arts of persuasion.” John T. Woolley and Gerhard Peters, The American

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um pequeno rol de direitos estabelecidos aos consumidores, a saber: o direito à segurança, o direito de ser informado, o direito a escolher e o direito a ser ouvido9. É justamente em sua homenagem que hodiernamente se comemora em 15 de março o dia mundial dos direitos do consumidor. No Brasil, esta mesma data foi instituída como dia nacional do consumidor pela Lei n o 10.504, de 08 de julho de 2002 (artigo 1o). Nessa mesma lei há inclusive uma determinação no sentido de que os órgãos federais, estaduais e municipais de defesa do consumidor deverão promover “festividades, debates, palestras e outros eventos”, no intuito de difundir os direitos do consumidor (artigo 2o). No continente europeu, no mesmo sentido de fomentar a proteção do consumidor, porém voltada para a prática publicitária enganosa de maneira específica, foi editada em Bruxelas, pelo Conselho das Comunidades Europeias, a Diretiva 84/450/CEE de 10 de setembro de 198410, buscando dar maior efetividade à proteção do consumidor contra a publicidade enganosa e suas consequências desleais. Esta diretiva foi criada com a finalidade de tenPresidency Project [online]. Santa Barbara, CA. Disponível em: Acesso em: 23 ago. 2010. 9 “(1) The right to safety--to be protected against the marketing of goods which are hazardous to health or life. (2) The right to be informed--to be protected against fraudulent, deceitful, or grossly misleading information, advertising, labeling, or other practices, and to be given the facts he needs to make an informed choice. (3) The right to choose--to be assured, wherever possible, access to a variety of products and services at competitive prices; and in those industries in which competition is not workable and Government regulation is substituted, an assurance of satisfactory quality and service at fair prices. (4) The right to be heard--to be assured that consumer interests will receive full and sympathetic consideration in the formulation of Government policy, and fair and expeditious treatment in its administrative tribunals”. Ibid. 10 Directiva 84/450/CEE. Disponível em: Acesso em: 23 ago. 2010.

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tar aproximar a legislação, a regulamentação e as disposições administrativas dos Estados-membros da Comunidade Europeia nos assuntos referentes à seara da proteção do consumidor contra mensagens publicitárias enganosas. Ainda, seguindo a mesma diretriz de proteção consumerista, em 16 de abril de 1985, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) publicou a Resolução no 39/24811, que estabelecia um conjunto de objetivos, princípios gerais e parâmetros a serem perseguidos para a realização da proteção do consumidor, que deveriam ser disseminadas para os governos e demais interessados na implantação de uma política de defesa do consumidor. Já no continente sul-americano, em 3 de junho de 2004, foi instituído o Acordo Interinstitucional Mercosul, um acordo de entendimento entre os órgãos de defesa do consumidor dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) para a proteção e defesa do consumidor visitante (proveniente de outro Estado Parte, diferente de seu domicílio). Este acordo foi elaborado com a finalidade de avançar no processo de integração entre os Estados através do desenvolvimento de ações conjuntas em matéria de proteção do consumidor 12. Atualmente existe também o Foro Iberoamericano das Agências Governamentais de Proteção ao Consumidor, constituído por uma rede de órgãos governamentais de defesa do consumidor de vários países que se reúne uma vez por ano, sempre no país que recebe a presidência pro-tempore com duração 11

Resolution 39/348. General Assembly of United Nations. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2010. 12 Conforme se encontra insculpido em seu artigo 2o: “O presente acordo tem como objetivo facilitar a efetiva proteção dos consumidores da região quando se encontrarem transitoriamente em outro Estado Parte que não seu domicílio, com especial ênfase na defesa do consumidor turista, e incrementar a confiança mútua entre as autoridades competentes para a aplicação da legislação em matéria de Defesa do Consumidor”. Acordo Interinstitucional Mercosul. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2010.

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de um ano, e tem como principais objetivos o favorecimento à cooperação e a troca de experiências entre os países integrantes, a busca de maneiras mais efetivas para permitir o acesso à justiça aos consumidores e a ampliação de políticas de educação para o consumo13. A primeira reunião deste Foro aconteceu em 2002 na cidade de Santiago do Chile e teve como resultado a Declaração de Santiago, onde ficou consignada a importância do desenvolvimento da tutela do consumidor, principalmente no que tange ao direito a uma educação que possibilite um consumo informado e responsável, o direito à liberdade de escolha de bens e serviços e o direito a não discriminação arbitrária pelos fornecedores 14. A terceira reunião deste Foro, intitulada “III Fórum de Agências de Governo de Proteção do Consumidor”, foi realizada em 24 de junho de 2004 no Brasil, na cidade de São Paulo, dando origem à Carta de São Paulo, onde ficou estabelecido um conjunto de ações a serem desenvolvidas pelo Fórum para o aprofundamento da cooperação das agencias de governo15. 13

No Brasil, atualmente o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) disponibiliza uma série de materiais de natureza educativa aos consumidores, tais como: o próprio Código de Defesa do Consumidor, o programa “aviso saúde e segurança”, a cartilha do consumidor, o calendário do consumidor, o guia do consumidor estrangeiro e os cadernos do DPDC. 14 Outros comentários a respeito do Foro Ibero-americano podem ser lidos no site do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) no portal do Ministério da Justiça brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2010. 15 Esse conjunto de ações foi estabelecido no artigo 7o, nos seguintes termos: “A cooperação das agências de governo é essencial e deve ser aprofundada. Neste sentido se propõem as seguintes ações para serem desenvolvidas pelo Fórum: a) Instituição de uma comissão para aprofundarmos o diagnóstico dos serviços públicos essenciais na região, com estudos de reclamações e formulação de ações e proposições sobre os problemas identificados; b) Realização de um diagnóstico geopolítico sobre o estado e a situação dos sistemas de defesa do consumidor dos países da região; c) Intercâmbio de servidores das

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No tocante ao Direito consumerista brasileiro propriamente dito, embora possamos constatar a existência de algumas disposições anteriores que continham normas resguardando determinados direitos aos consumidores, a proteção e a defesa do consumidor de forma específica somente iniciaram-se a partir da criação do Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor (PROCON) pelo Governo do Estado de São Paulo no ano de 1976. Este foi o primeiro órgão público criado no Brasil com a finalidade precípua de defender os direitos e interesses do consumidor 16. agências de defesa do consumidor, com a finalidade de avançarmos na construção de uma efetiva integração; d) Formação, a partir de setembro de 2004, de um grupo de estudos sobre as práticas abusivas transnacionais; e) Incentivar e promover capacitações integradas das agências de governo de defesa do consumidor e as entidades civis; f) Realização de um seminário para avaliarmos os conceitos e a políticas de proteção dos consumidores na América Latina; g) Elaboração de um mapa das empresas e práticas que lesaram os consumidores, de forma integrada e freqüente.”. Carta de São Paulo, resolução dos Ministros da Defesa das Américas, São Paulo, 24/06/2004. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2010. 16 Atualmente, como o nome de Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, o Procon de São Paulo é uma instituição vinculada à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, tem autonomia técnica, administrativa e financeira, e desenvolve atividades tais como: “i. educação para o consumo; ii. recebimento e processamento de reclamações administrativas, individuais e coletivas, contra fornecedores de bens ou serviços; iii. orientação aos consumidores e fornecedores acerca de seus direitos e obrigações nas relações de consumo; iv. fiscalização do mercado consumidor para fazer cumprir as determinações da legislação de defesa do consumidor; v. acompanhamento e propositura de ações judiciais coletivas; vi. estudos e acompanhamento de legislação nacional e internacional, bem como de decisões judiciais referentes aos direitos do consumidor; vii. pesquisas qualitativas e quantitativas na área de defesa do consumidor; viii. suporte técnico para a implantação de Procons Municipais Conveniados; ix. intercâmbio técnico com entidades oficiais, organizações privadas, e outros órgãos envolvidos com a defesa do consumidor, inclusive internacionais; x. disponibilização de

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Quase dez anos após a criação do PROCON de São Paulo a partir de um projeto de lei do Executivo encaminhado ao Congresso Nacional em 1985, foi ampliada a esfera de proteção ao consumidor (possibilitando a tutela judicial coletiva) mediante a edição da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a Ação Civil Pública como uma ação de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Essa lei possibilitou uma forma de defesa peculiar e mais efetiva (mediante a Ação Civil Pública) dos direitos e interesses coletivos lato sensu, estando ai incluídos os pertinentes ao consumidor 17. Também, nessa mesma data da edição da Lei da Ação Civil Pública houve a criação, em âmbito federal, do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC) mediante a publicação do Decreto no 91.469. Esse Conselho foi formado com a finalidade de assessorar o Presidente da República na formulação e condução da política nacional de defesa do consumidor. Em seguida, no ano de 1987, ocorreu a fundação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC). Este consiste em uma associação civil de consumidores, sem fins lucrativos, apartidária, uma Ouvidoria para o recebimento, encaminhamento de críticas, sugestões ou elogios feitos pelos cidadão quanto aos serviços prestados pela Fundação Procon, com o objetivo de melhoria continua desses serviços”. Disponível em: . Acesso em: 14 mar. 2011. 17 Podemos perceber que a idoneidade da ação civil pública como instrumento de proteção e defesa dos direitos do consumidor continua a ser corroborada pelo Superior Tribunal de Justiça. Inclusive aceitando a inversão do ônus da prova em favor do Ministério Público em ação de tal natureza. Afirma em seu voto o Ministro Luis Felipe Salomão: “Portanto, não há óbice a que seja invertido o ônus da prova em ação coletiva – providência que, em realidade, beneficia a coletividade consumidora -, ainda que se cuide de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público”. Superior Tribunal de Justiça. Resp. no 951.785/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Julgamento em 15/02/2011. DJe. 18/02/2011.

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e sem vínculos com empresas ou governos, que se propõe a promover a educação, a conscientização, a defesa dos direitos do consumidor e a ética nas relações de consumo. Para tanto, o IDEC procura atuar no sentido de promover a orientação e informação de seus associados, realizar testes comparativos e avaliações de produtos e serviços, mover ações coletivas judiciais contra empresas e governos, editar livros referentes à matéria consumerista e a revista do IDEC, além de manter e atualizar um portal on line (www.idec.org.br) com conteúdos relacionados à defesa do consumidor18.

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Uma descrição mais detalhada da atuação do IDEC pode ser encontrada no artigo 3o do seu Estatuto, segundo o qual: “Para cumprir seus objetivos, poderão ser desenvolvidas as seguintes atividades; a) informar e orientar o consumidor sobre produtos e serviços e sobre todos os demais aspectos envolvidos nas relações de consumo, incluindo legislação, regulamentação, fiscalização e ética; b) realizar testes comparativos entre produtos e serviços oferecidos ao consumidor brasileiro; c) planejar, produzir e editar materiais informativos destinados ao cumprimento dos objetivos do Instituto; d) atuar junto aos poderes públicos visando o aperfeiçoamento da legislação e das normas de fiscalização e demais procedimentos de defesa do consumidor, bem como o cumprimento das leis de defesa do consumidor e normas já promulgadas; e) atuar junto a instituições privadas visando o aperfeiçoamento das normas técnicas e dos procedimentos relativos ao fornecimento de produtos e serviços; f) atuar judicial ou extrajudicialmente em defesa do consumidor, associado ou não, nas relações de consumo e qualquer outra espécie de relação correlata, coletiva ou individualmente, também perante os poderes públicos, inclusive nos casos em que o consumidor seja prejudicado com a exigência de tributos; g) atuar judicial ou extrajudicialmente na defesa de quaisquer direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos; h) promover estudos, pesquisas e eventos relacionados com as relações de consumo, a qualidade de produtos e serviços, a defesa do consumidor e o consumo sustentável; i) promover o intercâmbio de conhecimentos técnicos e científicos e de capacitação profissional com os profissionais e entidades no Brasil e no exterior.”. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2010.

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Todavia, no Direito brasileiro somente ocorreu mudança mais significativa na órbita protetiva do consumidor com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que elevou a proteção e a defesa dos seus direitos e interesses ao patamar constitucional, tratando deste tema especificamente em diversos dispositivos 19. Ao disciplinar os direitos e garantias fundamentais, mais especificamente os direitos e deveres individuais e coletivos, a Constituição Federal trouxe no artigo 5 o, inciso XXXII a seguinte redação: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Esta disposição constitucional consagrou a defesa do consumidor não somente como um direito fundamental dentro do ordenamento jurídico brasileiro, mas também como uma finalidade a ser implementada pelo Estado20. Nesse sentido podemos afirmar que se trata de uma norma definidora de direito que ao mesmo tempo consiste em uma norma objetivo, ou seja, um dispositivo que institui ao Poder Público um desígnio a ser alcançado21. Analisando a redação do mencionado dispositivo podemos constatar que este diz respeito a um direito fundamental de natureza prestacional (status positivus), ou seja, que implica não somente em um dever estatal de observância (abstenção de comportamento lesivo), mas também em uma exigência de atuação por parte do Poder Público para promover a proteção, através de medidas de caráter preventivo (legislativas), contra possíveis violações desses direitos, inclusive por parte dos par19

O próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que: “a defesa do consumidor é binariamente contemplada pela Constituição, vez que faz parte da nominata dos direitos individuais e é princípio regente da ordem econômica”. Supremo Tribunal Federal. ADI no 1.980-5 Paraná. Rel. Min. Cezar Peluso. Julgamento em 16/04/2009. DJ. 07/08/2009. Em relação ao duplo caráter dos direitos fundamentais difusos: Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 60 – 63. 20 Constitui inclusive cláusula pétrea por força do artigo 60, §4 o, inciso IV da Constituição Federal. 21 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 258.

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ticulares (dever estatal de tutela) 22, e a implementação desse direito, no sentido de criar mecanismos (políticas públicas) que possam possibilitar a sua concretização/efetivação no meio social. Esses mecanismos são representados principalmente pelas chamadas “garantias institucionais” ou “garantias de organização”, ou seja, instituições que fomentam e sustentam o exercício dos direitos fundamentais. No caso específico da proteção do consumidor podemos citar como exemplos dessas garantias o Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor (PROCON), o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), e a Escola Nacional de Defesa do Consumidor (ENDC). Dessa forma, o Estado tem a função de interferir nas relações sociais promovendo a efetivação dos direitos fundamentais (no caso, a defesa do consumidor) através da consecução de políticas públicas que promovam uma melhoria de vida para os indivíduos, seja através do oferecimento individualizado de bens e/ou serviços aos que não podem adquiri-los, de serviços universais monopolizados (ações fáticas positivas), ou ainda através da criação de normas para tutelar os interesses garantidos por direitos fundamentais (ações normativas positivas)23. Assim sendo, o Estado não atua mais exclusivamente como mero produtor de direitos, mas possui a função de realizar a implementação de políticas públicas que venham a promover a sua efetivação, isto é, concretizá-los no seio social24. O principal fundamento dessa forma de atuação estatal é o 22

Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 114. 23 Ibid., p. 57 – 58. 24 A respeito dessa postura estatal de atuação positiva na sociedade, característica marcante do chamado Estado Social, ressaltou Eros Grau: “O Estado, então, já não “intervém” na ordem social exclusivamente como produtor do direito e provedor de segurança. Passa a desenvolver novas formas de atuação, para o quê faz uso do direito positivo como instrumento de sua imple-

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fato de que os direitos e garantias fundamentais são considerados princípios objetivos de eficácia dirigente e vinculante que se impõem ao Estado, aplicando-se às suas três funções precípuas (Executivo, Legislativo e Judiciário) a responsabilidade de prover os meios necessários à sua efetivação25. Essa imposição se evidencia ainda mais quando se trata de direitos coletivos lato sensu, por serem geralmente considerados direitos prestacionais, como é o caso da proteção do consumidor. O artigo 150 da Constituição Federal que trata das limitações do poder de tributar, em seu §5o trouxe a imposição de que: “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Podemos constatar que a imposição feita por este dispositivo tratase claramente da exigência de uma ação normativa positiva para a tutela do consumidor por parte do Estado, quando estabelece a obrigação da existência de uma legislação que venha a criar medidas esclarecedoras aos consumidores a respeito dos impostos incidentes sobre os produtos e serviços a serem consumidos. Ao tratar da ordem econômica e financeira em seu artigo 170, a Constituição federal apresenta um rol de princípios gerais norteadores da atividade econômica, trazendo entre eles, no inciso V, a defesa do consumidor. Como princípio, em consonância com o paradigma instituído pela doutrina neoconstitucionalista (pós-positivista), essa norma que institui a defesa do consumidor deve ser interpretada como sendo dotada de força normativa (influenciadora da realidade político-social), capaz de influenciar todo o ordenamento jurídico, além de funcionar como diretriz hermenêutica para a aplicação de todas as normas pertinentes a esse contexto. mentação de políticas públicas – atua não apenas como terceiro-árbitro, mas também como terceiro-ordenador”. Eros Roberto Grau, O direito posto e o direito pressuposto, p. 26. 25 Flávia Piovesan, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 59.

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Atualmente, o maior desafio que aparece perante as sociedades em todo o mundo, diante do processo de globalização econômica, é a compatibilização entre a economia global e a estabilidade política e social dos Estados nacionais. Nesse contexto, Rodrik questiona se a integração econômica internacional teria ido longe demais 26, e se a desintegração social seria o preço a ser pago por essa integração econômica internacional27, atentando para o fato de que o processo de integração econômica global pode gerar certas situações de pressão social que se não forem bem administradas podem resultar em consequências nefastas tanto para a economia como para a própria governabilidade. Talvez o processo de globalização da economia, marcado principalmente pelo aumento da interdependência entre os Estados, encontre-se em uma situação impossível de ser controlada, tanto em escala nacional, através do ordenamento jurídico de cada país, quanto em nível mundial, por meio de um regramento transnacional aceito por todos os Estados. Para essas questões vemos como bastante plausível, a proposta ofertada por Steinberg no sentido da necessidade de uma redefinição dos organismos de governo econômico global com a finalidade de avançar em um sistema de regras que sejam comumente aceitas e que permitam a exploração dos benefícios potenciais da integração mantendo sistemas de representação democráticos28.

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“So has international economic integration gone too far?”. Dani Rodrik, Has globalization gone too far?, p. 09. 27 “Social disintegration as the price of international economic integration?”. Ibid, p. 69. 28 “[…] sostenemos que es necesario redefinir los organismos de gobierno económico global para avanzar en un sistema de reglas comúnmente aceptadas que permitan explotar los enormes beneficios potenciales de la integración al tiempo que se mantengan sistemas de representación democráticos”. Frederico Steinberg, Cooperación y conflicto: comercio internacional en la era de la globalización, p. 52.

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Por fim, no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a Constituinte de 1988 emitiu uma determinação nos seguintes termos: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.” Em obediência a esta determinação foi que se criou no plano infraconstitucional a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor, estatuindo o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Por meio desta mesma lei também foi criado o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), como parte da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça. Atualmente o DPDC é um órgão vinculado à Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) do Ministério da Justiça, criada pelo Decreto no 7.738, de 28 de maio de 2012. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor consiste em uma lei principiológica que foi criada com o desiderato de proporcionar a harmonização das relações de consumo mediante a implantação de um microssistema isonômico que proporciona um tratamento desigual das partes envolvidas nesse tipo de relação (fornecedor e consumidor) uma vez que estas se apresentam manifestamente desiguais, ou seja, um microssistema jurídico voltado para a proteção e defesa do consumidor 29. Seguindo a orientação doutrinária do Dirigismo Contratual, sistema onde as relações jurídicas sofrem fortes intervenções do Estado através de normatizações cogentes, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor é

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Conforme já foi salientado no Superior Tribunal de Justiça a respeito da normatização consumerista: “As normas de proteção e defesa do consumidor têm índole de “ordem pública e interesse social”. São, portanto, indisponíveis e inafastáveis, pois resguardam valores básicos e fundamentais da ordem jurídica do Estado Social, daí a impossibilidade de o consumidor delas abrir mão ex ante e no atacado”. Texto extraído da ementa. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o. 586.316/MG. Rel. Min. Herman Benjamin. Julgamento em 17/04/2007. DJe. 19/03/2009.

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também uma norma cogente, de ordem pública e interesse social 30, portanto, inderrogável pela simples vontade dos interessados em qualquer relação de consumo. Em se tratando de relações de consumo, a vontade individual é sobreposta de maneira inderrogável pela vontade geral manifestada pelas normas de direito objetivo, qualificadas como normas de ordem pública 31. Após a criação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, no ano de 1992 houve a fundação do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON) pelos autores do anteprojeto de lei que originou a Lei no 8.078/90. Com sede na capital federal, o Instituto consiste em uma associação civil de âmbito nacional, multidisciplinar, apartidária e sem finalidade lucrativa, dotada de caráter técnico, científico e pedagógico32. Além do nascimento de diversas associações civis voltadas ao fomento da proteção e defesa do consumidor, houve também a publicação no plano infraconstitucional de um conjunto de leis relacionadas à matéria consumerista, tais como: a Lei no 8.137, de 30

Neste sentido é a redação de seu artigo 1o: “O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.”. 31 Vicente Ráo, O direito e a vida dos direitos, p. 236. 32 São objetivos principais do Instituto BRASILCON: promover o desenvolvimento da Política e do Direito do Consumidor, buscar a compatibilização da proteção do consumidor com o desenvolvimento econômico-social, sempre com vistas à realização de um mercado transparente e justo, realizar atividades de pesquisa, estudos, elaboração, coleta e difusão de dados sobre a proteção do consumidor, congregar especialistas, nacionais e estrangeiros, nas diversas disciplinas do conhecimento envolvidas diretamente com a proteção do consumidor e incentivar a cooperação internacional na área de proteção do consumidor, promovendo programas de intercâmbio entre entidades, profissionais e estudantes brasileiros e estrangeiros. Objetivos apresentados na página oficial do BRASILCON. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2010.

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27 de dezembro de 1990, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo; a Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, que transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em autarquia, e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica; a Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal; a Lei no 9.791, de 24 de março de 1999, que dispõe sobre a obrigatoriedade das concessionárias de serviços públicos estabelecerem ao consumidor e ao usuário datas opcionais para o vencimento de seus débitos; a Lei no 9.870, de 23 de novembro de 1999, que dispõe sobre o valor total das anuidades escolares; a Lei no 10.671, de 15 de maio 2003 que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor; e a Lei n o 10.962, de 11 de outubro de 2004, que dispõe sobre a oferta e as formas de afixação de preços de produtos e serviços para o consumidor. Da mesma forma, em complemento ao que foi disposto no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, foram publicados também diversos decretos, dentre os quais podemos destacar: o Decreto no 2.181, de 20 de março de 1997, que dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 e revoga o Decreto no 861, de 9 julho de 1993; o Decreto no 3.860, de 9 de julho de 2001, que dispõe sobre a organização do ensino superior, a avaliação de cursos e instituições; o Decreto no 4.680, de 24 de abril de 2003, que regulamenta o direito à informação, assegurado pela Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados; o Decreto no 5.440, de 4 de maio de 2005, que estabelece definições e procedimentos sobre o controle de qualidade da água de sistemas de abastecimento e institui meca35

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nismos e instrumentos para divulgação de informação ao consumidor sobre a qualidade da água para consumo humano; o Decreto no 5.903, de 20 de setembro de 2006, que regula a Lei no 10.962 de 11 de outubro de 2004 e a Lei no 8.078 de 11 de setembro de 1990 (trata sobre a precificação e é também chamado de Lei das Etiquetas); e o Decreto no 6.523, de 31 de julho de 2008, que regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para fixar normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor - SAC. No que tange à disciplina da atividade publicitária especificamente, o microssistema de proteção consumerista deve sempre atuar de forma a resguardar a liberdade de comunicação social garantida pelo artigo 220, caput da Constituição Federal33. Estão incluídos na área de proteção deste dispositivo a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, independentemente da forma, processo ou veículo utilizado para a sua concretização. Assim sendo, as normas reguladoras da publicidade existentes no microssistema consumerista não podem ir de encontro de maneira desproporcional a essa liberdade constitucionalmente consagrada, sob pena de serem eivadas de inconstitucionalidade. A Constituição Federal inclusive é expressa no §1 o do artigo supracitado quanto ao fato de que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5 o, IV, V, X, XIII e XIV” 34, assim como institui dire33

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” 34 Assim é o texto dos mencionados incisos do artigo 5 o da Constituição Federal: “IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

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tamente que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (artigo 220, §2o). Estes são considerados limites constitucionalmente traçados para proteger a liberdade de comunicação social contra qualquer tipo de atividade controladora desta, estando ai incluídas as formas de controle da publicidade instituídas pelo microssistema consumerista. Pode-se dizer que são limites dos limites (limites constitucionais contra a atividade limitadora da legislação infraconstitucional). Podemos constatar que a coletividade de consumidores é notadamente mais frágil e vulnerável do que o conjunto de fornecedores que atuam no outro polo das relações de consumo. E essa condição se acentua ainda mais na seara da comunicação publicitária. Sendo assim, os operadores do Direito devem fazer uso do microssistema de proteção consumerista (formado principalmente pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor juntamente com a legislação e os decretos esparsos que o complementam), com a ajuda das associações civis que atuam nesse setor e do próprio Poder Público, para restabelecer o equilíbrio necessário entre as partes integrantes dessa espécie de relação jurídica. A função do microssistema que regula as relações de consumo não é esgotar o tema ou discipliná-lo exaustivamente, até porque tal tarefa mostra-se praticamente impossível diante de um mercado onde a sociedade de consumo encontra-se em um nível de complexidade extremamente elevado, mas sim apontar diretrizes a serem seguidas por todos, sejam consumidores, fornecedores, associações civis, aplicadores do direito consumerista em geral ou próprio Estado. De tal forma, a atuação do microssistema consumerista, especialmente no tocante a publicidade, mostra-se como uma tarefa bastante árdua em vista do cenário em que se apresenta a moderniXIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

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dade atual, descrita por de Bauman35 mediante a utilização da expressão liquid time (tempo líquido), que pode ser explicada a partir das seguintes características: a transformação de uma fase “sólida” e estável da modernidade para uma fase “líquida” e flexível, onde as formas sociais não perduram tempo o bastante para solidificarem-se, não podendo assim servir de paradigma para as ações humanas; a separação entre o poder e a política, devido à incapacidade desta última de atuar efetivamente numa escala global; a debilitação dos sistemas públicos de seguridade, que não conseguem propiciar uma proteção adequada aos indivíduos; a diminuição do pensamento, planejamento e ações com perspectivas em longo prazo; e o aumento da responsabilidade individual aliado à valorização de uma maior flexibilidade e disponibilidade por parte dos indivíduos. Esta “liquidez” que aparece como uma característica marcante na sociedade hodierna reflete de maneira direta na atividade publicitária, que passa por um processo de constante alteração, causado principalmente em decorrência do desenvolvimento bastante acelerado dos meios de comunicação social, que a todo instante possibilita o surgimento de novas técnicas publicitárias. Deste modo, o Direito não pode ficar em descompasso com essa realidade, o que deixa nas mãos dos seus aplicadores a tarefa de proceder a sua constante atualização, sempre tomando como norte os princípios e diretrizes consagradas pelo microssistema de proteção e defesa do consumidor. Diante de um panorama social marcado por uma realidade caracterizada por uma reflexive modernization (modernização reflexiva)36, onde através de um processo de constantes novos tipos de modernização que aparecem desconstruindo ou alterando o cenário posto, a sociedade industrial pode chegar a se autodestruir pela 35

Zygmunt Bauman, Liquid times: living in an age of uncertainity, p. 1 – 4. “‘Reflexive modernization’ means the possibility of a creative (self-) destruction for an entire epoch: that of industrial society.” Ulrich Beck, Reflexive modernization: politics, tradition and aesthetics in the modern social order, p. 2. 36

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imposição de uma nova modernidade, percebemos que para ser efetiva a atuação dos aplicadores do direito e de todos que procuram de alguma forma fomentar o microssistema de proteção e defesa do consumidor, deve ocorrer de forma rápida e exímia. De tal forma deve ser, sobretudo, no que diz respeito às formas de controle das práticas publicitárias, que desenvolvem metodologias mais modernas descartando as anteriores em uma velocidade impressionante, o que desafia qualquer ordenamento jurídico a manter-se efetivo e atualizado. Apesar da consagração constitucional da defesa do consumidor como um direito fundamental, da edição de uma lei específica para a defesa de seus direitos e interesses (Lei no 8.078/90, que estatuiu o Código de Proteção e Defesa do Consumidor) e de diversos decretos referentes a essa matéria, e da criação de várias associações civis com o mesmo propósito, a situação atual do consumidor perante a publicidade em essência não se encontra diferente de como se podia observar há duas décadas, quando a mensagem publicitária já não se restringia a mera informação, mas passava a sugerir em um segundo momento e a captar posteriormente o consumidor, sempre revestida de novos recursos criativos com a finalidade de diminuir ou mesmo eliminar a capacidade crítica ou de censura dos consumidores, condicionando-os a se comportar de acordo com a mensagem veiculada 37. Desse modo, atualmente as peças publicitárias já não possuem natureza meramente informativa, mas são desenvolvidas com o objetivo principal de impelir efetivamente à prática do consumo. A diferença primordial é que devido ao desenvolvimento de novas tecnologias o universo de recursos disponíveis para a confecção de um anúncio publicitário aumentou consideravelmente. Aliado à criatividade dos publicitários esse fator fez com que a publicidade passasse a exercer um elevado grau de dominação em relação aos consumidores que a ela são expostos. 37

Hermano Duval, A publicidade e a lei, p. 152.

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O processo de desestatização que ocorreu no Brasil, juntamente com a consequente assunção do controle da prestação de serviços pelas agências reguladoras, introduziu um discurso regulatório próprio na ordem jurídica brasileira, marcado pela busca de uma imunização do interesse de lucro dos investidores nacionais e internacionais contra qualquer obstáculo que se lhe anteponha. Tratase de um discurso absolutamente nefasto para o consumidor, uma vez que a plena disponibilidade de seus interesses constitui requisito necessário para a sua convivência com a regulamentação imposta38. Para reverter tal situação, denominada razão de Estado econômica, marcada pela desvalorização do consumidor em detrimento das agências reguladoras, Farena nos propõe um programa de atuação que consiste basicamente na restauração da proteção consumerista como direito humano fundamental, na recuperação do interesse público na proteção dos consumidores e na reafirmação da indisponibilidade de seus direitos39. Para se chegar a uma compreensão mais precisa a respeito de como vem se mostrando a realidade jurídico-social frente aos objetivos constantes no mencionado programa, no sentido de fomentar a proteção do consumidor, é extremamente importante proceder a uma análise sobre a forma como vem se posicionando os Tribunais brasileiros a respeito dos diversos assuntos em matéria consumerista ao longo do tempo e nos dias atuais. Para tanto, podemos tomar como referencial inicial uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, onde este ressalta os efeitos da globalização econômica sobre a livre concorrência e defende a imprescindibilidade de uma maior relevância na interpretação da legislação protetiva do consumidor com vistas a propiciar o equilíbrio das relações jurídicas40. 38

Duciran Van Marsen Farena, A indisponibilidade do interesse do consumidor e o discurso regulatório. In: Ação civil pública: 20 anos da Lei n. 7.347/85, p. 392. 39 Ibid, p. 400 – 401. 40 “Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao con-

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Diante do paradigma atual em que se apresenta o universo das relações jurídicas de consumo, parece-nos bastante clara a necessidade de uma maior dedicação doutrinária, jurisprudencial ou mesmo legislativa sobre alguns temas específicos que ainda se encontram em uma espécie de zona cinzenta, isto é, não possuem uma abordagem elucidativa na legislação ou mesmo um posicionamento mais contundente por parte da doutrina e jurisprudência que possa elidir alguns questionamentos fundamentais. Entre esses temas que carecem de uma análise mais apurada podemos destacar: a desorganização teórica em relação aos conceitos de práticas comerciais, marketing, publicidade e comunicação comercial; a indefinição a respeito do sistema de responsabilização decorrente de comunicação publicitária; a possibilidade de utilização da Ação Popular como instrumento de controle da publicidade; e principalmente os limites e o âmbito de atuação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Para tanto inicialmente é necessário que partamos de uma abordagem conceitual da relação jurídica de consumo realizada a partir da análise específica de cada um de seus elementos.

sumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso País”. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o. 63.981/SP. Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior. Julgamento em 11/04/2000. DJ. 20/11/2000.

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Capítulo 2 ABORDAGEM CONCEITUAL DA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO conceituação da relação jurídica de consumo funciona como critério de delimitação da aplicabilidade de todo o conjunto de regras e princípios que compõem a normatização do microssistema de proteção e defesa do consumidor, visto que essas normas devem ser voltadas somente para a regulação das relações jurídicas que implicarem em relações de consumo41. Como não há em todo o microssistema consumerista uma definição expressa a respeito do que constitui uma relação de consumo, mostra-se necessária para compreensão de sua caracterização a análise conjunta de todos os elementos que a compõem (subjetivos, objetivos e causal). Desta forma, somente a partir do estudo desses elementos é que poderemos chegar a uma conceituação a respeito do que consiste a relação jurídica de consumo, para apenas então, partindo desta, obtermos uma visão mais clara em relação ao universo de aplicação da normatização consumerista.

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Acerca do processo de delimitação do alcance da norma jurídica de forma geral, podemos tomar como lição o ensinamento de Náder: “Fixar o sentido de uma norma jurídica é descobrir a sua finalidade, é pôr a descoberto os valores consagrados pelo legislador, aquilo que teve por mira proteger. Fixar o alcance é demarcar o campo de incidência da norma jurídica, é conhecer sobre que fatos sociais e em que circunstâncias a norma jurídica tem aplicação”. Paulo Náder, Introdução ao estudo do direito, p. 264.

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Os elementos subjetivos são os sujeitos que fazem parte da relação de consumo, ou seja, fornecedor (mediato ou imediato) e consumidor (stricto sensu ou equiparado). Os elementos objetivos são os objetos da relação de consumo, que podem ser produtos e/ou serviços disponibilizados pelo fornecedor no mercado de consumo. O elemento causal ou finalístico é concernente à teoria da finalidade, doutrina teleológica que analisa se o adquirente do produto ou serviço é ou não destinatário final deste, para só assim considerá-lo ou não como consumidor. Porém, este conceito não implica somente em “adquirir”, mas também em “utilizar” o produto ou serviço, mesmo que não os tenha adquirido, e sendo assim, ambos poderão ser considerados consumidores para fins de aplicação da normatização consumerista, tanto os que adquiram quanto os que apenas utilizem os produtos e/ou serviços como destinatários finais dos mesmos. Essa característica de destinação final que define o elemento causal da relação de consumo pode ser traduzida em um processo de destruição “técnica” de bens e serviços, onde o consumidor aparece como usuário final42. Para que possa ser inserida na esfera de atuação do microssistema instaurado pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor é preciso que a relação jurídica contenha simultaneamente todos os elementos caracterizadores da relação de consumo (subjetivos, objetivos e causal). Desta forma, para a assunção da natureza consumerista há que se identificar dentro da relação jurídica o fornecedor, o consumidor, bem como a qualidade de destinatário final deste, uma vez que a caracterização individual de apenas um dos sujeitos da relação, independentemente de se tratar de consumidor ou fornecedor, implica em configuração de contrato estranho à relação de consumo43, o que ocorre também caso não seja verificada a destinação final. Destarte, diante de uma determinada situação 42

Thierry Bourgoignie, O conceito jurídico de consumidor, In: Revista direito do consumidor, p. 16. 43 Fábio Ulhoa Coelho, O empresário e os direitos do consumidor, p. 126.

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jurídica concreta, se o aplicador do Direito não constatar a existência de todos os elementos que possibilitem a configuração de uma relação de consumo, necessariamente deverá deixar de aplicar a normatização consumerista à referida situação, limitando-se ao uso da normatização civil, comercial ou outra que lhe seja adequada 44.

2.1. CONCEITUAÇÃO DE CONSUMIDOR Há quem classifique o consumidor simplesmente como elemento essencialmente passivo da relação jurídica de consumo, do qual a racionalidade consiste apenas em responder ‘corretamente’ a cada estímulo que é submetido45. No entanto, considerando que, em última instância, o poder do sistema de mercado está com os consumidores por serem os que compram ou escolhem não comprar46, esse personagem adquire bastante relevância dentro do universo das relações jurídicas de consumo, o que faz com que o entendimento de seu conceito torne-se imprescindível para o estudo dogmático do Direito das relações de consumo. O artigo 5o, inciso XXXII da Constituição Federal institui a defesa do consumidor como um dos direitos fundamentais. Assim como todas as disposições normativas, este dispositivo constitucional também carece de interpretação, principalmente no tocante ao termo consumidor. Para que possamos entender com mais clareza a acepção desse termo no ordenamento jurídico brasileiro como um odo, tomaremos como diretriz o Código de Defesa do Consumidor, 44

Nesse sentido: Roberto Senise Lisboa, Relação de consumo e proteção jurídica do consumidor no direito brasileiro, p. 6. 45 Celso Furtado, Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise contemporânea, p. 60. 46 “In the market system the ultimate power, to repeat, is held to be with those who buy or choose not to buy; thus, with some qualifications, the ultimate power is that of the consumer”. John Kenneth Galbraith, The economics of innocent fraud: truth for our time, p. 12.

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que em conformidade com o enunciado constitucional supracitado, estabeleceu um grupo de definições formam a conceituação de quem pode ser considerado consumidor para os efeitos de aplicação do microssistema consumerista. O Código trouxe quatro definições que devem ser estudadas de forma associada para que se possa conseguir uma compreensão geral do conceito de consumidor, elemento subjetivo cerne da relação jurídica de consumo. Trata-se de uma definição de forma direta (stricto sensu) e mais três outras por equiparação (lato sensu), todas, sempre levando em consideração a caracterização do consumidor como destinatário final (em caráter prevalecente) e a sua vulnerabilidade (em caráter secundário) como fatores determinantes para a classificação de uma relação jurídica como relação de consumo. A primeira definição de consumidor trazida pelo Código diz respeito a uma definição stricto sensu, ou seja, de forma direta, e aparece no artigo 2o, caput da seguinte forma: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. A partir de uma simples interpretação literal dessa definição podemos perceber que o Código reconhece expressamente a possibilidade de serem consideradas consumidoras tanto pessoas físicas como pessoas jurídicas, tornando de pronto incabível qualquer espécie de discussão a respeito da possibilidade de pessoa jurídica ser considerada consumidora, uma vez que a própria lei já faz menção direta à pessoa jurídica em sua redação47. No mais, o princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo instituído pelo Artigo 4 o, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, que norteia toda a Política Nacional das Relações de Consumo não faz qualquer res47

“O que qualifica uma pessoa jurídica como consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços em benefício próprio; isto é, para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse de repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens ou serviços”. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o. 733.560/RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgamento em 11/04/2006. DJ. 02/05/2006.

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salva a respeito da impossibilidade desse reconhecimento em relação à pessoa jurídica, portanto ele não pode ser apenas para o consumidor pessoa física ou não profissional, quando o legislador não excepcionou a vulnerabilidade 48 ao consagrar o princípio. Sendo assim, quando destinatária final de produtos ou serviços, a pessoa jurídica também pode ser uma parte vulnerável na relação jurídica, merecendo por isso igualmente uma proteção especial por parte do microssistema consumerista. Um ponto extremamente relevante para se analisar a partir dessa definição trazida pelo Código no artigo 2 o, caput é o critério que deverá ser utilizado para a caracterização do consumidor como destinatário final (elemento causal ou finalístico da relação de consumo). Para a satisfação desta qualidade existe consenso em relação à impossibilidade de repasse ou revenda do objeto da relação. No entanto, considerando a forma de aferição de lucro e a situação de vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, surgiram a respeito dessa questão duas teorias principais: teoria finalista e teoria maximalista. De acordo com a doutrina da teoria finalista49, também chamada teoria econômica ou minimalista, deve ser realizada uma interpretação restritiva da definição de consumidor apresentada pelo Código. A corrente finalista prega que não devem ser considerados consumidores os que adquirem ou utilizam um determinado produto ou serviço em seu trabalho, como bem de produção, mesmo que não venham a auferir lucro diretamente a partir deste. Ainda, segundo a teoria finalista, deve-se presumir a invulnerabilidade dos que adquirem certo produto ou utilizam determinado serviço nas mencionadas condições. Com isso diminui-se consideravelmente o universo de pessoas que seriam consideradas consumido48

Paulo R. Roque Khouri, Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo, p. 48. 49 Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 306.

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ras, e exclui-se, de tal forma, todos os que adquirem ou utilizam produto ou serviço no desenvolvimento de atividade profissional por não se encontrarem em situação de vulnerabilidade no ato da realização do contrato. Essa teoria exige que seja constatada a destinação final fática e econômica para a configuração da relação de consumo. V.g., um advogado que compra um computador para seu escritório de advocacia. Nesse caso, o advogado não aufere lucro diretamente a partir do computador, mas como o computador é usado de forma indireta na atividade lucrativa desempenhada pelo advogado, e este, segundo a teoria finalista, não se encontra vulnerável nessa relação, ele não poderia ser considerado destinatário final do computador, consequentemente, nos termos do Código, não haveria relação de consumo neste caso. No entanto, para a teoria maximalista50, a definição contida no artigo 2o, caput do Código deve ser interpretada de forma extensiva, ou seja, ampliando o conceito de consumidor para abranger tanto os não profissionais como os profissionais que adquirem ou utilizam produto ou serviço no desempenho de sua atividade laboral, considerando-os como destinatários finais desde que não venham a auferir de lucro diretamente a partir desse produto ou serviço, inclusive tratando-se de bens de produção. A teoria maximalista fundamenta-se no princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (Artigo 4o, I, CDC), exigindo apenas a comprovação da destinação final fática para que possa se configurar a relação de consumo. V.g., considerando o 50

Rizzatto Nunes, Curso de direito do consumidor, p. 79; Fátima Nacy Andrigui, O Código de Defesa do Consumidor pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, In: 20 anos do código de defesa do consumidor: estudos em homenagem ao professor José Geraldo Brito Filomeno, p. 26. Antônio Carlos Efing, Fundamentos do direito das relações de consumo, p. 60. João Andrades Carvalho, Código de Defesa do Consumidor: comentários, doutrina, jurisprudência, p. 20 – 24. Arruda Alvim et al, Código do Consumidor comentado, p. 22 – 23.

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mesmo exemplo citado anteriormente sobre o caso de um advogado que compra um computador para ser usado em seu escritório de advocacia, de acordo com a teoria maximalista esse advogado deveria certamente ser considerado consumidor do computador, uma vez que é destinatário final do mesmo, por não auferir lucro de forma direta a partir dele, assim como pela sua situação de vulnerabilidade no ato de aquisição do computador. Dentre as duas teorias, a mais plausível nos parece ser a teoria maximalista. Primeiramente porque a expressão “destinatário final” contida no artigo 2o, caput do Código de Defesa do Consumidor foi empregada com a finalidade simples de se contrapor apenas à obtenção direta de lucro mediante a comercialização dos produtos ou serviços já adquiridos ou utilizados, ou seja, a revenda ou repasse. Segundamente porque o princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (artigo 4o, I, CDC), não traz qualquer restrição ou excepcionalidade em relação a nenhuma categoria de consumidores, incluídos os que fazem uso profissional dos produtos ou serviços. Deste modo, a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade imposta pela aplicação da teoria finalista implica uma restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência 51, constitui uma restrição ilógica que fere o princípio da isonomia constitucional, além de estar em desacordo com o microssistema do Código de Proteção e Defesa do Consumidor 52. Assim sendo, é incabível a realização de tal distinção excludente (relativa à vulnerabilidade) feita pela aplicação da teoria finalista quando isso não pode ser depreendido a partir da própria redação legal ou mesmo de uma interpretação sistemática de todo o microssistema consumerista. 51

Fátima Nacy Andrigui, O Código de Defesa do Consumidor pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, In: 20 anos do código de defesa do consumidor: estudos em homenagem ao professor José Geraldo Brito Filomeno, p. 26. 52 Luis Antônio Rizzatto Nunes, Curso de direito do consumidor, p. 79.

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A interpretação do artigo 4o, I do Código, que institui o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo como um dos princípios norteadores de toda a Política Nacional das Relações de Consumo deve ser feita de forma irrestrita e extensiva, de maneira que se pode presumir a condição de vulnerabilidade de todos os consumidores no mercado de consumo. Com isso, tem-se uma expansão do âmbito de caracterização das relações de consumo, o que possibilita um maior universo de aplicação da legislação consumerista, protegendo assim um número bem mais elevado de relações jurídicas que passam a possuir tal natureza, onde uma das partes apresenta-se presumidamente mais vulnerável. Todavia, o posicionamento majoritário na doutrina e adotado pelo Superior Tribunal de Justiça 53 é no sentido de se aplicar uma terceira vertente teórica, chamada teoria finalista atenuada ou mitigada54, segundo a qual o profissional ou empresa que adquire ou 53

“O ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor, mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a circulação dos bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios”. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o 586.316/MG. Rel. Min. Herman Benjamin. Julgamento em 17/04/2007. DJe. 19/03/2009. 54 No Superior Tribunal de Justiça percebemos a adoção a essa teoria nos posicionamentos apresentados nos seguintes acórdãos: Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o. 661.145/ES. Rel. Min. Jorge Scartezzini. Julgamento em 22/02/2005. DJ. 28/03/2005; Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o. 476.428/SC. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgamento em 19/04/2005. DJ. 19/05/2005; Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o. 1.080.719/MG. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgamento em 10/02/2009. DJe. 17/08/2009. Na seara doutrinária: Nishiyama, A proteção constitucional do consumidor, p. 64; Filomeno, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 36 – 41; Fabrício Bolzan, Serviço público e a incidência do código de defesa do consumidor, In: Leituras complementares de direito administrativo: Advocacia pública, p. 232; Maria Antonieta Zanardo

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utiliza um determinado produto ou serviço no curso de sua atividade pode ser considerado consumidor destinatário final, porém, somente mediante a comprovação de sua vulnerabilidade técnica, jurídica, econômica ou informacional no caso concreto. Assim, a vulnerabilidade do consumidor embora possa ser presumida (na forma do artigo 4o, I do Código) não se trataria de uma certeza (presunção juris et de jure), ou seja, seria uma presunção juris tantum, podendo ser afastada pelo próprio Poder Judiciário de ofício ou mediante apresentação de prova em contrário pela outra parte 55. Além da primeira definição de consumidor trazida pelo artigo 2o, caput (direta ou stricto sensu), o Código de Defesa do Consumidor trouxe outras três definições de consumidor por equiparação (lato sensu). Dentre estas, podemos encontrar a segunda definição de consumidor apresentada pelo Código que aparece insculpida no artigo 2o, parágrafo único com o seguinte texto: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Cuida esse dispositivo dos direitos e interesses coletivos lato sensu, que englobam as categorias de direitos ou interesses difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos. Mediante a disposição legal supracitada, o Código consumerista insere, por equiparação, um grupo ou uma universalidade de pessoas, mesmo que indetermináveis, na categoria de consumidores quando houver uma intervenção por parte destes na relação de consumo. Entretanto, o citado diploma consumerista não faz qualquer referência de como se deve considerar a ocorrência dessa intervenção para os efeitos legais, deixando assim uma ampla esfera de liberdade ao intérprete-aplicador para Donato, Proteção ao consumidor: conceito e extensão, p. 108. Rodolfo de Camargo Mancuso, A jurisprudência evolutiva do STJ em temas controvertidos e relevantes do consumerismo, In: 20 anos do código de defesa do consumidor: estudos em homenagem ao professor José Geraldo Brito Filomeno, p. 483. 55 Maria Antonieta Zanardo Donato, Proteção ao consumidor: conceito e extensão, p. 108.

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defini-la, o que torna imprescindível uma participação mais ativa por parte da doutrina e da jurisprudência em questões referentes à aplicação do referido dispositivo. A nosso ver trata-se de disposição normativa destinada principalmente à tutela preventiva, no sentido de configurar a relação de consumo por equiparação para em seguida utilizar-se dos mecanismos de defesa coletiva do consumidor a fim de evitar maiores danos. A terceira definição de consumidor apresentada pelo Código também diz respeito a uma definição por equiparação ou indireta, aparecendo em seu artigo 17 nos seguintes termos: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. A seção a que se refere este dispositivo é a seção II do capítulo IV, que trata da responsabilização pelo fato do produto e do serviço. Esta seção cuida dos danos relacionados às relações de consumo, também chamados acidentes de consumo. A ideia do mencionado artigo é equiparar à categoria de consumidores os terceiros que não intervenham diretamente na relação de consumo, mas que venham a sofrer algum tipo de dano em decorrência dela, passando assim a ser considerados consumidores por equiparação. Estes são os chamados bystanders, isto é, pessoas que antes eram estranhas à relação de consumo, porém, devido à ocorrência de um dano decorrente de um defeito no produto ou serviço objeto de uma relação de consumo (acidente de consumo), passaram, por equiparação, a integrar essa relação. Por último, completando o conjunto de definições de consumidor trazidas pelo Código, podemos encontrar uma quarta definição, também por equiparação, contida no artigo 29. O texto do referido artigo estabelece uma equiparação aos consumidores, para os fins dos Capítulos V e VI, de todas as pessoas, sejam determináveis ou não, que forem expostas às práticas previstas no Capítulo V, que trata das práticas comerciais. Portanto esse tipo de prática servirá de paradigma para a aferição da caracterização da relação de consumo por equiparação a partir da exposição de pessoas, ain52

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da que indetermináveis. No entanto, segundo a própria redação do artigo 29, esta aferição poderá ser realizada para os fins do Capítulo V, assim como do Capítulo VI, que dispõe sobre a proteção contratual. Destarte, podemos afirmar que fazem parte da área de regulamentação deste artigo, as práticas que dizem respeito à oferta, à publicidade, às práticas abusivas, à cobrança de dívidas, e às condutas referentes a bancos de dados e cadastro de consumidores. Consoante à disposição do artigo 29, o que se exige para que as pessoas sejam consideradas consumidoras por equiparação é a simples exposição às práticas previstas no capítulo V do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, ou seja, às práticas comerciais, e quanto a essa exposição, vemos que pode ser referente a um conjunto de pessoas determinável ou não. Em ambos os casos, não há que se falar em exaurimento da relação de consumo pela prática de um determinado ato ou dano, uma vez que, por força do mencionado artigo, a mera exposição já é suficiente para a caracterização desse tipo de relação por equiparação. De tal forma, no que tange a esse conjunto de definições de consumidor por equiparação apresentadas nos dispositivos do Código, afirma Pasqualotto de maneira sucinta que: “O CDC equipara a consumidor todas as pessoas que intervenham nas relações de consumo (art. 2º, parágrafo único), as vítimas dos acidentes de consumo (art. 17) e todas as pessoas expostas às práticas comerciais e contratuais (art. 29). Isso inclui a publicidade” 56. Todavia, podemos concordar apenas em parte com essa afirmação, uma vez que, embora haja certa ambiguidade, ao analisarmos a redação do texto legal disposta no artigo 29 do Código, podemos concluir que ao utilizar a expressão “práticas nele previstas” o diploma consumerista faz referência apenas a um capítulo de forma singular, dirigindo-se ao Capítulo V especificamente, embora a equiparação feita nos moldes do mencionado artigo possa servir para os fins 56

Adalberto Pasqualotto, Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor, p. 77 – 78.

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tanto deste como do Capítulo VI. Por conseguinte, as práticas às quais a exposição de pessoas é idônea a caracterizar uma relação de consumo por equiparação são apenas as práticas comerciais, previstas no próprio capítulo em que se encontra o citado artigo (Capítulo V), não ocorrendo o mesmo com as práticas contratuais, por estarem previstas no capítulo seguinte (Capítulo VI). Entretanto, essa conclusão não implica necessariamente que nenhuma exposição às práticas contratuais previstas no Capítulo VI poderia servir de paradigma para a aferição de uma relação de consumo por equiparação nos termos do artigo 29 do Código. Pois, podemos perceber a existência desta possibilidade diante da constatação de práticas contratuais que também podem ser classificadas como práticas abusivas, inserindo-se de tal forma no universo pertinente às práticas comerciais de que trata o capítulo V (v.g., as cláusulas contratuais abusivas). Destarte, a mera exposição de pessoas, mesmo que indetermináveis, a qualquer das mencionadas práticas comerciais (oferta, publicidade, práticas abusivas, cobrança de dívidas, e condutas referentes a bancos de dados e cadastro de consumidores) tem o condão de configurar uma relação de consumo por equiparação em obediência à redação do artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor. Quando as pessoas, ainda que indetermináveis, são expostas a uma prática comercial nociva (v.g., uma mensagem publicitária enganosa ou abusiva), a relação de consumo por equiparação é automaticamente caracterizada nos termos do artigo 29 do Código e o dano em si já é presumido (praesumptio juris et de jure), independentemente de prova de ter havido ou não uma perda ou prejuízo “real”, ou da presença de uma conduta dolosa ou culposa por parte fornecedor. A simples exposição à prática já é suficiente para configurar a relação de consumo57, prescindindo-se de qualquer 57

Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 264.

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atuação por parte do consumidor 58. Esse requisito mínimo de exposição facilita de forma mais eficaz a “prevenção”, uma vez que qualquer dos legitimados no artigo 82 do Código, ou mesmo qualquer consumidor individualmente, não necessita esperar a concretização ou exaurimento de uma prática comercial nefasta para somente depois atuar mediante a interposição da ação cabível, podendo agir no sentido de evitar que esse dano (que já é presumido) tenha consequências maiores. Em consonância com essa conceituação quadripartida apresentada pelo Código, abstraindo todas as conotações de ordem filosófica, puramente econômica, psicológica ou sociológica, e concentrando-se basicamente na acepção jurídica, Filomeno nos aponta uma definição de consumidor na qual assim considera qualquer pessoa física que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, seja em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou locação de bens, assim como a prestação de serviços. E ressalta ainda que a coletividade que potencialmente esteja sujeita ou propensa à citada contratação deve ser equiparada a consumidor 59. Quanto a esta definição, vemos que contempla a dimensão coletiva das relações de consumo, ressalta o elemento causal (destinação final) concernente a estas, salienta a possibilidade de configuração de relação de consumo por equiparação, entretanto, cabe-nos atentar para o fato de que foi omissa quanto à possibilidade de classificação da pessoa jurídica como consumidora. Poderíamos proferir de maneira sucinta uma definição geral elucidativa para o entendimento do conceito de consumidor dentro do ordenamento jurídico brasileiro, para os fins de delimitação da área de aplicação do microssistema de proteção consumerista, partindo das quatro definições diretivas trazidas pelo Código de Defe58

Maria Antonieta Zanardo Donato, Proteção ao consumidor: conceito e extensão, p. 228. 59 José Geraldo Brito Filomeno, Manual de direitos do consumidor, p. 22.

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sa do Consumidor, afirmando que são considerados consumidores stricto sensu todas as pessoas físicas ou jurídicas, que venham a adquirir ou utilizar, um produto ou serviço, como destinatário final (artigo 2o, caput); assim como, compondo uma acepção lato sensu, também são considerados consumidores por equiparação a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que intervier em uma relação de consumo (artigo 2o, parágrafo único); todas as vítimas dos chamados defeitos ou acidentes de consumo (artigo 17); e todas as pessoas, mesmo que indetermináveis, que forem expostas às práticas comerciais previstas no capítulo V do Código (artigo 29); considerando que em todos esses casos, as pessoas consideradas consumidoras estão em uma situação peculiar de vulnerabilidade (artigo 4o, inciso I).

2.2. CONCEITUAÇÃO DE FORNECEDOR Assim como ocorre com a conceituação de consumidor, é imprescindível que haja um entendimento claro a respeito do conceito de fornecedor60, como o outro polo (elemento subjetivo) que compõe a relação de consumo, para que se possa delimitar o âmbito de aplicação da normatização consumerista. No ordenamento jurídico brasileiro o conceito de fornecedor aparece delineado pela definição constante no artigo 3 o, caput do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, segundo o qual é considerado fornecedor toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, assim como os entes despersonalizados, que desenvolvam atividade de “produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produ60

Segundo Plácido Silva o termo fornecedor é “derivado do francês ‘fournir’ (fornecer, prover), de que se compôs ‘fornisseur’ (fornecedor), entende-se todo comerciante ou estabelecimento que abastece ou fornece habitualmente uma casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e mercadorias necessárias ao seu consumo”. Plácido Silva, Vocabulário jurídico, p. 138.

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tos ou prestação de serviços”. Inicialmente cabe-nos frisar que este não se trata de um rol taxativo de atividades, ou seja, que enumera todas as condutas possíveis a serem assumidas pelos fornecedores. Na verdade, por se tratar de uma legislação protetiva do consumidor esse rol deve ser entendido como exemplificativo (numerus apertus) das atividades que normalmente envolvem as relações de consumo61, pois assim sendo a norma se torna apta a conseguir uma maior efetividade em razão de sua aplicabilidade mais ampla. A partir da definição trazida pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor podemos extrair alguns dos principais atributos caracterizadores da conceituação de fornecedor para os fins de aplicação do microssistema normativo consumerista. Desta feita, inicialmente constatamos que a atribuição da qualidade de fornecedor não é destinada exclusivamente ao universo das pessoas jurídicas. Podemos perceber, fazendo-se uma interpretação literal do dispositivo legal supramencionado, que assim como as pessoas jurídicas, as pessoas físicas também podem ser consideradas fornecedoras de produtos e/ou serviços. De tal forma, qualquer pessoa individualmente considerada que desempenhe quaisquer das atividades descritas no citado artigo (“produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”), pode vir a ser considerada fornecedora nos termos do Código. Na definição contida no artigo 3o, caput o Código de Proteção e Defesa do Consumidor trata indistintamente a pessoa pública e a privada, possibilitando a classificação de ambas como fornecedoras dentro de uma dada relação de consumo. Embora prima facie o termo “fornecedor” geralmente nos remita a uma concepção de pessoa (principalmente empresa) privada, é importante atentar para o fato de que o Poder Público também pode ser fornecedor, ele próprio diretamente, seja em sede de administração direta ou indi61

Arruda Alvim, Código do Consumidor comentado, p. 35.

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reta, ou de forma delegada, por meio de concessionárias ou permissionárias de serviço público62. Neste sentido, o inciso X do artigo 6o do Código consumerista não faz qualquer distinção quanto aos serviços públicos próprios ou impróprios quando traz como direito básico do consumidor a “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”. O mesmo tratamento indiferente destinado à pessoa pública e a privada para a qualificação destas como fornecedoras para o fim de determinar a aplicabilidade da normatização protetiva do consumidor é dado aos entes nacionais e estrangeiros. Neste caso, mesmo em se tratando de pessoa física ou jurídica proveniente de outro Estado nacional, ao atuar no desenvolvimento de quaisquer das atividades elencadas no artigo 3 o, caput do Código de Proteção e Defesa do Consumidor ou atividade equiparada, esta poderá ser considerada fornecedora em uma dada relação de consumo para os efeitos de incidência do microssistema consumerista. A amplitude do alcance do mencionado dispositivo que traz a definição de fornecedor (artigo 3 o, caput) é tão acentuada que abrange inclusive os entes despersonalizados 63. Isto quer dizer que até mesmo os entes que não são dotados de personalidade jurídica, caso exerçam alguma das atividades de que trata o referido artigo ou mesmo atividade equiparada, poderão ser considerados fornecedores para efeitos de aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor. Este é o caso das sociedades de fato e sociedades irregulares, sendo aquelas consideradas as que não possuem registro no cartório de registros ou na junta comercial, e são por isso, consideradas “inexistentes” para o Direito, enquanto estas, são as que embora se encontrem devidamente registradas no cartório de regis62

José Geraldo Brito Filomeno, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 47. 63 Entendimento contrário à possibilidade de se considerar ente despersonalizado como fornecedor é sustentado por Cavalcanti. Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, Comentários Código de Proteção e Defesa do Consumidor, p. 21.

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tros ou na junta comercial, possuem algum vício na sua constituição. Assim, mesmo sendo desprovidos de personalidade jurídica de acordo com os parâmetros legais, esses entes poderão vir a ser considerados fornecedores nos termos da legislação consumerista. Poderíamos citar como exemplo desse caso a massa falida autorizada a continuar as atividades comerciais da empresa 64. O desenvolvimento da atividade com profissionalismo e continuidade não é trazido na definição constante no artigo 3 o, caput do Código de Proteção e Defesa do Consumidor como sendo uma das características imprescindíveis para a configuração de uma determinada pessoa como fornecedor para fins de aplicação da normatização consumerista. No entanto, tem-se que a atividade de inserção de produtos e/ou serviços que interessem ao consumidor no mercado de consumo não deve resultar de atividade incidental ou intermitente65, mas sim ser realizada de maneira especializada e profissional, ou seja, mediante organismos econômicos permanentes (fatores de produção) 66. Porém, fazer a distinção entre profissionais e não profissionais não é sempre uma tarefa fácil, pois exige uma investigação simultânea sobre a vida privada e profissional do indivíduo67, para só então poder aferir se se encaixa ou não no padrão exigido pelo Código para a caracterização de fornecedor. Sendo assim, esse conceito deve ser entendido de forma ampla de modo que compreenda todos os que propiciem a oferta de bens e 64

Entendimento contrário à possibilidade de se considerar ente despersonalizado como fornecedor é sustentado por Cavalcanti. Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, Comentários Código de Proteção e Defesa do Consumidor, p. 48. 65 Eduardo Gabriel Saad, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 70. 66 Rubens Requião, Curso de direito comercial, p. 47. 67 “L’application de la distinction entre professionnels et non professionnels n’est cependant pas toujours aussi commode car une interpenetration de la vie privée et de la vie professionnelle de l’individu est inévitable”. Pierre Godè, Dictionnaire juridique consommation, p. 270.

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serviços no mercado de consumo em vista de atender às suas necessidades, pouco importando a que título68, incluindo desta forma as atividades de mercancia que vão desde produção até a comercialização, sendo considerado fornecedor todo aquele que, aos olhos do consumidor, se torna o responsável pelo fornecimento de mercadoria ou dos serviços69. Deste modo, poderíamos afirmar que a atividade do fornecedor consiste na prática reiterada de atos negociais, de maneira organizada e unificada, realizada por um mesmo sujeito, em virtude de uma finalidade econômica unitária e permanente70. Dentro de tal universo tão vasto referente à conceituação de fornecedor adotada pelo microssistema jurídico de proteção consumerista, dependendo da forma com que este interage com o consumidor, pode ser classificado como fornecedor mediato ou imediato. Fornecedor mediato ou indireto é aquele que compõe a cadeia de consumo, embora não mantenha uma relação direta com os consumidores. São considerados fornecedores mediatos todos aqueles que propiciam de alguma forma, mediante o desempenho de suas atividades, que seja possível a efetivação da relação de consumo, porém, atuam por meio da realização de práticas nas quais não interagem diretamente com os consumidores, tais como a produção, fabricação, montagem, criação, construção, transformação, manipulação, importação, exportação, distribuição, apresentação, acondicionamento, entre outras. Fornecedor imediato é o que, ao desempenhar suas atividades, mantém relação direta com o consumidor, ou seja, é o que atua de forma mais específica na comercialização de produtos e/ou na prestação de serviços diretamente para os consumidores. Assim, são considerados fornecedores imediatos

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José Geraldo Brito Filomeno, Manual de direitos do consumidor, p. 46. João Andrades Carvalho, Código de Defesa do Consumidor: comentários, doutrina, jurisprudência, p. 27. 70 Luís Gastão Paes de Barros Leães, A responsabilidade do fabricante pelo fato do produto, p. 13 – 14. 69

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os que atuam exercendo atividades de oferta, publicidade, vendas, realização de serviços, entre outras. Portanto, podemos afirmar que o conceito de fornecedor dentro do microssistema brasileiro de proteção e defesa do consumidor é de uma vultosa amplitude, compreendendo tanto pessoas físicas quanto jurídicas, públicas quanto privadas, nacionais quanto internacionais, além de englobar até mesmo os entes despersonalizados, desde que desenvolvam quaisquer das atividades elencadas no artigo 3o, caput do Código de Proteção e Defesa do Consumidor ou qualquer outra atividade análoga de forma habitual.

2.3. CONCEITUAÇÃO DE PRODUTO E SERVIÇO Da mesma forma que as conceituações de consumidor e fornecedor, os conceitos de produto e serviço são imprescindíveis para a demarcação da área de atuação do microssistema consumerista, por tratarem-se dos elementos objetivos da relação de consumo. Para que possamos obter uma visão clara a respeito de tais conceitos tomaremos por base as definições de produto e serviço apresentadas respectivamente nos parágrafos 1o e 2o do artigo 3o do Código de Defesa do Consumidor. Dispõe o §1o do mencionado artigo: “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. Este dispositivo legal traz uma definição acerca do termo “produto” apresentando-o primeiramente como qualquer bem, uma terminologia que propõe uma concepção absolutamente ampla. No entanto, o vocábulo “bem” neste caso diz respeito ao objeto da relação de consumo que interessa às partes, isto é, que é destinado a satisfazer as necessidades do consumidor e movimentar o negócio do fornecedor. Embora a redação do dispositivo supracitado apenas faça referência à classificação dos bens em móveis ou imóveis e materiais (corpóreos) ou imateriais (incorpóreos), temos ainda que estes podem ser: semoventes, fungíveis ou infungíveis, divisíveis ou indivisíveis, singula61

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res ou coletivos, principais ou acessórios, duráveis ou não duráveis, além de outras classificações. Podemos depreender da definição de produto apresentada pelo artigo 3o, §1o Código que a exploração de um valor econômico não é conditio sine qua non para a inserção de um determinado bem no conceito de produto adotado pelo microssistema de proteção do consumidor, ou seja, o Código não exige qualquer tipo de contraprestação de natureza remuneratória, seja direta ou indireta, na aquisição ou utilização de produtos para que possa haver a configuração de uma relação de consumo. Assim sendo, em princípio qualquer produto que for objeto de distribuição gratuita poderá vir a constituir elemento objetivo de uma relação de consumo ensejando por isso a aplicação da normatização de proteção e defesa do consumidor. Contudo, essa gratuidade não seria plenamente considerada uma vez que essa conduta de distribuição “gratuita” do produto esconderia uma verdadeira exploração econômica indireta por parte do fornecedor. Esse é o caso clássico da chamada amostra grátis, prática utilizada pelos fornecedores para tentar caracterizar uma gratuidade fundando-se no fato da inexistência de contraprestação econômica direta na aquisição ou utilização de um determinado produto por parte do consumidor. No entanto, nesses casos de oferecimento ou distribuição de produtos a título de amostra grátis o interesse econômico do fornecedor já é presumido, o que abre espaço para a configuração de uma forma de contraprestação econômica indireta. Na verdade, a aquisição ou utilização do produto “gratuito” não exige do consumidor qualquer remuneração imediata, porém esse tipo de prática é utilizada pelos fornecedores com a finalidade de despertar no consumidor um desejo que o faça adquirir ou utilizar esse produto posteriormente mediante remuneração direta, o que configura a chamada gratuidade interessada. No que tange a seara da publicidade especificamente, o artigo 27, §4o, “a” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) institui uma observação no seguinte sentido: “o uso

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da palavra "grátis" ou expressão de idêntico significado só será admitido no anúncio quando não houver realmente nenhum custo para o Consumidor com relação ao prometido gratuitamente”. E ainda, o item “b” do mesmo parágrafo complementa: “nos casos que envolverem pagamento de qualquer quantia ou despesas postais, de frete ou de entrega ou, ainda, algum imposto, é indispensável que o Consumidor seja esclarecido”. Embora constitua uma normatização de natureza ética, voltada precipuamente para a categoria dos publicitários, esse Código possui o condão de funcionar como referência e fonte subsidiária na aplicação de toda a legislação consumerista no que tange à publicidade, pelo Poder Judiciário ou mesmo em seara administrativa 71. No tocante à conceituação de serviço o artigo 3 o, §2o do Código de Defesa do Consumidor nos apresenta a seguinte definição: “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Assim sendo, excetuando-se as prestações de natureza laboral, essa definição trazida pelo Código não faz qualquer distinção em relação ao tipo de atividade desenvolvida no mercado de consumo além da exigência de que esta seja exercida mediante uma contraprestação de natureza remuneratória. Contudo, obviamente, qualquer atividade hermenêutica em relação a este dispositivo deve respeitar os limites da legalidade como parâmetros (v.g., não estaria protegido pelo microssistema consumerista uma atividade que constitui crime ou mesmo contravenção penal).

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Neste sentido é a redação do artigo 16 do CBAP: “Embora concebido essencialmente como instrumento de autodisciplina da atividade publicitária, este Código é também destinado ao uso das autoridades e Tribunais como documento de referência e fonte subsidiária no contexto da legislação da propaganda e de outras leis, decretos, portarias, normas ou instruções que direta ou indiretamente afetem ou sejam afetadas pelo anúncio”.

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Diferentemente do que ocorre em relação ao produto, o dispositivo legal que traz a definição de serviço institui expressamente o requisito da remuneração para a sua configuração72, todavia, não se exige que esta remuneração seja realizada de forma direta. Deste modo, podemos afirmar que a remuneração pela prestação do serviço pode ser efetuada diretamente mediante uma contraprestação econômica imediata em razão da execução do mesmo, ou indiretamente nos casos em que existe uma compensação econômica indireta pela prestação do serviço “gratuito”, por meio da utilização posterior diretamente remunerada de outro serviço ou da aquisição de um produto. Ainda, no afã de eliminar qualquer questionamento, o legislador fez questão de inserir expressamente na redação do artigo 3 o, §2o do Código, uma menção expressa referente à inclusão das atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária na seara dos serviços tutelados pelo microssistema consumerista. A aplicabilidade do Código às instituições financeiras já foi objeto de súmula pelo Superior Tribunal de Justiça 73. O próprio Supremo Tribunal Federal inclusive já decidiu pela incidência das normas veiculadas pelo Código à atividade das instituições financeiras, excetuando-se a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro, que ficou reservada ao Conselho Monetário Nacional74.

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“O conceito de "serviço" previsto na legislação consumerista exige para a sua configuração, necessariamente, que a atividade seja prestada mediante remuneração (art. 3º, § 2º, do CDC)”. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o 493.181/SP. Rel. Min. Denise Arruda. Julgamento em 15/12/2005. DJ. 01/02/2006. 73 Superior Tribunal de Justiça. Súmula no 297. In: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. 74 Supremo Tribunal Federal. ADI no 2591 - DF. Rel. Min. Carlos Velloso. Julgamento em 07/06/2006. DJ. 29/09/2006.

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No mesmo dispositivo em que apresenta a definição de serviço (artigo 3o, §2o), o Código faz referência direta à exclusão das atividades decorrentes das relações de caráter trabalhista da seara do microssistema consumerista concernente aos serviços. Assim sendo, em hipótese alguma atividade prestada em função de uma relação jurídica de natureza laboral poderá ser considerada como prestação de serviço nos moldes da legislação protetiva do consumidor, ficando, portanto, tal atividade laboral inserida no universo da competência da Justiça do Trabalho, conforme se pode depreender da redação contida no artigo 114 da Constituição Federal75.

2.4. RELAÇÃO DE CONSUMO E SERVIÇO PÚBLICO Não obstante a existência de entendimento absolutamente contrário76 mostra-se, por assim dizer, inócua a discussão a respeito da 75

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I. as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II. as ações que envolvam exercício do direito de greve; III. as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV. os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V. os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI. as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII. as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII. a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX. outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. 76 “Uma coisa é a relação jurídica de serviço público. Outra, a de consumo”. Antônio carlos cintra do amaral, Distinção entre usuário de serviço público e consumidor, In: Revista eletrônica de direito administrativo econômico, p. 02.

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aplicabilidade do microssistema de proteção e defesa do consumidor às prestações de serviços públicos, sejam estas realizadas diretamente pelo Poder Público ou indiretamente através de órgãos concessionários ou permissionários de serviço público 77, uma vez que o próprio Código de Proteção e Defesa do Consumidor trata expressamente dos serviços públicos em diversos dispositivos. Em seu artigo 6 o, inciso X o Código traz explicitamente como um dos direitos básicos do consumidor, “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”. No artigo 4o, inciso VII o mesmo diploma normativo institui a “racionalização e melhoria dos serviços públicos” como um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo. Ainda, no artigo 22, caput o mesmo impõe aos órgãos públicos e às empresas concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, a obrigação de fornecer serviços que sejam adequados, eficientes, seguros e, em relação aos serviços essenciais, que sejam prestados de forma contínua. De plano, perante interpretação literal dos enunciados dos dispositivos legais supramencionados parece-nos descabida qualquer tentativa de exclusão cabal da prestação de qualquer serviço público da área de regulamentação, bem como da área de proteção abrangida pelo microssistema consumerista. Qual seria então o sentido da inclusão de tais dispositivos legais no Código de Proteção e Defesa do Consumidor se não a intenção direta de inserir os serviços públicos, próprios e impróprios, dentro da órbita protecionista das relações de consumo? Diante da inexistência de uma resposta plausível para tal questionamento, cumpre-nos, desde logo, 77

Entendendo pela possibilidade de um usuário de serviço público ser enquadrado no conceito de consumidor destinatário final: Fabrício Bolzan, Serviço público e a incidência do código de defesa do consumidor, In: Leituras complementares de direito administrativo: Advocacia pública, p. 237.

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pelo fundamento supracitado, discordar veementemente da tese que pugna pela inaplicabilidade total do Código de Proteção e Defesa do Consumidor à prestação de serviços públicos. A partir da análise da definição de serviço trazida pelo artigo 3 , §2o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor percebemos que para a caracterização de um serviço nos termos da legislação consumerista é necessário o preenchimento de dois requisitos: a existência de remuneração (direta ou indireta) e que a atividade não decorra de relação de caráter trabalhista. Com base em tal exigibilidade de elemento remuneratório surgiu uma tendência doutrinária78 e jurisprudencial79 que busca fundamentar a exclusão de uma parte dos serviços públicos do âmbito de regulamentação e proteção do microssistema consumerista. Essa corrente de pensamento pugna pela inaplicabilidade do Código de Proteção e Defesa do Consumidor aos serviços públicos próprios (coletivos), também chamados uti universi, nos quais não há identificação dos destinatários (v.g., segurança pública, saúde, educação, etc.). A questão é que essa espécie de serviço público é remunerada apenas indiretamente por meio do pagamento (compulsório) de tributos em geral e algumas taxas, por isso, constituiria uma relação de natureza meramente tributária. De tal forma, segundo a referida corrente, soo

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Marques afirma de maneira esquemática: “- serviço remunerado público uti singuli – incluído no campo de aplicação do CDC (ex.: água, luz, energia elétrica, telefonia fixa e móvel, etc.) - serviço público uti universi – não incluído no campo de aplicação do CDC, relação de cidadania (remuneração por tributos em geral e por algumas taxas, como a taxa judiciária etc.)”. Claudia Lima Marques, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 390 – 391; No mesmo sentido: Elaine Cardoso de Matos Novais, Serviços públicos e relação de consumo: aplicabilidade do código de defesa do consumidor, p. 156. 79 Superior Tribunal de Justiça. Resp. no 840.864/SP. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgamento em 17/04/2007. DJ. 30/04/2007; Superior Tribunal de Justiça. Resp. no 493.181/SP. Rel. Min. Denise Arruda. Julgamento em 15/12/2005. DJ. 01/02/2006.

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mente poderiam ser considerados serviços, no sentido que ensejaria a incidência da legislação protetiva do consumidor, os serviços públicos impróprios (individuais), também chamados uti singuli, nos quais os destinatários são determinados ou determináveis (v.g., telefone, água e energia elétrica, etc.), prestados pelo Poder Público, direta ou indiretamente. Essa categoria de serviço público (de utilização facultativa) é remunerada de forma direta, mediante o pagamento de tarifa80 ou preço público, em razão disso ensejaria a aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor 81. Assim sendo, sob uma perspectiva econômica já foi reconhecida a verificação do requisito da remuneração em ambos os sentidos de serviços públicos, uti singuli e uti universi, admitindo que estes, embora aparentem ser gratuitos, são remunerados de forma indireta por alguns tributos, enquanto aqueles, são incontestavelmente remunerados diretamente mediante o pagamento de taxas ou tarifas pela sua fruição82. Entretanto, entendemos ser descabida tal distinção entre serviços uti singuli e uti universi, para fins de definição da aplicabilidade da legislação consumerista aos serviços públicos, quando o próprio Código não a faz. Este, ao se referir à remuneração na definição de serviço constante no artigo 3 o, §2o não faz exigência expressa de que esta remuneração deve ser efetivada exclusivamente de forma direta, permitindo assim que sejam incluídas no conceito de serviço também as prestações realizadas pelo Poder Público, direta ou indiretamente, em que haja uma con80

“A prestação de serviço público não-obrigatório por empresa concessionária é remunerada por tarifa” Superior Tribunal de Justiça. Resp. no 926.159/RS. Rel. Min. José Delgado. Julgamento em 13/11/2007. DJ. 29/11/2007. 81 “A tarifa, como instrumento de remuneração do concessionário de serviço público, é exigida diretamente dos usuários e, consoante cediço, não ostenta natureza tributária”. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o 976.836/RS. Rel. Min. Luiz Fux. Julgamento em 25/08/2010. DJe. 05/10/2010. 82 Elaine Cardoso de Matos Novais, Serviços públicos e relação de consumo: aplicabilidade do código de defesa do consumidor, p. 156.

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traprestação econômica indireta ou escondida (caso dos serviços uti universi). Além disso, acrescenta-se o fato de que o Código de Defesa do Consumidor apenas excluiu da conceituação de serviço, as atividades decorrentes das relações de caráter laboral. Deste modo, não coadunamos com o afastamento da aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor aos serviços públicos que possuem remuneração indireta, sob o fundamento de que a prestação desses serviços não configura relação jurídica de consumo, na medida em que está vinculada ao Estado detentor de autoridade83. A aplicabilidade do microssistema de proteção e defesa do consumidor em relação às prestações de serviços públicos, inclusive os que são indiretamente remunerados (uti universi), nos conduz a uma igualação entre os conceitos de usuário de serviço público e consumidor diante de tal situação jurídica. Isto, fundamentando-se na regulamentação expressa contida nos artigos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor que dispõem sobre serviços públicos, e partindo do pressuposto de que a aplicabilidade do sistema protetivo consumerista deve ser interpretada de forma ampla, englobando de tal maneira tanto os chamados serviços públicos uti singuli quanto os uti universi, pois, tal vertente parece ser a estatuída pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor ao não fazer qualquer distinção entre essas espécies de serviço público. Todavia, ao se tratar da possibilidade de igualação entre usuário de serviço público e consumidor, surge o problema do suposto reconhecimento constitucional implícito da dicotomia entre estes dois sujeitos ao serem tratados em dispositivos normativos diferentes, a saber, a proteção ao usuário de serviço público no artigo 175, parágrafo único, inciso II, e a defesa do consumidor nos artigos 5 o, inciso XXXII e 170, inciso V, todos da Constituição Federal. No entanto, a indução da existência dessa dicotomia apenas devido ao 83

Elaine Cardoso de Matos Novais, Serviços públicos e relação de consumo: aplicabilidade do código de defesa do consumidor, p. 163.

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fato da Constituição Federal ter disciplinado a defesa do usuário de serviço público e do consumidor em dispositivos diversos resultaria num entendimento errôneo, que pode ser rechaçado, por exemplo, a partir da constatação de que apesar da redação constante no §3o, inciso I e no §4o, ambos do artigo 220 da Constituição Federal, não estão excluídas do universo das relações de consumo as diversões, os espetáculos públicos, nem a publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, simplesmente devido ao fato da Constituição ter proclamado a necessidade de lei federal especial para regular o tema. Afinal, tratar do mesmo tema em mais de um dispositivo nos parece bastante comum em uma Constituição analítica como é o caso da Constituição Federal de 1988. Inclusive, em diversas decisões o Superior Tribunal de Justiça já emitiu posicionamento no sentido da inexistência de incompatibilidade entre o microssistema de proteção e defesa do consumidor e o de regulação dos serviços públicos de titularidade estatal que são prestados indiretamente 84. A própria lei que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação dos serviços públicos previsto no artigo 175 da 84

“Não existe incompatibilidade entre o sistema de regulação dos serviços públicos de titularidade do estado prestados de forma indireta e o de proteção e defesa do consumidor, havendo, ao contrário, perfeita harmonia entre ambos, sendo exemplo disso as disposições constantes dos arts. 6º, inc. X, do CDC, 7º da Lei 8.987/95 e 3º, XI; 5º e 19, XVIII, da Lei 9.472/97”. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo de Instrumento n o 1.034.962/SP. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgamento em 21/08/2008. DJe. 17/11/2008; Resp. n o 1.007.703/RS. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgamento em 18/03/2008. DJe. 18/11/2008; Resp. n o 983.329/PB. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgamento em 18/12/2007. DJe. 06/02/2009; Resp. n o 993.511/MG. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgamento em 11/12/2007. DJe. 01/12/2008; Resp. no 988.749/RJ. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgamento em 11/12/2007. DJe. 27/11/2008; Resp. no 978.629/MG. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgamento em 06/12/2008. DJ. 18/12/2007; Resp. n o 947.731/RS. Rel. Min. Eliana Calmon. Julgamento em 06/12/2007. DJ. 18/12/2007; dentre outras.

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Constituição Federal (Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995) admite a possibilidade de aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor como uma forma de melhor proteger o usuárioconsumidor85. Inclusive já houve referência no Superior Tribunal de Justiça a respeito dos mencionados serviços públicos como “especial objeto da relação de consumo” 86. No mesmo sentido também está o artigo 3 o, inciso XI da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997 (dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional n o 8, de 1995), ao instituir o direito de “peticionar contra a prestadora do serviço perante o órgão regulador e os organismos de defesa do consumidor” ao usuário de serviços de telecomunicações, assim como os artigos 5o (institui a observância do princípio da defesa do consumidor na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações)87 e 19, inciso XVIII88 da mesma lei.

85

Art. 7o. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: [...]. 86 Tal referencia foi feita em voto, pelo Ministro Teori Albino Zavascki ao se pronunciar nos seguintes termos: “A Lei 8.987/95, por sua vez, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, em seu Capítulo II ("Do Serviço Adequado"), traz a definição, para esse especial objeto de relação de consumo, do que se considera "serviço adequado", prevendo, nos incisos I e II do §3º do art. 6º, duas hipóteses em que é legítima sua interrupção.”. Superior Tribunal de Justiça. Resp. no 775.215/RS. Rel. Min. Teori Albino Zavascki. Julgamento em 16/03/2006. DJ. 03/04/2006. 87 Art. 5o. Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.

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Nesse contexto, reconhecemos a possibilidade de caracterização de uma relação jurídica de consumo na prestação de serviços públicos, independentemente de sua classificação como uti singuli ou uti universi, pela presença de todos os seus elementos, a saber: os elementos subjetivos, considerando de um lado, o usuário do serviço público que se identifica com o consumidor, e de outro o Poder Público, seja através da administração direta ou indireta, ou mesmo de um particular concessionário ou permissionário de serviço público, que atua como fornecedor quando realiza a prestação desse serviço; o elemento objetivo, considerando o serviço público como objeto da relação de consumo; e o elemento causal, considerando o usuário do serviço público como destinatário final desse serviço. No entanto, temos de admitir que ainda há muito por fazer para a promoção e o fortalecimento dos direitos dos consumidores de serviços públicos, tornando-se absolutamente necessária a insistência por parte dos operadores do Direito na defesa dessa categoria especial de consumidor como direito fundamental e interesse público e indisponível89.

88

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: [...] XVIII – reprimir infrações dos direitos dos usuários; 89 Duciran Van Marsen Farena, A indisponibilidade do interesse do consumidor e o discurso regulatório, In: Ação civil pública: 20 anos da Lei n. 7.347/85, p. 402.

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Capítulo 3 ANÁLISE DA COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA SOB O PRISMA DO MICROSSISTEMA CONSUMERISTA Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária reconhece explicitamente em seu artigo 7o a forte influência de ordem cultural que a comunicação publicitária exerce sobre grandes massas da população. Isto torna-se possível principalmente em razão do fato de que uma enorme parcela dos anúncios publicitários é veiculada mediante meios de comunicação em massa, que não devem ter o seu poder minimizado pois combinam a grande fonte moderna e o grande instrumento moderno de poder no que tange à organização e ao condicionamento social90 na sociedade de consumo. A atividade dos publicitários é quase sempre norteada pelo escopo de promover o máximo possível a satisfação do maior grupo de pessoas 91. Este tipo de ação é um dos principais fatores que contribuem para avultar o poderio da publicidade sobre aqueles que a ela são expostos, seja direta ou indiretamente, pois, agindo desta maneira, a comunicação publicitária consegue agradar um número mais amplo de consumidores tornando a mensagem publicitária muito mais efetiva. Ademais, em muitos casos, a situação do consumidor perante a comunicação de natureza publicitária

O

90

John kenneth Galbraith, Anatomia do poder, p. 184. Esse tipo de prática diz respeito ao que Moles denominou de “doutrina demagógica dos publicitários”. Abraham Antoine Moles, Sociodinâmica da cultura, p. 266. 91

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Proteção Constitucional do Consumidor no Âmbito da Regulação Publicitária

parece ser de vítima de sua própria incapacidade crítica ou suscetibilidade emocional, o que faz com que se torne um dócil objeto de exploração de uma publicidade muitas vezes obsessora e obsidional92, respondendo à mensagem publicitária sem resistência, adquirindo ou utilizando produtos ou serviços meramente em virtude da fantasia criada em torno deles, sem considerar a sua qualidade ou mesmo a sua necessidade. Seja por mérito da publicidade ou por demérito do consumidor, independentemente dos fatores determinantes para que tal situação assim se configure, o fato é que a conduta deste é muitas vezes facilmente condicionada por aquela, de modo que não raramente o consumidor é atraído ao consumo de produtos e/ou serviços dos quais não havia qualquer necessidade real, agindo unicamente em virtude de uma espécie de “encanto” provocado pela mensagem publicitária. Diante de tal situação, parece bastante plausível falar-se em uma necessidade de propiciar uma proteção mais efetiva do consumidor frente à atividade publicitária, portanto, o microssistema de proteção consumerista instituído a partir da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 adotou uma postura bem incisiva a respeito da regulamentação dessas práticas 93. Ao analisarmos a regulamentação da atividade publicitária contida no microssistema consumerista podemos perceber que, em regra, a veiculação de mensagens publicitárias não é uma prática 92

Fábio Konder Comparato, A proteção do consumidor: importante capítulo do direito econômico, In: Defesa do consumidor: textos básicos, p. 40. 93 Este novo posicionamento assumido pelo microssistema consumerista foi expresso por Almeida nas seguintes palavras: “A revelar a insuficiência do regime anterior e a preocupação protetiva da nova fase, o legislador reprimiu a publicidade enganosa ou abusiva em todos os níveis de tutela; ensejou a aplicação de sanções administrativas, dentre as quais a contrapropaganda; propiciou a retirada do ar de publicidade viciada, com o respectivo ressarcimento de danos, além de vincular o fornecedor à oferta publicitária; criminalizou a conduta e criou mecanismos processuais, melhorando o acesso à justiça.”. João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 114.

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imposta de maneira coercitiva aos fornecedores, assim sendo, em princípio os fornecedores possuem total liberdade para fazê-la quando bem entendam. Entretanto, existem alguns casos excepcionais nos quais a obrigação de veicular um anúncio publicitário decorre de cominação legal. Podemos citar como exemplo a imposição de comunicação imediata às autoridades competentes e aos consumidores mediante anúncios publicitários, instituída aos fornecedores de produtos e/ou serviços que, somente após a introdução destes no mercado de consumo, tiverem conhecimento a respeito da periculosidade apresentada por eles (artigo 10, §1 o, CDC). No mesmo sentido, contrariando a regra da não obrigatoriedade da veiculação de publicidade, encontra-se a sanção administrativa de imposição de contrapropaganda (contrapublicidade), inserida no artigo 56, inciso XII do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, e regulada no artigo 60 do mesmo. Em tal contexto, percebemos que a poderosa comunicação publicitária pode ser vislumbrada ora como um direito ora como dever, à medida que o fornecedor tem o direito de anunciar seus produtos e/ou serviços por meio de peças publicitárias sob as mais variadas formas, ao passo que também tem o dever de passar determinadas informações aos consumidores e às autoridades competentes a respeito de características e peculiaridades de seus produtos e/ou serviços quando assim a legislação o exigir.

3.1. PRÁTICAS COMERCIAIS Parte das normas referentes às práticas comerciais, constantes no capítulo V do Código de Defesa do Consumidor foi influenciada pelo Projet de Code de la Consommation. Esse projeto francês possui um capítulo semelhante ao capítulo denominado “das práticas comerciais” do Código brasileiro, é o Chapitre Deux que disciplina os Méthodes Commerciales. Além deste, outras fontes também inspiraram o legislador brasileiro, a saber, o Fair Debt Collec75

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tion Practices Act94 e o Fair Credit Reporting Act95, ambos provenientes dos Estados Unidos, assim como a Diretiva 84/450/CEE 96, elaborada pelo Conselho das Comunidades Europeias. As práticas comerciais estão no cerne do ordenamento jurídico consumerista, pois, são elas que movimentam as relações de consumo através da utilização de métodos e técnicas que fomentam a comercialização de produtos e serviços destinados ao consumidor, e consequentemente a economia. Em face da rápida e vultosa mutabilidade do mercado de consumo atual esse tipo de prática apresenta uma grande dificuldade em ser conceituada de maneira estanque. Tem-se então como alternativa estuda-las a partir de um critério de exclusão, isto é, analisando-se primeiramente quais práticas não podem ser consideradas práticas comerciais. Opondo-se as práticas comerciais encontramos as chamadas práticas de produção, que consistem no conjunto de atividades desenvolvidas em relação a produtos e/ou serviços em uma fase prévia à inserção destes no mercado de consumo. De tal forma, são consideradas práticas comerciais, por sua vez, somente aquelas que aparecem na sociedade de consumo em um momento posterior a essa etapa de produção, ou seja, as que dizem respeito ao conjunto de atividades destinadas a fluir os produtos e/ou serviços do produtor-fabricante (criador) para o comprador comerciante (revendedor) ou destinatário final (consumidor), concretizando-se assim, respectivamente, uma relação de natureza civil-comercial ou de consumo97. 94

Fair Debt Collection Practices Act. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2010. 95 Fair Credit Reporting Act. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2010. 96 Directiva 84/450/CEE. Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2010. 97 Benjamin nos apresenta a seguinte definição para práticas comerciais: “De maneira positiva, poderíamos, então, afirmar que práticas comerciais são

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No entanto, neste trabalho nos deteremos apenas às práticas comerciais que sejam desenvolvidas caracterizando ou em razão de uma relação jurídica de consumo, uma vez que é exclusivamente a respeito desta que tratam os dispositivos normativos constantes no capítulo V do Código de Defesa do Consumidor. Segundo a sistemática estabelecida pelo mencionado Código, estão inseridas dentro do universo das práticas comerciais: a oferta, publicidade, práticas abusivas, cobrança de dívidas, bancos de dados e cadastros de consumidores. Embora o Código não utilize o termo “marketing” diretamente, algumas dessas práticas constituem atividades de marketing (v.g., oferta e publicidade). Após a revolução industrial, quando a produção e consequentemente o consumo passaram a ser massificados, o marketing ganhou vultosa importância na sociedade de consumo, haja vista que o produtor-fabricante ou prestador de serviços já não se encontrava mais tão perto do consumidor destinatário final dos seus produtos e/ou serviços. O marketing diz respeito ao conjunto de estratégias e ações desenvolvidas com o escopo de propiciar a aproximação entre fornecedores e consumidores, levando ao conhecimento destes a existência de certa marca ou empresa, ou de determinados produtos e/ou serviços disponibilizados por aqueles, ou simplesmente fomentando o consumo destes pelo público em geral ou por determinado segmento desse público. As estratégias de marketing compreendem uma vasta quantidade de mecanismos de incentivo às vendas, tais como: prêmios, liquidações e promoções, descontos, amostras “grátis”, ofertas combinadas, selos, cupons, cartazes, loterias, publicidade, vendas por correspondência, internet e em domicílio, embalagens, marcas, entre outras. Especialmente quando todos os mecanismos, técnicas e métodos que servem, direta ou indiretamente, ao escoamento da produção. Trata-se, não há dúvida, de um conceito extremamente largo, que inclui, a um só tempo, o marketing, as garantias, os serviços pós-venda, os arquivos de consumo e as cobranças de dívidas”. Antônio Herman V. Benjamin, Manual de direito do consumidor, p. 253.

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desenvolvidas dentro da seara da comunicação social as atividades de marketing constituem a chamada comunicação comercial98. A oferta especificamente, pode ser entendida como “toda proposta de fornecimento de produto ou serviço, mediante apresentação (p. ex., vitrine), informação (p. ex., orçamento, apreçamento) ou publicidade (p. ex., anúncios nos meios de comunicação)” 99. Assim, podemos afirmar que esta (a oferta) é uma subespécie do gênero comunicação comercial, uma vez que todas as práticas acima descritas podem ser inseridas no conceito desta. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor traz um disciplinamento específico a respeito da oferta na seção II do capítulo referente às práticas comerciais (capítulo V), que compreende os artigos 30 a 35. No artigo 30 do mencionado Código encontra-se consagrado legislativamente o princípio da vinculação contratual da oferta (informação e publicidade) ou princípio da obrigatoriedade do cumprimento. A inteligência desse princípio consiste no fato de que a veiculação de uma determinada oferta faz nascer uma obrigação de cumprimento tanto para o fornecedor que a veicula como para o que dela se utiliza, passando a integrar o contrato que vier a ser celebrado. Porém, a suficiente precisão dessa oferta é requisito necessário para a caracterização de tal obrigatoriedade, independentemente da forma ou meio de comunicação social utilizado para a veiculação da mesma. Quanto à determinação de seus destinatá98

“O termo "comunicação comercial", abrange a publicidade bem como outras técnicas, tais como promoções, patrocínios e marketing directo e deve ser interpretado de forma lata de modo a poder designar toda e qualquer forma de comunicação produzida directamente, por ou em representação de um operador de mercado, que pretenda essencialmente promover produtos ou influenciar o comportamento dos consumidores.”. Código Consolidado da Câmara de Comercio Internacional sobre Práticas de Publicidade e Comunicação Comercial. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2010. 99 João Batista de Almeida, A proteção jurídica do consumidor, p. 107.

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rios a oferta por ser classificada em determinada ou indeterminada. A oferta determinada pode ser individual, quando dirigida a uma única pessoa, ou coletiva, quando é direcionada a várias pessoas, identificada facilmente mediante a constatação de uma relação jurídica base (v.g., a todos os portadores de um determinado cartão de crédito, ou a todos os professores de uma dada universidade) 100. No que diz respeito à oferta indeterminada, também chamada de oferta ao público, vemos que se trata de uma oferta geral e abstrata, voltada ao público em geral sem qualquer especificação individual ou mesmo coletiva (v.g., a exposição de um determinado produto na vitrine de um estabelecimento comercial). Esse tipo de oferta é caracterizado pela indeterminação pessoal do destinatário, a fungibilidade da pessoa ou das pessoas dos futuros contratantes, bem como pela utilização de um meio público de divulgação 101. O artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor traz uma série de requisitos que devem ser preenchidos na consubstanciação da oferta e apresentação de produtos e serviços. Estes requisitos dizem respeito a características e dados técnicos (qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, etc.), juntamente com a potencialidade danosa (os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores), além da exigência de que as informações sejam corretas (verdadeiras), claras (facilmente entendidas), precisas (sem prolixidade ou escassez), ostensivas (facilmente constatadas ou percebidas) e em língua portuguesa102. Trata-se de uma obrigação instituída aos fornecedores de 100

Sílvio Luís Ferreira da Rocha, A oferta no Código de Defesa do Consumidor, p. 71. 101 Ibid, p. 72. 102 Neste mesmo sentido encontra-se a disposição normativa contida no §3o do artigo 27 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária ao estabelecer: “O anúncio deverá ser claro quanto a: a. valor ou preço total a ser pago pelo produto, evitando comparações irrealistas ou exageradas com outros produtos ou outros preços: alegada a sua redução, o Anunciante deve-

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assegurar uma informação integral aos consumidores. Porém, mesmo se assim não o for, sendo passada apenas uma informação parcial aos consumidores a título de oferta, desde que esta seja suficientemente precisa em relação a algum de seus aspectos, ainda perdura o condão de vincular o fornecedor proponente nos termos do comentado artigo 30 do Código. No que tange ao disposto no artigo 31 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o Superior Tribunal de Justiça já apresentou uma classificação em subespécies para a informação a que se refere 103. A importância da exigência de que a informação seja dotada de tal completude reside no fato de que ela confere ao consumidor a possibilidade de adquirir ou utilizar os produtos ou serviços comercializados com plena segurança e de modo satisfatório aos seus interesses 104. Deste modo, a informação tem o condão de conscientizar os consumidores a respeito dos aspectos mais relevantes referentes aos produtos e/ou serviços que estão consumindo, bem como sobre os termos do negócio jurídico que está sendo realizado. A desigualdade de informação ocupa um papel determinante para o desequilíbrio da relação existente entre fornecedores e consumidores, na medida em que aqueles dominam o conhecimento a respeito dos produtos e serviços postos no mercado, ao passo que estes, em sua rá poder comprová-la mediante anúncio ou documento que evidencie o preço anterior; b. entrada, prestações, peculiaridades do crédito, taxas ou despesas previstas nas operações a prazo; c. condições de entrega, troca ou eventual reposição do produto; d. condições e limitações da garantia oferecida”. 103 “A obrigação de informação é desdobrada pelo art. 31 do CDC, em quatro categorias principais, imbricadas entre si: a) informação-conteúdo (= características intrínsecas do produto e serviço), b) informação-utilização (= como se usa o produto ou serviço), c) informação-preço (= custo, formas e condições de pagamento), e d) informação-advertência (= riscos do produto ou serviço)”. Texto extraído da ementa. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o. 586.316/MG. Rel. Min. Herman Benjamin. Julgamento em 17/04/2007. DJe. 19/03/2009. 104 Gabriel Alejandro Stiglitz, Protección jurídica del consumidor, p. 45.

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maioria, não possuem o conhecimento necessário para julgá-los ou mesmo compará-los de forma satisfatória. Por isso o direito a informação tornou-se um tema que se encontra no cerne das políticas de proteção e defesa do consumidor 105. No artigo 31, parágrafo único do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (incluído pela Lei no 11.989, de 27 de julho de 2009), aparece mais uma exigência direcionada especificamente aos produtos refrigerados que são oferecidos aos consumidores. Essa exigência diz respeito a uma imposição de que as informações referentes a este tipo de produto devem ser “gravadas de forma indelével”, ou seja, que não impossibilitem ou dificultem o entendimento do consumidor devido principalmente a um eventual descongelamento desses produtos. Mediante redação do artigo 32, caput é instituída pelo Código uma garantia aos consumidores contra fabricantes e importadores no sentido de que estes devem ser responsáveis por assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto. No artigo 32, parágrafo único há ainda uma determinação de que mesmo que tenham cessado a produção ou importação, os fabricantes ou importadores deverão manter a oferta por um período razoável de tempo. Esse período deve ser definido com base na vida útil do produto. O artigo 33 do Código se refere diretamente à modalidade de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal. A imposição emitida pelo caput do mencionado artigo é a de que o nome do fabricante e o seu respectivo endereço devem constar na embala105

“Le déséquilibre dans les relations entre professionnels et consommateurs tient pour une bonne part à l’inégalité de leur information : les professionnels connaissent les biens ou services qu’ils mettent sur le marché, alors que les consommateurs sont pour la plupart incapables de les juger par avance et de les comparer entre eux. Le droit à l’information est devenu l’un des thèmes majeurs de toute politique de défense des consommateurs.”. Jean Calais-Auloy, Droit de la consommation, p. 51.

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gem, na publicidade, e em todos os demais impressos que sejam utilizados na transação comercial106. Trata-se de uma forma de aumentar a proteção do consumidor, pois, se assim não o fosse, por se tratar de uma transação realizada distante do fornecedor, o consumidor poderia encontrar bastantes dificuldades em identificar os responsáveis por eventual dano. Em razão de se tratar de uma condição peculiar de vulnerabilidade do consumidor, é trazida pelo parágrafo único do supracitado artigo (incluído pela Lei no 11.800 de 29 de outubro de 2008) uma vedação expressa nos seguintes termos: “É proibida a publicidade de bens e serviços por telefone, quando a chamada for onerosa ao consumidor que a origina”. O artigo 34 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor cuida de estabelecer um regime de responsabilização solidária aplicável ao fornecedor do produto ou serviço em razão dos atos praticados por seus prepostos ou representantes autônomos 107. O preposto é aquele que atua representando o fornecedor, pronunciandose em seu nome para auxilia-lo no seu ofício. Já o representante autônomo é o que age realizando contratos comerciais, cumprindo a função de negociação de produtos e/ou serviços (através da obtenção de pedidos de compra e venda) postos pelo representado no mercado. O fundamento da responsabilização solidária instituída pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor reside no fato de 106

Art. 33. Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial. 107 Discorrendo sobre como ocorreu o processo de transformação mercadológica que resultou na concentração da responsabilização no fabricante, Souza ressalta que: “Antes da era industrial, o produtor-fabricante era simplesmente uma ou algumas pessoas que se juntavam para confeccionar peças e depois trocar os objetos (bartering). Com o crescimento da população e o movimento do campo para as cidades, Formam-se grupos maiores, a produção aumentou e a responsabilidade se concentrou no fabricante, que passou a responder por todo o grupo”. Miriam de Almeida Souza, A política legislativa do consumidor no direito comparado, p. 48.

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que ambos desempenham um papel intrinsecamente ligado à atividade do fornecedor 108. No artigo 35 o Código estabelece um conjunto de alternativas apresentadas para a livre escolha do consumidor quando, havendo aceitação por parte deste, houver recusa do fornecedor a realizar o cumprimento do que foi proposto em oferta, apresentação ou publicidade de produtos e/ou serviços, desde que este a tenha veiculado ou dela se utilizado. Conforme o dispositivo legal supracitado, ocorrendo a situação acima descrita o consumidor possui as seguintes alternativas: o consumidor tem o direito de promover a execução específica, exigindo o cumprimento forçado da obrigação nos termos da proposição (inciso I); aceitar outro produto ou prestação de serviço análogo, mediante uma substituição equivalente (inciso II); ou ainda rescindir o contrato, com direito à restituição da quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, além da possibilidade de haver indenização por perdas e danos (inciso III). Partindo-se do conceito de oferta aqui explicitado, podemos perceber que toda a normatização acerca desse instituto contida nos artigos 30 a 35 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor 108

Neste sentido: “Direito do consumidor e processual civil. Recurso especial. Embargos de declaração interpostos perante o Tribunal de origem. Art. 535 do CPC. Contrato de seguro-saúde. Informações do corretor a respeito da carência. Oferta que integra o contrato que vier a ser celebrado. Comprovação em juízo. - Rejeitam-se os embargos de declaração quando ausente omissão, contradição ou obscuridade a ser sanada. - Sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, as informações prestadas por corretor a respeito de contrato de seguro-saúde (ou plano de saúde) integram o contrato que vier a ser celebrado e podem ser comprovadas por todos os meios probatórios admitidos. Recurso especial parcialmente conhecido e provido”. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o. 531.281/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgamento em 10/08/2004. DJ. 23/08/2004.

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também é aplicável ao instituto da publicidade. Isto ocorre devido ao fato de que a publicidade constitui, juntamente com a apresentação e a informação, uma das espécies de manifestação da oferta, com esta não podendo ser confundida. Embora haja entendimento no sentido de que a publicidade constitui um mecanismo de convencimento do consumidor que pode ou não veicular uma oferta, podendo esta então vir dentro de uma comunicação publicitária ou fora dela109, cabe-nos reconhecer apenas em parte a veracidade de tal posicionamento. Quanto à inconfundibilidade entre oferta e publicidade, e que esta diz respeito a um mecanismo de convencimento do consumidor, estamos absolutamente de acordo. No entanto, não compartilhamos o entendimento de que possa existir uma comunicação publicitária que não implique a veiculação de uma determinada oferta, pois, mesmo nos casos em que a mensagem publicitária não se refere a nenhum produto ou serviço especificamente, abordando apenas certa marca ou empresa (v.g., publicidade institucional), admitimos que há uma oferta implícita de consumo dos produtos e/ou serviços provenientes da marca ou empresa que está sendo anunciada. No que tange à terceira afirmação carece-nos concordar, uma vez que a comunicação publicitária (juntamente com a informação e a apresentação) consiste em uma das formas de veiculação da oferta e não o oposto. Para fins de aplicação do microssistema consumerista, utilizando a teoria matemática dos conjuntos, é possível estabelecer a seguinte organização sistemática: (práticas comerciais) ⊇ (marketing) ⊇ (comunicação comercial) ⊇ (oferta) ⊇ (publicidade)110.

109

Vidal Serrano Nunes Júnior e Yolanda Alves Pinto Serrano de Matos, Código de Defesa do Consumidor interpretado, p. 146 – 147. 110 Lembrando que na teoria matemática dos conjuntos o símbolo “⊇” significa “contém”.

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3.2. CONCEITUAÇÃO DE PUBLICIDADE Dentro do microssistema consumerista, principalmente no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, existem normas limitadoras idôneas a possibilitar o controle das práticas comerciais que fazem parte do universo das relações de consumo, abrangendo o marketing, a comunicação comercial, a oferta e consequentemente a publicidade de produtos e serviços no mercado de consumo. Mediante essas normas se estabelece um conjunto de princípios e regras como parâmetros de conduta e diretrizes a serem seguidas por todos os que atuem nesse tipo de atividade, devendo sempre resguardar a livre concorrência e tomar por base os princípios da boafé objetiva, da transparência e da confiança. No entanto, para que se possa aplicar a parte desse microssistema referente à proteção e defesa do consumidor perante a publicidade nomeadamente é imprescindível que se tenha uma compreensão clara a respeito do que consiste uma prática publicitária nos termos da normatização consumerista vigente. Para a compreensão do conceito de publicidade podemos tomar como diretriz a Diretiva 84/450/CEE de 10 de setembro de 1984 do Conselho das Comunidades Europeias, que trouxe uma definição de publicidade no artigo 2o, item 1 na qual apresenta-a como sendo qualquer forma de comunicação feita no âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal com a finalidade de promover o fornecimento de bens ou de serviços, incluindo os bens imóveis, os direitos e as obrigações 111. Na doutrina 111

Directiva 84/450/CEE. Disponível em: Acesso em: 23 ago. 2010. A partir dessa definição Santella apresenta um conjunto de critérios que devem ser preenchidos para a caracterização de uma mensagem publicitária da seguinte maneira: “a) Forma de comunicación divulgación para dirigir la atención del público o de los medios de comunicación, cualquier forma de mensaje (radiodifundido). b)

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brasileira a publicidade já foi definida como toda a informação ou comunicação difundida com a finalidade direta ou indireta de promover junto aos consumidores a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, independentemente do local ou meio de comunicação utilizado112. Concomitantemente, podemos afirmar que a publicidade consiste em uma prática comercial de marketing, desenvolvida mediante uma comunicação comercial (feita através de veículos de difusão) que apresenta uma oferta destinada à divulgação, com finalidade econômica, de determinado produto, serviço, marca ou empresa, com o escopo de persuadir consumidores, direta ou indiretamente, provocando ou aumentando a demanda de um determinado produto ou serviço ou em relação a uma determinada marca ou empresa que está sendo objeto do anúncio. De tal forma, podemos afirmar que são formas de publicidade as mensagens inseridas nos vários meios de comunicação utilizados pelos fornecedores para influenciar a vontade do consumidor, tais como: embalagens e rótulos de produtos, outdoors, folhetos, pôsteres, painéis, cartazes, televisão, internet, rádio, entre outros. Existem três personagens que participam diretamente da efetivação da comunicação publicitária: o anunciante, o agente publicitário (ou agência publicitária) e o veículo de divulgação. O anunciante é o patrocinador da mensagem, isto é, o fornecedor que detém o produto, serviço, marca ou empresa objeto do anúncio. O agente publicitário ou agência publicitária é o personagem contratado pelo fornecedor-anunciante para a criação e desenvolvimento da menRealizada por una persona física o jurídica, pública o privada; por una empresa pública o privada. c) En el ejercicio de una actividad comercial, industrial, artesanal, o professional (liberal). d) Com el fin de promover de forma directa o indirecta (de modo mediato o inmediato) la contratación (el suministro)”. Manuel Santaella López, El nuevo derecho de la publicidad, p. 50 – 51 . 112 Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 345.

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sagem publicitária. A Lei no 4.680, de 18 de junho de 1965 já trazia em seu texto uma definição expressa a respeito da profissão de publicitário, bem como do que consiste uma agência publicitária, em seus artigos 1o113 e 3o114 respectivamente. O veículo de divulgação é o meio de comunicação social, visual ou auditivo, mediante o qual a mensagem publicitária é transmitida ao público destinatário. O processo de criação da publicidade pode ser dividido em quatro fases distintas. Primeiramente, ocorre uma etapa que diz respeito ao repasse, feito pelo anunciante à empresa publicitária ou agente publicitário, das informações concernentes à empresa, marca, produto ou serviço que se deseja anunciar, assim como as expectativas em relação à campanha publicitária. Essa primeira fase de criação publicitária é chamada de briefing. A finalidade do briefing é propiciar o conhecimento necessário à empresa publicitária sobre o anunciante bem como sobre suas expectativas para que possa proceder a gênese da peça publicitária de acordo com as suas necessidades. A segunda fase da criação publicitária diz respeito a uma reflexão estratégica feita dentro da agência publicitária, analisando as informações que foram fornecidas pelo fornecedor-anunciante juntamente com um conjunto de ideias apresentadas pela equipe publicitária. 113

Art. 1o. São Publicitários aquêles que, em caráter regular e permanente, exerçam funções de natureza técnica da especialidade, nas Agências de Propaganda, nos veículos de divulgação, ou em quaisquer emprêsas nas quais se produza propaganda. 114 O artigo 3o trouxe uma definição de agência publicitária como sendo “[...] pessoa jurídica [...] especializada na arte e técnica publicitária, que, através de especialistas, estuda, concebe, executa e distribui propaganda aos veículos de divulgação, por ordem e conta de clientes anunciantes, com o objetivo de promover a venda de produtos e serviços, difundir ideias ou informar o público a respeito de organizações ou instituições colocadas a serviço desse mesmo público”.

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Desta análise são escolhidas determinadas propostas e apresentadas algumas diretrizes ao anunciante patrocinador. Posteriormente, é elaborado um plano de mídia, considerando o orçamento disponível e o universo de consumidores ao qual a publicidade será destinada. Logo após a reflexão estratégica encontra-se uma terceira fase que diz respeito à fase de criação propriamente dita da publicidade. Nesta, o agente publicitário atua com mais ênfase exercendo sua criatividade e liberdade de criação, mas sempre de maneira guiada e orientada pela diretriz escolhida pelo anunciante. É nesta fase de confecção do anúncio publicitário que deve ser feita a aferição deste com os preceitos instituídos pela Constituição Federal, a legislação infraconstitucional consumerista (principalmente o Código de Proteção e Defesa do Consumidor), assim como com o Código de Autorregulamentação Publicitária, para que se obtenha uma peça publicitária em consonância com os ditames do microssistema consumerista. Por fim temos a fase de produção da peça publicitária em si, onde é escolhido o meio de comunicação social a ser utilizado para a veiculação da mensagem publicitária (geralmente um meio de comunicação em massa) e é feita a confecção do material a ser utilizado na campanha publicitária de acordo com o veículo de comunicação escolhido (visual e/ou auditivo), completando assim as fases de criação da publicidade. A comunicação publicitária é vista atualmente como a mais importante técnica de estimulação ao consumo na sociedade moderna, estimulação essa que provoca vultosas consequências sociais, pois nem todos que são expostos a um determinado anúncio publicitário dispõem dos meios econômicos necessários para adquirir ou utilizar os produtos e/ou serviços nele anunciados. Com efeito, a situação se configura de maneira que enquanto a publicidade manda consumir a economia o proíbe, o que faz com que a ditadura da sociedade de consumo exerça um totalitarismo simétrico ao de sua irmã gêmea, a ditadura da organização desigual do 88

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mundo115. Atualmente a comunicação publicitária não se destina tão somente ao repasse de informações sobre o produto e/ou serviço aos consumidores, todavia atua com o objetivo principal de orientar o consumo, criar necessidades e ampliar a demanda 116. A questão principal é que a mensagem publicitária atua invadindo e influenciando a esfera decisória do consumidor, por vezes levandoo a adquirir ou utilizar certos produtos ou serviços dos quais não necessitava realmente ou mesmo sem maiores questionamentos a respeito das características ou qualidades que estes apresentam. Constatando essa forma de atuação da publicidade na sociedade de consumo, que representa o seu vasto poder de criar hábitos e ditar comportamentos sociais, mostra-se necessária uma compreensão pormenorizada desse instituto para que sejam apropriadamente aplicadas as disposições normativas do microssistema consumerista relacionadas à publicidade, a fim de que se possa propiciar uma tutela mais efetiva do consumidor em relação à comunicação publicitária.

3.3. PUBLICIDADE E PROPAGANDA Etimologicamente a palavra “propaganda” vem do latim propagare, que quer dizer propagar, difundir, enquanto o vocábulo “publicidade” deriva do latim publicus, que significa tornar público, divulgar, qualidade do que é público. Embora compartilhem a mesma origem e possuam nesta um significado comum, em se tratando da dogmática jurídica das relações de consumo os termos “propaganda” e “publicidade” possuem conotações diferentes, não podendo ser usados indistintamente como sinônimos. Para os fins de aplicabilidade do microssistema consumerista, a publicidade 115

Eduardo Galeano, De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso, p. 25. Alberto do Amaral Júnior, O princípio da vinculação da mensagem publicitária, In: Revista de direito do consumidor, p. 42. 116

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deve estar ligada necessariamente a uma atividade econômica, possuir um objetivo comercial, ou seja, contribuir de alguma forma para a aproximação do produto e/ou serviço, marca ou empresa ao consumidor, com a finalidade de instigá-lo ao consumo. Difere-se por sua vez da publicidade a propaganda à medida que esta última compreende toda forma de comunicação, direcionada a público determinado ou indeterminado, sem finalidade comercial, isto é, sem fazer parte do desenvolvimento de qualquer atividade econômica, uma vez que é elaborada com a finalidade precípua de difusão de ideias relacionadas, por exemplo, a uma determinada filosofia, orientação política ou político-partidária, economia, ciência, religião, arte ou sociedade 117. Assim sendo, podemos afirmar que a própria Constituição Federal se utiliza de uma expressão contraditória ao se referir à “propaganda comercial” no artigo 22, inciso XXIX que trata da competência legislativa privativa da União, uma vez que, conforme a explicitada dicotomia existente entre publicidade e propaganda, esta não se coaduna com a existência de finalidade comercial, e ao mesmo tempo o emprego da expressão “publicidade comercial” se mostraria redundante. Isto posto, o correto seria a utilização simples do termo “publicidade”, visto que a exploração econômica já é característica intrínseca desta. Em vista disso, podemos afirmar que, da mesma forma que ocorre com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, ao trazer na redação do seu artigo 11 a observação de que “A propaganda política e a políticopartidária não são capituladas neste Código”, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor não trouxe disposições normativas com o escopo de disciplinar a propaganda, mas tão somente a publicidade. E o mesmo ocorre em todo o microssistema consumerista. 117

Vidal Serrano Nunes Júnior, Publicidade comercial: proteção e limites na Constituição de 1988, p. 16.

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3.4. PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Ao longo da história os princípios jurídicos em geral já foram objeto de diferentes formas de compreensão, sobretudo em relação às funções que exercem e quanto ao seu posicionamento no que tange ao ordenamento jurídico. Podemos dividir essa variação paradigmática experimentada pelos princípios em três períodos ou doutrinas jurídicas: jusnaturalismo, positivismo e pós-positivismo. No período conhecido como jusnaturalista, os princípios eram considerados apenas como entes abstratos, possuidores de uma normatividade praticamente nula, não constavam de forma expressa nas Constituições ou mesmo na legislação infraconstitucional dos Estados. Os princípios ficavam somente no plano do Direito natural e exerciam uma influencia desprezível no ordenamento jurídico vigente, quase nunca eram invocados na aplicação do Direito. Com o advento do pensamento positivista, os princípios deixaram de ocupar uma posição puramente de Direito natural e foram “codificados”, ou seja, passaram a fazer parte do Direito escrito por meio dos códigos e leis (âmbito infraconstitucional), além de adquirir uma função de fonte normativa subsidiária (integrativa). Assim, compondo as normas vigentes, os princípios começaram a ser utilizados de forma secundária, para completar o sentido de uma regra ou mesmo aplicados de forma autônoma diante da impossibilidade do regramento existente regular um determinado caso concreto de forma satisfatória. Por último, podemos observar outra mudança de paradigma instituída através do chamado póspositivismo, manifestado principalmente através da doutrina neoconstitucionalista, marcada pela busca de uma destinação mais útil da aplicação da norma. Como resultado da influência desse pensamento neoconstitucional os princípios: atingiram um status constitucional, começando a serem inseridos de forma expressa nos textos das Constituições dos Estados; adquiriram um poder normativo 91

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primordial, inclusive superior às regras, ao serem concebidos como entes dotados de força normativa capazes de influenciar a realidade político-social; e passaram a ser compreendidos como fundamentais ao Direito, atuando como institutos sedimentadores de determinadas axiologias, além de influenciar todo o ordenamento jurídico ao funcionarem como diretrizes hermenêuticas. Na sistemática atual, essa característica de funcionar como parâmetro hermenêutico mostra-se absolutamente importante em virtude da divisão existente entre hermenêutica e interpretação, considerando aquela como o conjunto de princípios que regulam e orientam a interpretação das normas jurídicas, enquanto esta como o descobrimento do sentido real da norma, seu conteúdo ôntico 118. Deste modo, pode-se afirmar que atualmente os princípios jurídicos constituem vetores de orientação da atividade dos intérpretes das disposições normativas durante a sua aplicação. Isto, entendendo-se o processo de interpretação desenvolvido como a atividade de “explicar, esclarecer; dar significado ao vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo que na mesma se contem” 119. Nesse contexto de crescente importância na atividade interpretativa, cabe-nos reconhecer o risco de se adentrar no problema dos princípios do Direito, uma vez que estes são invocados constantemente por todos os seus operadores mesmo diante da impossibilidade de se chegar a um consenso a respeito de seu conceito, quais assim podem ser considerados e sua relação com as normas jurídicas 120. Contudo, não obstante a persistência de tais questionamentos, passaremos à análise dos princípios em espécie do microssistema consumerista que atuam como norteadores da atividade publicitária. 118

Ivo Dantas, Princípios constitucionais e interpretação constitucional, p.

83. 119

Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 9. Francisco Javier Ezquiaga Ganuzas, La argumentación interpretativa en la justicia electoral mexicana, p. 177. 120

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Princípio da identificação da publicidade. Também chamado princípio da clareza, ostentação ou autenticidade121, este princípio enuncia que a publicidade dever ser veiculada de maneira ostensiva, ou seja, de forma a possibilitar que os consumidores percebam de plano que estão diante de uma peça publicitária, tendo plena consciência dessa situação. Deste modo, o microssistema de proteção do consumidor busca repelir todas as formas de publicidade ocultas e dissimuladas. Esse princípio encontra-se consubstanciado na disposição normativa expressa no artigo 36, caput do Código de Defesa do Consumidor, a qual institui que: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”. No mesmo sentido, está o artigo 28 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária ao enunciar que: “o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação”, assim como o artigo 9 o, caput deste mesmo diploma, ao determinar: “A atividade publicitária de que trata este Código será sempre ostensiva”. Na mesma esteira ainda podemos encontrar o artigo 9 o (Identificação) do Código Consolidado da Câmara de Comercio Internacional sobre Práticas de Publicidade e Comunicação Comercial122. 121

Neste sentido: Paulo Vasconcelos Jacobina, Publicidade no direito do consumidor, p. 67. 122 Diz a redação do referido artigo: “A comunicação comercial deve poder ser claramente distinguida enquanto tal, qualquer que seja a forma ou suporte utilizado. Quando um anúncio é difundido num Meio que contenha notícias ou matéria editorial, deve ser apresentado de forma a que possa ser facilmente reconhecido como anúncio, e a identidade do anunciante deve ser evidente. A comunicação comercial não deve dissimular o seu verdadeiro objectivo. Não deve, por exemplo, ser apresentada como estudo de mercado ou inquérito ao consumidor se a sua finalidade é comercial ou, noutras palavras, visa a venda de um produto”. Código Consolidado da Câmara de Comercio Internacional sobre Práticas de Publicidade e Comunicação Comercial. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2010.

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O princípio em questão institui que o anúncio publicitário deve ser assim reconhecido no instante de sua veiculação e com facilidade pelo consumidor exposto a ele, sem que sejam exigidas quaisquer capacidades especiais por parte deste para tanto, considerando como critério para a realização dessa aferição o perfil do homem médio. Logo, sempre que ocorra a emissão de uma mensagem publicitária, o consumidor deve sempre entender que está perante um anúncio com intenção comercial, ou seja, deve estar consciente de que ele esta sendo naquele momento o destinatário de uma comunicação de natureza publicitária. O objetivo do princípio identificação da publicidade é coibir a veiculação da chamada publicidade clandestina, que diz respeito às mensagens publicitárias que são veiculadas de forma encoberta, dificultando a sua identificação pelo consumidor, tais como alguns tipos de merchandising ou product placement, a mensagem subliminar, algumas formas de teaser, e a publicidade dissimulada. Sendo assim, é visível que quaisquer técnicas utilizadas por publicitários e/ou agências publicitárias com o escopo de travestir uma mensagem publicitária para que assim não seja identificada pelo consumidor é condenada pelo microssistema de proteção e defesa do consumidor por contrariar o princípio da identificação da publicidade. Princípio da vinculação contratual da publicidade ou princípio da obrigatoriedade do cumprimento. Este princípio encontra-se insculpido no texto do artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor123. Diz respeito ao poder que dispõe o consumidor de exigir que o fornecedor-anunciante cumpra o que apresentar em oferta ou comunicação publicitária, independentemente da forma ou meio de comunicação utilizado para a sua veiculação, ficando assim este último vinculado ao seu próprio anúncio, ou seja, o fornecedor123

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

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anunciante tem obrigação de cumprir o que for proposto em sede de uma peça publicitária, seja esta veiculada por ele próprio ou de que tenha se utilizado. Todavia, nos termos do supramencionado artigo, essa obrigatoriedade de cumprimento apenas tem aplicação quando se tratar de uma publicidade “suficientemente precisa”, isto é, que possua condições previamente delineadas. Estas, como tal, passam a integrar o contrato que vier a ser celebrado. O artigo 13, inciso VI do Decreto no 2.181, de 20 de março de 1997 institui como sendo “prática infrativa” o descumprimento de oferta suficientemente precisa, ainda que não seja publicitária, ressalvando os casos em que a incorreção seja retificada em tempo hábil ou atribuível ao veículo de comunicação de forma exclusiva. Porém, mesmo diante destes casos ressalvados é assegurado ao consumidor o direito de pleitear o cumprimento forçado do anúncio ou ainda o ressarcimento por perdas e danos 124. O que se busca através do princípio da vinculação contratual da publicidade é a coibição de qualquer anuncio publicitário elaborado com a finalidade de meramente atrair clientela para um determinado produto, serviço, marca ou empresa, utilizando-se de técnica que consiste em veicular uma peça publicitária, em regra contendo condições extremamente vantajosas para o consumidor, já com prévio intuito de incumprimento total ou parcial destas condições. No entanto, assim como o anunciante tem a obrigação de agir com boa-fé, esta também deve pautar a conduta dos consumidores, de forma que em hipótese de flagrante equívoco em informação ou publicidade, não 124

Art. 13. Serão consideradas, ainda, práticas infrativas, na forma dos dispositivos da Lei nº 8.078, de 1990: [...] VI – deixar de cumprir a oferta, publicitária ou não, suficientemente precisa, ressalvada a incorreção retificada em tempo hábil ou exclusivamente atribuível ao veículo de comunicação, sem prejuízo, inclusive nessas duas hipóteses, do cumprimento forçado do anunciado ou do ressarcimento de perdas e danos sofridos pelo consumidor, assegurado o direito de regresso do anunciante contra seu segurador ou responsável direto. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2011.

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se deve consentir uma vinculação do fornecedor pretendida por consumidor movido pelo propósito do enriquecimento ilícito 125. Porém, esse tipo de caso especial deve ser bem analisado em cada situação concreta para que não haja decisões desarrazoadas. O princípio da vinculação contratual da publicidade fundamenta-se na teoria da confiança, do consumidor em relação à declaração publicitária. Consoante o artigo 23 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária: “Os anúncios devem ser realizados de forma a não abusar da confiança do consumidor, não explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credulidade”. Sendo assim, inexiste a necessidade de se analisar o dolo do fornecedor (vontade interna e erro na cadeia de fornecimento) na prestação da informação para que o que foi declarado seja capaz de vincula-lo, bastando que a confiança dos consumidores tenha sido despertada (teoria da confiança, subespécie da teoria da declaração)126. A publicidade obedece ao mesmo regime de responsabilização da oferta de modo geral, uma vez que esta é o gênero do qual aquela é espécie 127. Dispõe ainda o 125

James Eduardo Oliveira, Código de Defesa do Consumidor, p. 363. Claudia Lima Marques, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 532. 127 No sentido da aplicação do princípio da vinculação da mensagem publicitária reconhecendo a responsabilidade do fornecedor já houve decisão do Superior Tribunal de Justiça ementada da seguinte forma: “Consumidor. Recurso especial. Publicidade. Oferta. Princípio da vinculação. Obrigação do fornecedor. – O CDC dispõe que toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, desde que suficientemente precisa e efetivamente conhecida pelos consumidores a que é destinada, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, bem como integra o contrato que vier a ser celebrado. - Constatado pelo eg. Tribunal a quo que o fornecedor, através de publicidade amplamente divulgada, garantiu a entrega de veículo objeto de contrato de compra e venda firmado entre o consumidor e uma de suas concessionárias, submete-se ao cumprimento da obrigação nos exatos 126

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artigo 35 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor quanto às ações que podem ser adotadas alternativamente e de livre escolha pelos consumidores quando o fornecedor-anunciante não se dispuser a cumprir o conteúdo de mensagem publicitária, apresentação ou oferta, que tenha veiculado ou dela se utilizado128. Princípio da veracidade da publicidade. Estamos diante de um dos mais importantes princípios adotados pelo microssistema consumerista no que diz respeito à publicidade. É em decorrência deste princípio que se proíbe a veiculação de publicidade enganosa, definida pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor nos parágrafos 1o e 3o do artigo 37 129. Este princípio também pode ser vislumbrado na redação do artigo 31 do mencionado diploma consumerista, que impõe a necessidade de que sejam asseguradas “informações corretas” (entenda-se verdadeiras) na oferta e apresentação de produtos e serviços. A relevância da correção das informações na atividade publicitária como exigência do princípio da veratermos da oferta apresentada. – Diante da declaração de falência da concessionária, a responsabilidade pela informação ou publicidade divulgada recai integralmente sobre a empresa fornecedora.” Superior Tribunal de Justiça. Resp. no. 363.939/MG. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgamento em 04/06/2007. DJ. 01/07/2002. 128 Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. 129 Art. 37, §1o. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. [...] §3o. Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

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cidade da publicidade reside no fato de que o conhecimento do consumidor a respeito dos produtos e/ou serviços anunciados, assim como o seu convencimento, é pautado sobre as informações veiculadas na peça publicitária, pois, conforme assevera Kirkpatrick130, não há uma dicotomia entre publicidade informativa e publicidade persuasiva, sendo, portanto, todas as formas de publicidade informativas e persuasivas a um só tempo. Para estar de acordo com o princípio da veracidade, a mensagem publicitária deve ser emitida de forma condizente com a realidade do produto ou serviço anunciado, de forma honesta, que propicie ao consumidor um conhecimento sobre as reais características do que está sendo anunciado, bem como sobre as verdadeiras condições que permeiam a relação de aquisição ou utilização do produto ou serviço objeto do anúncio. Somente desta forma é que o consumidor poderá exercer de maneira livre e plena o seu direito de escolha, sem qualquer contaminação advinda de compreensões errôneas causadas por informações lastreadas por inverdades. Princípio da não-abusividade da publicidade. Este princípio encontra-se consubstanciado na redação contida no artigo 37, §2 o do Código de Defesa do Consumidor, que traz uma definição de publicidade abusiva131. A finalidade do princípio em questão consiste em rechaçar esse tipo de prática visando à proteção de valores ambientais e éticos da sociedade em geral, assim como o resguardo da saúde e segurança do consumidor. Podemos reconhecer também a incidência desse princípio no artigo 31 do Código, quando exige a presença de informações a respeito dos riscos que apresentam à 130

Jerry Kirkpatrick, In defense of advertising: arguments from reason, ethical egoism, and laissez-faire capitalism, p. 68. 131 Art. 37, §2o. É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

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saúde e segurança dos consumidores na oferta e apresentação dos produtos e serviços 132, uma vez que, a ausência destas informações pode ser capaz de influenciar o consumidor a assumir comportamentos prejudiciais ou perigosos à sua própria saúde ou segurança. Princípio da inversão do ônus da prova. O Código de Defesa do Consumidor trouxe em seu artigo 38 previsão que fundamenta a aplicação imediata desse princípio. Segundo o referido artigo: “O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”. Esse princípio diz respeito a uma das formas de efetivação do direito básico do consumidor à facilitação da defesa de seus direitos enunciado no artigo 6o, inciso VIII do mencionado diploma consumerista. O princípio em questão traz em seu bojo imposição ao anunciante-patrocinador da obrigação de provar que a mensagem publicitária possui um conteúdo verdadeiro e correto, retirando assim o ônus da prova que em princípio recairia sobre o consumidor atingido por ela. De tal forma, em caso de discussão jurídica com o consumidor a respeito da veracidade e correção de um determinado anúncio publicitário, incumbe ao patrocinador deste o encargo de provar a incidência de tais características em sua peça publicitária. O princípio da inversão do ônus da prova encontra seu fulcro no fato de que não se mostraria coerente a atribuição de tal ônus ao consumidor diante da constatação (presunção) de sua vulnerabilidade e hipossuficiência de condições técnicas e econômicas para a realização da prova. Neste caso, em se tratando da seara publicitária, o ônus já se encontra invertido por expressa determinação legal (ope legis), independentemente de declaração judicial neste sentido. Princípio da transparência da fundamentação da publicidade. Este princípio consagrado no microssistema brasileiro de proteção 132

Art. 31. A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores

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do consumidor guarda uma grande similaridade com o conceito de requirement advertising substantiation (exigência de prova da publicidade) existente no Direito norte-americano, no sentido de que impõe ao fornecedor-anunciante o dever de possuir uma fundamentação razoável a respeito da peça publicitária por ele patrocinada. Conforme redação do artigo 36, parágrafo único do Código de Proteção e Defesa do Consumidor: “O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.” Neste dispositivo encontra-se a consagração legislativa do princípio da transparência da fundamentação da publicidade no ordenamento jurídico brasileiro. No mesmo sentido está o artigo 27, §1o do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária ao estabelecer: “No anúncio, todas as descrições, alegações e comparações que se relacionem com fatos ou dados objetivos devem ser comprobatórias, cabendo aos Anunciantes e Agências fornecer as comprovações, quando solicitadas”. O princípio da transparência da fundamentação da publicidade exige que esta seja elaborada a partir de critérios racionais, que devem consistir em dados fáticos, técnicos e científicos (artigo 36, parágrafo único, CDC). Esses dados legalmente exigidos devem ser, conforme cominação legal, de livre acesso por parte dos legitimamente interessados. Assim sendo, podemos concluir que é obrigação do fornecedor realizar os testes necessários em seus produtos e/ou serviços, mantendo em seu poder os dados e resultados colhidos para que sirvam de base de sustentação para a sua peça publicitária em uma eventual necessidade de demonstração. Princípio da correção do desvio publicitário. Esse princípio enuncia a possibilidade de realização da desconstrução do resultado nefasto causado pela emissão de uma mensagem publicitária considerada ilícita (desvio publicitário), mediante instrumentos que sejam capazes de fomentar o alcance desse fim, seja na esfera penal, civil, ou mesmo administrativa. O instituto que melhor representa a efetivação desse princípio no microssistema consumerista é 100

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contrapropaganda (contrapublicidade), uma sanção administrativa prevista no artigo 56, inciso XII do Código de Proteção e Defesa do Consumidor133, usada com a finalidade de tentar desfazer ou mesmo reduzir os efeitos ocasionados por uma comunicação publicitária enganosa ou abusiva. Entretanto, ainda como corolário do princípio da correção do desvio publicitário, além da possibilidade de ser sancionado administrativamente pela contrapropaganda, o anunciante que patrocina uma mensagem publicitária enganosa ou abusiva pode ser responsabilizado civil e penalmente. Princípio da lealdade publicitária. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4o, traz um rol de princípios norteadores da Política Nacional de Relações de Consumo, entre eles, podemos citar os incisos III e VI como dispositivos nos quais pode ser vislumbrado o princípio da lealdade publicitária. O primeiro pode ser considerado uma expressão desse princípio ao se referir à boa-fé como baldrame para a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo, bem como para a compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de maneira que possa viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica; o segundo, ao instituir a coibição e repressão de todos os abusos praticados no mercado de consumo, capazes de causar prejuízos aos consumidores, incluindo a concorrência desleal e a utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos. Embora não haja referência direta à atividade publicitária nos mencionados dispositivos, pode-se perceber que eles guardam uma íntima relação com o princípio da lealdade publicitária, seja ao ressaltar a importância da boa-fé dentro das relações de consumo em geral ou rechaçando práticas abusivas que possam ser prejudiciais aos consumidores. Essa forma de pensa133

Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: [...] XII – imposição de contrapropaganda.

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mento é corroborada pela disposição contida no artigo 4 o do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, ao determinar que: “Todo anúncio deve respeitar os princípios de leal concorrência geralmente aceitos no mundo dos negócios”. O microssistema de proteção consumerista incorporou o princípio da boa-fé objetiva, em conformidade com sua versão original germânica, como cláusula geral que impõe às partes o dever de colaboração mútua para a consecução dos fins perseguidos mediante a celebração do contrato134. O princípio da lealdade é corolário do princípio da boa-fé, ao se falar em lealdade publicitária devemos sempre relacioná-la à dimensão do princípio da boa-fé que diz respeito à parte do fornecedor-anunciante que, ao patrocinar uma mensagem publicitária, deve assumir uma conduta marcada pela boa-fé, agindo assim consequentemente com lealdade.

3.5. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL E PUBLICIDADE PROMOCIONAL De acordo com o escopo colimado a partir do desenvolvimento da atividade publicitária, uma determinada peça dessa natureza pode vir a ser classificada como publicidade institucional ou publicidade promocional, variando conforme o objeto do anúncio. A publicidade institucional, também chamada publicidade corporativa, é utilizada em campanha publicitária desenvolvida com o objetivo de divulgar somente a marca ou empresa do fornecedoranunciante, isto é, trata-se de uma prática publicitária onde a finalidade comercial é apenas indireta à medida que não existe nesse tipo de publicidade o propósito de fazer com que o consumidor, de maneira específica, adquira certo produto ou utilize um determina134

Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, A boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no novo Código Civil, In: Obrigações: estudos na perspectiva civil constitucional, p. 33.

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do serviço. Essa espécie de publicidade é elaborada com a intenção precípua de difundir apenas a marca ou o nome da empresa (são estes os objetos do anúncio), fazendo com que o grupo de pessoas exposto à mensagem publicitária, além de consumidor por equiparação (decorrente da exposição à publicidade nos termos do artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor), se torne também, posteriormente, consumidor direto dos produtos e/ou serviços da marca ou empresa protagonista do anúncio publicitário. Geralmente nesse tipo de publicidade o benefício é obtido em longo prazo, portanto, normalmente é utilizado na tentativa de fidelizar o consumidor a uma determinada marca ou estabelecimento comercial (empresa). Entretanto, embora exista uma parcela de anúncios publicitários que pode ser classificada como publicidade institucional, a imensa maioria das peças publicitárias diz respeito à publicidade promocional, que consiste no fruto da atividade publicitária desenvolvida com finalidade comercial direta, ou seja, a divulgação de determinados produtos e/ou serviços de forma específica objetivando provocar a demanda imediata destes por parte dos consumidores expostos à mensagem publicitária. Ao contrário do que ocorre com a publicidade institucional, a publicidade promocional não é realizada com o propósito principal de difundir uma marca ou nome de empresa tão somente, esta é desenvolvida com a finalidade de provocar a demanda de certos produtos e/ou serviços que especificamente constituem objeto do anúncio publicitário. Esta espécie de publicidade é a mais utilizada porque, em geral, seus benefícios são auferidos em um período de curto prazo.

3.6. PUBLICIDADE CLANDESTINA Qualquer espécie de comunicação publicitária que seja elaborada com a finalidade de ludibriar o consumidor mediante a utilização de técnicas que possam dificultar ou até mesmo anular a capacidade de discernimento deste a respeito de sua condição de estar 103

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ou não exposto a uma mensagem de conteúdo publicitário pode ser classificada como publicidade clandestina. Essa categoria de publicidade pode ser vislumbrada principalmente em técnicas publicitárias como o product placement, a mensagem subliminar, o teaser, ou mesmo a publicidade dissimulada. Em todos esses casos, em se tratando de uma forma de publicidade oculta, ou seja, que não permita ser identificada como tal pelo consumidor a ela exposto, podemos considerar que há uma afronta ao princípio da identificação da publicidade expresso no artigo 36, caput do Código de Defesa do Consumidor, bem como nos artigos 9o e 28 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Por isso, a utilização de publicidade clandestina é uma prática que deve ser peremptoriamente repelida na execução de campanhas publicitárias. No entanto, passemos a analisar a suas principais formas de manifestação que podem ser encontradas no mercado de consumo.

3.6.1. Product placement No campo da publicidade dizemos que ocorre product placement (por vezes chamado também de merchandising) quando há a inserção de um produto, a exibição de uma logomarca, a ostentação de uma empresa ou mesmo a ênfase na prestação de um determinado serviço no meio de uma comunicação não especificamente publicitária (v.g., filme, série, novela, peça teatral, etc.), geralmente em troca de uma contraprestação econômica (finalidade comercial). O product placement diz respeito a uma inserção, dissimulada ou não, de uma publicidade dentro do conteúdo de uma comunicação dita não publicitária, aproveitando-se da debilitação momentânea do senso crítico do consumidor para fazer uma avaliação mais consistente a respeito do objeto de um anúncio publicitário, para impingir-lhe determinados produtos, serviços ou marcas, visto que, desta maneira, o consumidor não tendo plena consciência que esta sendo submetido a uma comunicação de natureza publicitária não pode realizar uma arrazoamento mais aguçado a respeito do 104

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que lhe está sendo apresentado ou proposto 135. Nesse âmbito, é importante estar ciente que essa publicidade não é feita de forma gratuita ou fortuita, mas ao contrário, existe quase sempre uma vinculação contratual entre o fornecedor-anunciante e o responsável pela comunicação não publicitária, onde aquele oferece uma contraprestação pelo espaço de divulgação concedido por este 136. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor não trouxe uma proibição expressa contra o product placement, porém, reconhecemos que, quando não seja empregado de modo que o consumidor possa perceber que está diante de uma comunicação de cunho publicitário, esse tipo de prática deve ser considerado ilícito, mormente por se tratar de uma maneira de tentar ludibriar o consumidor através da dissimulação da comunicação publicitária, o que caracteriza uma forma de publicidade clandestina, não se adequando, portanto, ao princípio da identificação da publicidade consagrado pelo microssistema consumerista. Visando evitar esse tipo de situação onde o consumidor encontra-se alheio ao fato de que está sendo exposto a uma mensagem publicitária, o artigo 29, parágrafo único do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária nos traz a seguinte afirmação: “Este Código encoraja os Veículos de Comunicação a adotarem medidas ao seu alcance destinadas a facilitar a apreensão da natureza publicitária da ação de “merchandising”” 137. Em corroboração 135

Poderíamos conjeturar, por exemplo, que as tantas vezes que ao vermos uma produção cinematográfica de Hollywood nos deparamos com um close de câmera sobre a logomarca da empresa multinacional norte-americana apple Inc. estampada em um notebook não seriam produto de mero acaso, mas sim resultantes de um contrato publicitário celebrado entre a citada marca e a indústria cinematográfica. 136 Claudia Lima Marques, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 529. 137 Tanto nesse como nos demais artigos do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária o termo “merchandising” deve ser entendido como sinônimo de product placement.

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a tal afirmação podemos apontar a observação constante no artigo 10 do mesmo diploma normativo, ao instituir que: “A publicidade indireta ou “merchandising” submeter-se-á igualmente a todas as normas dispostas neste Código, em especial os princípios de ostensividade (art. 9o) e identificação publicitária (artigo 28)”. Tal observação vem reafirmar a necessidade de que qualquer comunicação de natureza publicitária possa assim ser identificada pelos consumidores, mesmo em se tratando de uma publicidade indireta como é o caso do product placement. Ainda, o citado dispositivo normativo vai além ao estabelecer que esse tipo de técnica publicitária também deve submeter-se ao princípio da ostensividade, em outras palavras, isto que dizer que as peças publicitárias que se utilizem da técnica de product placement devem necessariamente ser elaboradas de forma ostentosa, ou seja, que atraia a atenção dos consumidores fazendo-os facilmente reconhece-la como uma comunicação de natureza publicitária.

3.6.2. Mensagem Subliminar A origem moderna da comunicação subliminar remonta ao ano de 1957, quando um especialista americano em marketing chamado James Vicary criou um empresa chamada Subliminal Projection Company e desenvolveu um sistema de publicidade baseado no que ele chamou de subliminal projection (projeção subliminar). A experiência conduzida por Vicary consistiu em inserir, por meio de um taquitoscópio, na velocidade de 1/3.000 de segundo as mensagens Drink Coke (beba coca-cola) e Hungry? Eat popcorn (Com fome? Coma pipoca) em uma sala de cinema nos Estados Unidos. Segundo os resultados apresentados por ele, nas noites em que as mensagens foram projetadas, as vendas de pipoca aumentaram em 57,7%, e as vendas de coca-cola em 18,1%. Porém, o próprio Vicary veio a desmentir posteriormente os resultados de sua pesquisa, deixando com isso uma dúvida a respeito da veracidade de tal eficácia da utilização desse tipo de mensagem. 106

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Na seara da publicidade, a mensagem subliminar (subliminal advertising) atua de maneira análoga ao product placement no sentido de que realiza, da mesma forma que este, uma inserção de uma mensagem publicitária dentro de uma comunicação de conteúdo diverso (não publicitário), motivada por um propósito comercial. Todavia, a mensagem subliminar se diferencia do product placement na medida em que esta é criada com o objetivo deliberado de dissimular a comunicação publicitária de forma tal que os consumidores não consigam perceber que estão diante de uma comunicação dessa natureza, caso contrário, esta técnica publicitária já estaria descaracterizada. Na verdade o que ocorre na veiculação de uma mensagem subliminar é que os consumidores não são capazes sequer de identificar a mensagem conscientemente através dos sentidos, sendo esta recebida e absorvida por eles apenas em nível subconsciente, o que compromete de maneira cabal o seu senso crítico de distinção e julgamento. A técnica de veiculação de mensagem subliminar diz respeito a um tipo de prática publicitária onde os estímulos são tão fracos e de duração tão efêmera que escapam a percepção da consciência, entretanto são suficientemente poderosos para influenciar o comportamento dos que a eles forem expostos.138 Deste modo, tal prática é capaz de atingir os objetivos colimados pelos fornecedores-anunciantes que se utilizam desse tipo de técnica, uma vez que são aptas a influenciar ações e comportamentos dos consumidores sem permitir qualquer espécie de julgamento crítico consciente por parte destes, visto que tais mensagens subliminares, geralmente, ao contrário do que pode ocorrer com merchandising ou product placement, não são nem mesmo percebidas pelos consumidores como espécie de comunicação publicitária, por mais atentos que possam estar. Com relação à regulamentação da utilização da mensagem subliminar, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitá138

Adalberto Pasqualotto, Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor, p. 90.

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ria, a priori, baseando-se em argumentos tais como a não comprovação desse tipo de técnica e o fato de nunca ter sido “detectada de forma juridicamente inconteste”, segue um posicionamento de abstenção. No entanto, o mesmo diploma normativo em seu artigo 29 repudia expressamente qualquer espécie de prática publicitária realizada com a finalidade de produzir efeitos subliminares 139. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor também não trouxe qualquer forma de regulamentação expressa a respeito do tema. Wilson Bryan Key, um dos pioneiros e um dos maiores estudiosos e pesquisadores deste tema no mundo, já declarou categoricamente acreditar na efetividade das técnicas de estímulo subliminares, especialmente no âmbito da publicidade, para influenciar o comportamento humano140. Contudo, em posicionamento diametralmente oposto a esta forma de pensamento, existem opiniões como a de Kirkpatrick, no sentido de que, afirmar que os publicitários se utilizam de forma consciente e deliberada de mensagens subliminares embutidas em peças publicitárias pode ser comparado a considerar a existência de simbolismo sexual nas nuvens 141. Atualmente, embora existam inúmeros estudos científicos a respeito do 139

Art. 29. Este Código não se ocupa da chamada “propaganda subliminar”, por não se tratar de técnica comprovada, jamais detectada de forma juridicamente inconteste. São condenadas, no entanto, quaisquer tentativas destinadas a produzir efeitos “subliminares” em publicidade ou propaganda. 140 No texto original: “As a writer, scholar and researcher, I believe subliminal advertising is indeed effective. This conclusion is based upon ten years of research, years of prior work in the advertising industry, and the personal testimony of colleagues and associates in both academia and the business world. […] I believe subliminal stimulus techniques, indeed, have a most significant potential to change human behavior in measurable ways”. Subliminal ad-ventures in erotic art, p. 27. 141 “Indeed, the charge that advertisers consciously and willfully use subliminal embeds in advertisements carries no more weight of evidence than the assertion that clouds contain sexual symbolism.” Jerry Kirkpatrick, In defense of advertising: arguments from reason, ethical egoism, and laissez-faire capitalism, p. 66.

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tema, ainda há controvérsia sobre a eficácia real dessa espécie subliminar de publicidade. O que certamente podemos afirmar é que, por se tratar de técnica publicitária que não permite sua identificação como tal por parte dos consumidores que a ela são expostos, sendo por isso considerada uma forma de publicidade clandestina, a utilização dessa espécie de anúncio publicitário é absolutamente repudiada pelo microssistema adotado pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, pois, da mesma forma que pode ocorrer com o merchandising ou product placement, vai de encontro ao consagrado princípio da identificação da publicidade.

3.6.3. Teaser O termo teaser é derivado do verbo da língua inglesa to tease, que significa provocar, excitar ou incitar. Na dogmática jurídica consumerista o teaser constitui uma prática publicitária na qual o principal objetivo consiste na criação de uma expectativa no consumidor a respeito de um determinado produto ou serviço que será disponibilizado por certa marca ou empresa em um momento futuro, ou seja, ainda não se encontra disponível no mercado. Podemos vislumbrar uma aceitação desse instituto no microssistema consumerista a partir da análise da redação contida no artigo 9o, §2o do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que traz uma disposição específica a respeito do teaser nos seguintes termos: “O “teaser”, assim entendida a mensagem que visa a criar expectativa ou curiosidade no público, poderá prescindir da identificação do anunciante, do produto ou do serviço”. Sendo assim, podemos perceber que não constitui requisito necessário para a veiculação desse tipo de anúncio publicitário a identificação do fornecedor-anunciante, assim como do produto ou serviço anunciado. De tal forma, uma peça publicitária caracterizada como teaser, ainda que não permita aos consumidores o conhecimento imediato a respeito da identidade do anunciante, ou do produto ou 109

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serviço que está sendo objeto de tal comunicação publicitária, funciona como prelúdio do anúncio publicitário propriamente dito, possuindo a função de criar excitação, expectativa e/ou ansiedade nos consumidores que a ele são expostos, em relação a um produto, serviço ou marca ou empresa que ainda será lançada no mercado de consumo. No entanto, mesmo atuando de maneira preliminar em relação à publicidade propriamente dita, o teaser também constitui uma espécie de comunicação publicitária, devendo igualmente por isso obedecer a todos os princípios e regras que regem esse tipo de atividade, e de maneira especial o princípio da identificação da publicidade. Assim, na utilização de uma peça publicitária de tal natureza, mesmo quando não haja identificação do anunciante, do produto ou do serviço anunciado, a mensagem deve ser elaborada de forma que possa proporcionar aos consumidores no mínimo a ciência de que estão diante de uma comunicação de natureza publicitária, caso contrário, ainda que não seja uma técnica publicitária manifestamente rechaçada pelo Código de Defesa do Consumidor, poderá do mesmo modo ser considerada espécie de publicidade clandestina, e consequentemente inadmitida pelo microssistema normativo de proteção de defesa do consumidor.

3.6.4. Dissimulada Considera-se como publicidade dissimulada o anúncio que vem disfarçado em forma de uma matéria editorial (reportagem ou notícia) on line ou impressa, seja em jornal, revista, veículos de radiodifusão, ou ainda em qualquer outro meio de comunicação, em massa ou não. Também chamada de publicidade redacional, esse tipo de prática publicitária é realizada de forma que o anúncio “aparenta ser uma notícia isenta, revestida de objetividade, como se o órgão de divulgação que a transmite estivesse prestando uma 110

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informação ao público ou realizando uma simples reportagem”142. Este tipo de técnica de dissimulação da comunicação publicitária é utilizado para confundir o consumidor aproveitando-se de uma situação marcada pela diminuição de seu senso crítico em relação à publicidade devido à circunstância de este se encontrar dominado pela crença de que está sendo exposto a uma comunicação de cunho puramente jornalístico ou científico, na qual geralmente depositaria um nível maior de confiança. Segundo a redação contida no artigo 30 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária a peça jornalística veiculada mediante pagamento, sob a forma de reportagem, artigo, nota, texto-legenda ou qualquer outra, deve ser apropriadamente identificada para que não seja confundida pelo consumidor com as matérias editoriais. O microssistema de proteção consumerista visa coibir de maneira cabal a utilização da técnica de dissimulação da publicidade, rechaçando qualquer forma de comunicação publicitária elaborada de modo que a torne capaz de ser confundida pelo consumidor com uma comunicação de natureza diversa, geralmente de índole jornalística ou científica. O artigo em questão não trata do texto que possui caráter puramente editorial-informativo, mas sim da veiculação de uma mensagem de natureza publicitária, mediante pagamento do fornecedor-anunciante, quando realizada através da publicação de uma reportagem, artigo, nota, etc. Assim sendo, da mesma forma que o product placement (ou merchandising), a mensagem subliminar, e o teaser, a utilização de publicidade dissimulada, se não propiciar ao consumidor a possibilidade de ser propriamente identificada como tal, pode vir a ser classificada como publicidade clandestina por encobrir uma men142

Adalberto Pasqualotto, Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor, p. 86.

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sagem publicitária sob o manto de uma comunicação de natureza diversa, culminando em uma prática reprimida pelo microssistema de proteção e defesa do consumidor por afrontar diretamente o princípio da identificação da publicidade.

3.7. PUBLICIDADE TESTEMUNHAL A publicidade testemunhal é realizada mediante o emprego de uma técnica publicitária que consiste em utilizar o depoimento de uma pessoa famosa, especialista, perito, um atestado ou endosso de uma empresa, ou mesmo o depoimento uma pessoa comum, com a finalidade de prover maior credibilidade à mensagem publicitária que está sendo veiculada, aumentando com isso o seu poder de persuasão sobre os consumidores. Conforme o artigo 13 (testemunhos) do Código Consolidado da Câmara de Comercio Internacional sobre Práticas de Publicidade e Comunicação Comercial, qualquer comunicação comercial (universo onde se insere a comunicação publicitária) que se utilize de testemunho, endosso ou documentação de apoio, deve verificar se estes preenchem os requisitos de genuinidade, verificabilidade e pertinência. E ainda, neste mesmo dispositivo há uma observação no sentido de que não devem ser utilizados testemunhos ou endossos que, devido ao decurso do tempo, tenham se tornado obsoletos ou enganosos 143. No artigo 27, §9o do Código Brasileiro de Autor143

Art. 13. A comunicação comercial não deve reproduzir ou citar nenhum testemunho, endosso ou documentação de apoio que não seja genuína, verificável e pertinente. Os testemunhos ou endossos que se tenham tornado obsoletos ou enganosos, devido ao decurso de tempo, não devem ser utilizados. Código Consolidado da Câmara de Comercio Internacional sobre Práticas de Publicidade e Comunicação Comercial. Disponível em: . Acesso em 17 de setembro de 2010.

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regulamentação Publicitária há uma regulamentação pormenorizada destinada aos anúncios publicitários que se utilizarem da técnica de publicidade testemunhal144. Além disso, o Anexo “Q” (testemunhais, atestados e endossos) do mesmo diploma normativo, reconhecendo que a técnica da publicidade testemunhal, em qualquer de suas modalidades, é capaz de conferir maior força de comunicação, persuasão e credibilidade à mensagem publicitária, nos apresenta uma classificação da publicidade testemunhal, instituindo uma definição referente a cada categoria especificamente, e traz ainda um conjunto de recomendações especiais para cada uma, além das que já foram instituídas no mencionado artigo 27, §9 o do Código. Tal classificação é apresentada da seguinte forma: testemunhal de especialista/perito diz respeito ao depoimento prestado por depoente que domina conhecimento específico ou possui formação profissional ou experiência superior ao da média das pessoas145; testemunhal de pessoa famosa refere-se ao depoimento pres144

§9o – Testemunhais. a. O anúncio abrigará apenas depoimentos personalizados e genuínos, ligados à experiência passada ou presente de quem presta o depoimento, ou daquele a quem o depoente personificar; b. o testemunho utilizado deve ser sempre comprovável; c. quando se usam modelos sem personalização, permite-se o depoimento como "licença publicitária" que, em nenhuma hipótese, se procurará confundir com um testemunhal; d. o uso de modelos trajados com uniformes, fardas ou vestimentas características de uma profissão não deverá induzir o Consumidor a erro e será sempre limitado pelas normas éticas da profissão retratada; e. o uso de sósias depende de autorização da pessoa retratada ou imitada e não deverá induzir a confusão. 145 Testemunhal de especialista/perito: “1.1. O anúncio deverá sempre nomear o depoente e apresentar com fidelidade a sua qualificação profissional ou técnica. 1.2. O produto anunciado deverá ter estrita correlação com a especialidade do depoente; 1.3. O anúncio que se apoiar em testemunho isolado de especialista ou perito não deverá causar a impressão de que ele reflita o consenso da categoria profissional, da entidade ou da associação a que, eventualmente, pertença. 1.4. O testemunho prestado por profissional estará limitado pelas normas legais e éticas que disciplinam a respectiva categoria”.

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tado por pessoa cuja imagem, voz ou qualquer outra peculiaridade a torne facilmente reconhecida pelo público146; testemunhal de pessoa comum ou consumidor é o depoimento prestado por quem não possua conhecimentos especiais ou técnicos a respeito do produto anunciado147; e atestado ou endosso refere-se ao depoimento emitido por pessoa jurídica, refletindo a sua posição oficial148. Independentemente da espécie, o depoimento testemunhal é colhido a fim de revelar a partir de uma fonte peculiar (a pessoa depoente), as qualidades do produto, serviço, marca ou empresa que está sendo anunciada, apresentando aos consumidores um conjunto de vantagens provenientes destes, ou mesmo repassar para o público alvo a ideia de que a pessoa que está depondo adquire ou utiliza corriqueiramente o produto ou serviço que está sendo anunciado, ou simplesmente é consumidora habitual da marca ou em146

Testemunhal de pessoa comum ou consumidor: “3.1. Sempre que um consumidor for identificado, seu nome e sobrenome devem ser verdadeiros. 3.2. Os modelos profissionais, os empregados do Anunciante ou das Agências de Propaganda não deverão se fazer passar por Consumidor comum. 3.3. O testemunho de Consumidor ficará limitado à experiência pessoal com o produto, não podendo alcançar assuntos de natureza técnica ou científica a respeito dos quais não possua capacitação ou habilitação profissional compatível”. 147 Testemunhal de pessoa comum ou consumidor: “3.1. Sempre que um consumidor for identificado, seu nome e sobrenome devem ser verdadeiros. 3.2. Os modelos profissionais, os empregados do Anunciante ou das Agências de Propaganda não deverão se fazer passar por Consumidor comum. 3.3. O testemunho de Consumidor ficará limitado à experiência pessoal com o produto, não podendo alcançar assuntos de natureza técnica ou científica a respeito dos quais não possua capacitação ou habilitação profissional compatível”. 148 Atestado ou endosso: “4.1. O atestado ou endosso emitido por pessoa jurídica deverá refletir a sua posição oficial a respeito do assunto. 4.2. Aplicam-se ao atestado ou endosso as recomendações deste Anexo, em especial as atinentes ao testemunhal de especialistas/peritos”.

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presa que está sendo objeto do anúncio. No primeiro caso, o que se ressalta são os atributos do produto, serviço, marca ou empresa em si mesmos. Sendo assim, neste caso, o depoimento testemunhal, seja ou não de cunho técnico-científico, é utilizado apenas como elemento comprovador destes atributos, chamando a atenção dos consumidores principalmente para um conjunto de vantagens provenientes da aquisição ou utilização dos produtos ou serviços anunciados. No segundo caso, o que se tem em evidência é a demonstração de que a pessoa que protagoniza o anúncio publicitário (geralmente uma pessoa famosa) é consumidora habitual do produto, serviço, marca ou empresa que está sendo anunciada. Neste caso, a publicidade testemunhal é utilizada com a finalidade de promover uma identificação dos consumidores com a pessoa famosa, procurando deixar transparecer na peça publicitária que essas pessoas adquirem ou utilizam cotidianamente os produtos ou serviços que estão sendo anunciados. Desta forma, por se tratarem de pessoas famosas que são em regra bastante admiradas por um vasto grupo de consumidores, estes, na tentativa de se igualarem de alguma forma àquelas, se prestam a consumir certos produtos e/ou serviços. Seja no primeiro ou no segundo caso, o escopo imediato a ser atingido por este tipo de técnica publicitária é o fomento da confiabilidade da mensagem, para com isso provocar um aumento na demanda em relação ao objeto do anúncio.

3.8. PUBLICIDADE COMPARATIVA A publicidade comparativa diz respeito a um tipo de técnica publicitária desenvolvida mediante confrontações realizadas entre produtos e/ou serviços de diferentes marcas ou empresas, ou ainda entre as próprias marcas ou empresas entre si, com a finalidade de demonstrar que um dos objetos do anúncio se encontra em posição sobressalente em relação ao outro. No entanto, neste tipo de prática publicitária as confrontações devem ser efetivadas por meio de 115

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análises comparativas baseadas em critérios objetivos, isto é, elementos empiricamente verificáveis, não se atendo dessa forma à apreciação de critérios concernentes puramente a subjetividade dos indivíduos, fundamentados em características que não sejam passíveis de comprovação. Corroborando essa necessidade de fundamentação comprovável para a realização desse tipo de prática publicitária, institui o artigo 11 (Comparações) do Código Consolidado da Câmara de Comercio Internacional sobre Práticas de Publicidade e Comunicação Comercial que a comunicação comercial que contiver comparações deve ser realizada respeitando os princípios da leal concorrência, baseando-se em fatos comprováveis selecionados honestamente, de maneira que não induza o consumidor em erro 149. Sendo assim, durante o processo de criação de uma peça publicitária comparativa, além de um baldrame passível de comprovação objetiva, deve-se cuidar para que a mensagem anunciada não venha a caracterizar nenhuma conduta que possa ser classificada como prática de concorrência desleal, e não seja capaz de induzir o consumidor em erro. Deste modo, mostra-se absolutamente incompatível com o microssistema consumerista a veiculação de um anúncio publicitário com a mera finalidade de desferir críticas desarrazoadas, infundadas e/ou ofensivas aos concorrentes, sob a alegação de que se trata de um anúncio publicitário de natureza comparativa 150. 149

Código Consolidado da Câmara de Comercio Internacional sobre Práticas de Publicidade e Comunicação Comercial. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2010. 150 O artigo 32 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária apresenta um rol de princípios e limites a serem seguidos ao se fazer uso da publicidade comparativa, a saber: a. seu objetivo maior seja o esclarecimento, se não mesmo a defesa do consumidor; b. tenha por princípio básico a objetividade na comparação, posto que dados subjetivos, de fundo psicológico ou emocional, não constituem uma base válida de comparação perante o Con-

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Ao contrário do que ocorre com as formas de publicidade clandestina, a publicidade comparativa não possui qualquer vedação por parte do microssistema consumerista, sendo por este apenas limitada. Portanto, assim como todas as outras formas de publicidade, a publicidade comparativa também deve sempre atender às diretrizes traçadas pelos princípios e se ajustar às regras trazidas pelo microssistema de proteção e defesa do consumidor.

3.9. ESPÉCIES DE PUBLICIDADE EXPRESSAMENTE PROIBIDAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Existem dois tipos de publicidade que receberam proibição expressa por parte do legislador consumerista: a publicidade enganosa e a publicidade abusiva. A proteção do consumidor contra essas espécies de publicidade é decorrente da consagração dos princípios da veracidade e da não-abusividade da publicidade, respectivamente, no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. O artigo 6o, inciso IV do mencionado Código instituiu expressamente como um dos direitos básicos do consumidor “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”. Esse direito também possui fundamento na existência de um direito básico do sumidor; c. a comparação alegada ou realizada seja passível de comprovação; d. em se tratando de bens de consumo a comparação seja feita com modelos fabricados no mesmo ano, sendo condenável o confronto entre produtos de épocas diferentes, a menos que se trate de referência para demonstrar evolução, o que, nesse caso, deve ser caracterizado; e. não se estabeleça confusão entre produtos e marcas concorrentes; f. não se caracterize concorrência desleal, denegrimento à imagem do produto ou à marca de outra empresa; g. não se utilize injustificadamente a imagem corporativa ou o prestígio de terceiros; h. quando se fizer uma comparação entre produtos cujo preço não é de igual nível, tal circunstância deve ser claramente indicada pelo anúncio.

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consumidor à informação, que se encontra insculpido no artigo 6 o, inciso III do Código151, o qual faz nascer no consumidor uma expectativa de ser verdadeira e corretamente informado. Por conseguinte, aqui reside a problemática da publicidade enganosa e abusiva, uma vez que essas formas de publicidade frustram as expectativas do consumidor, que espera do fabricante a adoção de determinada postura de acordo com os preceitos legais e em respeito de sua condição de futuro adquirente do bem jurídico anunciado 152. Além disso, em vistas de reforçar a proteção do consumidor frente à publicidade enganosa ou abusiva, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, no artigo 37, caput trouxe uma proibição expressa dessas espécies de publicidade 153, buscando coibir de maneira cabal estas formas de publicidade nefastas ao consumidor, que ainda constituem um vultoso problema no mercado de consumo brasileiro154. As definições de publicidade enganosa e abusiva são apresentadas pelo próprio Código de Proteção e Defesa do Consumidor nos parágrafos 1o, 2o e 3o do artigo 37. São definições que enunciam conceitos verdadeiramente amplos, sendo assim, caberá aos intérpretes-aplicadores do Direito analisar com cautela 151

Art. 6o. São direitos básicos do consumidor: [...] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; 152 Carlos Alberto Bittar, O controle da publicidade: sancionamentos a mensagens enganosas e abusivas, In: Revista de direito do consumidor, p. 184. 153 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. 154 “Infelizmente, neste infelicitado País, o disposto no caput do art. 37 não será cumprido, porque a violação das leis, no Brasil, é uma constante, pois aí estão, diuturnamente, as publicidades enganosas ou abusivas, quiçá, mais por culpa do fornecedor de produto ou de serviço, porque, até prova em contrário, só se pode acreditar que as publicidades se dêem conforme indicação daquele (fornecedor)”. Augusto Zenun, Comentários ao Código do Consumidor, p. 61.

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os elementos fáticos de cada caso concreto para aferir o enquadramento desses casos nos conceitos preceituados pelo Código. A veiculação de peças publicitárias que venham a configurar hipótese de publicidade enganosa ou abusiva, além da possibilidade de constituição de crime contra as relações de consumo 155, pode e deve ser considerada como prática abusiva, uma vez que o rol de condutas elencado pelo artigo 39 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor não possui natureza exaustiva, sendo, portanto, meramente exemplificativo. Tal entendimento pode ser corroborado a partir da própria análise da redação do mencionado dispositivo legal, que parece ter procurado eliminar qualquer questionamento quanto à sua natureza (exaustiva ou exemplificativa) ao trazer em seu caput a expressão “dentre outras práticas abusivas”, deixando assim uma esfera de liberdade considerável em poder do hermeneuta, que deve atuar sempre norteado pelos princípios adotados pelo microssistema consumerista.

3.9.1. Publicidade Enganosa Utilizando-se da publicidade enganosa, os fornecedoresanunciantes encontram meios de ludibriar e persuadir os consumidores a uma atitude de consumo maculada, que se assim não fosse provavelmente não se concretizaria. Mediante a utilização de práticas publicitárias enganosas a decisão a respeito da aquisição ou utilização de um produto ou serviço por parte dos consumidores é afetada de forma desleal, cria-se um vício na sua vontade, levandoos a efetivação de uma relação de consumo da qual muitas vezes não havia qualquer pretensão de realização. Nestes casos, a ação do consumidor ocorre em erro porque é induzida dessa forma por uma comunicação ou informação publicitária de caráter enganoso, seja 155

Mediante a incidência das condutas descritas nos artigos 63, 64, 65, 66, 67 e 68 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sem prejuízo do disposto no Código Penal e leis especiais.

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por comissão (quando possuía o dever negativo de conteúdo) ou por omissão (quando possuía o dever positivo de conteúdo). A veiculação de mensagem publicitária enganosa é uma prática reprimida pelo microssistema consumerista devido ao fato de que vicia a vontade do consumidor, que pode vir a adquirir ou utilizar um produto ou serviço em desconformidade com a sua pretensão real, deixando-se levar pelo conteúdo aleivoso do anúncio. Desta feita, constatamos que a peça publicitária deve ser elaborada de forma correspondente com a verdade, ou seja, de maneira que passe para os consumidores informações sobre as reais características e peculiaridades dos produtos e/ou serviços, não omitindo de forma alguma os atributos considerados essenciais, para que assim os consumidores possa realizar uma escolha mais livre e racional. Referindo-se à publicidade enganosa, existe no plano internacional a Diretiva 84/450/CEE de 10 de setembro de 1984, que foi editada em Bruxelas pelo Conselho das Comunidades Europeias com a finalidade de promover uma aproximação entre as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estadosmembros da Comunidade Europeia relacionadas à publicidade enganosa. Conforme o disposto em seu artigo 1 o, a citada diretiva foi criada com o escopo de proteger os consumidores, as pessoas que exercem atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, bem como os interesses do público em geral, contra a comunicação publicitária enganosa e as suas consequências desleais 156. Inclusive, em seu artigo 3o a mesma diretiva enumera uma série de critérios que devem ser usados para aferir se uma determinada peça publicitária pode ou não ser classificada como publicidade enganosa157. 156

Directiva 84/450/CEE. Disponível em: Acesso em: 23 ago. 2010. 157 Tais são os elementos a serem analisados segundo o mencionado artigo: “a) às características dos bens ou serviços, tais como a sua disponibilidade, natureza, execução, composição, o modo e a data de fabrico ou de prestação,

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A Diretiva 84/450/CEE do Conselho das Comunidades Europeias também trouxe em seu artigo 2o, item 02 uma definição de publicidade enganosa158, porém, dentro do ordenamento jurídico brasileiro devemos tomar como principal diretriz para a conceituação de publicidade enganosa a definição trazida pelo artigo 37, §1 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor 159, que trata da publicidade enganosa por comissão, complementada pela definição contida no artigo 37, §3o que dispõe sobre a publicidade enganosa por omissão160. Apesar disso, também podemos tomar como o carácter adequado, as utilizações, a quantidade, as especificações, a origem geográfica ou comercial ou os resultados que podem ser esperados da sua utilização, ou os resultados e as características essenciais dos testes ou controlos efectuados sobre os bens ou serviços; b) ao preço ou ao seu modo de estabelecimento, e às condições de fornecimento dos bens ou da prestação dos serviços; c) à natureza, às qualidades e aos direitos do anunciador, tais como a sua identidade e o seu património, as suas qualificações e os seus direitos de propriedade industrial, comercial ou intelectual, ou os prémios que recebeu ou as suas distinções”. Directiva 84/450/CEE. Disponível em: Acesso em: 23 ago. 2010. 158 Art. 2o. Item 02. “A publicidade que, por qualquer forma, incluindo a sua apresentação, induz em erro ou é susceptível de induzir em erro as pessoas a quem se dirige ou que afecta e cujo comportamento económico pode afectar, em virtude do seu carácter enganador ou que, por estas razões, prejudica ou pode prejudicar um concorrente”. Directiva 84/450/CEE. Disponível em: Acesso em: 23 ago. 2010. 159 Art. 37, §1o. “É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”. 160 Artigo 37, §3o. “Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço”.

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norte a disposição contida no artigo 27, §2 o do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária no sentido de que o anúncio não deverá conter informação de texto ou apresentação visual que leve o consumidor a engano, seja direta ou indiretamente, por implicação, omissão, exagero ou ambiguidade, quanto ao produto anunciado, ao anunciante, seus concorrentes, ou mesmo quanto à natureza do produto, sua procedência, composição ou finalidade. No processo de aferição para a configuração da publicidade enganosa há de se realizar um juízo in abstracto, ou seja, averiguar a mera enganosidade potencial, exigindo somente a aptidão por parte da peça publicitária para induzir o consumidor em erro, pois o que se busca é unicamente a comprovação da capacidade de enganar de que o anúncio está dotado, e não o engano consumado. Assim sendo, para a caracterização da publicidade enganosa, não há necessidade de se proceder a um juízo in concreto que resulte na demonstração de uma enganosidade real ou de fato, tornando-se portanto inexigível a averiguação de prejuízo concreto experimentado pelo consumidor. Deste modo, o erro efetivamente cometido pelo consumidor é considerado mero exaurimento, uma vez que havendo enganosidade já existe uma presunção jure et de jure de prejuízo contra as relações de consumo. A Súmula no 2 do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo veio corroborar a presunção de que em caso de comunicação publicitária enganosa o dano é difuso, abrangendo todos os que foram expostos à peça publicitária, e não apenas os que adquiriram ou utilizaram o produto ou serviço induzidos a erro 161. Esta Súmula fundamenta-se no fato de que a mensagem publicitária enganosa prejudica não somente aqueles que efetivamente adquiri161

Súmula no 2. “Em caso de propaganda enganosa, o dano não é somente daqueles que, induzidos a erro, adquiriram o produto, mas também difuso, porque abrange todos os que tiveram acesso à publicidade”. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2010.

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ram ou utilizaram um determinado produto ou serviço por terem sido induzidos a erro (interesses individuais homogêneos). Considera-se haver prejuízo também para o conjunto determinado de pessoas que foi exposto à publicidade (interesse coletivo stricto sensu) ou mesmo indeterminado ou indeterminável (interesses difusos), sendo indiferente o fato de estas pessoas terem ou não adquirido ou utilizado o produto ou serviço objeto do anúncio, uma vez que estando caracterizada a relação de consumo por equiparação em razão da exposição à mensagem publicitária (artigo 29, CDC), todos têm direito à informação correta e verdadeira. No que tange ao processo de aferição da publicidade enganosa há uma regra especial de interpretação da enganosidade onde é feita uma análise subjetiva do consumidor juntamente com a análise objetiva do conteúdo do anúncio. Deste modo, tornam-se relevantes as características pessoais do público alvo a que se destina a mensagem publicitária, pois esta pode vir a ser enganosa especificamente em relação e este devido às suas peculiaridades. O microssistema consumerista busca proteger não somente os consumidores bem informados, atentos, espertos e mais experientes, mas também os desinformados, ignorantes, menos experientes e de pouca instrução que se encontram em situação de vulnerabilidade especial no mercado de consumo, pois, mesmo que a mensagem publicitária seja veiculada de forma tal que não seja capaz de enganar aqueles, se o for em relação a estes, ela deverá ser considerada enganosa. Proteção especial também é destinada pelo microssistema consumerista aos consumidores mais frágeis e/ou particularmente vulneráveis, que por um conjunto de fatores podem ser mais facilmente enganados. (v.g., crianças, idosos, enfermos, excessivamente crédulos). Inclusive, no artigo 39, inciso IV do Código de Proteção e Defesa do Consumidor há uma classificação da conduta de “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços” como prática abusiva. No entanto, para a caracterização da publicidade enganosa é absoluta123

Proteção Constitucional do Consumidor no Âmbito da Regulação Publicitária

mente dispensável a análise do elemento subjetivo do fornecedoranunciante, de maneira que se torna irrelevante examinar se este teve ou não intenção de enganar os consumidores mediante a veiculação da comunicação publicitária, se o fez ou utilizou-se de mensagem publicitária capaz de fazê-lo, já está caracterizada a publicidade enganosa, independentemente de dolo ou culpa (responsabilidade objetiva). Assim, podemos afirmar que a enganosidade da publicidade é avaliada de forma objetiva, independentemente da vontade proposital do anunciante de ter agido de tal forma para que seja configurada. Uma determinada mensagem publicitária enganosa pode ser classificada como total ou apenas parcialmente falsa. Em princípio, como se pode depreender da sua denominação, dizemos que a mensagem publicitária é totalmente falsa quando o anúncio é composto somente por informações falsas, não havendo uma informação sequer que seja verdadeira. Já quando há algumas informações que são verdadeiras inseridas entre as falsas, dizemos que a mensagem publicitária é apenas parcialmente falsa, pois ainda há parte do seu conteúdo formada por informações verdadeiras. Entretanto, é possível haver casos em que uma comunicação publicitária contenha apenas informações verdadeiras e mesmo assim seja considerada enganosa. Assim ocorre quando há omissão de uma informação considerada imprescindível (dado essencial), ou quando a forma que o anúncio é articulado possa induzir os consumidores a erro, levando-os a uma interpretação errônea de algum aspecto específico ou geral da mensagem publicitária 162. 162

A respeito deste tema o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou da seguinte forma: “A obrigação de informação exige comportamento positivo, pois o CDC rejeita tanto a regra do caveat emptor como a subinformação, o que transmuda o silêncio total ou parcial do fornecedor em patologia repreensível, relevante apenas em desfavor do profissional, inclusive como oferta e publicidade enganosa por omissão”. Texto extraído da ementa. Superior Tribunal de Justiça. Resp. no. 586.316/MG. Rel. Min. Herman Benjamin. Julgamento em 17/04/2007. DJe. 19/03/2009.

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Para a caracterização da enganosidade de uma determinada publicidade deve-se considerar não apenas a literalidade das informações, mas a impressão total passada por ela, ou seja, o seu sentido geral. Porém, quando a mensagem publicitária dá margem à realização de múltiplas interpretações pelos consumidores é necessário apenas que uma das possíveis interpretações seja enganosa para que o anúncio assim o seja considerado. Isso ocorre, por exemplo, quando o anúncio publicitário aparece com frases ambíguas onde apenas uma determinada interpretação corresponde à verdade sobre o produto ou serviço que está sendo anunciado, ao passo que realizando uma interpretação diferente desta os consumidores expostos a esse anúncio são induzidos a erro. A publicidade enganosa por omissão é caracterizada quando o fornecedor-anunciante não passa a informação aos consumidores a respeito de um dado essencial do produto ou serviço anunciado. Em princípio devem-se considerar como dados essenciais todos os que forem apresentados pela legislação como obrigatórios. Neste caso, quando o fornecedor-anunciante se abstém de passar uma informação importante na comunicação publicitária, é interpretado como uma forma de enganosidade pelo microssistema consumerista. É possível citar como exemplo de publicidade enganosa por omissão o descumprimento da instrução normativa interministerial no 01, de 01 de abril de 2004, que institui obrigações específicas a respeito da rotulagem de alimentos e ingredientes alimentares que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados. Esta instrução apresenta a exigência de determinados requisitos e informações, que dependendo do caso podem constituir em uma das seguintes expressões: “(nome do produto) transgênico”, “contém (nome(s) do(s) ingrediente(s)) transgênico(s)”, ou “produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico”163. Igualmente, é considerada publicidade enganosa por 163

Instrução Normativa Interministerial no 1, de 1 de abril de 2004. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2010.

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Amiúde o exagero publicitário (puffing) é utilizado pelos anunciantes para atrair os consumidores em maior número e com mais intensidade. Em princípio, esse tipo de técnica não é repelido pelo microssistema de proteção e defesa do consumidor, principalmente quando se tratar de característica ou propriedade insuscetível de medição objetiva ou que se mostrar flagrantemente inverossímil, considerando o padrão do “homem-médio”. Nesta seara encontram-se as peças publicitárias que contém afirmações exageradas a respeito de produtos ou serviços que não são passíveis de medição objetiva, ficando inteiramente sujeitas a critérios de avaliação pessoal de cada consumidor, tais como: “o mais gostoso”, “o melhor do mundo”, “o melhor filme”, entre outras. No entanto, o uso de uma adjetivação exagerada (puffing) pode vir a contrariar o microssistema consumerista, por configurar hipótese de publicidade enganosa caso tenha o condão de ludibriar os consumidores induzindo-os a erro, principalmente em se tratando de hipótese de improcedência de informação objetivamente verificável. Uma técnica publicitária que deve ser terminantemente considerada como publicidade enganosa é a chamada oferta chamariz, que consiste em fazer uso de um anúncio publicitário de certo produto e/ou serviço com condições extremamente atraentes aos consumidores sem a intenção de efetivamente cumpri-las, apenas para que um maior número de pessoas seja levado para o interior dos estabelecimentos comerciais ou para que possam entrar em contato com os fornecedores de quaisquer outras formas, gerando consequentemente um consumo não projetado. A enganosidade no caso desse tipo de publicidade reside no fato de que embora o anúncio publicitário possa ser considerado de certa forma verdadeiro, o fornecedor-anunciante na realidade não disponibiliza efetivamente os produtos e/ou serviços nos moldes anunciados aos consumidores. O que geralmente ocorre nesses casos é que o fornecedoranunciante possui uma quantidade claramente insuficiente para atender a demanda gerada em razão da veiculação do anúncio ou então disponibiliza o produto ou serviço objeto do anúncio, porém 127

Proteção Constitucional do Consumidor no Âmbito da Regulação Publicitária

não em consonância com os termos da oferta constantes na peça publicitária divulgada, mas em condições um tanto menos interessantes para os consumidores. Sendo assim, este tipo de comunicação publicitária torna-se enganosa, pois o contrato ofertado aos consumidores por meio da publicidade veiculada não chega a ser efetivado em todos os seus termos. Na veiculação de mensagem publicitária é imprescindível a utilização de uma linguagem que possa ser claramente entendida pelos consumidores em geral, para tanto, é recomendado que seja utilizado na peça publicitária preferencialmente o vernáculo da língua portuguesa, pois o uso de outras línguas pode vir a impossibilitar ou dificultar o entendimento por parte de muitos consumidores, levando-os a erro. Neste âmbito, podemos tomar como norte a disciplina pormenorizada que existe no artigo 27, §6 o do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária 164. A linguagem 164

Artigo 27, §6o - Nomenclatura, Linguagem, "Clima". a. O anúncio adotará o vernáculo gramaticalmente correto, limitando o uso de gíria e de palavras e expressões estrangeiras, salvo quando absolutamente necessárias para transmitir a informação ou o "clima" pretendido. Todavia, esta recomendação não invalida certos conceitos universalmente adotados na criação dos anúncios e campanhas. O primeiro deles é que a publicidade não se faz apenas com fatos e idéias, mas também com palavras e imagens; logo, as liberdades semânticas da criação publicitária são fundamentais. O segundo é que a publicidade, para se comunicar com o público, tem que fazer uso daquela linguagem que o poeta já qualificou como " Língua errada do povo / Língua certa do povo / Porque ele é que fala gostoso / O português no Brasil"; b. na publicidade veiculada pelo Rádio e pela Televisão, devem os Anunciantes, Agências e Veículos zelar pela boa pronúncia da língua portuguesa, evitando agravar os vícios de prosódia que tanto já estão contribuindo para desfigurar o legado que recebemos de nossos antepassados; c. todo anúncio deve ser criado em função do contexto sociocultural brasileiro, limitando-se o mais possível a utilização ou transposição de contextos culturais estrangeiros; d. o anúncio não utilizará o calão; e. nas descrições técnicas do produto, o anúncio adotará a nomenclatura oficial do setor respectivo e, sempre que possível, seguirá os preceitos e as diretrizes da Associação Brasileira de Normas Técnicas –

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utilizada na comunicação publicitária adquire relevância no estudo da publicidade enganosa principalmente devido ao fato de que esta não se manifesta exclusivamente mediante declarações expressas, podendo vir à sorrelfa em alegações implícitas dentro do conjunto de informações contidas na comunicação publicitária. Assim sendo, mesmo que a enganosidade existente no anúncio não possa ser percebida de plano pelo consumidor a ele exposto, se um sentido diverso do que está sendo passado expressamente pela mensagem como principal puder ser encontrado a partir de uma perscrutação mais apurada, estará configurada a publicidade enganosa. Em âmbito administrativo, a veiculação de publicidade enganosa pode ser reprimida por meio das sanções instituídas pelo artigo 56 do Código de Defesa do Consumidor, principalmente a imposição da contrapropaganda, elencada no inciso XII e regulada especificamente no artigo 60 do mesmo diploma legislativo. No que concerne à seara penal, as condutas relacionadas a este tipo de prática podem resultar nos crimes contra as relações de consumo previstos nos artigos 63, 66 e 67 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, além do artigo 7 o, inciso VII da Lei 8.137/90, que trata de crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo165. Embora a persecução penal dos responsáveis por esse tipo de conduta não se mostre tão efetiva nos dias atuais, já houve decisão do Superior Tribunal de Justiça reconhecendo o cometimento de infração penal em caso de tal natureza 166. ABNT e do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO. 165 Art. 7o. Constitui crime contra as relações de consumo: [...] VII – induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária; [...] Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. 166 Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus no. 7.531/SP. Rel. Min. Anselmo Santiago. Julgamento em 20/10/1998. DJ. 23/11/1998.

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3.9.2. Publicidade Abusiva Assim como a publicidade enganosa, a publicidade abusiva tem o condão de deturpar a vontade dos consumidores, porém, esta atua em um sentido diferente na medida em que o anúncio publicitário abusivo contém uma mensagem que agride a valores socialmente sedimentados, sem necessariamente haver enganação em seu conteúdo. Mediante a proibição da publicidade abusiva o legislador procurou resguardar valores éticos e princípios constitucionais fundamentais como a dignidade da pessoa humana (artigo 1 o, inciso III, CF), o repúdio aos preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3 o, inciso IV, CF), a saúde (artigo 196, caput, CF), a defesa e preservação do meio ambiente (artigo 225, caput, CF), entre outros. Há inclusive uma disposição contida no artigo 19 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária no sentido de que toda atividade publicitária deve respeitar a dignidade da pessoa humana, a intimidade, o interesse social, as instituições e símbolos nacionais, as autoridades constituídas, bem como o núcleo familiar. Todavia, para que se possa combater essa espécie de comunicação publicitária nefasta a valores sociais é preciso que os aplicadores do microssistema consumerista tenham uma ideia clara a respeito de seu conceito para somente então poderem identifica-la e rechaça-la adequadamente. Em busca do entendimento de tal conceito podemos tomar como norte a definição de publicidade abusiva apresentada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor em seu artigo 37, §2o167. De início, a partir de uma interpretação puramente literal constatamos que ao empregar a expressão “dentre outras” na definição 167

Art. 37, §2o. “É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”.

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de publicidade abusiva apresentada pelo artigo 37, §2 o, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor a conferiu um caráter exemplificativo, e não taxativo ou exaustivo, à medida que o legislador não procurou abranger todas as hipóteses de publicidade que devem ser consideradas abusivas, mas consignou a possibilidade de caracterização de outras espécies de publicidade abusiva que não foram tratadas especificamente no diploma consumerista com fundamento no mesmo dispositivo legal. Inclusive, na definição de publicidade abusiva apresentada pelo artigo 14, §2 o do Decreto no 2.181 de 20 de março de 1997168, além de todas as espécies de publicidade abusiva tratadas no artigo 37, §2 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, existe a qualificação de abusividade da publicidade que “viole normas legais ou regulamentares de controle da publicidade”, ampliando de forma bastante intensa a área de abrangência do conceito de publicidade abusiva. De tal sorte, caso o Código de Proteção e Defesa do Consumidor tivesse optado por fazer uma definição numerus clausus esgotando todas as possibilidades de caracterização de publicidade abusiva, o dispositivo estaria fadado à inocuidade em pouco tempo diante da constante metamorfose sofrida pelo mercado de consumo, juntamente com a criatividade do meio publicitário, além de ter sua área de abrangência significativamente reduzida. Deste modo, a norma rapidamente se tornaria obsoleta não cumprindo mais sua função de reprimir a abusividade nas mensagens publicitárias, vez que uma disposição engessada não seria mais idônea para alcançar as novas técnicas publicitárias emergentes. Em razão disso, o artigo 37, §2 o 168

Art. 14, §2o. É abusiva, entre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e da inexperiência da criança, desrespeite valores ambientais, seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança, ou que viole normas legais ou regulamentares de controle da publicidade. Disponível em Acesso em: 13 abr. 2011.

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cita apenas algumas modalidades de publicidade que devem ser consideradas abusivas, deixando grande margem de interpretação aos aplicadores do Direito consumerista para classificar outras práticas publicitárias como publicidade abusiva. Na verdade, estamos diante de um dos chamados conceitos jurídicos indeterminados que, devido ao fato de não sofrer uma definição totalmente delimitada, deverá ser trabalhado de acordo com cada caso concreto segundo as diretrizes traçadas pelo microssistema consumerista. Destarte, o conceito de publicidade abusiva é formado a partir da aplicação de um critério residual, segundo o qual, não configurando hipótese de publicidade enganosa, qualquer comunicação publicitária que incida em qualquer das hipóteses trazidas expressamente pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor no artigo 37, §2o, ou ainda venha de alguma forma a ofender a padrões éticos do mercado ou mesmo da sociedade genericamente considerada, poderá ser considerada como publicidade abusiva para fins de aplicação do microssistema consumerista169. Em outras palavras, podem ser consideradas como espécies de publicidade abusiva todas as peças publicitárias que contrariem o microssistema de proteção e defesa do consumidor como um todo, independentemente de se encaixarem diretamente nas hipóteses trazidas explicitamente pelo Código. No entanto, passemos à análise das categorias de publicidade abusiva contidas na disposição do artigo 37, §2 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Inicialmente, observamos que este traz como abusiva a publicidade discriminatória de qualquer natureza. Deste modo, serão consideradas abusivas todas as mensagens publicitárias que contenham discriminação de origem, raça, cor, sexo, religião, idade, convicção filosófica ou política, de camadas sociais com ênfase no poder aquisitivo, etc. Neste mesmo âmbito 169

Vidal Serrano Nunes Júnior e Yolanda Alves Pinto Serrano de Matos, Código de Defesa do Consumidor interpretado, p. 168.

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dispõe o artigo 20 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária: “Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade.” Assim, não somente as comunicações publicitárias discriminatórias em si são repelidas pelo microssistema consumerista, mas também as que contenham favorecimento e/ou a estimulação de condutas ofensivas ou discriminatórias, pois estas também são consideradas como formas de publicidade abusiva. Igualmente, tratada expressamente pelo artigo 37, §2 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor como espécie de publicidade abusiva a publicidade que incite à violência. Portanto, qualquer mensagem publicitária que de qualquer maneira estimule a violência será considerada abusiva, mesmo que essa violência não seja dirigida contra pessoas, mas sim em relação a coisas e/ou animais, sendo absolutamente desnecessário que uma conduta violenta chegue a se consumar estimulada pelo anúncio. A razão de ser da mencionada classificação como publicidade abusiva é possibilitar a repressão dos anúncios publicitários que instiguem comportamentos violentos por parte dos consumidores ou mesmo que contenham agressividade ou brutalidade, para que condutas marcadas por tais características não venham a ser repetidas no seio social pelos consumidores expostos à publicidade. Consoante esta diretiva de não violência na publicidade, podemos encontrar dois dispositivos normativos do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. O artigo 26 ao enunciar expressamente: “os anúncios não devem conter nada que possa conduzir à violência”, e ainda indiretamente o artigo 21, ao instituir que: “Os anúncios não devem conter nada que possa induzir a atividades criminosas ou ilegais - ou que pareça favorecer, enaltecer ou estimular tais atividades”. Nos termos do artigo 37, §2 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor é considerada também como abusiva a publicidade 133

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que explore o medo ou a superstição. Deste modo, todas as peças publicitárias elaboradas com fundamento na exploração de medos ou mesmo superstições dos consumidores para convencê-los a adquirir ou utilizar determinados produtos ou serviços devem ser consideradas abusivas. Em corroboração a esta diretriz traçada pelo mencionado diploma legislativo, trazem respectivamente os artigos 24 e 25 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária: “Os anúncios não devem apoiar-se no medo sem que haja motivo socialmente relevante ou razão plausível” e “Os anúncios não devem explorar qualquer espécie de superstição”. Ainda, segundo a disposição contida no artigo 37, §2o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor é considerada abusiva a mensagem publicitária que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança. Esta disposição normativa encontra seu fundamento no fato de que as crianças se encontram em uma situação de vulnerabilidade especial, uma vez que geralmente elas são mais facilmente seduzidas pelas mensagens contidas nos anúncios publicitários, por terem menos condições psíquicas de fazer as devidas distinções críticas, bem como pouca experiência prática nas questões cotidianas. Assim, os fornecedoresanunciantes não devem aproveitar-se dessa condição peculiar de hipossuficiência das crianças para impingir-lhes seus produtos e/ou serviços. Este tipo de prática pode inclusive ser qualificado como uma prática abusiva nos termos do artigo 39, inciso IV do Código de Proteção e Defesa do Consumidor 170. No entanto, na interpretação e aplicação do microssistema consumerista há que se diferenciar hipossuficiência de vulnerabilidade. Quanto a esta o próprio Código de Defesa do Consumidor reconhece como apanágio de todos os consumidores no mercado 170

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...] IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.

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de consumo (artigo 4o, inciso I). Já no que diz respeito a aquela, podemos afirmar que se trata de uma característica própria apenas de determinados grupos de consumidores, que possuem atributos peculiares, tais como crianças, índios, enfermos, idosos, analfabetos, etc. De tal forma, tem-se que enquanto a vulnerabilidade é presumida pelo Código para todos os consumidores, a hipossuficiência deve ser aferida subjetivamente analisando-se cada caso mediante a situação concreta. No artigo 37 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária existe uma regulamentação pormenorizada a respeito da publicidade destinada à crianças e adolescentes 171, que deve ser aplicada considerando os parâmetros 171

Artigo 37 – Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança. E mais: I – Os anúncios deverão refletir cuidados especiais em relação a segurança e às boas maneiras e, ainda, abster-se de: a. desmerecer valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente; b. provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminação, em particular daqueles que, por qualquer motivo, não sejam consumidores do produto; c. associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição, sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis; d. impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade; e. provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo; f. empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto; g. utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia; h. apregoar que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares; i. utilizar situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo. II – Quando os produtos forem destinados ao consumo por crianças e adolescentes seus anúncios deverão: a. procu-

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definidos no artigo 2o do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069/90)172. O artigo 37, §2 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor também classifica expressamente como espécie de publicidade abusiva qualquer forma de anúncio publicitário que desrespeita valores ambientais. Sendo assim, qualquer peça publicitária que vá de encontro a valores ambientais, contendo instigação à degradação da fauna ou da flora, poluição em geral (inclusive visual e sonora), desmatamento de áreas protegidas, desgaste excessivo de recursos naturais, etc., deve necessariamente ser considerada abusiva. Com isso, o microssistema de proteção e defesa do consumidor busca reprimir toda e qualquer comunicação publicitária que possua esse condão de publicidade antiambiental173. rar contribuir para o desenvolvimento positivo das relações entre pais e filhos, alunos e professores, e demais relacionamentos que envolvam o público-alvo; b. respeitar a dignidade, ingenuidade, credulidade, inexperiência e o sentimento de lealdade do público-alvo; c. dar atenção especial às características psicológicas do público-alvo, presumida sua menor capacidade de discernimento; d. obedecer a cuidados tais que evitem eventuais distorções psicológicas nos modelos publicitários e no público-alvo; e. abster-se de estimular comportamentos socialmente condenáveis. §1o Crianças e adolescentes não deverão figurar como modelos publicitários em anúncio que promova o consumo de quaisquer bens e serviços incompatíveis com sua condição, tais como armas de fogo, bebidas alcoólicas, cigarros, fogos de artifício e loterias, e todos os demais igualmente afetados por restrição legal. §2 o O planejamento de mídia dos anúncios de produtos de que trata o inciso II levará em conta que crianças e adolescentes têm sua atenção especialmente despertada para eles. Assim, tais anúncios refletirão as restrições técnica e eticamente recomendáveis, e adotar-se-á a interpretação a mais restritiva para todas as normas aqui dispostas. 172 Art. 2o.“Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. 173 Em relação à proteção ambiental na seara publicitária o artigo 36 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária traz uma disposição estabelecendo um dever de combate vigoroso aos anúncios publicitários que

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Por último, na literalidade do artigo 37, §2o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor ainda podemos encontrar uma qualificação expressa da publicidade que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de uma forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança como abusiva174. A caracterização da abusividade de comunicações publicitárias dessa natureza encontra fundamento no direito básico do consumidor de proteção à vida, saúde e segurança, bem como à efetiva prevenção de danos, ambos instituídos respectivamente nos incisos I e VI do 6 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Para a configuração de um determinado anúncio publicitário como sendo abusivo é prescindível a análise da relação direta entre a mensagem veiculada e o produto, serviço, empresa ou marca anunciada como ocorre na caracterização da publicidade enganosa, isto é, a aferição da abusividade da peça publicitária não é feita a partir da relação existente entre a publicidade e o objeto do anúncio, mas sim entre aquela e os efeitos nefastos que ela possa causar aos consumidores ou ao mercado de consumo em geral175. Entretanto, assim como na publicidade enganosa, no processo de aferiestimularem: “a. a poluição do ar, das águas, das matas e dos demais recursos naturais; b. a poluição do ambiente urbano; c. a depredação da fauna, da flora e dos demais recursos naturais; d. a poluição visual dos campos e da cidade; e. a poluição sonora; f. o desperdício de recursos naturais”. 174 No mesmo sentido, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária em seu artigo 33 preconiza: “Este Código condena os anúncios que: a. manifestem descaso pela segurança, sobretudo quando neles figurarem jovens e crianças ou quando a estes for endereçada a mensagem; b. estimulem o uso perigoso do produto oferecido; c. deixem de mencionar cuidados especiais para a prevenção de acidentes, quando tais cuidados forem essenciais ao uso do produto; d. deixem de mencionar a responsabilidade de terceiros, quando tal menção for essencial; e. deixem de especificar cuidados especiais no tocante ao uso do produto por crianças, velhos e pessoas doentes, caso tais cuidados sejam essenciais”. 175 Luis Antônio Rizzatto Nunes, Curso de direito do consumidor, p. 514 – 515.

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ção da abusividade de uma determinada mensagem publicitária há que se realizar um juízo in abstracto, onde, por exemplo, a saúde e/ou segurança dos consumidores não precisam ser necessariamente afetados mediante ocorrência de uma repercussão concreta (um dano real, de fato, exaurido) decorrente de uma instigação advinda do anúncio publicitário (v.g., um ato de violência cometido com influência de uma mensagem publicitária) para que se configure hipótese de publicidade abusiva. Deste modo, somente se exige para classificação de uma mensagem publicitária como abusiva a potencialidade de violação, ofensa ou dano real176, pois, o efetivo comportamento do consumidor prejudicial a sua saúde ou segurança incentivado pela publicidade configura apenas exaurimento, uma vez que nesse tipo de prática publicitária a existência de dano difuso já é presumida (presunção jure et de jure) pelo microssistema consumerista. Seguindo a mesma sistemática da publicidade enganosa, em hipótese de uma determinada peça publicitária conter uma mensagem ambígua basta que somente uma das interpretações possíveis seja dotada de abusividade para que o anúncio possa ser considerado abusivo. Da mesma forma, seguindo o modelo da publicidade enganosa, é irrelevante o elemento subjetivo do fornecedoranunciante para a caracterização da publicidade abusiva, não havendo que se falar em dolo ou culpa do fornecedor-anunciante, pois se trata de caso de responsabilidade objetiva deste, da agência publicitária (ou publicitário), bem como do veículo de divulgação. Assim, a aferição da abusividade da mensagem é realizada somente mediante uma análise objetiva da mensagem publicitária veiculada, independentemente da averiguação se o anunciante agiu de boa (não intencionalmente) ou má-fé (intencionalmente). No entanto, mesmo em se tratando de um anúncio publicitário que contenha apenas informações absolutamente verdadeiras, que preencha com 176

Luis Antônio Rizzatto Nunes, Curso de direito do consumidor, p. 514 – 515.

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rigor as exigências feitas pela proibição da publicidade enganosa (inclusive por omissão), pode haver a caracterização de publicidade abusiva caso haja na peça publicitária uma desvirtuação de seu propósito que venha a ofender valores sociais fundamentais, éticos e morais protegidos na forma do artigo 37, §2 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. A questão aqui diz respeito à aferição do aspecto cultural e do impacto moral da publicidade, independentemente da veracidade ou correção da informação que contenha177. Nos mesmos moldes da publicidade enganosa, a comunicação publicitária considerada abusiva pode sofrer repressão de natureza administrativa mediante a imposição das sanções previstas no artigo 56 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. No que diz respeito à possibilidade de persecução penal desse tipo de prática podemos citar os crimes contra as relações de consumo, previstos nos artigos 67 e 68 do mencionado Código178.

3.10. CONTRAPROPAGANDA Quando ocorre a divulgação de uma comunicação publicitária enganosa ou abusiva em um meio de comunicação em massa muitas vezes a simples cessação da veiculação dessa publicidade não é suficiente para desconstituir os efeitos nocivos causados por ela aos consumidores expostos ou mesmo ao mercado de consumo como um todo, devido ao fato de que a emissão de uma mensagem publicitária dessa natureza (enganosa ou abusiva) pode fazê-la per177

Heloísa Carpena, Prevenção de riscos no controle da publicidade abusiva. In: Revista de direito do consumidor, p. 127. 178 Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de três meses a um ano e multa. Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.

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durar na mente dos consumidores por muito tempo, mesmo após o encerramento completo da campanha publicitária. Nesses casos, existe um instituto jurídico apropriado para tentar desconstituir a ideia nefasta construída na mente dos consumidores pela peça publicitária enganosa ou abusiva, tentando levá-los a um estado análogo ao anterior ao da veiculação do anúncio. Este instituto é a chamada contrapublicidade (corrective advertisement, contrepublicité), mais conhecido pelo termo “contrapropaganda” devido à manutenção da utilização errônea feita pela legislação consumerista. Pautando-se na dicotomia existente entre os termos “publicidade” e “propaganda” nesta obra já tratada 179, podemos perceber que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor empregou o termo “contrapropaganda” de forma equivocada, quando seria mais adequado referir-se a “contrapublicidade”, tendo em vista a aplicabilidade e a finalidade do instituto em questão. O artigo 56 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor enuncia um rol de modalidades de sanções administrativas a serem aplicadas contra infrações das normas de proteção e defesa do consumidor, dentre as quais institui no inciso XII a possibilidade de imposição de contrapropaganda. Conforme disposição contida no parágrafo único do mencionado artigo a competência para a imposição de tal sanção pertence à autoridade administrativa, que a exerce por intermédio dos órgãos públicos de proteção e defesa do consumidor, seja na esfera municipal, estadual ou federal, sempre mediante processo administrativo e garantindo o contraditório e a ampla defesa ao fornecedor. Ainda, esse mesmo parágrafo traz a possibilidade de aplicação cumulativa desse tipo de sanção administrativa, permitindo inclusive a utilização de provimento cautelar antecedente ou incidente ao procedimento administrativo. Conforme a Súmula no 3 do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo, o Ministério Público poderá ajuizar Ação Civil Pública requerendo não somente a imposição da contrapropa179

Diferenciação apresentada no item 3.3 da presente obra.

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ganda (contrapublicidade) mas também a apuração da a responsabilidade pelos danos morais difusos causados pela comunicação publicitária180. Ingressando na esfera judiciária é possível ainda haver a imposição de uma multa diária (astreinte) ao responsável (ou responsáveis) em caso de descumprimento, já que a sanção em questão diz respeito a uma obrigação de fazer, com a finalidade de garantir a veiculação de uma mensagem publicitária que possua o condão de desconstituir a mensagem anterior (contrapropaganda ou contrapublicidade). O vulto dessa multa deve ser idôneo a persuadir à realização da obrigação, definido de acordo com as condições econômicas do sancionado. Uma regulamentação do instituto da contrapropaganda (contrapublicidade) de forma mais pormenorizada é trazida pelo artigo 60 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Segundo o caput do referido artigo: “A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator”. A priori, a partir da interpretação do citado dispositivo legal podemos chegar a duas conclusões: que a hipótese de cabimento da cominação dessa espécie de sanção administrativa diz respeito à veiculação de publicidade enganosa ou abusiva; e que as despesas decorrentes de sua execução devem correr sempre por conta do infrator. Porém, a própria redação do mencionado dispositivo nos leva a alguns problemas. Primeiramente, vemos claramente que houve uma incorreção por parte do Código ao referir-se ao “art. 36 e seus parágrafos”, quando na verdade o legislador consumerista almejava referir-se ao “artigo 37 e seus parágrafos”, que é justamente onde se encontram disciplinadas a publicidade enganosa e abusiva, até porque desde a sua redação 180

“O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública visando à contrapropaganda e a responsabilidade por danos morais difusos”. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2010.

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original o artigo 36 apenas possui um único parágrafo. Segundamente, realizando uma interpretação mais apurada do citado dispositivo legal percebemos que a sujeição passiva desta espécie de sanção administrativa é atribuída exclusivamente ao fornecedoranunciante, uma vez que se considera como hipótese de cabimento de tal sanção unicamente a incursão deste na prática de publicidade enganosa ou abusiva. Deste modo, tanto os veículos de comunicação quanto os publicitários ou agências publicitárias estariam totalmente isentos de responsabilidade em razão de tal conduta para fins de aplicação da contrapropaganda (contrapublicidade). Conforme consta no artigo 60, §1 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor: “A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, freqüência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva”. Deste modo, é instituído um rol de requisitos que devem ser preenchidos na efetivação da sanção em questão, entretanto, entendemos que este rol diz respeito a um conjunto de requisitos mínimos, ou seja, é apenas exemplificativo. Sendo assim, nada impede que a “contrapropaganda” seja veiculada de maneira que atinja uma notoriedade maior que a peça publicitária considerada enganosa ou abusiva, pois, com isso, a sanção se tornaria mais eficaz uma vez que poderia atingir mais facilmente o seu principal objetivo, que consiste em desconstituir os efeitos nocivos provocados pelo anúncio anterior.

3.11. ÔNUS DA PROVA NA PUBLICIDADE O artigo 6o, inciso VIII do Código de Proteção e Defesa do Consumidor instituiu a possibilidade de decretação da inversão do ônus da prova a favor do consumidor, no processo civil, nos casos em que, a critério do juiz, a alegação for verossímil ou quando ele for hipossuficiente, conforme as regras ordinárias de experiência, como uma forma de facilitação da defesa de seus direitos, consa142

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grada como um dos direitos básicos do consumidor. Nestes casos, a decretação da inversão do ônus da prova ocorre ope judicis, ou seja, a critério do próprio julgador, analisando para tanto a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência do consumidor em cada caso concreto, sempre considerando as regras ordinárias de experiência. Ressalte-se que não se exige a concomitância de ambos os requisitos, de maneira que basta a alegação verossímil ou situação de hipossuficiência do consumidor individualmente para que haja fundamento suficiente para embasar a decretação da inversão do ônus da prova pelo julgador 181. No que tange especificamente ao estudo do ônus da prova na seara publicitária percebemos que ele não segue a regra geral contida no artigo 333 do Código de Processo Civil 182 que institui ao autor a obrigação de provar, quando se tratar de fato constitutivo de seu direito; e ao réu, diante da existência de fato que seja impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. No que diz respeito ao ônus da prova na publicidade vigora o princípio da inversão do ônus da prova, insculpido no artigo 38 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, segundo o qual: “O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”. Aqui a inversão do ônus da prova é ope legis, ou seja, ocorre por força de lei, independente da discriciona181

Em comentário a respeito dessa possibilidade de inversão do ônus da prova instituída pelo diploma consumerista, Holthausen afirma: “Tal regra é plenamente pertinente e cercada de legalidade, pois visa atender o dever constitucional de proteção do consumidor (art. 5º, XXXII, CF/88), a ordem pública e o interesse social da norma (art. 1º, CDC), o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, CDC) e isonomia de tratamento com o fito de equilibrar as forças e buscar a justiça”. Fábio Zabot Holthausen, Inversão do ônus da prova nas relações de consumo: momento processual, p. 107. 182 Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

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riedade do julgador para que seja decretada, diferentemente do que acontece no caso da decretação fundada no artigo 6 o, inciso VIII do Código do Consumidor (ope judicis), onde o juiz, a seu critério (baseando-se em regras ordinárias de experiência), deve constatar a existência dos requisitos exigidos pela legislação (a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência do consumidor) para que possa decretar a inversão do ônus da prova. Sendo assim, quando questionada a veracidade e/ou correção de uma determinada informação ou comunicação publicitária, o ônus de provar que tais características estão presentes na peça discutida é imposto desde logo ao seu patrocinador, isto é, o fornecedor-anunciante. Trata-se de uma verdadeira inversão ex lege do ônus da prova183. Neste sentido já houve inclusive decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo184. No mesmo sentido instituído pelo artigo 38 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, corroborando a ideia do princípio da inversão do ônus da prova que vigora na seara publicitária, está o Decreto no 2.181 de 20 de março de 1997, quando, ao disciplinar as práticas infrativas, em seu artigo 14, §3 o trouxe a seguinte redação: “O ônus da prova da veracidade (não-enganosidade) e da correção (não-abusividade) da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina” 185. Podemos observar que tal disposição normativa também busca instituir a inversão do ônus da pro183

Teresa Arruda Alvim, Noções gerais sobre o processo do código do consumidor. Revista de direito do consumidor, p. 256. 184 A referida decisão foi ementada da seguinte forma: Prova – Inversão do ônus – Admissibilidade – Hipótese de propaganda enganosa – Inteligência do art. 38 do CPDC – Inversão que não depende da discricionariedade do juiz. Preliminar rejeitada. Recurso parcialmente provido. O ônus da prova da veracidade e correção da informação publicitária cabe a quem os patrocina, sendo independente sua atribuição da discricionariedade do juiz. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Rel. Des. Aldo Magalhães. Nona Câmara Cível. Julgamento em 06/04/1995. BAASP 1.911/222-j, de 09/09/1995. 185 Disponível em Acesso em: 13 abr. 2011.

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va ope legis, ou seja, independentemente de declaração do órgão julgador. O artigo 36, parágrafo único do Código de Proteção e defesa do Consumidor186 guarda uma profunda relação com essa atribuição (mediante inversão) do ônus da prova ao patrocinador da publicidade, pois a apresentação dos dados fáticos, técnicos e científicos nos quais ela se funda, que devem ser mantidos em poder do fornecedor para informação dos legítimos interessados, é uma forma bastante eficaz de se provar a veracidade e/ou a correção de uma determinada mensagem publicitária.

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Art. 36. Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.

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Capítulo 4 RESPONSABILIDADE DECORRENTE DA COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA artigo 7o, parágrafo único do Código de Proteção e Defesa do Consumidor possui a seguinte redação: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”. Desta forma, partindo do pressuposto de que as normas que disciplinam a atividade publicitária são consideradas normas de consumo que podem prever danos, assim como de que podem ser considerados autores de uma ofensa a estas normas todos os que participam diretamente da atividade publicitária (fornecedor-anunciante, agências publicitárias e veículos de divulgação), podemos afirmar não somente que todos estes podem ser responsabilizados por um dano decorrente da veiculação de uma mensagem publicitária em desacordo com o microssistema de proteção e defesa do consumidor (enganosa ou abusiva), mas também que a responsabilidade entre eles é solidária, em conformidade com o supracitado dispositivo do diploma consumerista.

O

Neste mesmo sentido de responsabilização de todos os diretamente envolvidos na atividade publicitária podemos encontrar também a disposição normativa constante no artigo 3 o do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, segundo o qual: “Todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência de Publicidade e do Veículo de Divulgação junto ao 147

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Consumidor”. Assim sendo, a responsabilidade pela reparação de dano decorrente da veiculação de um anúncio publicitário deve recair sobre todos os entes mencionados no referido dispositivo, na qualidade de participantes da atividade publicitária. Contudo, este regime de responsabilização solidária entre fornecedor-anunciante, agências publicitárias e veículos de divulgação como principais atores do processo de veiculação da publicidade não é o que vigora no entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, que já emitiu posicionamento expresso no sentido de ausentar as empresas de comunicação (veículos de divulgação) da responsabilidade por práticas publicitárias com propostas abusivas e/ou enganosas, ficando tal responsabilidade recaída apenas sobre os fornecedores-anunciantes patrocinadores187. Inclusive, o Ministro Barros defendeu em seu voto que nos capítulos que tratam sobre a oferta e a publicidade, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor impõe deveres ao fornecedor-anunciante e não 187

Este posicionamento consta em decisão assim ementada: “RECURSO ESPECIAL - PREQUESTIONAMENTO - INOCORRÊNCIA - SÚMULA 282/STF - FALTA DE COMBATE AOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO - APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 182 - PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONSUMIDOR - VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO - EVENTUAL PROPAGANDA OU ANÚNCIO ENGANOSO OU ABUSIVO - AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE - CDC, ART. 38 - FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. I – Falta prequestionamento quando o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão recorrido. II – É inviável o recurso especial que não ataca os fundamentos do acórdão recorrido. Inteligência da Súmula 182. III – As empresas de comunicação não respondem por publicidade de propostas abusivas ou enganosas. Tal responsabilidade toca aos fornecedores-anunciantes, que a patrocinaram (CDC, Arts. 3º e 38). IV – O CDC, quando trata de publicidade, impõe deveres ao anunciante - não às empresas de comunicação (Art. 3º, CDC). V – Fundamentação apoiada em dispositivo ou princípio constitucional é imune a recurso especial.”. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o 604.172/SP. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. Julgamento em 27/03/2007. DJ. 21/05/2007.

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aos veículos de comunicação188. Mesmo sendo omisso o Tribunal, a partir da análise dos fundamentos da referida decisão que isenta de responsabilidade os veículos de comunicação, pode-se depreender que provavelmente esta isenção de responsabilidade também seria aplicada às agências publicitárias e/ou publicitários. Entretanto, embora o mencionado Tribunal tenha assumido o entendimento acima explicitado de forma cabal189, no sentido de excluir os veículos de comunicação (explicitamente) e as agências publicitárias (implicitamente) da responsabilidade pela veiculação de publicidade enganosa e/ou abusiva, já foi exteriorizado na mesma corte entendimento em sentido contrário, quando em resposta a seguinte questão: “Responde o veículo que divulga a mensagem publicitária por seu eventual caráter falacioso, podendo ser responsabilizado pelos danos que disso advenham para o consumidor?”, o Ministro Eduardo Ribeiro, em seu voto, pronunciou-se favoravelmente a essa responsabilização nos seguintes termos: “Poderá sêlo, consoante as circunstâncias. Se divulgar a mensagem manifestamente falsa, obviamente enganosa, de que possa resultar danos para os consumidores, tenho que induvidosa a obrigação de ressarcir o prejuízo que disso efetivamente resultar” 190. Ainda, na esteira 188

Complementou o Ministro Barros afirmando que: “O Art. 38 exclui a responsabilidade dos veículos de comunicação por eventual publicidade enganosa ou abusiva, pois o ônus de provar a veracidade e correção (ausência de abusividade) é do fornecedor-anunciante, que patrocina a propaganda ou anúncio, tanto que o Art. 36 impõe que mantenham, em próprio poder, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem para informação dos legítimos interessados”. Este posicionamento foi retirado de seu voto, que por sinal foi acompanhado por todos os outros Ministros presentes. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o 604.172/SP. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. Julgamento em 27/03/2007. DJ. 21/05/2007. 189 Acordaram os Ministros da terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça por unanimidade. 190 O julgado, que também foi resultado de unanimidade no Tribunal restou emendado da seguinte forma: Publicidade enganosa. A divulgação, informada por culpa grave, de publicidade manifestamente enganosa, pode acarretar

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de responsabilização dos veículos de comunicação podemos encontrar o artigo 9o, §3o da Lei no 9.294 de 15 de julho de 1996, que instituiu expressamente a responsabilidade (ao considerar infrator) de toda e qualquer pessoa, natural ou jurídica, que seja responsável, direta ou indiretamente, pelo veículo de comunicação que fizer a divulgação de uma peça publicitária que contrarie a referida lei. A sistemática de responsabilização pela instituída no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária pela inobservância de suas normas de conduta está disposta da seguinte forma: “o Anunciante assumirá responsabilidade total por sua publicidade” (artigo 45, a); “a Agência deve ter o máximo cuidado na elaboração do anúncio, de modo a habilitar o Cliente Anunciante a cumprir sua responsabilidade, com ele respondendo solidariamente pela obediência aos preceitos deste Código” (artigo 45, b); e quanto ao veículo de divulgação: “a responsabilidade do Veículo será equiparada à do Anunciante sempre que a veiculação do anúncio contrariar os termos de recomendação que lhe tenha sido comunicada oficialmente pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - CONAR” (artigo 45, e). Ainda, no item “c” do artigo 45 há uma recomendação do Código no sentido de que os veículos de comunicação devem estabelecer como medida preventiva um sistema de controle na recepção de anúncios. Para tanto, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária estabelece um rol de medidas que podem ser adotadas pelos veículos de divulgação na realização do referido controle sobre a recepção dos anúncios, ressaltando a necessidade de adoção de uma precaução especial em relação à peça publicitária apresentada sem a intermediação de uma agência, devido ao fato de que, por ignorância ou má-fé do anunciante, poderá transgredir princípios do Código (artigo 45, d) 191. a responsabilidade pelo ressarcimento de eventuais danos aos consumidores. Superior Tribunal de Justiça. Resp. no 92.395/RS. Rel. Min. Eduardo Ribeiro. Julgamento em 05/02/1998. DJ. 06/04/1998. 191 Institui o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária que poderá o veículo: “c.1) recusar o anúncio, independentemente de decisão do

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Ao tratar do regime de responsabilidade decorrente da publicidade, o artigo 46 do Código Brasileiro de Auto- rregulamentação Publicitária vai mais além quando possibilita a responsabilização dos “diretores e qualquer pessoa empregada numa firma, companhia ou instituição que tomem parte no planejamento, criação, execução e veiculação de um anúncio” perante suas normas, na medida de seus respectivos poderes decisórios. De tal forma, podemos perceber que a responsabilização instituída por esse diploma normativo é bastante ampla, distanciando-se consideravelmente do comentado posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que reconhecia apenas a responsabilidade do fornecedor-anunciante em relação a um dano decorrente da veiculação de uma mensagem publicitária. Além disso, o artigo 49 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária traz uma imposição geral proibitiva, direcionada aos anunciantes, agências, editores, proprietários ou agentes de veículo publicitário, em relação à publicação de anúncios reprovados pelo CONAR192. A finalidade de tal dispositivo é evitar a promoção ou continuidade da veiculação de uma determinada peça publicitária que, por ter sido considerada em desacordo com o microssistema de proteção e defesa do consumidor, não passou pelo crivo do CONAR, pois a divulgação de uma comunicação publicitária dessa natureza acarretaria prejuízo para o mercaConselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária - CONAR, quando entender que o seu conteúdo fere, flagrantemente, princípios deste Código, devendo, nesta hipótese, comunicar sua decisão ao Conselho Superior do CONAR que, se for o caso, determinará a instauração de processo ético; c.2) recusar anúncio que fira a sua linha editorial, jornalística ou de programação; c.3) recusar anúncio sem identificação do patrocinador, salvo o caso de campanha que se enquadre no parágrafo único do Artigo 9º ("teaser"); c.4) recusar anúncio de polêmica ou denúncia sem expressa autorização de fonte conhecida que responda pela autoria da peça”. 192 Artigo 49 - Nenhum Anunciante, Agência, Editor, proprietário ou agente de um veículo publicitário deve promover a publicação de qualquer anúncio que tenha sido reprovado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR, criado para o funcionamento deste Código.

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do de consumo. Ainda, conforme disposição contida no artigo 47 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária a responsabilidade pela observância de suas normas abrange o anúncio no seu conteúdo e formas como um todo, inclusive testemunhos, declarações ou apresentações visuais provenientes, no todo ou em parte, de outras fontes. Em resumo, a responsabilidade decorrente da comunicação publicitária pode ser sistematizada da seguinte maneira: em virtude da veiculação de um anúncio publicitário caracterizado como qualquer das formas de publicidade consideradas ilícitas (v.g., enganosa ou abusiva), o fornecedor-anunciante, a agência publicitária (ou publicitário), bem como o veículo de comunicação utilizado para a divulgação da mensagem publicitária respondem solidariamente por qualquer dano causado, civil e administrativamente, independentemente da comprovação de dolo ou culpa (responsabilidade objetiva), nos termos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, assim como do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 4.1. CONTROLE JUDICIAL DA PUBLICIDADE Existem três sistemas de controle da atividade publicitária: um sistema exclusivamente estatal, um sistema exclusivamente privado e um sistema misto (estatal e privado). Entretanto, antes de discorrermos a respeito destes sistemas de controle isoladamente, é imperioso frisar a diferenciação existente entre a censura, prática que possui vedação constitucional expressa 193, e o controle na forma permitida pelo ordenamento jurídico. Na censura, o conteúdo de uma manifestação do pensamento é necessariamente submetido 193

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. [...] §2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

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à deliberação de outrem antes de sua veiculação, ao passo que no controle realizado nos moldes do ordenamento jurídico o que existe é a aferição do cumprimento de normas gerais e abstratas preexistentes, sejam constitucionais ou provenientes de outros atos normativos legitimamente editados, dos quais o descumprimento é passível de certas consequências jurídicas 194. No sistema exclusivamente estatal de controle da atividade publicitária somente o Estado tem o poder de intervir, atuando através da imposição de normas coercitivas (regras e princípios) para regular o desenvolvimento de tal atividade, bem como da aplicação de sanções decorrentes do descumprimento destas normas, não havendo qualquer participação privada neste sentido. Esse sistema de controle realizado de forma exclusiva pelo Estado pode ser vislumbrado na atuação do Poder Legislativo, ao editar disposições normativas que disciplinam a atividade publicitária, bem como nas ações dos órgãos do Poder Judiciário e dos PROCONs (Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor) dos estados e municípios, ao aplicar, respectivamente, as sanções jurídicas e administrativas previstas nas disposições normativas. Ao contrário, no sistema de controle exclusivamente privado não há qualquer participação do ente estatal na regulação da atividade publicitária, seja através da imposição de normas coercitivas ou mesmo da aplicação de sanções, o que existe é apenas uma autorregulamentação advinda dos próprios publicitários envolvidos na atividade. A proposta deste sistema de controle puramente privado é instituir a competência exclusiva do próprio mercado para atuar no sentido de direcionar a atividade publicitária e corrigir os desvios que por ventura possam aparecer. Um órgão que bem representa este sistema de autorregulamentação é o CONAR (Conse194

Luís Roberto Barroso, Liberdade de expressão, censura e controle da programação de televisão na Constituição de 1988, In: Temas de direito constitucional, p. 347.

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lho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). No sistema misto de controle da publicidade o que ocorre é uma conjugação dos outros dois sistemas (estatal e privado), de tal forma que existem concomitantemente as normas coercitivas impostas pelo Estado, acompanhadas das respectivas sanções (jurídicas e administrativas), bem como um conjunto de normas e outros meios de regulação provenientes da própria classe publicitária. Entre os três sistemas de controle da publicidade expostos, a opção feita pelo ordenamento jurídico pátrio foi pelo sistema misto. Assim sendo, no Direito brasileiro devem atuar em harmonia as normas (princípios e regras) provenientes do Estado, que compõem o microssistema consumerista instituído pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, juntamente com a regulamentação feita pelos próprios publicitários, principalmente mediante Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Deste modo, qualquer se seja a forma de controle da publicidade utilizada, é imprescindível que seja respeitada a liberdade de comunicação social constitucionalmente protegida pelo artigo 220, caput da Constituição Federal195. Qualquer forma de limitação da atividade publicitária, seja proveniente do Estado ou da própria categoria de publicitários, deve respeitar a liberdade de atuação dos meios de comunicação publicitária e considerar a contribuição que as informações que são veiculadas por estes meios proporcionam aos consumidores. 195

A respeito da dupla dimensão que compõe o conceito de liberdade de comunicação: “La libertad de comunicación, como parte de una organización comunicativa dentro del Estado democrático y social de Derecho, protege el desenvolvimiento subjetivo en la comunicación, es decir, la aceptación de los papeles que desenpeñan el comunicador y el receptor. Pero también queda protegido ese desenvolvimiento mediante la comunicación, por ejemplo, aprovechando la información reunida como orientación en relaciones individuales y sociales y contribuyendo a formar la voluntad social y estatal”. Wolfgang Hoffmann-Riem, Libertad de comunicación y de médios, In: Manual de derecho constitucional, p. 146.

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4.2. TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA NO CONTROLE DA PUBLICIDADE Assim como a prestação jurisdicional individual, a tutela coletiva é também garantida pelo princípio da inafastabilidade da atuação jurisdicional, que institui que o Poder Judiciário não pode se abster de emitir um provimento decisório quando provocado, garantia constitucional que constitui uma das formas de consubstanciação do princípio do acesso à justiça, inscrito no artigo 5 o, inciso XXXV da Constituição Federal, verdadeira cláusula pétrea em consonância com a disposição contida no artigo 60, §4 o, inciso IV da mesma. Além disso, a proteção dos direitos e interesses transindividuais ou metaindividuais foi alçada a nível constitucional de forma expressa no artigo 129, inciso III da Constituição Federal, que ao tratar das funções institucionais do Ministério Público, instituiu entre elas a proteção de interesses difusos e coletivos 196. Ao exorbitar o plano jurídico e social, a tutela coletiva mostrase indispensável à conformação política do Estado Democrático de Direito. A efetiva operacionalidade do sistema de ações coletivas, ao exprimir uma forma de facilitação do acesso à justiça, mediante a utilização de técnicas diferenciadas de legitimação ativa e de extensão subjetiva da eficácia da coisa julgada, torna-se condição de existência e prevalência da democracia 197. Nos dias atuais a existência de procedimentos coletivos, consiste em requisito necessário para um processo justo, precisamente por permitir a participação conjunta dos cidadãos na defesa de direitos econômicos, sociais e culturais de grande relevância para a existência coleti196

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. 197 Elton Venturi, Processo civil coletivo: a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. Perspectivas de um Código Brasileiro de Processos Coletivos, p. 102.

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va198. Esse tipo de tutela é a mais adequada para que seja realizado o controle da prática publicitária devido ao fato de ser da própria essência da comunicação publicitária a característica de possuir um direcionamento coletivo, ou seja, na prática, a publicidade quase nunca é destinada a um determinado titular de forma individualizada, geralmente é direcionada a certo grupo, categoria ou classe de pessoas ou é veiculada em um dos meios de comunicação em massa, atingindo difusamente a um conjunto indeterminado de pessoas. No entanto, a defesa coletiva do consumidor em juízo, a que estão voltados os artigos 81 e seguintes do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, em nada impede, obstaculariza ou prejudica a tutela individual dos direitos e interesses dos consumidores 199. Um dos diplomas normativos mais importantes para a regulamentação do processo de tutela jurisdicional de direitos coletivos no ordenamento jurídico brasileiro é a Lei n o 7.347 de 24 de julho de 1985, que disciplina a Ação Civil Pública. Esta disposição normativa, juntamente com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/90), compõe o cerne do microssistema de tutela coletiva do sistema jurídico. Há inclusive um dispositivo expresso na Lei no 7.347/85 no seguinte sentido: “Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.” (artigo 21). Assim, vemos que existe uma verdadeira complementariedade entre os dois institutos normativos mencionados para formar o microssistema de tutela coletiva. Da mesma forma que a tutela jurisdicional individual, a tutela coletiva também pode ser desenvolvida de maneira repressiva, quando a demanda judicial for decorrente de lesão ocorrida anteriormente, ou de forma preventiva ou de urgência, quando o que 198 199

J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, p. 678. Rodolfo de Camargo Mancuso, Manual do consumidor em juízo, p. 01 –

02.

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existe é apenas uma ameaça de lesão a direito. No que diz respeito à Ação Civil Pública, esta possibilidade da tutela atuar preventivamente ou repressivamente encontra fundamento no artigo 4 o da Lei no 7.347/85 ao instituir a possibilidade de ajuizamento de ação cautelar objetivando evitar a ocorrência do dano em si. No âmbito da proteção do consumidor, esta dupla dimensão da tutela coletiva (preventiva ou repressiva) fundamenta-se no artigo 6o, inciso VI do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o qual estabeleceu “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” como um dos direitos básicos do consumidor. Especificamente no que diz respeito à comunicação publicitária, a tutela do consumidor assume uma natureza dúplice, à medida que o controle de uma publicidade enganosa ou abusiva é considerado preventivo em relação aos danos que poderiam ser causados em razão da efetivação de uma relação de consumo direta influenciada por estas formas de publicidade, ao mesmo tempo em que é considerado também repressivo em virtude da existência da presunção de dano decorrente da simples veiculação dessas espécies de publicidade. Nesta seara da tutela jurisdicional coletiva de controle da publicidade mostra-se absolutamente importante o artigo 83 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor que institui uma garantia de amplo acesso à justiça, consagrando de forma cabal a instrumentalidade do processo coletivo, ao instituir a admissibilidade de todas as espécies de ações capazes de propiciar adequada e efetiva tutela, para que seja feita a defesa dos direitos e interesses protegidos pelo Código. Podemos afirmar que as ações que realizam o controle da publicidade pertencem à área de regulamentação do artigo supramencionado ao vislumbrarmos a redação constante no artigo 6o, inciso IV do Código que enuncia expressamente como um dos direitos básicos do consumidor a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, pois, vemos que a proteção do consumidor contra as mencionadas espécies de publicidade é um direito protegido pelo Código, e consequentemente, conforme a disposi157

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ção contida no artigo 83 do mesmo, quaisquer espécies de ações que sejam aptas a proporcionar uma tutela adequada e efetiva em relação a esse tipo de direito são admissíveis. Entretanto, não obstante a existência dessa indistinção no tocante a espécie de ação que deverá ser utilizada para a defesa dos direitos e interesses protegidos pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor há na doutrina e na própria legislação uma divisão dos direitos ou interesses coletivos lato sensu da seguinte forma: coletivos stricto sensu, difusos e individuais homogêneos. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor ao tratar da defesa do consumidor em juízo em seu Título III, apesar da existência do brocardo romano omnis definitio in jure civile periculosa est (toda definição em direito cível é perigosa), trouxe nos incisos do artigo 81, parágrafo único definições expressas de tais espécies ou categorias de direitos 200. Este conceitualismo legal constituído na técnica da tutela coletiva já foi alvo de crítica na doutrina201, no entanto, diante da abertura propiciada pelo artigo 83 do Código de Proteção e 200

Art. 81. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. 201 “Ao elencar as características de cada espécie de direito, a legislação acaba por introduzir, naturalmente, uma série de especulações hermenêuticas voltadas não só ao reconhecimento da tipologia mas também, por conseqüência, dos pressupostos de admissibilidade da sua tutela jurisdicional, de onde provêm indesejáveis standardizações que acabam, invariavelmente, ou restringindo ou inviabilizando a ação coletiva”. Elton Venturi, Processo civil coletivo: a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. Perspectivas de um Código Brasileiro de Processos Coletivos, p. 86.

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Defesa do Consumidor já comentada neste texto para a utilização de uma imensurável variedade de ações coletivas na defesa de direitos e interesses resguardados pelo Código, criticas de tal natureza mostram-se infrutíferas. São interesses ou direitos difusos os que não possuem um titular exclusivo, ultrapassam a órbita individual (transindividuais ou metaindividuais), pertencem a um conjunto indeterminado de pessoas ligadas apenas por circunstâncias fáticas, sem possuir um liame jurídico (indeterminação dos sujeitos). São interesses por natureza desorganizados que dizem respeito a um extenso objeto (indivisibilidade do objeto) 202. Da mesma forma que os difusos, os interesses ou direitos coletivos stricto sensu não possuem uma titularidade individualizada, ou seja, são interesses meta ou transindividuais. Todavia, estes se diferenciam daqueles por constituírem espécies de direitos ou interesses de que é titular uma determinada categoria, grupo ou classe de pessoas (titularidade determinada). Também em semelhança com os difusos, os direitos ou interesses coletivos são marcados por uma natureza de indivisibilidade. Em contrapartida, no caso destes, há necessariamente um liame jurídico, isto é, uma relação jurídica base que une as pessoas titulares entre si ou com a parte contrária. Quanto aos interesses ou direitos chamados individuais homogêneos, estes são marcados principalmente pela característica de serem advindos de uma origem comum. São direitos que essencialmente seriam individuais, mas pelas circunstâncias se tornaram direitos coletivos lato sensu. Por 202

Em relação aos interesses difusos, Mancuso nos oferece a seguinte definição: “São interesses metaindividuais, que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessários à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em um estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo (v.g., o interesse à pureza do ar atmosférico), podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indefinido (v.g., os consumidores)”. Rodolfo de Camargo Mancuso, Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, p. 124 – 125.

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isso, podem ser classificados como direitos “acidentalmente coletivos”, em oposição às outras espécies de direitos ou interesses coletivos lato sensu (difusos e coletivos), que seriam “essencialmente coletivos”203. Ao contrário das outras espécies de direitos ou interesses, os direitos individuais homogêneos são caracterizados pela divisibilidade do seu objeto, o que permite que sejam postulados individualmente pelos seus titulares em ações singulares. O artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor traz disposições a respeito dos efeitos da coisa julgada de acordo com cada espécie de direitos ou interesses definidos nos incisos do artigo 81, parágrafo único do mesmo (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos) 204. Ainda, há previsões nos parágrafos do artigo 103 do Código no sentido de que: os direitos e interesses individuais dos integrantes da coletividade ou do grupo, categoria ou classe não serão prejudicados pelos efeitos da coisa julgada descritos nos incisos I e II (§1 o); no caso de declaração de improcedência do pedido de que trata o inciso III, todos os interessados que não intervieram no processo como litisconsortes poderão ajuizar ação de indenização a título individual (§2 o); as ações de indenização por danos pessoais, propostas de forma individual ou coletiva nos termos do código, não serão prejudicadas pelos efeitos da coisa julgada nos termos do artigo 16, combinado com artigo 13 da 203

José Carlos Barbosa Moreira, Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos, In: Revista de processo, p. 57. 204 Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

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Lei no 7.347/85, contudo, em caso de procedência do pedido, as vítimas e seus sucessores poderão ser beneficiadas através do processo de liquidação e execução nos termos dos artigos 97 a 99 do Código (§3o); e que a mesma sistemática descrita no §3o é aplicável à sentença penal condenatória (§4 o). Ainda em relação à coisa julgada, no artigo 104, caput o Código determina que as ações coletivas previstas nos incisos I e II do artigo 81, parágrafo único (para a defesa dos direitos ou interesses difusos e coletivos stricto sensu respectivamente) não induzem litispendência em relação às ações individuais, porém, os efeitos erga omnes ou ultra partes aludidos nos incisos II e III do artigo 103, somente poderão beneficiar autores das ações individuais quando houver requerimento de sua suspensão destas no prazo de 30 (trinta) dias, contados da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. Da maneira que se mostra organizada atualmente o microssistema de tutela jurisdicional coletiva do consumidor no ordenamento jurídico brasileiro, podemos afirmar que, salvo alguns casos excepcionais, os direitos ou interesses difusos e coletivos stricto sensu são tutelados de modo direto pela Lei n o 7.347/85 que disciplina a Ação Civil Pública, ao passo que os direitos ou interesses individuais homogêneos são tutelados pela normatização contida nos artigos 91 a 100 do Código de Defesa do Consumidor, ficando as demais normas processuais instituídas pelo Título III do referido Código, aplicáveis em regra às três modalidades de direitos ou interesses205. Todavia, apesar desta diferenciação feita pela legislação, e acompanhada pela doutrina e jurisprudência, entre as espécies de direitos ou interesses coletivos lato sensu, não resta dúvida de que os procedimentos de tutela coletiva do consumidor exigem uma prestação jurisdicional diferenciada, que seja realizada por meio de uma normatividade própria, devido à vultosa importância que possuem as demandas coletivas em razão da relevância especi205

Marcelo Abelha Rodrigues. Ação civil pública. Ações constitucionais, p. 274.

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al do interesse social nelas envolvido. Assim sendo, a atuação do Poder Judiciário nesse tipo de demanda requer um enfoque jurídico peculiar, no qual deve sempre considerar os princípios e regras específicas existentes tanto na Lei no 7.347/85 (Ação Civil Pública) quanto na Lei no 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), uma vez que o microssistema de tutela coletiva do ordenamento jurídico brasileiro é composto pela conjugação de ambas. Destarte, o Poder Judiciário, quando diante de um procedimento dessa natureza, deve sempre atentar com mais obstinação para a concretização das normas na realidade social a que se destinam, adotando uma postura bastante teleológica e pragmática, ou seja, que esteja mais comprometida com a efetivação do Direito no sentido de propiciar uma maior realização prática deste, contudo sem se afastar dos parâmetros juridicamente estabelecidos.

4.2.1. Ação Civil Pública como Instrumento de Proteção nas Relações de Consumo A Ação Civil Pública é um dos principais instrumentos que compõem o microssistema de tutela coletiva. Fazendo um paralelo da ação civil pública em relação ao mandado de segurança, pode-se dizer que aquela está para a coletividade assim como este está para o indivíduo, constituindo ambas as mais potentes armas cíveis previstas no ordenamento jurídico brasileiro206. A lei que disciplina a Ação Civil Pública (Lei no 7.347 de 24 de julho de 1985) teve sua origem a partir de um anteprojeto de 1983 que versava sobre a proteção judicial dos interesses transidividuais (meio ambiente e patrimônio cultural) elaborado por Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, com influência do jurista italiano Mauro Cappelletti. Este 206

Marcelo Abelha Rodrigues. Ação civil pública. Ações constitucionais, p. 265.

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anteprojeto foi apresentado no I Congresso Nacional de Direito Processual Civil que ocorreu no Rio Grande do Sul em 1983. No ano seguinte, recebendo algumas sugestões de Barbosa Moreira, o texto foi transformado em projeto de lei pelo Deputado Federal paulista Flávio Bierrenbach207. Ao mesmo tempo, baseando-se no anteprojeto original, Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Édis Milaré e Nelson Nery Júnior elaboraram um novo projeto que ampliava o objeto de defesa do anterior para qualquer interesse difuso e dava o instrumento do inquérito civil para o Ministério Público. No ano de 1984, este novo projeto foi discutido e aprimorado durante o Seminário Jurídico dos Grupos de Estudos do Ministério Público do Estado de São Paulo. Posteriormente, o projeto foi apresentado ao Ministério da Justiça pelo Procurador Geral de Justiça paulista e em seguida o texto foi encaminhado ao Congresso Nacional como projeto de lei do Executivo em 1985, onde recebeu a sanção tornando-se em 24 de julho, a Lei no 7.347/85 que disciplina a Ação Civil Pública no ordenamento jurídico brasileiro. Conforme redação do artigo 1o da Lei no 7.347/85, a Ação Civil Pública pode ser usada como ação de responsabilidade tanto em referência a danos patrimoniais quanto a danos morais, causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e ainda por infração da ordem econômica e da economia popular, sem prejuízo da utilização da Ação Popular quando cabível. Quanto à possibilidade de cabimento da Ação Civil Pública, exceções foram trazidas pela Medida Provisória no 2.180-35 de 2001, que incluiu um parágrafo único no supramencionado artigo 208, porém 207

Hugo Nigro Mazzilli, Tutela dos interesses difusos e coletivos, p. 39 - 40. Art. 1o. Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de 208

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essas exceções não são capazes de afetar negativamente de forma direta a tutela dos consumidores pela Ação Civil Pública. A tutela de uma determinada Ação Civil Pública, entre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, poderá ser identificada de acordo com o pedido. Pode se tratar de uma tutela específica (utilização do mesmo meio para se chegar a um resultado igual) ou de uma tutela que possibilite um resultado prático equivalente (utilização de um meio diferente para se atingir o mesmo resultado). Esta segunda possibilidade tem como fundamento a fungibilidade (de ofício) do pedido imediato, isto é, o provimento ou a prestação jurisdicional, mantendo-se o pedido mediato, ou seja, o próprio bem da vida. Em razão da busca por uma maior efetividade da ação a ordem de preferência da tutela é a seguinte: tutela específica, reparação específica, reparação genérica. O ideal seria uma execução específica capaz de fazer voltar o interesse lesado ao seu status quo ante, porém, isso nem sempre é possível devido à natureza de determinados direitos, principalmente em se tratando de direitos dos consumidores. Assim, quando não seja possível a reparação específica, caberá a prestação pecuniária dirigida ao fundo a que se refere o artigo 13 da Lei no 7.347/85, pois, em se tratando de bens ou interesses difusos o produto da condenação não pode ser titularizado ou subjetivado (ao menos de lege lata)209. De acordo com o artigo 3o da Lei da Ação Civil Pública: “A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”. Este tipo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. 209 Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores (Lei 7.347/85 e legislação complementar), p. 27.

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ação pode veicular pretensão de imposição de uma prestação pecuniária ou ainda a assunção de uma conduta positiva ou negativa por parte da parte condenada. Neste último caso, diante do descumprimento dessa obrigação (prestação da atividade devida ou cessação da atividade nociva) existe a possibilidade de execução específica ou de cominação de multa diária (astreinte), caso esta seja suficiente ou compatível, independentemente de ter sido requerida pelo autor (artigo 11 da Lei no 7.47/85)210. Na hipótese de uma condenação ao pagamento de uma prestação pecuniária (condenação em dinheiro) a título de indenização pelo dano causado, esta deverá ser revertida a um fundo destinado a reconstituição dos bens lesados, gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais, com participação necessária do Ministério Público e de representantes da comunidade (artigo 13, caput da Lei no 7.347/85)211. Todavia, o artigo 13, §1o da Lei em questão traz a imposição de que o dinheiro deve ficar depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta corrente com correção monetária, enquanto o fundo não for regulamentado. Ainda, em relação a este fundo, foi instituído recentemente no mesmo artigo (mediante a Lei n o 12.228/2010), um §2o disciplinando a destinação da prestação em dinheiro decorrente de acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica 212. 210

Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor. 211 Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. 212 Art. 13, §2o “Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1o

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O artigo 2o, caput da Lei no 7.347/85 estabelece um critério geral territorial-funcional de competência de foro para a Ação Civil Pública ao determinar que estas devem ser propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Tal critério foi instituído em razão da presunção de que o julgador que se encontra em maior proximidade em relação ao dano ou ameaça possui um conhecimento mais profundo dos fatos e melhores condições para a obtenção de provas. Embora no artigo em questão haja referência apenas ao juiz do local do dano, sua interpretação deve ser realizada de forma extensiva para abranger qualquer rito procedimental no tocante à Ação Civil Pública, incluindo a tutela preventiva 213. Em havendo extrapolação dos limites territoriais de um determinado foro, hipótese bem provável em se tratando de publicidade veiculada em quaisquer dos meios de comunicação em massa, e certa se a mensagem publicitária for emitida em meio de divulgação nacional, resultará um conflito de competência (concorrente) que deverá ser dirimido mediante aplicação do instituto da prevenção, nos moldes dos artigos 106, 107 e 219 do Código de Processo Civil, excetuando-se os casos de defesa de interesses individuais homogêneos, que possuem regra de competência específica contida no artigo 93, inciso II do Código de Defesa do Consumidor, que ressalvando a competência da Justiça Federal, estabelece do foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional. A legitimação ativa (ad causam) na Ação Civil Pública e na ação coletiva para a defesa dos interesses transindividuais de grudesta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local, respectivamente”. 213 Motauri Ciocchetti de Souza, Ação civil pública: competência e efeitos da coisa julgada, p. 97.

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pos, classes ou categorias de pessoas, é do tipo extraordinária, ou seja, os legitimados agem em nome próprio na defesa de interesse alheio214. Essa espécie de legitimação para a defesa de direitos metaindividuais foi inspirada no sistema norte-americano das class actions for damages, onde um ou mais membros de uma determinada classe (representative parties) tem legitimidade para atuar em juízo em representação (representation fair and adequate) de todos os membros dessa classe215. Em resumo poderíamos afirmar que a legitimidade para a proposição da Ação Civil Pública é do tipo coletiva (vários entes a possuem), exclusiva (cada legitimado não precisa da anuência de outro para propor a demanda), e taxativa (somente os entes arrolados na lei são considerados representantes adequados)216. De acordo com o artigo 5 o da Lei no 7.347/85, são legitimados para propor a Ação Civil Pública: o ministério público, a defensoria pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, e as associações que estejam constituídas há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil, e que incluam, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Na seara da tutela coletiva do consumidor, esse rol de legitimados trazido pela Lei da Ação Civil Pública é complementado pelo artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe sobre a legitimação para a defesa dos interesses e direitos dos consumidores. Em capítulo referente às ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos, o Código Defesa do Consumidor 214

Hugo Nigro Mazzilli, Tutela dos interesses difusos e coletivos, p. 21. Rule 23. Class Actions. Federal Rules of Civil Procedure. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2010. 216 Marcelo Abelha Rodrigues. Ação civil pública. Ações constitucionais, p. 300. 215

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admite expressamente no artigo 92, a legitimidade de atuação do Ministério Público perante esta espécie de direitos ou interesses, ao determinar que, se não ajuizar a ação, este deverá atuar sempre como fiscal da lei. Além disso, o Supremo Tribunal Federal já emitiu posicionamento favorável a esta possibilidade 217. No mesmo sentido existe também a Súmula no 7, do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo218. A destinação institucional do Ministério Público para atuar sempre em defesa de interesses indisponíveis ou, que devido a sua natureza ou abrangência atinjam a sociedade como um todo, consiste no fundamento dessa súmula. Entre todos os legitimados, em se tratando de tutela coletiva do consumidor o Ministério Público aparece como sendo o defensor mor, acompanhado pelas associações de defesa do consumidor. A própria Constituição Federal já atribuía a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127, caput)219. Ainda, no artigo 129, inciso III a Constituição Federal trouxe como sendo uma das funções institucionais do Ministério Público “promover o inquérito civil e a Ação Civil Pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Em ambas as disposições constitucionais pode ser encontrado fundamento 217

“Ministério Público: legitimidade para propor ação civil pública quando se trata de direitos individuais homogêneos em que seus titulares se encontrem na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. É indiferente a espécie de contrato firmado, bastando que seja uma relação de consumo: precedentes”. Supremo Tribunal Federal. RE. no. 424.048 AgR/SC. Rel. Min. Sepúlveda pertence. Julgamento em 25/10/2005. DJU. 25/11/2005. 218 “O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade”. Disponível em . Acesso em: 10 ago. 2010. 219 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

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para a atuação do Ministério Público na defesa dos direitos e interesses metaindividuais, especialmente os pertinentes ao consumidor. Conforme imposição do artigo 5o, §1o da Lei no 7.347/85, quando o Ministério Público não intervier como parte no processo, deverá necessariamente atuar como fiscal da lei220. Quanto ao exercício de sua função impera o princípio da obrigatoriedade, o que implica dizer que diante de uma hipótese na qual a lei exija atuação do Ministério Público este não pode se abster de fazê-lo, seja em sede de Ação Civil Pública, compromisso ou termo de ajustamento de conduta, ou transação penal. Entretanto, o parquet possui liberdade para aferir a configuração ou não de hipótese legalmente prevista que demanda sua atuação, desde que o faça de maneira fundamentada. O Ministério Público pode ser considerado como o legítimo órgão promotor da justiça e da defesa social 221, representante da lei e personificação dos interesses coletivos 222.

4.2.2. Publicidade como Objeto de Tutela da Ação Civil Pública A possibilidade de apuração mediante Ação Civil Pública da responsabilização contra danos morais e patrimoniais causados ao consumidor é admitida expressamente através do enunciado disposto no artigo 1 o, inciso II da Lei no 7.347/85223, o que consagra desde logo o cabimento dessa espécie de ação como instrumento de tutela dos interesses dos consumidores. No que tange à seara da publicidade de forma específica, esta consagração possui grande 220

Art. 5o, §1o.O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei. 221 Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil: adaptadas ao novo código de processo civil, p. 130. 222 Ibid, p. 131. 223 Art. 1o. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: [...] II – ao consumidor;

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importância, pois, como vimos a simples exposição à mensagem publicitária, independentemente da aquisição ou utilização efetiva do objeto do anúncio, já é suficiente para que seja caracterizada a relação do consumo por equiparação nos termos do artigo 29 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Sendo assim, diante desta caracterização de relação de consumo, podemos afirmar que a Ação Civil Pública se mostra como um meio absolutamente adequado para combater as formas nefastas de prática publicitária (principalmente enganosa e abusiva), onde há de imediato um dano presumido contras as relações de consumo. Em conformidade com o artigo 3o da Lei no 7.47/85, a tutela da publicidade realizada por meio da Ação Civil Pública pode ser efetivada mediante uma condenação pecuniária ou ao cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer, instituída ao responsável pela veiculação da mensagem publicitária ilícita. Neste último caso, o juiz poderá determinar o cumprimento da prestação da atividade devida (v.g., o cumprimento de uma oferta) ou a cessação da atividade nociva (v.g., a veiculação de publicidade enganosa ou abusiva), sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária (astreinte), nos casos em que esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor, nos termos do artigo 11 da Lei no 7.347/85. Além disso, seguindo esta mesma sistemática o artigo 84, caput do Código de Proteção e Defesa do Consumidor ainda institui a possibilidade de que o juiz determine providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Para tanto, conforme a redação do artigo 84, §5o o juiz poderá determinar medidas como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. Nos termos do artigo 84, §1 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, havendo opção do próprio autor ou nos casos em que seja impossível a obtenção da tutela específica ou do resultado prático correspondente a obrigação pode ser convertida em perdas 170

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e danos. Conforme o artigo 84, §2o a condenação ao pagamento de indenização por perdas e danos não prejudicará uma possível imposição de multa em caso de descumprimento nos termos do artigo 287 do Código de Processo Civil224. Além disso, o artigo 84, §3o do Código ainda institui a possibilidade de concessão de tutela liminarmente ou após justificação prévia, sendo citado o réu, desde que estejam presentes os requisitos de relevância no fundamento da demanda e receio justificado de ineficácia do provimento final225. A Ação Civil Pública pode ser usada para a tutela da publicidade tanto de maneira preventiva como repressiva. No entanto, qualquer que seja o provimento jurisdicional concedido em sede de Ação Civil Pública contra publicidade ilícita, este possuirá uma natureza dúplice. Podemos visualizar a sua dimensão repressiva quando atua buscando minorar ou extinguir de qualquer forma os efeitos causados pela veiculação de uma mensagem publicitária nefasta, uma vez que nestes casos o dano contra as relações de consumo já é presumido. No tocante a dimensão preventiva, tem-se o fato de que o controle prévio de uma comunicação publicitária ilícita tem o condão de evitar possíveis danos que poderiam ser causados em decorrência da efetivação de uma relação de consumo 224

Art. 287. Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, §4 o, e 461-A). 225 Diante de todas estas possibilidades apresentadas, em comentário referente ao meio ambiente, mas que pode facilmente ser transportado por analogia ao direito do consumidor, defende Hely Lopes Meirelles que: “Imposição judicial de fazer ou não fazer é mais racional que a condenação pecuniária, porque na maioria dos casos o interesse público é o de obstar a agressão ao meio ambiente ou obter a reparação direta e in specie do dano, do que receber qualquer quantia em dinheiro para a sua recomposição, mesmo porque quase sempre a consumação da lesão ambiental é irreparável [...]”. Hely Lopes Meirelles, Mandado de segurança, ação popular e ação civil pública, p. 122 – 123.

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direta influenciada por esta espécie de publicidade, e ainda impedir que outras pessoas sejam expostas à mensagem publicitária nefasta em razão da continuidade de sua veiculação nos meios de comunicação social.

4.3. APLICABILIDADE DA AÇÃO POPULAR NO MICROSSISTEMA CONSUMERISTA No atual contexto jurídico brasileiro, mesmo após a consagração constitucional e infraconstitucional do instituto da Ação Popular, ainda pairam bastantes dúvidas a respeito desta ação, sobretudo no que tange às possibilidades de sua aplicação. Assim sendo, é imprescindível que haja um estudo mais acurado deste relevante instituto dentro do sistema jurídico pátrio. Nesta esteira, averiguaremos a conjuntura atual da Ação Popular perante o entendimento dos tribunais superiores para que possa ser tomada como parâmetro inicial de nosso estudo, analisando para tanto uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que rechaçou explicitamente o cabimento da Ação Popular como meio processual idôneo a realizar a defesa do consumidor 226. 226

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. CONCESSÃO DE SERVIÇO. SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES DE EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE GESTÃO DE ÁREAS DESTINADAS A ESTACIONAMENTO ROTATIVO. INOBSERVÂNCIA DE DIREITO CONSUMERISTA. INÉPCIA DA INICIAL. ILEGITIMIDADE ATIVA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. SÚMULA 211/STJ. 1. A Ação Popular não é servil à defesa dos consumidores, porquanto instrumento flagrantemente inadequado mercê de evidente ilegitimatio ad causam (art. 1º, da Lei 4717/65 c/c art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal) do autor popular, o qual não pode atuar em prol da coletividade nessas hipóteses. 2. A ilegitimidade do autor popular, in casu, coadjuvada pela inadequação da via eleita ab origine , porquanto a ação popular é instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros, revela-se inequívo-

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4.3.1. Apreciação de Entendimento Jurisprudencial Proibitivo da Utilização da Ação Popular na Seara das Relações de Consumo O caso em que foi explicitado o entendimento em questão originou-se a partir uma Ação Popular ajuizada por dois vereadores da cidade de Tatuí – São Paulo em face do Prefeito da mesma e de uma empresa de administração do setor de estacionamentos. O objetivo da demanda foi suspender a atividade de cobrança pelo estacionamento rotativo denominado “zona azul eletrônica” explorado por outra empresa concessionária de serviço público, devido à existência de certas irregularidades na prestação dos serviços. Inicialmente, a preliminar arguida pela empresa de carência de ação por falta de interesse de agir e por ilegitimidade ativa foi de plano rejeitada pelo juiz de primeira instância. Em seguida, houve interposição de Agravo de Instrumento por uma construtora perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo provimento foi negado. O agravante arguira admissibilidade da Ação Popular em razão de seu objeto refletir interesse dos cidadãos em geral da cidade. Assim, mesmo tendo o Tribunal de São Paulo confirmado a decisão do juiz de primeira instância no acórdão, a construtora interpôs Recurso Especial perante o Superior Tribunal de Justiça alegando que o acórdão prolatado pelo Tribunal de São Paulo teria violado os dispositivos contidos nos artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor e o artigo 2o da Lei no 4.717/65 ao reconhecer o interesse de agir e a legitimidade da parte.

ca, por isso que não é servil ao amparo de direitos individuais próprios, como sóem ser os direitos dos consumidores, que, consoante cediço, dispõem de meio processual adequado à sua defesa, mediante a propositura de ação civil pública, com supedâneo nos arts. 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) [...]. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o. 818.725/SP. Rel. Min. Luiz Fux. Julgamento em 13/05/2008. DJ. 16/06/2008.

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O recurso especial não foi conhecido no que diz respeito à aventada ofensa aos artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor, sob o argumento de ausência de prequestionamento da matéria pelo Tribunal a quo, com fundamento na Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça 227. Porém, houve o conhecimento do recurso especial na parte pertinente à legitimidade e ao interesse de agir dos autores populares, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça considerou ter havido o devido prequestionamento no tocante a essa matéria. O parecer do Ministério Público Federal foi pelo desprovimento do recurso, diante do entendimento a favor da legitimidade ativa dos autores populares, além da perfeita adequação da via eleita ab origine para a defesa do patrimônio público. Entretanto, contrariando o entendimento do juiz de primeira instância que foi corroborado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, e ainda o entendimento emitido em forma de parecer pelo Ministério Público Federal, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela ilegitimidade dos autores populares juntamente com a inadequação da via eleita ab origine, sob o argumento de que a Ação Popular seria meio inadequado à defesa de direitos dos consumidores, chegando a afirmar infundadamente que esses direitos seriam “direitos individuais próprios”. Esta expressão particularmente talvez tenha sido fruto de uma infeliz interpretação realizada pelo Ministro Luiz Fux (relator) da doutrina de Hely Lopes Meirelles, citada pelo ministro em seu voto. Podemos perceber a partir da transcrição feita no acórdão que Hely Lopes Meirelles, ao discorrer acerca da Ação Popular como instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utiliza a expressão “direitos individuais próprios” para apresentar uma ideia contraposta à concepção de “interesses da comunidade”, não mencionando em nenhum momento no contexto em questão a possibilidade de inserção dos direitos dos con227

Superior Tribunal de Justiça. Súmula no 211. In: Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal "a quo".

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sumidores dentro desses “direitos individuais próprios”. Ressaltese que a infelicidade da interpretação realizada pelo ministro em seu voto ocorreu justamente ao realizar a inclusão dos direitos dos consumidores na categoria de “direitos individuais próprios” ao invés de inseri-los dentro do universo dos “interesses da comunidade”, o que seria o ideal diante da redação do artigo 1 o do Código de Defesa do Consumidor que estabelece expressamente que as normas de proteção e defesa do consumidor são normas de ordem pública e interesse social. Podemos notar que ao deliberar sobre a ilegitimatio ad causam do autor popular o Tribunal apenas faz a citação de dispositivos legais, sem se deter a uma análise mais aprofundada dos mesmos, confirmando a máxima de Mostesquieu que enunciava que os juízes da nação não são mais que a boca que pronuncia as palavras da lei228. Isto, além de expressar uma infundada visão reducionista dos meios processuais adequados à defesa dos direitos dos consumidores decidindo pela inadequação da via eleita ab origine, referindose apenas à Ação Civil Pública fundada nos artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/90) como instrumento idôneo a tutelar a proteção e defesa dos consumidores. A primeira turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do ministro relator229. Vale ressaltar que este Tribunal já havia decidido anteriormente pela impossibilidade de utilização da Ação Popular dentro do universo das relações de consumo230. 228

“Mais le juges de la nation ne sont, comme nous avons dit, que la bouche qui prononce les paroles de la loi.” Charles-Louis de Secondat Montesquieu, De l’esprit des lois, p. 171. 229 Os Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda (Presidenta) e Francisco Falcão votaram com o Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro José Delgado. 230 Tal posicionamento encontra-se assim ementado: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. ANULAÇÃO DE ATO ADMI-

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Deve ser rechaçado o entendimento explicitado por esta deliberação porque o Superior Tribunal de Justiça não observou o disposto no artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual: “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Deste modo, a legislação consumerista não faz qualquer tipo de restrição quanto à espécie de ação a ser usada para a tutela dos interesses protegidos pelo Código além da capacidade da ação para tanto. Pelo contrário, tende a uma ampliação do rol dos possíveis meios processuais considerados idôneos à defesa dos direitos e interesses do consumidor, enquanto configuração infraconstitucional da área de proteção do artigo 5o, NISTRATIVO. AUTORIZAÇÃO. COMERCIALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE CAPITALIZAÇÃO. DENOMINADOS "TELESENA". NULIDADE DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE VENDA E RESGATE DO VALOR DOS TÍTULOS. INÉPCIA DA INICIAL. ILEGITIMIDADE ATIVA DO AUTOR POPULAR PARA A DEFESA DE INTERESSES DOS CONSUMIDORES. IMPOSSILIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE CONDENAÇÃO DOS PREJUÍZOS EVENTUALMENTE CAUSADOS. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DO REVISOR NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. NULIDADE ABSOLUTA. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. JULGAMENTO EXTRA E ULTRA PETITA. ARTS. 460 e 461, DO CPC. JUNTADA DE DOCUMENTO IRRELEVANTE AO JULGAMENTO. VISTA À PARTE CONTRÁRIA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165; 458, II; 463, II e 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. 1. A concessão de emissão de títulos de capitalização, obedecida a reserva legal, não resta eivada de vícios acaso a empresa de capitalização, ad argumentadum tantum, empreenda propaganda enganosa, insindicável esta pelo E. S.T.J à luz do verbete sumular nº 07. 2. O autor popular não pode manejar esse controle da legalidade dos atos do Poder Público para defesa dos consumidores, porquanto instrumento flagrantemente inadequado mercê de evidente ilegitimatio ad causam (art. 1º, da Lei 4717/65 c/c art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal) [...]. Superior Tribunal de Justiça. Resp. no 851.090/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Julgamento em 18/12/2007. DJ. 31/03/2008.

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inciso XXXII da Constituição Federal. Neste contexto, em princípio já se revela cabível a Ação Popular como instrumento idôneo para a defesa direitos fundamentais pertinentes às relações de consumo, com base no artigo 83 do diploma consumerista, contrariando o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. Todavia, é necessário uma apreciação mais aprofundada a respeito desta hipótese de cabimento da Ação Popular, detendo-se a uma análise mais esmerada do artigo 5o, inciso LXXIII da Constituição Federal, que a insere no rol dos direitos e garantias fundamentais, juntamente com a Lei no 4.717 de 29 de junho de 1965, que regula a Ação Popular no ordenamento jurídico brasileiro, em consonância com o microssistema jurídico criado com o advento do Código de Defesa do Consumidor, antes de analisar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça explicitado pela supracitada decisão.

4.3.2. Ação Popular no Direito Estrangeiro No esboço a respeito da configuração da Ação Popular no direito estrangeiro, analisaremos a origem romana desse instituto, bem como a sua conformação em países como Itália, Inglaterra, França, Portugal, Espanha, Argentina, Peru e Alemanha, amparando-se principalmente na doutrina de José Afonso da Silva 231 e diretamente nas Constituições de alguns dos países supramencionados. A origem romana da Ação Popular consubstancia-se na acção cuivis ex populo, outorgada a qualquer pessoa (em regra uma só) em casos de obrigações decorrentes de delitos que atentem contra interesses concorrentes entre o indivíduo e a comunidade, que diz respeito a uma espécie das actiones populares exercidas na seara do processo civil232. 231 232

Ação popular constitucional: doutrina e processo, p. 43 – 62. Max Kaser, Direito privado romano, p. 281.

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Na Itália, a Ação Popular não possui menção constitucional direta, porém poderíamos falar em uma permissão constitucional para este instituto firmada pelo artigo 113 da Costituzione della Repubblica Italiana que trata da tutela jurisdicional de direitos e interesses legítimos contra atos da administração pública e determina que essa tutela não pode ser limitada a um meio particular de impugnação ou a uma categoria determinada de atos 233. Porém, embora não esteja instituída constitucionalmente de forma direta, a Ação Popular tem grande aplicabilidade na seara eleitoral mediante as leis de 20 de setembro e de 26 de outubro de 1859, política e administrativa respectivamente, e também no Direito urbanístico, por intermédio do artigo 10 da Lei no 765 de 06 de agosto de 1967, ao instituir que qualquer pessoa pode se insurgir contra a concessão de licença edilícia em contraste com disposição legal ou regulamentar ou com o plano de regulação geral ou detalhado de execução234. Na Inglaterra, a Ação Popular (popular action) possui uma ampla aplicação devido aos institutos da “obrigação de acusar”, imposta tanto aos magistrados como aos particulares, juntamente com o “prêmio ao acusador”. É um tipo de ação concedida ao povo em geral. Na França, há um instituto que se assemelha a Ação Po233

“Art. 113. Contro gli atti della pubblica amministrazione è sempre ammessa la tutela giurisdizionale dei diritti e degli interessi legittimi dinanzi agli organi di girisdizione ordinária o amministrativa. Tale tutela iurisdizionale non può essere esclusa o limitata a particolari mezzi di impugnazione o per determinate categorie di atti.” Disponível em: . Acesso em: 3 jun. 2010. 234 “Art. 10. Chiunque può prendere visione presso gli uffici comunali, della licenza edilizia e dei relativi atti di progetto e ricorrere contro il rilascio della licenza edilizia in quanto in contrasto con le disposizioni di leggi o dei regolamenti o con le prescrizioni di piano regolatore generale e dei piani particolareggiati di esecuzione.” Disponível em: . Acesso em: 1 jun. 2010.

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pular brasileira, especialmente no âmbito das coletividades departamental e comunal, este é chamado de recours por excès de pouvoir (recurso por excesso de poder) e pode ser utilizado por qualquer pessoa que possua interesse, com a finalidade de anular uma decisão executória pelo juízo administrativo que contenha um vício (détournement de pouvoir), fundando-se na sua ilegalidade. Em Portugal, existem duas espécies de Ação Popular: uma de natureza civil, nos mesmos moldes do direito romano, que é destinada à proteção e conservação da coisa pública por qualquer cidadão; e outra de natureza administrativa, que possibilita qualquer eleitor ou contribuinte das contribuições diretas do Estado impugnar deliberações administrativas ilegais. O artigo 52 da Constituição da República Portuguesa de 1976, ao tratar conjuntamente do direito de petição e da Ação Popular em capítulo destinado a regulação de direitos, liberdades e garantias de participação política, expressamente enuncia o direito de Ação Popular 235. 235

Art. 52. 1. Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania, aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral e, bem assim, o direito de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respectiva apreciação. 2. A lei fixa as condições em que as petições apresentadas colectivamente à Assembleia da República e às Assembleias Legislativas das regiões autónomas são apreciadas em reunião plenária. 3. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para: a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais. Disponível em: . Acesso em: 1 jun. 2010.

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Na Espanha, há previsão constitucional da acción popular no artigo 125 da Constituição Espanhola de 1978 que se insere no âmbito processual penal permitindo a participação ativa dos cidadãos na administração da justiça mediante a instituição de um jurado conforme determinação legal, da mesma forma que ocorre nos tribunais consuetudinários e tradicionais 236, como por exemplo, o Tribunal de Aguas de la Vega de Valencia e o Consejo de Hombres Buenos de Murcia, em defesa da legalidade, sem a necessidade de comprovação de ato atentatório a interesse próprio. Essa possibilidade diz respeito a uma manifestação do direito público subjetivo ao livre acesso aos tribunais que possuem pretensões de interesse público, estando excluído da área de atuação da acción popular o procedimento penal militar. A permissibilidade de utilização da Ação Popular encontra-se corroborada no artigo 19.1 da Ley Orgánica del Poder Judicial ao estabelecer que “Los ciudadanos de nacionalidad española podrán ejercer la acción popular, en los casos y formas establecidos en la Ley.”237. Diferentemente do que ocorre no ordenamento jurídico brasileiro, quanto ao exercício da Ação Popular na Espanha não há exclusão ou limitação em relação às pessoas jurídicas, uma vez que o artigo 24.1 da Constituição Espanhola se refere a todas las personas238. 236

“Los ciudadanos podrán ejercer la acción popular y participar en la Administración de Justicia mediante la institución del Jurado, en la forma y con respecto a aquellos procesos penales que la ley determine, así como en los Tribunales consuetudinarios y tradicionales”. Constitución Española de 1978. Disponível em: . Acesso em: 1 jun. 2010. 237 Ley Orgánica del Poder Judicial. Disponível em: . Acesso em: 1 jun. 2010. 238 “Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión.” Constitución Española de 1978. Disponível em: . Acesso em: 3 jun. 2010.

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Na Argentina, a Ação Popular possui um caráter eminentemente penal, apesar de ser admitida também na seara eleitoral para ser usada de forma ampla por qualquer eleitor contra falta ou delito considerado ilegal. No Peru, a Ação Popular é trazida de forma expressa pela Constitución Política Del Perú como sendo uma garantia constitucional que permite a realização de um controle abstrato de normatização proveniente de qualquer autoridade 239. Na Alemanha não existe a Ação Popular nos moldes de sua configuração no Direito pátrio, contudo, naquele país existe a Verfassungsbeschwerde (reclamação ou queixa constitucional). Com forma diversa da “reclamação constitucional” do Direito brasileiro, a Verfassungsbeschwerde se mostra como uma ação extraordinária que pode ser ajuizada qualquer pessoa física ou jurídica para a defesa de direitos fundamentais dos quais seja titular, contra qualquer ato do Poder Público (v.g., uma decisão judicial ou mesmo uma norma em abstrato), comissivo ou omissivo, que implique em uma agressão atual e direta aos referidos direitos, perante o Tribunal Constitucional Alemão como instância única 240.

4.3.3. Ação Popular no Direito Brasileiro No direito pátrio, o surgimento da Ação Popular em sua conformação atual ocorreu durante a vigência da Constituição Federal de 1946, com a Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965, resultante de iniciativa presidencial que derivou de um anteprojeto elaborado por Seabra Fagundes com a colaboração de Hely Lopes Meirelles, incorporando parte substancial de um projeto anterior apresentado 239

Artigo 200, item 5. La Acción Popular, que procede, por infracción de la Constitución y de la ley, contra los reglamentos, normas administrativas y resoluciones y decretos de carácter general, cualquiera sea la autoridad de la que emanen. Constitución Política del Perú de 1993. Disponível em: . Acesso em: 1 jun. 2010. 240 Leonardo Martins, Direito processual alemão, p. 32 – 37.

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por Bilac Pinto (Substitutivo na Câmara dos Deputados). Antes, porém, já haviam sido realizadas várias tentativas de regulamentação da Ação Popular, principalmente por Teotônio Monteiro de Barros e Ferreira de Souza (projeto no Senado Federal em 1952). Apesar da ampla literalidade presente no artigo 1o, caput da Lei que regula a Ação Popular (Lei n o 4.717/65)241, merece um estudo mais apurado o artigo 5 o, inciso LXXIII da Constituição Federal de 1988, que inseriu a Ação Popular no rol dos direitos e garantias fundamentais 242. Por se tratar de um instrumento constitucional assecuratório que tem a finalidade de proteger um bem jurídico, a Ação Popular pode ser classificada não como um direito constitucional em sentido estrito, mas sim como uma garantia constitucional. Sendo assim, mostra-se bastante relevante a distinção entre garantia constitucional da ação popular e ação popular como garantia constitucional243. No presente estudo será focada a 241

Art. 1o. Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos. 242 Art. 5o, inciso LXXIII. Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. 243 “A primeira refere-se ao fundamento constitucional do direito de agir, ao princípio ou norma constitucional de que emana o direito do cidadão em promover e exercitar a ação. A segunda expressa a característica que tem o instituto, assim constitucionalmente garantido, de constituir também, de seu

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segunda concepção, pois esta parece mais adequada aos fins aqui colimados. A presença de um ato lesivo contra o patrimônio público ou entidade que tenha participação estatal, a moralidade administrativa, o meio ambiente, ou ainda contra o patrimônio histórico e cultural, todos assim considerados interesses coletivos, é requisito imprescindível para a utilização da Ação Popular. Tal ato pode ser causado por uma conduta comissiva ou omissiva. Pela simples leitura do artigo 5 o, inciso LXXIII da Constituição Federal, que consagrou a Ação Popular no plano constitucional, percebemos que ao utilizar a expressão “qualquer cidadão” a legitimação para a propositura desta ação é atrelada a condição da cidadania. Essa legitimidade é garantida somente às pessoas físicas, estando excluída de plano a possibilidade de utilização da Ação Popular pelas pessoas jurídicas. Tal entendimento já se encontra inclusive sumulado pelo Supremo Tribunal Federal244, assim como o de que a impetração do mandado de segurança não pode ser considerada como substitutivo da Ação Popular 245. Discorrendo a respeito do interesse à propositura (legitimatio ad processum) da actio popularis, Seabra Fagundes deixa margem para uma ampla interpretação ao reconhecer a legitimidade ativa para ajuizar Ação Popular de qualquer eleitor, como integrante ativo da comunidade política, que objetive defender a legalidade e a moralidade dos atos administrativos, ou de atos de pessoas privadas que a esses possam ser equiparados 246. Mesmo dentro de tal abordagem a respeito da legitimilado, um instrumento destinado a proteger outros direitos constitucionais do cidadão”. José Afonso da Silva. Ação popular constitucional: doutrina e processo, p. 19 – 80. 244 Supremo Tribunal Federal. Súmula no 365. In: Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular. 245 Supremo Tribunal Federal. Súmula no 101. In: O mandado de segurança não substitui a ação popular. 246 Miguel Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, p. 370 – 371.

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dade ativa, o autor supracitado nos permite vislumbrar a possibilidade de figuração no pólo passivo da Ação Popular por uma pessoa privada que realiza ato equiparado ao ato administrativo. Consoante o disposto no artigo 6o da Lei no 4.717/65247, não partilhamos o entendimento de que deve figurar no polo passivo da Ação Popular necessariamente um ente da Administração pública direta, indireta ou pessoa jurídica que de alguma forma administre verba pública248. Assim, é possível que uma pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público ou ainda uma pessoa física ou jurídica (mesmo que não preste serviço público) figure no polo passivo da Ação Popular, mesmo não havendo a incidência de administração de verba pública, desde que haja a obtenção de beneficio direto decorrente da prática do ato impugnado ou ainda a realização de ato que possa ser equiparado ao ato administrativo. Em conformidade com o artigo 6o, §4o da Lei no 4.717/65, a atuação do Ministério Público no processo da Ação Popular consiste em acompanhar as ações ajuizadas em todos os seus termos, garantindo a celeridade de seu andamento, uma satisfatória satisfação de prova dependente de requisição, o exaurimento da instância, a execução da sentença, e promovendo a responsabilidade civil ou criminal dos que nela incidirem, sendo-lhe absolutamente vedado assumir a defesa do ato impugnado ou de seus responsáveis 249. A Ação Popular encontra-se configurada no ordenamento jurídico brasileiro como uma garantia constitucional outorgada a 247

Artigo 6o. A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo. 248 Geisa de Assis Rodrigues. Da ação popular, In: Ações constitucionais, p. 219. 249 Miguel Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, p. 374 – 375.

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qualquer cidadão, para a tutela de interesses coletivos, tais como o patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, a moralidade administrativa, o meio ambiente, e o patrimônio histórico cultural250. Assim sendo, se mostra absolutamente inaceitável o pensamento restritivo de que somente o Ministério Público (art. 129, III), as associações (art. 5 o, XXI) e os sindicatos (art. 5o, XXI, e art. 8o, III) seriam legitimados para defender os interesses difusos e coletivos dentro do sistema constitucional brasileiro 251, desconsiderando erroneamente a possibilidade da defesa de interesses coletivos por meio da Ação Popular, que figura atualmente como uma espécie de demanda onde o cidadão tem a oportunidade de participar das coisas do Estado, manifestando a soberania popular pela via do Judiciário252, mediante a defesa do patrimônio social, da coisa pública, do meio ambiente, e do patrimônio histórico e cultural, sempre que forem mitigados por ilegalidade ou imoralidade 253.

4.3.4. Ação Popular como Instrumento de Controle da Publicidade A depravação dos meios de comunicação social pela utilização desenfreada de mensagens publicitárias pode resultar em uma deturpação ou mesmo anulação da vontade livre dos cidadãos 254. A 250

No mesmo sentido: “A ação popular constitucional brasileira é um instituto processual civil, outorgado a qualquer cidadão como garantia políticoconstitucional (ou remédio constitucional), para a defesa do interessa da coletividade, mediante a provocação do controle jurisdicional corretivo de atos lesivos do patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural”. José Afonso da Silva, Ação popular constitucional: doutrina e processo, p. 100. 251 Adolfo Mamoru Nishiyama, A proteção constitucional do consumidor, p. 261. 252 Francisco Gérson Marques de Lima, Fundamentos constitucionais do processo, p. 274. 253 Ibid, p. 275. 254 Neste sentido: “[...] as grandes empresas de jornais, as vastas cadeias de rádio, as poderosas redes de televisão, as quais, submissas ao capital e ao

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existência de meios legais de controle da publicidade que possam ser utilizadas pelas pessoas e pelas famílias como forma de defesa encontra-se fundamentada no artigo 220, §3o, inciso II da Constituição Federal, embora esta apenas se refira expressamente à “propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”. No que diz respeito à possibilidade de utilização da Ação Popular como meio de controle da publicidade, para compreender de maneira mais consistente é necessário que perscrutemos o liame existente entre aquela e a doutrina da democracia participativa, juntamente com a proteção ambiental funcionando como um elo entre a Ação Popular e a publicidade abusiva.

4.3.5. Ação Popular e Democracia Participativa A ideia de democracia participativa está necessariamente ligada ao conceito de soberania popular, que exige a concentração de poder no povo. Tão vasta é a importância do problema da soberania que já chegou a ser tratado como o problema maior em torno do qual se organiza toda a teoria do Direito 255. É exatamente pelo exercício da soberania popular que se opera o processo participativo, consubstanciado na interferência do povo dentro da esfera de estatal. Assim, a doutrina da democracia participativa implica uma faculdade oferecida aos cidadãos de se imiscuírem na atuação do Poder Público. poder que lhes ministram copiosos subsídios de publicidade paga, se transformam numa usina ou laboratório onde se fabrica o sofisma da opinião pública, (opinião publicada e informação divulgada) e se legitimam as mais absurdas políticas de governo, contrariando o interessa nacional e destruindo as células morais do ente cívico que é a polis”. Paulo Bonavides, Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade, p. 12. 255 Michel Foucault, Microfísica do poder, p. 181.

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O entendimento contemporâneo a respeito da democracia participativa constitui uma ideia análoga ao que Santi Romano denominou de “autarquia”, como uma capacidade de direito público ou político assim definida: “Ela é a capacidade de governar por si os próprios interesses, não obstante estes também digam respeito a um outro sujeito, um ente maior, e portanto, principalmente ao Estado”256. No direito pátrio, essa doutrina encontra fundamento no artigo 1o, parágrafo único da Constituição Federal, ao estabelecer que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Neste contexto, insere-se a Ação Popular (artigo 5o, inciso LXXIII, CF) como uma garantia constitucional que fundamenta o exercício do direito de participação popular na seara pública. Inclusive, a capacidade atribuída às pessoas físicas de exercer a Ação Popular já foi classificada por Santi Romano como uma manifestação de autarquia 257. Essa doutrina de participação popular foi veementemente criticada por Duguit ao afirmar que “nem o próprio dogma da soberania do povo pode dar fundamento à participação de todos no poder político”258 e ainda que “Direito divino, vontade social, soberania nacional, todos constituem doutrinas estabelecidas sobre sofismas com que os governantes iludem as pessoas e também a si mesmos”259. Contudo, em sentido diametralmente oposto Bobbio afirmou que a atuação conjunta da democracia representativa com a democracia direta ou mesmo a substituição daquela por esta mostra-se como uma exigência de maior democracia frequente nos últimos anos 260. Este pensamento, demonstrando a importância que a democracia direta ou participativa se reveste para o aprimoramento democrático, veio a corroborar o entendimento de Rousseau que já defendia a impossibilidade de alienação da soberania, pois 256

Princípios de direito constitucional geral, p. 132 – 133. Ibid, p. 133. 258 Léon Duguit, Fundamentos do direito, p. 74. 259 Ibid, p. 80. 260 Norberto Bobbio, O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo, p. 41. 257

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esta não seria mais do que o exercício da vontade geral, e que o soberano, como um ser coletivo, não poderia ser representado senão por si mesmo261. Mesmo ao trilhar por um caminho que considera a democracia como um mito Lindbom afirma que esse mito deve movimentar o povo, direcionando-o a agir, mudar e realizar 262. Nesse contexto, o comportamento ativo de interferir na esfera pública, propiciado pela Ação Popular pode ser considerado uma forma de expressão da democracia participativa. No entanto, é importante cuidar para que não se realize a profecia aristotélica de que na espécie de democracia em que a soberania é transportada da lei para o povo, ocorre o aparecimento de uma multidão de demagogos e o povo se transforma numa espécie de “monarca de mil cabeças”, que se liberta do domínio da lei e se faz tirano263. Ao relacionarmos o conceito de democracia participativa, o instituto da Ação Popular e a atividade publicitária, poderíamos inserir no epicentro dessa relação o pensamento de Bonavides ao afirmar que a constitucionalização dos meios de comunicação em massa como um dos poderes da república (democrático e legítimo) é o mais urgente e inarredável requisito da democracia participativa264, e também que a resolução do problema da mídia é condição imprescindível para resolver o problema da democracia265. 261

“Je dis donc que la souveraineté, n’étant que l’exercice de la volonté générale, ne peut jamais s’aliéner, et que le souverain, qui n’est qu’un être collectif, ne peut être represente que par lui même: le pouvoir peut bien se transmettre, mais non plus la volonté.”Jean-Jacques Rousseau, Du contrat social ou príncipes du droit politique, p. 250. 262 Tage Lindbom, O mito da democracia, p. 83. 263 Aristóteles, Política, p. 181. 264 Paulo Bonavides, Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade, p. 13. 265 Ibid, p.49.

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A possibilidade de utilização da Ação Popular como um remédio processual idôneo a suscitar o controle jurisdicional dos atos administrativos, mediante a fiscalização das atividades relacionadas com os interesses patrimoniais das pessoas jurídicas públicas, é uma forma de participação do cidadão no exercício do poder, que configura uma as características dos direitos políticos 266. Essa concepção está intimamente relacionada à ideologia da democracia participativa, uma vez que procura estabelecer uma relação entre Estado e indivíduo em que a Constituição Federal funciona como instrumento garantidor da soberania popular, onde o povo é o verdadeiro detentor do poder e da força. Entretanto, tal forma de compreensão do papel desempenhado pela Constituição encontra-se em sentido absolutamente oposto à concepção de Hegel, ao entender que a Constituição serve de instrumento para a concentração da força unicamente pelo Estado, por se tratar da essência deste 267. A Ação Popular é uma garantia constitucional que pode tornar efetiva a participação democrática na esfera pública, funcionando como um instituto que, não obstante sua característica de tutelar os interesses coletivos, pode ser classificado também como uma garantia constitucional política. De tal modo, da forma que se encontra configurada a Ação Popular no ordenamento jurídico brasileiro (eminentemente corretiva), esta se revela como um instrumento de democracia direta, à medida que permite a participação direta do eleitor na vida política 268. A Ação Popular constitui um remédio 266

Miguel Seabra Fagundes, O controle dos atos adminitrativos pelo poder judiciário, p. 363. 267 Tal concepção Hegeliana foi assim expressa por Bobbio: “A essência do Estado reside na concentração da força: o Estado é força concentrada. O que possibilita esta concentração da força é a Constituição, isto é, a “organização” das várias partes num todo compacto e coerente, que seja mais forte do que as partes e, por isto mesmo, impeça sua desagregação interna e afaste a ameaça de destituição proveniente de fora”. Norberto Bobbio, Estudos sobre Hegel: direito, sociedade civil, estado, p. 67. 268 José Afonso da Silva, Ação popular constitucional: doutrina e processo, p. 85.

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constitucional mediante o qual todos os cidadãos tornam-se legitimados para exercer um poder de natureza essencialmente política, que implica em uma forma de manifestação direta da soberania popular consagrada pelo artigo 1o, parágrafo único da Constituição Federal269. Portanto, carece de uma nova análise a normatividade que diz respeito a esta ação, tanto no plano constitucional (artigo 5o, inciso LXXIII da Constituição Federal) quanto no plano infraconstitucional (Lei no 4.717 de 29 de junho de 1965), que permita uma interpretação ampliadora de sua utilização, sobretudo no que diz respeito ao seu objeto, com vistas a fomentar a utilização desta ação para o efetivo cumprimento de sua função de permitir a participação democrática na atividade pública. Assim sendo, a Ação Popular constitui um importante meio de participação do povo na busca por um modelo especial de democracia direta e participativa no Brasil, destinado à concretização de ideais como: a erradicação do atraso, do subdesenvolvimento, do analfabetismo, da miséria absoluta e da disparidade de renda, bem como o desfazimento da concentração privilegiada da riqueza e a correção dos desequilíbrios regionais, que permitem o império desigualdade e da injustiça270.

4.3.6. Proteção Ambiental como Interseção entre Ação Popular e Publicidade Abusiva Em sua obra José Afonso da Silva trata do Direito ambiental inserido-o em Capítulo intitulado “Direitos Sociais do Homem Consumidor”, pertencente ao título que se refere aos direitos sociais, que por sua vez se integra à parte concernente aos direitos e garantias fundamentais. Para tal inserção, o mencionado autor apresenta a seguinte justificativa: “É um campo que integra, na sua complexidade, a disciplina urbanística, mas se revela como social, na medida em que sua concreção importa em prestação do Poder 269 270

Idem, Curso de direito constitucional positivo, p. 462. Paulo Bonavides, Os poderes desarmados, p. 34.

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Público”271. Deste modo, o Direito ambiental foi considerado por esse autor como um direito fundamental, ao mesmo tempo social e do consumidor, que pode ser exigido perante o Poder Público (direito prestacional). Uma vez que na Constituição Federal não há sistematicidade com relação à garantia dos Direitos Fundamentais, podemos encontrar referências a tais direitos em diversas partes do texto constitucional272. Assim sendo, é possível verificar a consagração de Direitos Fundamentais mesmo fora de sua sedes materiae constitucional, neste caso o Título II da Constituição Federal (que trata dos direitos e garantias fundamentais). Este é o caso do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado que se encontra enunciado no artigo 225, caput da Constituição Federal. Trata-se de um direito coletivo ou social, considerando que a sua titularidade é outorgada a todos, até mesmo dirigindo-se às futuras gerações. Inclusive, o artigo 225, §1o traz um rol de incumbências impostas ao Poder Público para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que nos leva a entender que se trata de um direito prestacional (status positivus), ou seja, que exige atuação estatal com a finalidade de promover a sua efetividade. No artigo 5o, inciso LXXIII273 a Constituição Federal trouxe a possibilidade expressa da utilização da Ação Popular por qualquer cidadão para a anulação de um ato lesivo ao meio ambiente, claramente ampliando o objeto desta ação em relação ao artigo 1 o, caput da Lei no 4.717 de 29 de junho de 1965. Destarte, partindo-se do entendimento da aplicabilidade do Sistema de Proteção e Defesa 271

Curso de direito constitucional positivo, p. 316. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 32. 273 Art. 5o, inciso LXXIII. “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada máfé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. 272

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do Consumidor em relação às prestações de serviços públicos, sejam estes desenvolvidos por entes da administração pública direta ou indireta, ou mesmo por pessoa jurídica de direito privado (em atividade delegada), somado ao fato de ser possível o controle mediante a Ação Popular de um ato que atente contra o meio ambiente, temos a possibilidade de qualquer cidadão, usuário de um serviço público, e assim considerado consumidor deste serviço, fazer uso de uma Ação Popular para anular um ato causador de lesão ao meio ambiente realizado na prestação do serviço público. Deste modo, já estaríamos diante de um caso permissivo da utilização da Ação Popular dentro da seara das relações de consumo, falseando qualquer posicionamento que pugnar pela incompatibilidade entre estes dois institutos, inclusive o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de afastar de plano a aplicação da Ação Popular como meio adequado a realizar a defesa dos consumidores. Em virtude de dar maior efetividade ao Princípio Democrático, seguindo a linha de otimização dos princípios desenvolvida por Alexy274 e em consonância com tese da abertura da interpretação constitucional proferida por Häberle275, reconhecemos a necessidade de se desenvolver uma nova interpretação da Ação Popular que seja mais condizente com a realidade atual, uma vez que em o conjunto de circunstâncias que permearam a criação desta ação em 274

“[...] princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização”. Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, p. 90. 275 “No processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potencias públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição.” Peter Häberle, Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição, p. 13.

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nosso ordenamento jurídico culminou em um contexto bastante problemático276. O primeiro fundamento para a utilização da Ação Popular como meio processual idôneo à defesa dos consumidores é a abertura proporcionada pelo artigo 83 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor277. A partir da análise do referido dispositivo, podemos constatar que havendo capacidade da ação em relação à consecução dos fins colimados pelo Código, não há qualquer outra forma de restrição referente à espécie de ação a ser utilizada para tutelar os direitos e interesses resguardados por ele. Além disso, a argumentação a favor da aplicabilidade da Ação Popular no universo das relações de consumo fundamentada no princípio democrático pode ser complementada mediante o estudo da publicidade, como instituto imprescindível para que possa ser realizado o controle da atividade do Poder Público por parte da sociedade, pois o exercício desse controle pressupõe que dela tome ciência o corpo social, do contrário restará prejudicado o conceito de democracia278. Como vimos, a proteção do consumidor contra a publicidade enganosa e abusiva é um dos direitos básicos consagrados pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor (artigo 6 o, inciso IV), tendo inclusive este diploma legislativo instituído tipificações penais para reprimir esse tipo de prática (artigos 63, 66, 67 e 68), 276

A respeito de tal contexto: “Mas é preciso atentarmos para a época difícil e conturbada em que a LAP (Lei 4.717, de 1965) veio ao mundo jurídico. Estava-se em plena Revolução Militar, quando a idéia de cidadania e de participação política era a mais restritiva possível. Havia interesse em limitar, de todas as formas possíveis, a participação popular na gestão do Estado”. Francisco Gérson Marques de Lima, Fundamentos constitucionais do processo, p. 276. 277 Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. 278 Michel Temer, Democracia e cidadania, p. 53.

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além da possibilidade de imposição de sanções administrativas (artigo 56), tais como a contrapropaganda ou contrapublicidade (artigo 56, inciso XII c/c artigo 60). Porém, no momento nos ateremos apenas ao estudo da publicidade abusiva, que se encontra definida no artigo 37, §2o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor279, no qual existe de forma expressa a qualificação da abusividade de uma publicidade que desrespeita valores ambientais. Partindo do pressuposto de que é necessária apenas a realização de um juízo in abstracto, onde se prescinde da comprovação de um dano consumado ou exaurido, ou mesmo da análise da relação entre a mensagem publicitária e o objeto do anúncio para a configuração da abusividade de uma determinada peça publicitária, podemos afirmar categoricamente que qualquer anúncio publicitário que vá de encontro a valores ambientais (v.g., instigando o degaste excessivo de recursos naturais), deve ser considerado abusivo nos termos do artigo 37, §2o do Código de Defesa do Consumidor, ainda que nenhuma conduta nociva aos referidos valores venha a ser consumada. Assim sendo, em caso de veiculação de uma comunicação publicitária antiambiental patrocinada pelo Poder Público (administração pública direita ou indireta) ou mesmo por uma pessoa jurídica de direito privado, em atividade delegada referente à prestação de um serviço público, estará caracterizada a sua abusividade, além da relação de consumo por equiparação (decorrente da exposição, nos termos do artigo 29 do Código), e o dano ou lesão ambiental estarão presumidos, ensejando assim a aplicabilidade da Ação Popular na sua forma constitucionalmente prevista. Inclusive, o artigo 12 do Código Brasileiro de Autorreulamentação Publicitária trouxe uma disposição normativa bastante elucidativa 279

Art. 37, §2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

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referente a esta seara de controle da atividade publicitária realizada pelo Poder Público direta ou indiretamente 280. Como fundamento para a utilização da Ação Popular com a finalidade de controlar uma publicidade antiambiental vem também à pauta o artigo 220, §3o, inciso II da Constituição Federal, o qual institui de forma expressa, a possibilidade de defesa por parte da pessoa ou da família contra programas ou programações de rádio e televisão que venham de encontro aos princípios elencados no artigo 221 da Constituição Federal, bem como contra a publicidade de produtos, práticas ou serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente281. Os controladores da atividade publicitária ostentam um enorme poder de influência social que visto sob o prisma da teoria constitucional de Lassalle implica em importante fator real e efetivo de poder282, detentor de uma força ativa capaz de transformar a realidade sociocultural de forma peremptória mediante a impingidela de costumes e valores nas entrelinhas dos anúncios publicitários. Entretanto, ao nos depararmos com institutos como o da Ação Popular, vislumbramos a força determinante de conformação social que pode ser detentora uma garantia constitucional desse porte, desempenhando uma função decisiva em relação ao universo polí280

Art. 12. A publicidade governamental, bem como a de empresas subsidiárias, autarquias, empresas públicas, departamentos, entidades paraestatais, sociedades de economia mista e agentes oficiais da União, dos Estados, dos Territórios, dos Municípios e do Distrito Federal, salvo proibição legal, deve se conformar a este Código da mesma forma que a publicidade realizada pela iniciativa privada. 281 Artigo 220, §3o. Compete à lei federal: [...] II. Estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. 282 Ferdinand Lassalle, A essência da Constituição, p. 12.

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tico-social que se coaduna perfeitamente com o pensamento de Hesse a respeito da força normativa da Constituição283. Diante do exposto, atendendo-se a exigência de uma nova análise da normatividade que diz respeito à Ação Popular, sobretudo no que tange ao seu objeto, em atenção aos reclames do princípio democrático, e mais precisamente ao conceito de democracia participativa, mostra-se absolutamente fundamentada a possibilidade de utilização desta ação como garantia constitucional do processo de proteção e defesa do consumidor perante a atividade publicitária desenvolvida em razão da prestação de um serviço público, realizada pelo Poder Público, seja por ente da administração pública direta ou indireta, ou ainda por pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, por concessão, permissão ou sob qualquer outra forma de delegação.

4.4. HIPÓTESES DE CONTROLE ESPECIAL DA PUBLICIDADE O artigo 220, caput da Constituição Federal que trata da comunicação social determinou que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, independentemente da forma, processo ou veículo de divulgação não devem sofrer qualquer restrição, determinando apenas a necessidade de observância dos ditames trazidos pela própria Constituição. No artigo 220, §4 o a Constituição Federal estabelece uma sujeição especial às restrições legais para a publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, além da exigência de que, sempre 283

“A Constituição jurídica logra conferir forma e modificação à realidade. [...] Ela própria converte-se em força ativa que influi e determina a realidade política e social.[...] Portanto, a intensidade da força normativa da Constituição apresenta-se, em primeiro plano, como uma questão de vontade normativa, de vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)”. Konrad Hesse, A força normativa da Constituição, p. 24.

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que for necessário, haja advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso284. A razão de ser do tratamento diferenciado dispensado aos mencionados objetos na comunicação publicitária consiste no fato de que eles possuem uma periculosidade inerente, que apresenta riscos de dano advindos de seu próprio uso. Ainda, ao fazer referencia ao artigo 220, §3 o, inciso II, o supracitado parágrafo determina que as restrições legais impostas mediante Lei Federal em relação à publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias devem ser aptas a estabelecer meios ‘que possam garantir à pessoa e à família a possibilidade de defesa contra programas ou programações de rádio e televisão que contrariem os princípios elencados no artigo 221 da Constituição Federal285, e igualmente contra a publicidade de produtos, práticas e serviços possivelmente nocivos à saúde e ao meio ambiente. Em observância aos comentados dispositivos constitucionais (artigo 220, §4o e artigo 220, §3o, inciso II) um controle especial dirigido ao uso e à publicidade de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas foi instituído mediante a promulgação da Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996 (Lei Murad). Posteriormente esta lei teve sua redação alterada 284

Observemos que na redação do mencionado dispositivo a própria Constituição Federal faz uso inadequado do termo “propaganda” no afã de referir-se verdadeiramente à “publicidade”, que seria o vocábulo adequado para este contexto, pois o fato de haver finalidade comercial é exatamente a principal característica diferenciadora entre a publicidade e a propaganda, estando ausente nesta ao passo que presente naquela. 285 Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

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por diversas outras leis 286, além da Medida Provisória no 2.190-34 de 2001287. Conforme a redação contida no artigo 9 o, caput da Lei no 9.294/96 (Lei Murad), podemos perceber que existe um amplo controle das espécies de publicidade de que trata esta lei, fulcrado principalmente no Código de Defesa do Consumidor e na legislação de telecomunicações, além da própria Lei n o 9.294/96. De tal forma, o infrator desta última pode ser responsabilizado não somente nos termos da mesma, mas também está sujeito aos ditames do citado diploma consumerista, bem como da legislação referente às telecomunicações, podendo incorrer, sem prejuízo de outras penalidades previstas na legislação em vigor, em qualquer das sanções elencadas no referido dispositivo legal288, que serão aplicadas, 286

Lei no 10.167, de 27 de dezembro de 2000 (Lei Serra), Lei n o 10.702, de 14 de julho de 2003, e Lei no 11.705 de 19 de junho de 2008. 287 Em crítica a respeito da forma com que foi feita a regulamentação instituída pelas disposições normativas supracitadas: “No esforço de dissimular o banimento de fato da publicidade, o legislador concedeu permissão para que ela seja realizada em pôsteres, painéis e cartazes, na parte interna dos locais de venda. Analogicamente, é como confinar a divulgação de uma determinada doutrina religiosa ao interior do templo; ou o debate de idéias socialistas à sede da agremiação política que as professa; ou a música sertaneja aos rodeios ou auditórios específicos, sem que possa ser executada na televisão ou no rádio”. Luís Roberto Barroso, Liberdade de expressão, direito à informação e banimento da publicidade de cigarro. In: Revista de direito administrativo, p. 41. 288 As sanções previstas no mencionado dispositivo são: “I – advertência; II – suspensão, no veículo de divulgação da publicidade, de qualquer outra propaganda do produto, por prazo de até trinta dias; III – obrigatoriedade de veiculação de retificação ou esclarecimento para compensar propaganda distorcida ou de má-fé; IV – apreensão do produto; V – multa, de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), aplicada conforme a capacidade econômica do infrator; VI – suspensão da programação da emissora de rádio e televisão, pelo tempo de dez minutos, por cada minuto ou fração de duração da propaganda transmitida em desacordo com esta Lei, observando-se o mesmo horário. VII – no caso de violação do disposto no

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gradativamente, em caso de reincidência, cumulativamente, de acordo com as especificidades do infrator (artigo 9 o, §1o), pelos órgãos e entidades da administração federal conforme a competência definida pelo Poder Executivo (artigo 9o, §5o), ficando em qualquer caso a peça publicitária definitivamente vetada (artigo 9 o, §2o). O artigo 9 o, §4o da Lei no 9.294/96 institui a competência à autoridade sanitária municipal para a aplicação das sanções previstas neste artigo, na forma do artigo 12 da Lei no 6.437, de 20 de agosto de 1977, ressalvando a competência exclusiva ou concorrente de determinados órgãos para certos casos especiais 289. Consoante o artigo 9o, §3o da Lei no 9.294/96, será considerada infrator para os efeitos desta lei, toda e qualquer pessoa natural ou jurídica, que seja responsável, direta ou indiretamente, pela divulgação da peça publicitária ou pelo respectivo veículo de comunicação. Considerando a importância econômica e social, o volume e as repercussões no indivíduo e na sociedade, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária reconheceu a necessidade de que determinadas categorias de anúncios estivessem sujeitas a cuidados especiais e regras específicas, além das normas gerais nele previstas (artigo 44). Assim sendo, com a colaboração de algumas associações de classe, uma regulamentação especial de certas espécies de publicidade foi instituída pelos anexos do referido Código, entre as quais podemos citar a publicidade de produtos de fumo (Anexo inciso IX do artigo 3o-A, as sanções previstas na Lei n o 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem prejuízo do disposto no art. 243 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990”. 289 Artigo 9o, §4o. [...] “I – do órgão de vigilância sanitária do Ministério da Saúde, inclusive quanto às sanções aplicáveis às agências de publicidade, responsáveis por propaganda de âmbito nacional; II – do órgão de regulamentação da aviação civil do Ministério da Defesa, em relação a infrações verificadas no interior de aeronaves; III – do órgão do Ministério das Comunicações responsável pela fiscalização das emissoras de rádio e televisão; IV – do órgão de regulamentação de transportes do Ministério dos Transportes, em relação a infrações ocorridas no interior de transportes rodoviários, ferroviários e aquaviários de passageiros”.

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“J”); bebidas alcoólicas (Anexo “A”); defensivos agrícolas (Anexo “R”); produtos farmacêuticos isentos de prescrição (Anexo “I”); médicos, dentistas, veterinários, parteiras, massagistas, enfermeiros, serviços hospitalares, paramédicos, para-hospitalares, produtos protéticos e tratamentos (Anexo “G”); entre outras 290. A partir da análise das referidas disposições normativas podemos observar a vultosa importância destinada aos referidos tipos específicos de publicidade ao se instituir de forma tão detalhada e abrangente as possibilidades de seu controle. Assim, cumpre-nos analisar as formas de sujeição especial a restrições legais a que se submetem algumas categorias peculiares de publicidade (produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, defensivos agrícolas, medicamentos e terapias) em consonância como que foi estabelecido pelo artigo 220, §4o da Constituição Federal.

4.4.1. Publicidade de Produtos Fumígenos No período anterior a promulgação da Constituição Federal de 1988, mormente na época que precedeu o surgimento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, e ainda da Lei n o 9.294/96, não havia no ordenamento jurídico brasileiro um dever jurídico de informação que impusesse às indústrias de produtos fumígenos uma conduta diversa daquela por elas praticada em décadas passadas 291, 290

Também foi objeto de regulamentação especial pelos anexos do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária a publicidade relacionada à educação, cursos, ensino (Anexo “B”); empregos e oportunidades (Anexo “C”); imóveis: venda e aluguel (Anexo “D”); investimentos, empréstimos e mercado de capitais (Anexo “E”); lojas e varejo (Anexo “F”); produtos alimentícios (Anexo “H”); produtos inibidores de fumo (Anexo “K”); profissionais liberais (Anexo “L”), reembolso postal ou vendas pelo correio (Anexo “M”); turismo, viagens, excursões, hotelaria (Anexo “N”); veículos motorizados (Anexo “O”); cervejas e vinhos (Anexo “P”); testemunhais, atestados, endossos (Anexo “Q”); armas de fogo (Anexo “S”); e ices e bebidas assemelhadas (Anexo “T”). 291 Superior Tribunal de Justiça. Resp. no 1.113.804/RS. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Julgamento em 27/04/2010. DJ. 24/06/2010.

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ou seja, não havia de fato nenhuma legislação restritiva no que diz respeito à publicidade e/ou ao consumo desses produtos. Conforme demonstrou o Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos Não Transmissíveis 292, organizado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), após a análise de quinze capitais brasileiras além do Distrito Federal, e publicado pelo Ministério da Saúde, a cessação do hábito de fumar teve um índice de cerca de 50% (cinquenta por cento) nas cidades pesquisadas. Porém, a mesma pesquisa demonstrou ainda que as cidades pesquisadas possuíam um percentual de 19% (dezenove por cento) de fumantes regulares de cigarros, onde havia uma predominância do gênero masculino, entre as pessoas com mais de 25 anos de idade, e com o ensino fundamental incompleto. A análise dos referidos resultados nos permite perceber que o tabagismo ainda é um problema bastante grave no Brasil, tanto é que, além dos esforços realizados em âmbito internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o Ministério da Saúde brasileiro vem desenvolvendo ações programáticas, dentre as quais podemos citar o Programa Nacional de Controle do Tabagismo, com a finalidade de prevenir e controlar este tipo de prática. Neste problema, que constitui uma verdadeira questão de saúde pública, é que se encontra o fundamento da atual limitação especial destinada pelo microssistema de proteção consumerista à publicidade de produtos fumígenos, uma vez que esta pode atuar de maneira bastante relevante no sentido de propiciar um aumento da demanda por este tipo de produto nocivo à saúde do consumidor293. 292

Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos Não Transmissíveis. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2010. 293 Em parecer emitido em 08 de maio de 1998, proveniente de consulta da própria Souza Cruz S/A, Ulhoa Coelho fez uma apreciação genérica a respeito de alguns anúncios publicitários dos produtos desta, chegando à conclusão

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Não somente a publicidade, mas também o uso de produtos fumígenos tais como cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou quaisquer outros que sejam derivados ou não do tabaco estão regulados de maneira específica na Lei no 9.294/96. Esta é uma legislação que traz uma série de restrições quanto ao uso deste tipo de produto, bem como quanto ao exercício da atividade publicitária com eles relacionada. O estudo da referida lei pode ser complementado mediante a análise do Anexo “J” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que traz uma regulamentação específica para a publicidade de produtos de fumo. Porém, muitos dos dispositivos trazidos pelo referido anexo já se encontram superados pelas restrições posteriormente determinadas pela Lei no 10.167, de 27 de dezembro de 2000, que por sua vez deve ser lida em paralelo com as recomendações do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e do Anexo “J”. Na redação contida no artigo 2o, caput da Lei no 9.294/96 existe uma proibição expressa do uso de produtos fumígenos (cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco) em recintos coletivos, sejam de que: “Em termos gerais, as peças publicitárias encaminhadas visam mais à ambientação do produto do que à prestação de informações sobre suas características. Busca-se a motivação do consumidor através da aproximação entre um determinado modo de ser e o produto anunciado. Evidentemente, através dessa aproximação procura-se alcançar determinado segmento de consumidores, que, se não possuem as características apresentadas pelos modelos, pelo menos admiram as pessoas que as têm”. O mesmo autor afirmou ainda, no referido parecer, em relação às marcas de forma específica que: “os cigarros “Hollywood” ligam-se às atividades de lazer, descontração e sociabilidade; os “Free” a atitudes definidas e decisivas, a pessoas que tomam conta de suas vidas; os “Carlton” vinculam-se à situações de requinte e sofisticação” (p. 177)”. Fábio Ulhoa Coelho, Análise da licitude da publicidade de cigarros à luz do código de defesa do consumidor, In: Estudos e pareceres sobre livrearbítrio, responsabilidade e produto de risco inerente – o paradigma do tabaco: aspectos civis e processuais, p. 159.

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privados ou públicos, excetuando-se as áreas que possuírem destinação exclusiva para essa finalidade, sendo devidamente isoladas e com arejamento adequado. Esta proibição por si só já torna desnecessária qualquer disposição normativa estadual ou municipal meramente proibitiva da prática do tabagismo nas mesmas condições (v.g., o artigo 3o da Lei Municipal no 5.700 de 26 de dezembro de 2005, editada pelo Município do Natal294). O artigo 2o, §1o da Lei no 9.294/96 busca esclarecer a área de regulamentação definida pelo caput do referido artigo quando se refere a “recinto coletivo, privado ou público”, determinando expressamente a inclusão das repartições públicas, hospitais e postos de saúde, salas de aula, bibliotecas, recintos de trabalho coletivo e salas de teatro e cinema na área de regulamentação estabelecida pelo artigo 2 o, caput. Além disso, no artigo 2o, §2o a Lei no 9.294/96 trouxe uma vedação expressa ao uso de produtos fumígenos em aeronaves e veículos de transporte coletivo. No artigo 3o, caput295 a Lei no 9.294/96 estabelece que a publicidade dos produtos fumígenos somente poderá ser efetuada por meio de pôsteres, painéis e cartazes, expostos na parte interna dos locais de venda. Diante da infinidade de formas existentes para a veiculação de uma comunicação publicitária, essa restrição imposta à publicidade de produtos fumígenos pelo mencionado dispositivo legal pode ser considerada bastante acentuada, uma vez que está vedada qualquer outra forma de publicidade, seja em jornais, revistas, televisão, rádio, internet, ou quaisquer outros meios. Essa forma de restrição imposta pelo referido dispositivo legal fundamentase em uma presunção relativa assumida pelo Poder Público de que 294

Art. 3o - É proibida a prática do tabagismo em recinto coletivo fechado, público ou privado, onde há permanência ou trânsito de pessoas, [...]. 295 No dispositivo legal em questão, bem como por diversas outras vezes ao longo de seu texto, a Lei n o 9.294/96, da mesma forma que a própria Constituição Federal, utiliza uma terminologia errônea ao se referir ao vocábulo “propaganda” quando na verdade deveria ter empregado o termo “publicidade”, pelas razões já explicitadas nesta obra.

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sendo realizada apenas da maneira permitida pelo referido dispositivo legal a mensagem publicitária atingirá somente o grupo composto de pessoas já fumante que se dirige normalmente aos locais de venda para consumir os produtos em questão, não expondo de tal forma aos anúncios publicitários de produtos fumígenos o público composto por pessoas não-fumantes, especialmente crianças e adolescentes. O artigo 3 o, §1o da Lei no 9.294/96 trouxe um rol de princípios que devem ser seguidos na elaboração de uma mensagem publicitária dessa classe de produtos 296. Seguindo essa mesma diretriz, o Anexo “J” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária trouxe um conjunto de dispositivos que consolidam normas éticas que devem ser obedecidas na veiculação da publicidade de produtos fumígenos 297. 296

Os princípios são os seguintes: “I – não sugerir o consumo exagerado ou irresponsável, nem a indução ao bem-estar ou saúde, ou fazer associação a celebrações cívicas ou religiosas; II – não induzir as pessoas ao consumo, atribuindo aos produtos propriedades calmantes ou estimulantes, que reduzam a fadiga ou a tensão, ou qualquer efeito similar; III – não associar idéias ou imagens de maior êxito na sexualidade das pessoas, insinuando o aumento de virilidade ou feminilidade de pessoas fumantes; IV – não associar o uso do produto à prática de atividades esportivas, olímpicas ou não, nem sugerir ou induzir seu consumo em locais ou situações perigosas, abusivas ou ilegais; V – não empregar imperativos que induzam diretamente ao consumo; VI – não incluir a participação de crianças ou adolescentes”. 297 1. Não sugerirá que os produtos possuam propriedades calmantes ou estimulantes, que reduzam a fadiga, a tensão ou produzam qualquer efeito similar. 2. Não associará o produto a idéias ou imagens de maior êxito na sexualidade das pessoas, insinuando o aumento da virilidade ou feminilidade dos fumantes. 3. Não sugerirá ou promoverá o consumo exagerado ou irresponsável, a indução ao bem-estar ou à saúde, bem como o consumo em locais ou situações perigosas ou ilegais. 4. Não associará o uso do produto à prática de esportes olímpicos e nem se utilizará de trajes de esportes olímpicos. 5. Não fará qualquer apelo dirigido especificamente a menores de 18 anos, e qualquer pessoa que, fumando ou não, apareça em anúncio regido por este Anexo, deverá ser e parecer maior de 25 anos. 6. Não empregará imperativos que induzam diretamente ao consumo. 7. Na publicidade e nas publicações insti-

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Não obstante a existência de toda essa normatização específica referente à publicidade de produtos fumígenos, o microssistema consumerista ainda foi omisso quanto à possibilidade de veiculação da chamada publicidade de estilo de vida. Este é um tipo de publicidade que associa o uso de um determinado produto ou serviço específico a certo jeito de ser, geralmente sofisticado e arrojado, na maioria das vezes mediante a exaltação da beleza física e/ou de certas atitudes ou comportamentos sociais. A comunicação publicitária relacionada a produtos fumígenos que se utiliza da publicidade de estilo de vida deve ser considerada enganosa, por induzir os consumidores a acreditar que o simples fato de consumir os produtos e/ou serviços anunciados os fará assumir o estilo de vida apresentado na campanha publicitária. No entanto, há quem afirme que esse tipo de publicidade mesmo sendo fantasiosa, e por isso mesmo falsa, não deve ser considerada enganosa, uma vez que na mensagem publicitária não há promessa de transformar nenhuma pessoa fumante em esportista, bem sucedida ou requintada, ou seja, mão engana ou induz ninguém em erro298. No entanto, trata-se de uma espécie de publicidade muito poderosa por ser bastante convincente, à medida que procura provocar nos consumidores uma identificação com os personagens do anúncio publicitário, mais especificamente com estilo de vida que é passado através da mensagem publicitária como sendo o estilo vivenciado pelos atores que figuram na peça publicitária, fazendo com que os consumidores de alguma forma busquem a realização de um desejo de se sentirem iguais aos atores da publicidade pelo simples fato de estarem consumindo o mesmo produto por eles tucionais e legais, bem como nos anúncios classificados de empresas produtoras de derivados de fumo, não haverá obrigatoriedade de inserção de advertência, conforme facultado por lei, desde que as referidas peças não visem a promoção de marcas de produtos destinados ao público consumidor. 298 Paulo Maximilian Wilhelm Schonblum, Responsabilidade das empresas produtoras de cigarro, In: Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, p. 218.

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consumido. Desta forma, mesmo não estando disciplinada especificamente na Lei no 9.294/96, a publicidade de estilo de vida pode ser combatida com base no Código de Defesa do Consumidor, seja por se tratar de publicidade enganosa ou mesmo abusiva. O artigo 3o, §2o da Lei no 9.294/96 instituiu a obrigatoriedade de advertência, sempre que possível falada e escrita, nos meios de comunicação e em função de suas características, a respeito dos malefícios decorrentes do consumo produtos fumígenos (assim como de bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas). Essa advertência deverá ser feita mediante frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde, que devem ser usadas sequencialmente de forma simultânea ou rotativa. Os parágrafos 3 o, 4o e 5o do referido artigo ainda vão além ao instituírem descrições pormenorizadas de como deve ocorrer a veiculação de tal advertência. O artigo 3o,§3o determina que as embalagens e os maços de produtos fumígenos, excetuando-se os que são destinados a exportação, bem como qualquer material relacionado à publicidade de produtos fumígenos, deverão conter a advertência de que trata o §2o do mesmo artigo acompanhada de imagens ou figuras ilustrativas do sentido da mensagem de advertência. Já no artigo 3 o,§4o há uma determinação de que as referidas cláusulas de advertência sejam usadas nas embalagens dos produtos fumígenos sequencialmente, de forma simultânea ou rotativa, variando no máximo a cada cinco meses neste último caso, além de que devem ser inseridas de modo que fiquem legíveis aos consumidores e ostensivamente destacadas, uma das laterais dos maços, carteiras ou pacotes destinados à comercialização direta para o consumidor. Inclusive, segundo o artigo 3o-B, a ostentação da identificação junto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária na embalagem dos produtos fumígenos, na forma do regulamento, constitui requisito necessário para a comercialização dessa espécie de produtos. Por último, o artigo 3o, §5o veio estender para a advertência a que se refere o artigo 3o, §2o a necessidade de que esta seja legível e ostensiva, e 206

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também utilizada sequencialmente de forma simultânea ou rotativa, e neste último caso, varie no máximo a cada cinco meses. Assim ocorreu porque não havia razão de ser para que a explicitada forma exigida para advertência fosse direcionada apenas para as embalagens dos produtos fumígenos na forma do artigo 3 o,§4o. Além das restrições à publicidade dos produtos fumígenos estabelecidas pelo artigo 3 o da Lei no 9.294/96, o artigo 3 o-A, caput da mesma trouxe uma série de proibições em relação aos produtos fumígenos299, dentre as quais podemos encontrar mais um conjunto de restrições a essa espécie de publicidade (encontradas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII). No entanto, exceções às proibições contidas no artigo 3o-A, caput, incisos V e VI foram inseridas nos parágrafos 1o e 2o do mesmo. Segundo estes, as restrições trazidas pelo artigo 3o-A, caput, incisos V e VI não se aplicariam, até 30 de setembro de 2005, no caso de eventos esportivos internacionais que não tivessem sede fixa em um único país e tivessem sido organizados ou realizados por instituições estrangeiras, facultando-se ao Ministério da Saúde a possibilidade de afixar nos locais desses eventos uma publicidade fixa com mensagem de advertência escrita observando os conteúdos a que se refere o artigo 3 o-C, §2o, cabendo aos responsáveis pela organização desses eventos providenciarem os locais para a referida afixação. 299

“I – a venda por via postal; II – a distribuição de qualquer tipo de amostra ou brinde; III – a propaganda por meio eletrônico, inclusive internet; IV – a realização de visita promocional ou distribuição gratuita em estabelecimento de ensino ou local público; V – o patrocínio de atividade cultural ou esportiva; VI – a propaganda fixa ou móvel em estádio, pista, palco ou local similar; VII – a propaganda indireta contratada, também denominada merchandising, nos programas produzidos no País após a publicação desta Lei, em qualquer horário; VIII – a comercialização em estabelecimentos de ensino e de saúde. VIII – a comercialização em estabelecimento de ensino, em estabelecimento de saúde e em órgãos ou entidades da Administração Pública; IX – a venda a menores de dezoito anos”.

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O artigo 3o-C, caput determinou a obrigatoriedade da veiculação gratuita de mensagem de advertência sobre os malefícios do fumo, pelas emissoras de televisão, durante a transmissão ou retransmissão, em território brasileiro, de eventos culturais ou esportivos com imagens geradas no estrangeiro, patrocinados por empresas ligadas a produtos fumígenos, bem como na situação regulada pelo artigo 3o-A, §1o. Considerando-se integrantes dos eventos em questão, por força do artigo 3o-C, §3o, os treinos livres ou oficiais, os ensaios, as reapresentações e os compactos. O artigo 3 o-C, §1o estipulou a forma de efetivação da mensagem de advertência de que trata o caput do mesmo, ao estatuir que essa mensagem, que tem seu conteúdo definido pelo Ministério da Saúde, deve ser veiculada na abertura e no encerramento da transmissão do evento, com duração mínima de trinta segundos em cada inserção. O artigo 3o-C, §2o trouxe um rol exemplificativo de frases com mensagens de advertência escritas e faladas sobre os malefícios do fumo, para serem veiculadas sequencialmente a cada intervalo de quinze minutos, sobrepostas à respectiva transmissão, com duração mínima de quinze segundos em cada inserção, e sempre precedidas da afirmação “O Ministério da Saúde adverte” 300. Já o artigo 5o, caput da Lei no 9.294/96 traz uma disposição restritiva peculiar voltada para a publicidade de produtos fumígenos em emissoras de rádio e televisão, determinando que todas as chamadas e caracterizações de patrocínio desses produtos que ocorram em eventos alheios à programação normal ou rotineira, poderão ser feitas em qualquer horário contanto que não haja re300

As frases com mensagens de advertência apresentadas pelo referido dispositivo são: “I – "fumar causa mau hálito, perda de dentes e câncer de boca"; II – "fumar causa câncer de pulmão"; III – "fumar causa infarto do coração"; IV – "fumar na gravidez prejudica o bebê"; V – "em gestantes, o cigarro provoca partos prematuros, o nascimento de crianças com peso abaixo do normal e facilidade de contrair asma"; VI – "crianças começam a fumar ao verem os adultos fumando"; VII – "a nicotina é droga e causa dependência"; e VIII – "fumar causa impotência sexual"”.

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comendação de seu consumo e que sejam identificadas apenas com a marca ou slogan do produto. No artigo 5o, §1o existe uma disposição expressa determinando que as restrições contidas no caput do mesmo aplicam-se à publicidade estática existente em estádios, veículos de competição e outros locais similares. O artigo 5 o, §2o por sua vez trouxe uma dispensa da exigência de advertência nos termos do artigo 3o, §2o para as chamadas e caracterização de patrocínio dos produtos, feitas nos moldes do artigo 5 o, caput. Por último, o artigo 6o da Lei no 9.294/96 instituiu uma vedação expressa da veiculação de publicidade de produtos fumígenos (ao se referir aos “produtos de que trata esta lei”) em trajes esportivos relacionados a esportes olímpicos. Trata-se de uma proibição certamente destinada a impedir que haja qualquer espécie de associação entre esse tipo de produto e a prática de esportes olímpicos. Ademais, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária trouxe em seu artigo 37, §1o uma condenação expressa à participação de crianças e adolescentes como modelos publicitários de anúncios que promovam o consumo de produtos fumígenos (quando se refere a “cigarros”), por se tratar de um tipo de bem tido como incompatível com a sua condição301. A nosso ver foi bastante acertada a inclusão desse dispositivo uma vez que o grupo formado por crianças e adolescentes se encontra em especial situação de vulnerabilidade no mercado de consumo, estando, deste modo, mais suscetíveis à influência da publicidade. Todo esse conjunto de restrições especiais destinadas à publicidade de produtos fumígenos, feitas não somente pela Lei n o 9.294/96, mas também pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seu Anexo “J”, demonstram o alto rigor com 301

Art. 37, §1o. “Crianças e adolescentes não deverão figurar como modelos publicitários em anúncio que promova o consumo de quaisquer bens e serviços incompatíveis com sua condição, tais como armas de fogo, bebidas alcoólicas, cigarros, fogos de artifício e loterias, e todos os demais igualmente afetados por restrição legal”.

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que o microssistema consumerista instituiu a possibilidade de controle dessa espécie de comunicação publicitária.

4.4.2. Publicidade de Bebidas Alcoólicas A publicidade de bebidas alcoólicas também encontra restrições e condições instituídas pela Lei no 9.294/96, bem como pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Logo em seu artigo 1o, parágrafo único a Lei no 9.294/96 trouxe uma definição de sua área de regulamentação em relação às bebidas alcoólicas, instituindo que somente assim serão consideradas, para os efeitos de sua aplicação, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay-Lussac302. Assim, este é o critério objetivo de aferição para definir se um determinado tipo de bebida pode ou não ser considerada alcoólica para os efeitos de aplicação da lei em questão. Podemos tomar também como diretrizes do controle especial da publicidade de bebidas alcoólicas as disposições contidas nos anexos “A” (bebidas alcoólicas), “P” (cervejas e vinhos), e “T” (Ices e bebidas assemelhadas) do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que também trouxe algumas considerações a respeito de quais bebidas devem ser consideradas alcoólicas para os efeitos da ética publicitária 303. 302

A medição da porcentagem alcoólica feita em graus Gay-Lussac é realizada da seguinte forma: uma mistura com treze graus Gay-Lussac de álcool possui uma proporção de 13 litros de álcool puro para cada cem litros de mistura. 303 “Considera-se bebida alcoólica, para os efeitos da ética publicitária, aquela que como tal for classificada perante as normas e regulamentos oficiais a que se subordina o seu licenciamento. Este Código, no entanto, estabelece distinção entre três categorias de bebidas alcoólicas: as normalmente consumidas durante as refeições, por isso ditas de mesa (as Cervejas e os Vinhos, objetos do Anexo “P”); demais bebidas alcoólicas, sejam elas fermentadas, destiladas, retificadas ou obtidas por mistura (normalmente servidas em doses, cuja publicidade é disciplinada pelo Anexo "A"); e a categoria dos “ices”, “coolers”, “álcool pop”, “ready to drink”, “malternatives”, e produtos

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No artigo 4o, caput a Lei no 9.294/96 trouxe uma restrição referente ao horário permitido à exibição da publicidade de bebidas alcoólicas nas emissoras de rádio e televisão, que consiste no espaço de tempo entre as vinte e uma e as seis horas, ficando terminantemente proibida a veiculação desse tipo de comunicação publicitária fora desse horário legalmente definido. No entanto, uma restrição ainda mais severa com relação ao horário de veiculação dessa espécie de publicidade foi instituída pelo Anexo “A” (bebidas alcoólicas) do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária304. Estas restrições em relação ao horário de veiculação da publicidade de bebidas alcoólicas são fruto de uma preocupação do legislador em proteger especialmente o público infanto-juvenil, buscando permitir a veiculação dessa espécie de publicidade apenas em horários que geralmente não atingirão esse segmento de público, principalmente em razão da proibição expressa trazida pelo artigo 81, inciso II do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990) em relação a venda de bebidas alcoólicas à criança ou adolescente 305. Em conformidade com esta proibição está o item 1.7 da Resolução no 01 de 18 de fevereiro de a eles assemelhados, em que a bebida alcoólica é apresentada em mistura com água, suco ou refrigerante, enquadrada em Anexo próprio (o Anexo “T”), e no Anexo “A”, quando couber”. 304 Anexo A, item 04: “a. quanto à programação regular ou de linha: comerciais, spots, inserts de vídeo, textos-foguete, caracterizações de patrocínio, vinhetas de passagem e mensagens de outra natureza, inclusive o merchandising ou publicidade indireta, publicidade virtual e as chamadas para os respectivos programas só serão veiculados no período compreendido entre 21h30 (vinte e uma horas e trinta minutos) e 6h (seis horas) (horário local); b. quanto à transmissão patrocinada de eventos alheios à programação normal ou rotineira: as respectivas chamadas e caracterizações de patrocínio limitarse-ão à identificação da marca e/ou fabricante, slogan ou frase promocional, sem recomendação de consumo do produto. As chamadas assim configuradas serão admitidas em qualquer horário”. 305 Artigo 81. É proibida a venda à criança ou ao adolescente de: [...] II – bebidas alcoólicas;

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2008, editada pelo Conselho Superior do CONAR em complementação ao Anexo “A” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, ao exigir a inscrição da frase “VENDA E CONSUMO PROIBIDOS PARA MENORES DE 18 ANOS”, de forma legível e em cores contrastantes com o fundo da mensagem, nos cartazes, pôsteres e painéis exibidos nos ponto-de-venda, além da cláusula de advertência de moderação a que se refere o item 05 do referido Anexo “A”. Neste mesmo sentido de proteção à criança e adolescente, o Anexo “A” (bebidas alcoólicas) do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária insculpiu em seu item 2 um princípio de proteção a crianças e adolescentes ao instituir que este tipo de publicidade não terá como público-alvo crianças e adolescentes, determinando ainda que os anunciantes e suas agências deverão adotar cuidados especiais na elaboração de suas estratégias mercadológicas assim como na estruturação de suas mensagens publicitárias306. Ainda, podemos destacar a redação do artigo 37, §1 o do 306

Nos termos do Código, podemos considerar tais cuidados como sendo os seguintes: “a. crianças e adolescentes não figurarão, de qualquer forma, em anúncios; qualquer pessoa que neles apareça deverá ser e parecer maior de 25 anos de idade; b. as mensagens serão exclusivamente destinadas a público adulto, não sendo justificável qualquer transigência em relação a este princípio. Assim, o conteúdo dos anúncios deixará claro tratar-se de produto de consumo impróprio para menores; não empregará linguagem, expressões, recursos gráficos e audiovisuais reconhecidamente pertencentes ao universo infanto-juvenil, tais como animais “humanizados”, bonecos ou animações que possam despertar a curiosidade ou a atenção de menores nem contribuir para que eles adotem valores morais ou hábitos incompatíveis com a menoridade; c. o planejamento de mídia levará em consideração este princípio, devendo, portanto, refletir as restrições e os cuidados técnica e eticamente adequados. Assim, o anúncio somente será inserido em programação, publicação ou web-site dirigidos predominantemente a maiores de idade. Diante de eventual dificuldade para aferição do público predominante, adotar-se-á programação que melhor atenda ao propósito de proteger crianças e adolescentes; d. os websites pertencentes a marcas de produtos que se enquadrarem

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próprio Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária que, da mesma forma que ocorre com os produtos fumígenos, proíbe a figuração de crianças e adolescentes como modelos publicitários em anúncios que promovam o consumo de bebidas alcoólicas307. O artigo 4o, §1o da Lei no 9.294/96 dita uma proibição expressa da associação em mensagem publicitária entre bebidas alcoólicas e esportes olímpicos ou de competição, desempenho saudável de qualquer atividade, condução de veículos e imagens ou ideias que expressem maior êxito ou desempenho sexual das pessoas. Esta vedação busca evitar que os anunciantes de bebidas alcoólicas tentem imiscuir na mente dos consumidores qualquer espécie de relação destes produtos com a prática de esportes, um estilo de vida saudável, a condução de veículos ou mesmo um bom desempenho sexual. Porém, no mercado brasileiro esta disposição legal é deliberadamente desrespeitada principalmente pelos fornecedores anunciantes de cerveja, que associam de forma contumaz e direta o consumo desse tipo de produto ao êxito sexual de seus consumidores. Além disso, há no artigo 6 o da Lei no 9.294/96 uma vedação direta da utilização de trajes esportivos, relacionados a esportes olímpicos, para veiculação de publicidade dos produtos disciplinados pela mesma, dentre os quais estão incluídas as bebidas alcoólicas. No item 3 do Anexo “A” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária foi instituído o princípio do consumo com na categoria aqui tratada deverão conter dispositivo de acesso seletivo, de modo a evitar a navegação por menores”. 307 Artigo 37, §1o. Crianças e adolescentes não deverão figurar como modelos publicitários em anúncio que promova o consumo de quaisquer bens e serviços incompatíveis com sua condição, tais como armas de fogo, bebidas alcoólicas, cigarros, fogos de artifício e loterias, e todos os demais igualmente afetados por restrição legal.

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responsabilidade social, segundo o qual a comunicação publicitária não deverá induzir, de forma alguma, ao consumo exagerado ou irresponsável bebidas alcoólicas. Além disso, o mencionado dispositivo trouxe um rol bastante amplo de determinações direcionadas especificamente a este tipo de anúncio publicitário 308. Seguindo essa mesma diretriz, o artigo 4 o, §2o da Lei no 9.294/96 instituiu uma exigência de que os rótulos das embalagens de bebidas alcoólicas deverão conter, obrigatoriamente, a seguinte advertência: “Evite o Consumo Excessivo de Álcool”. Ainda, com relação à cláusula de advertência que devem conter as peças publicitárias referentes à publicidade de bebidas alcoólicas, o item 5 do Anexo 308

“a. eventuais apelos à sensualidade não constituirão o principal conteúdo da mensagem; modelos publicitários jamais serão tratados como objeto sexual; b. não conterão cena, ilustração, áudio ou vídeo que apresente ou sugira a ingestão do produto; c. não serão utilizadas imagens, linguagem ou argumentos que sugiram ser o consumo do produto sinal de maturidade ou que ele contribua para maior coragem pessoal, êxito profissional ou social, ou que proporcione ao consumidor maior poder de sedução; d. apoiados na imagem de pessoa famosa, adotar-se-ão as mesmas condicionantes dispostas no item 2, letras “a”, “b”, “c” e “d” do Anexo “Q” – Testemunhais, Atestados e Endossos; e. não serão empregados argumentos ou apresentadas situações que tornem o consumo do produto um desafio nem tampouco desvalorizem aqueles que não bebam; jamais se utilizará imagem ou texto que menospreze a moderação no consumo; f. não se admitirá que sejam elas recomendadas em razão do teor alcoólico ou de seus efeitos sobre os sentidos; g. referências específicas sobre a redução do teor alcoólico de um produto são aceitáveis, desde que não haja implicações ou conclusões sobre a segurança ou quantidade que possa ser consumida em razão de tal redução; h. não se associará positivamente o consumo do produto à condução de veículos; i. não se encorajará o consumo em situações impróprias, ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis; j. não se associará o consumo do produto ao desempenho de qualquer atividade profissional; k. não se associará o produto a situação que sugira agressividade, uso de armas e alteração de equilíbrio emocional e l. não se utilizará uniforme de esporte olímpico como suporte à divulgação da marca”.

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“A” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária institui uma exigência bem mais ampla 309, apresentando inclusive um conjunto de disposições complementares nas quais detalha como deve ser disposta tal cláusula de advertência310. No que tange a esta, podemos tomar como parâmetro o rol de frases elencado pelo item 01 da Resolução no 1/08 do Conselho Superior do CONAR311. Trata-se de um rol exemplificativo, o que implica dizer que é permitida a utilização de outras frases que apesar de não estarem no rol explicitado atendam à finalidade colimada e sejam capazes de refletir a responsabilidade social da publicidade. 309

Anexo “A”, item 05: “Todo anúncio, qualquer que seja o meio empregado para sua veiculação, conterá “cláusula de advertência” a ser adotada em resolução específica do Conselho Superior do CONAR, a qual refletirá a responsabilidade social da publicidade e a consideração de Anunciantes, Agências de Publicidade e Veículos de Comunicação para com o público em geral. [...] Integrada ao anúncio, a “cláusula de advertência” não invadirá o conteúdo editorial do Veículo; será comunicada com correção, de maneira ostensiva e enunciada de forma legível e destacada”. 310 “a. em Rádio, deverá ser inserida como encerramento da mensagem publicitária; b. em TV, inclusive por assinatura e em Cinema, deverá ser inserida em áudio e vídeo como encerramento da mensagem publicitária. A mesma regra aplicar-se-á às mensagens publicitárias veiculadas em teatros, casas de espetáculo e congêneres; c. em Jornais, Revistas e qualquer outro meio impresso; em painéis e cartazes e nas peças publicitárias pela internet, deverá ser escrita na forma adotada em resolução; d. nos vídeos veiculados na internet e na telefonia, deverá observar as mesmas prescrições adotadas para o meio TV; e. nas embalagens e nos rótulos, deverá reiterar que a venda e o consumo do produto são indicados apenas para maiores de 18 anos”. 311 São as frases enunciadas pelo referido item: ““BEBA COM MODERAÇÃO”, “A VENDA E O CONSUMO DE BEBIDA ALCOÓLICA SÃO PROIBIDOS PARA MENORES”, “ESTE PRODUTO É DESTINADO A ADULTOS”, “EVITE O CONSUMO EXCESSIVO DE ÁLCOOL”, “NÃO EXAGERE NO CONSUMO”, “QUEM BEBE MENOS, SE DIVERTE MAIS”, “SE FOR DIRIGIR NÃO BEBA”, “SERVIR BEBIDA ALCOÓLICA A MENOR DE 18 É CRIME””.

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Contudo, o item 7 do mesmo Anexo “A” traz um rol de exceções em relação a obrigação da inserção da cláusula de advertência, desobrigando determinados formatos de publicidade que não contiverem apelo de consumo do produto312. Da mesma forma, segundo o item 10 do Anexo “A”, ficam dispensadas da cláusula de advertência as mensagens inseridas nos equipamentos de serviço (mesas, cadeiras, refrigeradores, luminosos etc.), pelo simples fato de não poderem conter apelo ao consumo. O que se exige para publicidade em pontos-de-venda é apenas que seja direcionada a público adulto e contenha advertência de que a este é destinado o produto anunciado. Ainda na seara das cláusulas de advertência, o artigo 4 o-A da Lei no 9.294/1996, incluído pela Lei no 11.705, de 19 de junho de 2008 (chamada de Lei Seca ou Tolerância Zero), instituiu a obrigatoriedade de que fosse afixada, na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, advertência escrita de forma legível e ostensiva de que constitui crime dirigir sob a influência de álcool, e que tal crime é punível com detenção. Esta disposição em particular veio apenas reforçar as restrições e imposições já existentes em se tratando de publicidade de bebidas alcoólicas. Este dispositivo busca de forma específica a inibição da condução de veículos automotores por pessoas alcoolizadas devido ao alto índice de acidentes em rodovias que esta prática tem causado por todo o país. Do mesmo modo que ocorre com os produtos fumígenos, conforme o disposto no artigo 5 o, caput da Lei no 9.294/96, encontramse permitidas as chamadas e caracterizações de patrocínio de bebidas alcoólicas em qualquer horário por emissoras de rádio e televi312

Anexo “A”, item 07: “a. a publicidade estática em estádios, sambódromos, ginásios e outras arenas desportivas, desde que apenas identifique o produto, sua marca ou slogan; b. a simples expressão da marca, seu slogan ou a exposição do produto que se utiliza de veículos de competição como suporte; c. as “chamadas” para programação patrocinada em rádio e TV, inclusive por assinatura, bem como as caracterizações de patrocínio desses programas; d. os textos-foguete, vinhetas de passagem e assemelhados”.

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são, em eventos alheios à programação normal ou rotineira, desde que sejam identificadas apenas com a marca ou slogan do produto e não haja sugestão de seu consumo. Por força do artigo 5 o, §1o aplicam-se igualmente essas restrições à publicidade estática existente em estádios, veículos de competição e outros locais similares. Entretanto, consoante o artigo 5 o, §2o fica dispensada a exigência de advertência nos termos do artigo 3 o, §2o para as chamadas e caracterização de patrocínio dos produtos feitas nos moldes do artigo 5o, caput. Além das restrições trazidas pela Lei no 9.294/96, bem como do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos “A” (bebidas alcoólicas), “P” (cervejas e vinhos), e “T” (Ices e bebidas assemelhadas), quanto à publicidade de bebidas alcoólicas, existe a Súmula no 08 de 07 de dezembro de 2006, do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR)313, que ratifica jurisprudência pacífica do CONAR no sentido de que a publicidade de bebida alcoólica de qualquer espécie, realizada em mídia exterior, deve ficar restrita à exposição do produto, sua marca e/ou slogan, sem qualquer apelo ao consumo, além de conter obrigatoriamente cláusula de advertência. A referida súmula fundamenta-se nos artigos 1o, 3o, e 50, letra “c” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e em seus Anexos “A”, itens 2 e 8, “P”, itens 2 e 6 e “T”, itens 2 e 6.

4.4.3. Publicidade de Defensivos Agrícolas Em muitos casos os agrotóxicos ou defensivos agrícolas utilizados possuem propriedades tóxicas que podem causar danos aos 313

Súmula no 08/2006 do CONAR: “Anúncios de bebida alcoólica de qualquer espécie, em mídia exterior, devem restringir-se à exposição do produto, sua marca e/ou slogan, sem apelo de consumo, incluída sempre a cláusula de advertência, sujeitando-se os anúncios infratores ao deferimento de medida liminar de sustação”.

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seres humanos, animais e ao meio ambiente em geral. Em razão disso, o uso inadequado desses produtos pode gerar consequências ambientais seriamente danosas, tanto previsíveis quanto imprevisíveis. Por isso, no escopo de inibir a veiculação desenfreada da publicidade dessa categoria de produtos, que pode induzir a um consumo indiscriminado dos mesmos, o microssistema consumerista instituiu um conjunto de restrições normativas especiais que possibilitam uma forma de controle peculiar dessa espécie de publicidade. O controle da publicidade de defensivos agrícolas fundamenta-se primeiramente em um princípio do Direito ambiental chamado princípio da prevenção, no sentido de se tentar evitar certos danos ambientais, em regra, de difícil ou impossível reparação, que constituem consequências previamente conhecidas de determinados atos (o nexo causal encontra-se comprovado ou possui decorrência lógica). Desta forma, já sendo possível se prever que tipo de consequências hostis pode propiciar o uso exacerbado de certos defensivos agrícolas esta prática não deve ser fomentada mediante a veiculação de mensagens publicitárias. Do mesmo modo, o controle especial da publicidade de defensivos agrícolas também pode ser fundamentado no princípio da precaução (também próprio do Direito ambiental) 314. De tal forma, mesmo que as possíveis consequências nefastas ao meio ambiente decorrentes da utilização de determinados defensivos agrícolas não sejam previamente conhe314

Tal princípio foi sintetizado na Declaração de Wingspread em janeiro de 1998 da seguinte forma: “Quando uma atividade gera ameaças de danos à saúde humana ao meio ambiente, medidas de precaução devem ser tomadas ainda que algumas relações de causa e efeito não estejam totalmente comprovadas cientificamente”. No original: “When an activity raises threats of harm to human health or the environment, precautionary measures should be taken even if some cause and effect relationships are not fully established scientifically”. The Wingspread Consensus Statement on the Precautionary Principle. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2010.

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cidas, em obediência ao principio da precaução, os devidos cuidados devem ser tomados para que os danos ambientais não venham a se consumar. Assim sendo, a atividade publicitária não deve funcionar como um elemento fomentador do uso indiscriminado dos defensivos agrícolas, em razão das consequências nefastas conhecidas e mesmo não conhecidas que estes produtos podem causar. Esta é a razão de ser da limitação especial imposta a esse tipo de mensagem publicitária. A vedação instituída pelo artigo 6o da Lei no 9.294/96 referente à veiculação de mensagens publicitárias de produtos fumígenos e bebidas alcoólicas em trajes esportivos, relativamente a esportes olímpicos, também é aplicável a publicidade de defensivos agrícolas, embora o contexto de divulgação destes seja, na prática, geralmente bastante distinto do que se encontram aqueles 315. De fato, a regulamentação da publicidade de defensivos agrícolas encontra-se disposta principalmente no artigo 8o da Lei no 9.294/96. A publicidade de defensivos agrícolas que este dispositivo legal buscou regular diz respeito somente aos que contenham produtos de efeito tóxico para o ser humano, seja mediato ou imediato. Reconhecemos ser absolutamente descabido este antropocentrismo exacerbado do legislador quando expôs uma preocupação específica apenas com o ser humano ao delimitar o tipo de defensivo agrícola que terá sua publicidade controlada pela referida lei, desconsiderando completamente a proteção dos animais bem como do meio ambiente ecologicamente equilibrado, principalmente este último, que consiste em um dos direitos fundamentais 315

Art. 8o. A propaganda de defensivos agrícolas que contenham produtos de efeito tóxico, mediato ou imediato, para o ser humano, deverá restringir-se a programas e publicações dirigidas aos agricultores e pecuaristas, contendo completa explicação sobre a sua aplicação, precauções no emprego, consumo ou utilização, segundo o que dispuser o órgão competente do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, sem prejuízo das normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde ou outro órgão do Sistema Único de Saúde.

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instituídos pela Constituição Federal (artigo 225, caput) e que possui grande relevância no cenário jurídico mundial atual. Ao se referir a efeitos “mediatos e imediatos” este artigo não exige como elemento essencial que os efeitos tóxicos que possam ser causados pelos defensivos agrícolas tenham manifestação imediata, possibilitando assim que a restrição instituída por esta lei seja imposta igualmente aos produtos tóxicos que provoquem efeitos apenas em longo prazo, ou seja, efeitos mediatos. Estabelece também o artigo 8o da Lei no 9.294/96 que a publicidade de defensivos agrícolas deverá ser limitada à programas e publicações dirigidas a agricultores e pecuaristas, contendo uma completa explicação sobre a forma de aplicação desses produtos, além das precauções a serem tomadas em seu emprego, consumo ou utilização. Esta explicação constitui uma forma de obediência ao princípio da informação, que se consolidou como um dos direitos básicos do consumidor (artigo 6o, inciso III, CDC). O artigo 8 o da Lei no 9.294/96 determina ainda que os programas e publicações mediante os quais são veiculadas as mensagens publicitárias de defensivos agrícolas devem seguir as disposições estabelecidas pelo órgão competente do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, sem prejuízo da normatização instituída pelo Ministério da Saúde ou outro órgão do Sistema Único de Saúde (SUS). A desobediência a estas exigências legais pode vir a configurar hipótese de publicidade enganosa por omissão na forma do artigo 37, §3o do Código de Defesa do Consumidor, caso esteja ausente informação sobre dado essencial do produto anunciado. Promovendo uma regulamentação específica, com a finalidade de possibilitar um controle especial da publicidade de defensivos agrícolas, o Anexo “R” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária estabelece que além de obedecer às normas gerais do mencionado Código, especialmente a disposição contida em sua seção 10, que trata de poluição e ecologia (artigo 36), o anúncio de defensivos agrícolas deverá observar um conjunto de reco220

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mendações específicas316. A razão de ser de todas essas restrições ou limitações voltadas para a publicidade de defensivos agrícolas consiste no fato de que, conforme foi reconhecido expressamente no próprio Anexo “R” (item 5), a utilização inadequada dessa espécie de produto não afeta apenas a pessoa que decide pela sua aplicação, mas atinge outras, se prolonga pelo meio ambiente e pode chegar até mesmo a afetar a economia do país.

4.4.4. Publicidade de Medicamentos e Terapias Em decorrência da consagração do princípio da informação no microssistema consumerista, além do direito básico do consumidor à informação, previsto no artigo 6 o, inciso III do Código de Defesa do Consumidor, o artigo 9o do mesmo diploma legislativo instituiu aos fornecedores de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança dos consumidores, uma obrigação de informá-los ostensiva e adequadamente a respeito da nocividade ou periculosidade desses produtos. Esta exigência legal 316

“1.1. Não poderá ser veiculado se o produto não estiver regularmente registrado no órgão competente do Serviço Público Federal. 1.2. Não descuidará do público a que se destina, respeitando sempre o uso adequado do produto. 1.3. Não poderá conter mensagem que exceda os termos do registro. Não omitirá ou minimizará - seja por texto, imagem ou sugestão - toxicidade e a ação sobre o meio ambiente. Apontará sempre os cuidados e indicações específicos, determinados pela autoridade competente. 1.4. Não conterá expressões como "inofensivo", "não tóxico", "inócuo" ou equivalente, salvo se o fizer de forma qualificada e comprovável. 1.5. Não exibirá pessoas em cenário de aplicação sem que se apresentem convenientemente protegidas por indumentária e acessórios tecnicamente recomendáveis. 1.6. Não deverá, sob qualquer pretexto, utilizar modelo infantil ou que aparente ser menor de idade. 1.7. Sujeito, nos termos da legislação federal, a receituário, deverá conter necessariamente a indicação "consulte um agrônomo". 1.8. Não deverá associar o produto, por texto, imagem ou sugestão, a qualquer outro que se destine à alimentação ou saúde, ressalvadas as propostas institucionais”.

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é perfeitamente aplicável à publicidade de medicamentos e terapias, uma vez que o consumo destes pode ser nocivo ou no mínimo perigoso à saúde dos consumidores. Seguindo a mesma diretriz que inspirou a consolidação do controle especial das publicidades de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas e defensivos agrícolas, ao estabelecer um conjunto de restrições peculiares em relação à publicidade de medicamentos e terapias, o microssistema consumerista também instituiu uma forma especial de controle dessa espécie de comunicação publicitária. O tratamento diferenciado destinado pela normatização consumerista à publicidade de medicamentos e terapias fundamenta-se principalmente no fato de que na sociedade de consumo atual a automedicação das pessoas é um problema grave, e que uma campanha publicitária que incentive esse tipo de prática pode vir a agravá-lo ainda mais, principalmente em relação ao consumo dos medicamentos que podem ser adquiridos livremente nas farmácias sem a apresentação de receita emitida por médicos e/ou cirurgiõesdentistas. Nos dias atuais, possivelmente devido a uma torrente de mensagens publicitárias em torno de uma vasta variedade de medicamentos e terapias, a automedicação tornou-se prática comum no seio social, onde muitos fazem uma ingestão desenfreada de medicamentos e/ou seguem determinadas terapias sem qualquer critério médico ou odontológico. No entanto, já houve entendimento no Superior Tribunal de Justiça no sentido de afastar a responsabilidade dos fabricantes (fornecedores) em relação a esse tipo de prática, imputando esse tipo de conduta como negligência própria do consumidor317. 317

“Em que pese ser comum a automedicação em nosso País, ela interrompe o nexo causal - necessário mesmo em casos de responsabilidade objetiva. Ao desconsiderar a necessidade de orientação médica expressa nos produtos adquiridos, o consumidor, por conta e risco, sujeita-se às conseqüências desse ato de negligência com a própria saúde. Tais efeitos não podem ser impu-

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No que tange à publicidade de medicamentos e terapias, cabenos inicialmente consignar a observação de que a esta também é aplicável a restrição imposta pelo artigo 6o da Lei no 9.294/96, que veda a veiculação de publicidade de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas e defensivos agrícolas, em trajes esportivos, relativamente a esportes olímpicos. Entretanto, a publicidade de medicamentos e terapias encontra-se disciplinada principalmente no artigo 7o da Lei no 9.294/96. Segundo redação do artigo 7o, caput a veiculação de mensagens publicitárias referentes a medicamentos e terapias de qualquer tipo deverá ser feita por meio de publicações especializadas que sejam dirigidas de forma direta e específica, a profissionais e instituições de saúde. No entanto, exceção é trazida pelo artigo 7 o, §1o ao permitir que anúncios publicitários dos medicamentos classificados pelo órgão competente do Ministério da Saúde como anódinos e de venda livre sejam veiculadas nos órgãos de comunicação social, desde que haja advertência quanto ao seu abuso, segundo indicação da autoridade classificatória. Ademais, conforme o disposto no artigo 7o, §3o, está proibida a publicidade de produtos fitoterápicos provenientes da flora medicinal brasileira, anódinos e de venda livre, que não apresentaram comprovação científica dos seus efeitos terapêuticos até o dia 15 de julho de 2001 (cinco anos da publicação da Lei no 9.294/96). Em seu artigo 7 o, §2o, a Lei no 9.294/96 traz mais uma restrição relativa à publicidade de medicamentos ao estabelecer uma proibição de que os anúncios publicitários dessa natureza contenham afirmações que não sejam passíveis de comprovação científica, assim como da utilização de depoimentos de profissionais que não sejam legalmente qualificados para tanto. O artigo 7 o,§4o permite a publicidade de medicamentos genéricos em campanhas putados ao fabricante”. Entendimento explicitado em voto vencido do Ministro Humberto Gomes de Barros. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n o 971.845/DF. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. Julgamento em 21/08/2008. DJ. 01/12/2008.

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blicitárias patrocinadas pelo Ministério da Saúde, bem como nos recintos dos estabelecimentos autorizados a distribui-los, com indicação do medicamento de referência. Já o artigo 7 o, §5o veio instituir a obrigatoriedade de que toda mensagem publicitária de medicamentos contenha advertência indicando que, caso persistam os sintomas o médico deverá ser consultado. Embora de forma bastante rápida ao final do anúncio, podemos perceber que geralmente esta exigência legal é cumprida pelos anunciantes brasileiros. Complementando as disposições contidas na a Lei n o 9.294/96 acerca da limitação que permite o controle especial da publicidade de medicamentos e terapias, podemos citar também o Anexo “I” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que traz um regramento específico para a publicidade de produtos farmacêuticos isentos de prescrição, também conhecidos como medicamentos populares ou OTC (over the conter). O item 02 do mencionado anexo institui um amplo rol de determinações pormenorizadas que devem ser seguidas na efetivação de um anúncio publicitário de medicamentos populares318. E ainda, além de todo esse con318

Anexo “I”, item 02: “a. não deverá conter nenhuma afirmação quanto à ação do produto que não seja baseada em evidência clínica ou científica; b. não deverá ser feita de modo a sugerir cura ou prevenção de qualquer doença que exija tratamento sob supervisão médica; c. não deverá ser feita de modo a resultar em uso diferente das ações terapêuticas constantes da documentação aprovada pela Autoridade Sanitária; d. não oferecerá ao consumidor prêmios, participação em concursos ou recursos semelhantes que o induzam ao uso desnecessário de medicamentos; e. deve evitar qualquer inferência associada ao uso excessivo do produto; f. não deverá ser feita de modo a induzir ao uso de produtos por crianças, sem supervisão dos pais ou responsáveis a quem, aliás, a mensagem se dirigirá com exclusividade; g. não deverá encorajar o Consumidor a cometer excessos físicos, gastronômicos ou etílicos; h. não deverá mostrar personagem na dependência do uso contínuo de medicamentos como solução simplista para problemas emocionais ou estados de humor; i. não deverá levar o Consumidor a erro quanto ao conteúdo, tamanho de embalagem, aparência, usos, rapidez de alívio ou ações tera-

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junto de determinações, o Anexo “I” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária institui obrigações no sentido de que: a referência a estudos, independentemente de serem científicos ou de consumo, deverá sempre ser fundamentada em pesquisas feitas e interpretadas corretamente (item 03); qualquer endosso, atestado, ou mesmo simples referência a profissionais, instituições de ensino ou pesquisa e estabelecimentos de saúde, deverá ser fundamentada por documentação hábil, que seja exigível a qualquer tempo (item 04); a publicidade de medicamentos não poderá oferecer a possibilidade de obtenção de diagnóstico à distância (item 05), nem deverá conter afirmações injuriosas às atividades dos profissionais de saúde ou ao valor dos cuidados ou tratamentos destes (item 06); e ainda, que quando oferecer a venda do produto por meio de telefone ou internet (endereço eletrônico) o anúncio deverá explicitar a razão social e o endereço físico do anunciante a fim de possa facilitar a ação fiscalizatória e as reclamações dos consumidores (item 07). pêuticas do produto e sua classificação (similar/genérico); j. deverá ser cuidadosa e verdadeira quanto ao uso da palavra escrita ou falada bem como de efeitos visuais. A escolha de palavras deverá corresponder a seu significado como geralmente compreendido pelo grande público; k. não deverá conter afirmações ou dramatizações que provoquem medo ou apreensão no Consumidor, de que ele esteja, ou possa vir, sem tratamento, a sofrer de alguma doença séria; l. deve enfatizar os usos e ações do produto em questão. Comparações injuriosas com concorrentes não serão toleradas. Qualquer comparação somente será admitida quando facilmente perceptível pelo Consumidor ou baseada em evidência clínica ou científica. Não deverão ser usados jargões científicos com dados irrelevantes ou estatísticas de validade duvidosa ou limitada, que possam sugerir uma base científica que o produto não tenha; m. não deverá conter qualquer oferta de devolução de dinheiro pago ou outro benefício, de qualquer natureza, pela compra de um medicamento em função de uma possível ineficácia; n. a publicidade de produto dietético deve submeter-se ao disposto neste Anexo e, no que couber, nos anexos "G" e "H". Não deverá incluir ou mencionar indicações ou expressões, mesmo subjetivas, de qualquer ação terapêutica”.

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Vista a regulamentação especificamente destinada pelo microssistema consumerista à publicidade de medicamentos e terapias, da mesma forma que o fez em relação à publicidade de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas e defensivos agrícolas, completamos a abordagem acerca da sujeição especial às restrições legais estabelecida pelo artigo 220, §4o da Constituição Federal para as referidas espécies de publicidade.

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Capítulo 5 O PAPEL DO CÓDIGO BRASILEIRO DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA E DO CONAR NO AUTOCONTROLE DA PUBLICIDADE

O

Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) e seus anexos formam um conjunto de normas éticas concebidas com o escopo de autodisciplinar a atividade publicitária que devem ser obedecidas por todos os envolvidos neste tipo de prática. Além disso, esse Código é destinado também a servir como referência e fonte subsidiária na aplicação, pelo Poder Judiciário ou mesmo por outras autoridades em sede administrativa, das disposições normativas de natureza consumerista que intervenham diretamente na publicidade319. Com texto aprovado pela comunidade publicitária no III Congresso Brasileiro de Propaganda, realizado em São Paulo no ano de 1978, o referido Código foi instituído em 05 de maio de 1980 pela ABAP - Associação Brasileira das Agências de Propaganda (Petrônio Cunha Corrêa), ABA - Associação Brasileira de Anunciantes (Luiz Fernando Furquim de Campos), ANJ - Associação Nacional de Jornais (Roberto Marinho), ABERT - Associaçã 319

Neste sentido é a redação do artigo 16 do CBAP, ao enunciar: “Embora concebido essencialmente como instrumento de autodisciplina da atividade publicitária, este Código é também destinado ao uso das autoridades e Tribunais como documento de referência e fonte subsidiária no contexto da legislação da propaganda e de outras leis, decretos, portarias, normas ou instruções que direta ou indiretamente afetem ou sejam afetadas pelo anúncio”.

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Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Carlos Cordeiro de Mello), ANER - Associação Nacional de Editores de Revistas (Pedro Jack Kapeller), e Central de Outdoor (Carlos Alberto Nanô), no papel de entidades representativas do mercado brasileiro de publicidade. Segundo consta no capítulo introdutório do próprio Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, serviram de fundamento para a sua criação: as diretrizes da legislação publicitária brasileira, especialmente as constantes na Lei no 4.680, de 18 de junho de 1965, e no Decreto no 57.690, de 1o de fevereiro de 1966; as recomendações das Câmaras de Comércio Internacionais (International Chamber of Commerce – ICC) e as diretrizes do Código Internacional da Prática Publicitária de 1937 (com as revisões de 1949, 1955, 1966 e 1973); as diretrizes da Associação Internacional de Propaganda (International Advertising Association – IAA) e seus congressos mundiais, especialmente as constantes no estudo denominado “Effective Advertising Self Regulation”, que foi publicado em 1974, e as recomendações do XXV Congresso Mundial de Propaganda realizado em Buenos Aires em 1976; as diretrizes do I Congresso Brasileiro de Propaganda, que ocorreu no Rio de Janeiro em 1957, e as normas consubstanciadas no Código de Ética dos Profissionais de Propaganda então aprovadas; os termos da instrução no 1 da Federação Brasileira de Publicidade (FEBRASP), assinada em 23 de abril de 1968, recomendando a criação de Comissões de Ética nas entidades publicitárias; as recomendações do II Congresso Brasileiro de Propaganda, realizado em São Paulo em 1969, especialmente no que diz respeito ao autopoliciamento das agências e anunciantes; as recomendações do I Encontro Nacional de Anunciantes, promovido pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), realizado na cidade de São Paulo em dezembro de 1974; as recomendações provenientes da I Conferência Internacional de Anunciantes, que ocorreu no Rio de Janeiro em maio de 1975; as recomendações do simpósio realizado pela Comissão de Comunicações da Câmara dos Deputados, ocorrido em 1975 em 228

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Brasília; as diretrizes provenientes do II Encontro Brasileiro de Mídia (advindas dos debates entre as autoridades e as lideranças do setor publicitário), realizado em São Paulo em de setembro de 1976; assim como as sugestões do I Seminário Brasileiro de Propaganda, realizado em Gramado em outubro de 1976. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) consiste em uma sociedade civil (organização não governamental) sem fins lucrativos criada com a finalidade de resguardar as prerrogativas constitucionais referentes à publicidade, defender a liberdade de expressão comercial e proteger os interesses das partes envolvidas na atividade publicitária, inclusive os do consumidor, principalmente contra formas de publicidade enganosa e/ou abusiva, atuando sempre em consonância com as diretrizes apresentadas pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária320. Trata-se na realidade do órgão aplicador da normatização prevista no referido Código. Atualmente sediado na cidade de São Paulo, o CONAR foi fundado em 05 de maio de 1980 (mesma data da instituição do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária), custeado pela Associação Brasileira de Agências de 320

Conforme redação constante no artigo 5o de seu Estatuto Social: “São objetivos sociais do CONAR: I. Zelar pela comunicação comercial, sob todas as formas de propaganda, fazendo observar as normas do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que prevalecerão sobre quaisquer outras. II. Funcionar como órgão judicante nos litígios éticos que tenham por objeto a indústria da propaganda ou questões a ela relativas. III. Oferecer assessoria técnica sobre ética publicitária aos seus associados, aos consumidores em geral e às autoridades públicas, sempre que solicitada. IV. Divulgar os princípios e normas do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, visando a esclarecer a opinião pública sobre a sua atuação regulamentadora de normas éticas aplicáveis à publicidade comercial, assim entendida como toda a atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos e ideias. V. Atuar como instrumento de concórdia entre veículos de comunicação e anunciantes, e salvaguarda de seus interesses legítimos e dos consumidores. VI. Promover a liberdade de expressão publicitária e a defesa das prerrogativas constitucionais da propaganda comercial”.

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Publicidade (ABAP), Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER), Associação Nacional de Jornais (ANJ) e Central de Outdoor. Conforme está disposto no artigo 21, caput de seu Estatuto Social, o CONAR é composto pelos seguintes órgãos: Assembleia Geral, Conselho Superior, Conselho de Ética e Conselho Fiscal, além da existência permanente de um conjunto de sócios honorários 321. Consoante o disposto no artigo 22, caput do Estatuto Social do CONAR a Assembleia Geral consiste em seu órgão soberano, possui função deliberativa, e é constituída pelos sócios fundadores e efetivos que estejam em dia com suas obrigações sociais e ao mesmo tempo satisfaçam as condições estabelecidas nos estatutos. De acordo com o artigo 22,§1 o a Assembleia Geral tem competência para destituir os membros da direção executiva do CONAR, apreciar o relatório e o julgamento das contas do Conselho Superior relativas ao exercício financeiro encerrado, bem como para modificar os estatutos sociais. O Conselho Superior do CONAR é o órgão que atua na normatização e administração da sociedade, conforme competência disposta no artigo 32 de seu Estatuto Social322. Esse Conselho é 321

Atualmente, segundo o site do CONAR, compõem o rol de sócios honorários: Caio Domingues (i.m.), Carlos Alberto Nanô, Dionísio Poli, Geraldo Alonso (i.m.), Gilberto C. Leifert, Ivan Pinto, João Luiz Faria Netto, José M. Homem de Montes (i.m.), Luiz Celso de Piratininga (i.m.), Luiz Fernando Furquim (i.m.), Mauro Salles, Organizações Globo, Pedro Kassab (i.m.), Petrônio Corrêa e Saulo Ramos. Disponível em: . Acesso em: 05 out. 2010. 322 Artigo 32. Compete ao Conselho Superior do CONAR: I. Propor alterações aos Estatutos da Sociedade. II. Autorizar o funcionamento de representação do CONAR nas Unidades da Federação, com a prévia apreciação e aprovação de seus Estatutos. III. Deliberar sobre: a. alterações do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária; b. aquisição, alienação ou oneração de bens imóveis da Sociedade; c. aplicação de fundos da Sociedade; d. contratação de empréstimo bancário; e. convocação da Assembleia Geral Extraordinária; f. oportunidade, conveniência, valor e forma de pagamento

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formado por integrantes indicados a cada dois anos por diversas entidades que atuam na seara da comunicação publicitária. O Conselho Superior elege dentre seus membros a direção executiva, com um presidente, três vice-presidentes, um vice-presidente executivo, um diretor de assuntos legais, e mais dois diretores. Atualmente (Gestão 2010/2012), fazem parte do Conselho Superior, integrantes advindos da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), e da Central de Outdoor, além de um membro nato (o Sr. Ivan S. Pinto, ex-presidente) em obediência ao disposto no artigo 30, §1 o do Estatuto Social do CONAR323. Nos termos do artigo 40, caput do Estatuto Social do CONAR o Conselho de Ética é o órgão soberano na fiscalização, julgamento e deliberação de assuntos referentes à obediência e cumprimento da normatização instituída pelo Código Brasileiro de Autorreguladas contribuições extraordinárias dos fundadores. IV. Aprovar e alterar o Regimento Interno do Conselho de Ética. V. Eleger, entre seus integrantes, o Presidente, os 1º, 2º e 3º Vice-Presidentes do CONAR e os Presidentes das Câmaras do Conselho de Ética. VI. Funcionar como órgão consultivo dos associados para as matérias pertinentes ao objeto social e oferecer assessoria às entidades públicas e privadas em assuntos relativos à ética na propaganda e ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. VII. Receber os expedientes de entidades públicas federais, estaduais e municipais e, a seu juízo, transformá-los em representação. VIII. Aplicar penalidades por infração à disciplina social. IX. Cumprir e fazer cumprir as decisões emanadas do Conselho de Ética em processo regular. X. Baixar normas de funcionamento do CONAR. XI. Aprovar as previsões orçamentárias que lhe forem submetidas pelo Presidente do CONAR. XII. Fornecer ao Conselho Fiscal as informações que lhe forem solicitadas. XIII. Designar dois Diretores para auxiliar a Administração da Sociedade, podendo a escolha recair em qualquer pessoa de sua confiança. 323 Artigo 30. §1o. O Conselho Superior será integrado, também, pelo último ex-Presidente do CONAR, na qualidade de membro nato, com todas as prerrogativas dos demais representantes.

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mentação Publicitária e seus anexos. Esse Conselho é formado por profissionais da comunicação publicitária de todas as áreas juntamente com representantes da sociedade civil. Organizado a cada biênio, o Conselho de Ética do CONAR é composto por um presidente, um secretário, um vice-presidente executivo, um secretário executivo, um secretário executivo adjunto, sete câmaras com sedes localizadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre, além de representantes de diversas entidades e categorias 324. A competência do Conselho de Ética do CONAR é estabelecida pelo artigo 42 do seu Estatuto Social325. Atualmente esse Conselho conta com mais de 180 conselheiros, distribuídos entre efetivos e suplentes, sendo todos em regime voluntário. No entanto, a participação nesse Conselho não é totalmente livre, mas está sujeita ao conjunto de limitações e impedimentos enumerados no artigo 41 do Estatuto Social do CONAR326. 324

No biênio 2008/2010 existiam representantes da Associação Brasileira de Anunciantes, Associação Brasileira de Agências de Publicidade, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, Associação Nacional de Editores de Revistas, Associação Nacional de Jornais, Central de Outdoor, associações de propaganda, televisão por assinatura, mídia interativa, mídia cinema, profissionais de criação, e representantes da sociedade civil. 325 Art. 42. “Compete ao Conselho de Ética do CONAR: I. Receber, processar e julgar as representações por infração ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus recursos, observadas as disposições deste estatuto e do Rice – Regimento Interno do Conselho de Ética. II. Atuar como mediador entre anunciantes, entre agências, entre aqueles e estas e os veículos de comunicação, em todos os casos de disputa, promovendo tentativas de conciliação das partes. III. Aplicar as medidas e providências previstas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária aos infratores das normas nele estabelecidas. IV. Aprovar as súmulas da jurisprudência firmada, bem como deliberar sobre sua alteração e cancelamento, mediante proposta formal de qualquer de seus membros ou Diretor Executivo”. 326 Artigo 41. Não poderá participar do Conselho de Ética: a. pessoa física que esteja respondendo a processo, até transitar em julgado a sentença absolutória; b. pessoa física no exercício de mandato legislativo federal, estadual

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O Conselho Fiscal é um órgão eminentemente fiscalizador. Segundo o artigo 54 do Estatuto Social do CONAR o Conselho Fiscal possui competência para fiscalizar as ações realizadas pelos administradores eleitos pelo Conselho Superior, verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários, e ainda opinar a respeito do relatório e das contas do Conselho Superior mediante a emissão de parecer contendo as informações complementares que julgar necessárias ou úteis para a deliberação da Assembleia Geral. A atuação do CONAR pode ocorrer a partir de denúncias formuladas por quaisquer consumidores, autoridades, seus associados ou ainda pela sua própria diretoria. Após a concessão de total e plena garantia do direito à ampla defesa e contraditório aos responsáveis pelo anúncio denunciado (conforme preceitua o artigo 17 do seu Estatuto Social327), comprovando-se a procedência de uma denuncia, a atuação do CONAR poderá ser desenvolvida da seguinte forma: mediante a emissão de recomendação no sentido de suspender a exibição da peça publicitária denunciada, a formulação de sugestões de alteração para correção do anúncio publicitário acoimado, a advertência ao anunciante-patrocinador e/ou agência publicitária (aqui se mantém omisso quanto ao veículo de comunicação), ou ainda, de forma excepcional, o CONAR pode realizar a divulgação pública de sua reprovação em relação a peça publicitária denunciada. Porém, em nenhuma hipótese a atuação desse órgão consiste em exercer censura prévia sobre os anúncios publicitários sobre os quais delibera, isto é, o controle da comunicação ou municipal; c. pessoa física investida em cargo de confiança ou chefia na administração direta ou indireta dos governos federal, estadual ou municipal; d. pessoa física candidata a cargo eletivo federal, estadual ou municipal, caracterizando-se o impedimento pela escolha em convenção partidária; e. representante de pessoa jurídica sob intervenção; f. o associado que não esteja em dia com o pagamento de suas contribuições, o que se caracterizará pela comunicação por escrito do 3º Vice-Presidente do CONAR ao Conselho de Ética. 327 Artigo 17. O processo de aplicação das penalidades terá caráter contraditório, assegurado sempre ao acusado amplo direito de defesa.

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publicitária pelo CONAR é realizado sempre em momento posterior a veiculação do anúncio. Um caso recente (julgado em maio de 2011) que ilustra flagrantemente a deficiência no julgamento do CONAR pode ser observado na Representação no 70/11328, de autoria do próprio CONAR, realizada mediante queixa feita por dois consumidores do Rio de Janeiro e outros de São Paulo, Brasília, Pouso Alegre, Jaboatão dos Guararapes e Padre Bernardo (GO) em relação à peça publicitária intitulada “Skol – Uma por todos e todos por uma” anunciada pela Ambev (Companhia de Bebidas das Américas) e a CBB (Companhia Brasileira de Bebidas) em conjunto com a agência F/Nazca. Os consumidores que escreveram ao CONAR consideraram que o comercial para a TV da cerveja Skol, no qual os atores saltam sem paraquedas de um avião em pleno vôo ao verem uma caixa da cerveja cair acidentalmente da aeronave, encerra exemplo de comportamento perigoso, especialmente para jovens e crianças. Em sua defesa, os anunciantes alegaram que o comercial apoia-se em evidente fantasia, que estaria presente também em outros anúncios da campanha da Skol. Em voto aceito por unanimidade, o relator simplesmente recomendou o arquivamento da representação com fundamento no artigo 27, no 1, letra “a” do Regimento Interno do Conselho de Ética (Rice) 329, que prevê a possibilidade de arquivamento quando não caracterizada infração ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. No caso em questão, o CONAR não considerou a abusividade da peça publicitária, mesmo diante da redação do artigo 37, §2 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que caracteriza expressamente 328

Representação no 70/11. Autor: Conar mediante queixa de consumidor. Anunciantes e agência: Ambev e CBB e F/Nazca. Relator: Conselheiro José Maurício Pires Alves. Sétima Câmara. Decisão: Arquivamento. Fundamento: Artigo 27, no 1, letra “a" do Rice. 329 Regimento Interno do Conselho de Ética (Rice) do CONAR. Disponível em Acesso em: 25 jul. 2011.

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como abusiva a publicidade “que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de uma forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”, e principalmente do artigo 33, “a” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que traz explicitamente a condenação dos anúncios que “manifestem descaso pela segurança, sobretudo quando neles figurarem jovens e crianças ou quando a estes for endereçada a mensagem”. Em contrapartida reconhecemos o acerto da decisão proferida pelo CONAR no mesmo período (maio de 2011) em relação à Representação no 25/11330, de autoria do próprio CONAR, mediante queixa de um consumidor de Manhumirim (MG), referente a uma publicidade de uma “TV Led 40” anunciada pela CTIS. O referido consumidor considerou que o anúncio na internet da CTIS que oferece uma TV com tecnologia Led sem especificar a sua marca pode levar a engano. No entanto a anunciante negou qualquer enganosidade na peça publicitária sob o argumento de que nela havia todas as informações relevantes para a decisão do consumidor. A relatora, por sua vez, reconheceu a existência de todas as informações, excetuando-se a marca do produto, uma vez que o anúncio questionado apenas se referia a uma “grande marca”. Sendo assim, mediante voto aceito por unanimidade, a relatora considerou configurada infração ao artigo 37 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, bem como ao Código Ético-publicitário, e recomendou a alteração agravada por advertência à anunciante, com fundamento nos artigos 1o, 3o, 27, parágrafos 1 o, 2o e 3o, e 50, letras “a" e “b” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Neste caso trata-se de hipótese clara de publicidade enganosa por omissão nos termos do artigo 37, §3 o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, uma vez que deixou a anunciante deixou 330

Representação no 25/11. Autor: Conar mediante queixa de consumidor. Anunciante: CTIS. Relatora: Conselheira Nadja Sampaio. Terceira Câmara. Decisão: Alteração e advertência. Fundamento: Artigos 1 o, 3o, 27, parágrafos 1o, 2o e 3o, e 50, letras “a” e “b” do Código.

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de informar um dado essencial (neste caso, a marca) acerca do produto anunciado. O artigo 26 do Código Consolidado da Câmara de Comercio Internacional sobre Práticas de Publicidade e Comunicação Comercial, que trata do respeito pelas decisões do organismo autorregulador, institui a todo e qualquer comerciante, profissional da comunicação, agências de publicidade, editores, proprietários dos meios ou contratantes, o dever de se abster de participar na publicação ou distribuição de um anúncio ou qualquer outra comunicação comercial que tenha sido julgada inaceitável pelo organismo autorregulador competente331. Todavia, esta disposição normativa não se afigura como dotada de grande efetividade no universo prático nacional, uma vez que a atividade desempenhada pelo CONAR é desenvolvida sobre o baldrame do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos, ou seja, um sistema integrado de normas éticas que, da forma como se encontram dispostas atualmente no microssistema consumerista brasileiro, não são dotadas de coercibilidade. Desta maneira, o cumprimento de tais normas fica completamente a mercê da vontade deliberada dos próprios publicitários ou agências publicitárias, anunciantes, veículos de comunicação, ou quaisquer outras pessoas que atuem no desenvolvimento da atividade publicitária. No entanto, mesmo fundamentando-se em uma normatização de natureza não coercitiva, as deliberações do CONAR podem desencadear o que Kelsen 331

Ainda, o mencionado dispositivo traz a seguinte determinação: “Todas as partes envolvidas são encorajadas a incluir nos respectivos contratos ou outros acordos relativos a publicidade e outras comunicações comerciais, uma declaração vinculando os signatários a submeterem-se às normas autoreguladoras aplicáveis e a respeitarem as decisões e regras ditadas pelos organismos autoreguladores competentes”. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2010.

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chamou de compulsão psíquica332, que seria uma reação resultante da ideia existente nas pessoas a respeito da ordem jurídica, que é considerada uma ideia “coercitiva” à medida que tem o condão de desencadear nos indivíduos uma espécie de conduta desejada pela ordem jurídica. Neste caso, esta compulsão psíquica seria manifestada por uma forma de auto coação por parte dos próprios participantes da atividade publicitária, no sentido de realizar o cumprimento voluntário de normas estabelecidas pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, mesmo em se tratando de uma normatização de natureza meramente ética, e independentemente da cominação de sanção específica em relação ao seu descumprimento. Conforme o disposto no artigo 15 do Estatuto Social do CONAR, em casos de infrações à disciplina social as seguintes sanções podem ser aplicadas: “a. advertência oral ou escrita; b. censura pública por edital afixado na sede social e transcrita em boletim; c. suspensão até 12 (doze) meses; d. eliminação do quadro social”. Estas sanções são destinadas apenas aos associados do CONAR e devem ser aplicadas sempre de maneira gradativa de acordo com a gravidade da infração. Contudo, mesmo diante do cometimento da infração mais grave, que ensejaria a imposição da penalidade mais severa, que consiste na eliminação do associado do quadro social do CONAR, este associado eliminado ainda poderia ser readmitido. Nos termos do artigo 19, caput do Estatuto Social do CONAR, o associado que sofrer a penalidade de eliminação ficará impedido de ser readmitido no quadro social da entidade pelo prazo de um ano. Porém, após o decurso desse prazo não há mais nenhum impedimento para a sua readmissão, que se opera de acordo com o procedimento descrito no artigo 19, parágrafo único do mesmo 333. 332

Hans Kelsen, Teoria geral do direito e do estado, p. 32 – 33. Artigo 19. Parágrafo único - “A readmissão como sócio ocorrerá apenas quando o Conselho Superior, por solicitação do interessado, e por maioria 333

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Não obstante a existência na redação do artigo 15 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária de uma determinação do dever de respeitar os padrões éticos de conduta por ele estabelecidos voltada para todos os envolvidos na atividade publicitária, as sanções relacionadas às infrações à disciplina social constantes no artigo 15 do Estatuto Social do CONAR somente podem ser aplicadas aos seus associados, sendo completamente inofensivas, devido à sua inaplicabilidade, perante todo o universo de praticantes da atividade publicitária composto pelos não associados ao CONAR. É precisamente aqui onde reside um dos principais entraves que impedem a efetividade e prejudicam o correto funcionamento desse sistema de controle unicamente privado (autorregulação) da publicidade, o fato de a atuação do CONAR no que tange à imposição das mencionadas sanções disciplinares não ser direcionada a todos os que participam da atividade publicitária em geral, mas tão somente aos que se encontram na condição de associados do referido órgão. A questão é que a normatividade constante nessa classe de sanções presentes no Estatuto Social do CONAR não preenche o requisito de generalidade (próprio da normatização jurídica) que seria necessário para tornar possível a extensão da sua aplicabilidade em relação a todos que atuam na prática publicitária, aumentando assim consideravelmente o seu universo de abrangência. No que diz respeito à pretensão punitiva do CONAR no universo que vai além do formado pelo conjunto de seus associados, existe o rol de sanções disposto no artigo 50, caput do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária 334, que não se restringe simples, julgar sanados os efeitos do ato que motivou a eliminação e entender que existe a disposição de cumprimento dos presentes Estatutos e o acatamento do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária”. 334 Art. 50. “Os infratores das normas estabelecidas neste Código e seus anexos estarão sujeitos às seguintes penalidades: a. advertência; b. recomendação de alteração ou correção do Anúncio; c. recomendação aos Veículos no

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a sanções voltadas meramente para os casos de infrações à disciplina social cometidas pelos associados do CONAR como é caso das sanções previstas no artigo 15 do Estatuto Social do CONAR. As sanções prescritas no artigo 50, caput do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária contra infrações das disposições normativas do mesmo e seus anexos são destinadas para todos os envolvidos na atividade publicitária, independentemente da condição de associado ao CONAR, sejam eles anunciantes, agências de publicidade, veículos de divulgação, publicitários, ou quaisquer outros profissionais da área da comunicação social que participem do processo publicitário. O problema que dificulta a efetividade da normatização punitiva prevista no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos, inclusive do conjunto de sanções previstas no artigo 50, caput (advertência, recomendação de modificação do anúncio, recomendação da sustação da divulgação do anúncio, ou a simples divulgação do posicionamento do CONAR diante do não acatamento de suas medidas e providências), que são voltadas para todos os que atuam na prática publicitária, reside no fato de que apesar dessa normatização possuir um caráter retributivo (compensador da culpa assumida pelo agente em virtude da infração), devido à tenuidade deste, ela não se mostra capaz de atender as finalidades da pena preconizadas pela teoria dialética unificadora preventiva de Roxin335, no sentido de proporcionar ao mesmo tempo um caráter preventivo geral, direcionado à generalidade dos infratores em potencial, e especial, direcionado de forma individual aos que efetivamente infringiram as normas. No caso do primeiro (caráter preventivo geral), a prevenção é destinada a toda a comunidade de forma genérica, buscando uma intimidação coletiva de todos sentido de que sustem a divulgação do anúncio; d. divulgação da posição do CONAR com relação ao Anunciante, à Agência e ao Veículo, através de Veículos de comunicação, em face do não acatamento das medidas e providências preconizadas”. 335 Claus Roxin, Derecho penal: parte general, p. 95 – 103.

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os potenciais infratores. No caso do segundo (caráter preventivo especial) a prevenção se destina a provocar uma intimidação pessoal com o escopo de evitar a reincidência do autor da infração, desencorajando-o de forma específica a cometê-la reiteradamente. Ainda que exista no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária a cominação de sanções que podem ser aplicadas a todos os participantes da atividade publicitária em razão de uma determinada prática que vá de encontro às normas estabelecidas pelo mesmo e seus anexos, estas sanções não são aptas a assumir de maneira efetiva um caráter preventivo geral ou mesmo especial, ou seja, não possuem o condão de desencorajar ou reprimir com a veemência necessária as condutas sancionáveis, seja em âmbito coletivo, atingindo todos os infratores em potencial (geral) ou em âmbito individual, evitando a reiteração do já infrator (especial). Em virtude da falta de coercibilidade ou mesmo de sua acentuada brandura, as sanções previstas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária praticamente permitem que o cumprimento da norma fique a mercê de um critério volitivo proveniente do próprio praticante da atividade publicitária. Assim sendo, embora as deliberações do CONAR sejam muitas vezes respeitadas dentro do meio publicitário, reconhecemos a sua insuficiência para controlar a atividade publicitária de maneira satisfatória, uma vez que a competência instituída em seu Estatuto Social apenas permite a imposição de penas simbólicas como advertência, recomendações ou a simples divulgação de seu posicionamento diante do não-acatamento de suas decisões, apenas para os seus associados, que constitui um grupo formado majoritariamente pelos próprios publicitários sob um sistema de adesão espontânea, o qual não abrange toda a universalidade da classe. E ainda devido ao fato de que mesmo que as sanções previstas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária sejam aplicáveis a todos os que atuam na atividade publicitária, elas não são 240

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dotadas da coercibilidade necessária para coagir o comportamento dos sancionados, sendo muitas vezes simplesmente ignoradas em razão da sua brandura. Na verdade, o CONAR não possui nem mesmo a competência para determinar a retirada de uma peça publicitária considerada infratora de seu Código do mercado de consumo336. Ao analisarmos as normas provenientes do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos sob o prisma da teoria da norma jurídica de Carnelutti337, percebemos que embora atendam ao requisito de uma representação descritiva de fatos ou situações (fattispecie), deixam bastante a desejar no que diz respeito à cominação da consequência (sanzione), não no sentido da inexistência total dessa consequência, mas em relação à sua insuficiência para dar efetividade à norma no universo social, uma vez que as decisões provenientes do CONAR, que é órgão aplicador do mencionado Código, são de natureza eminentemente ética e apenas tem o condão de advertir, recomendar (a alteração, correção, ou suspensão da divulgação do anúncio), ou simplesmente divulgar sua posição em face do não acatamento de suas medidas e providências, (artigo 50, caput do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária), isso quando não dizem respeito apenas a sanções de natureza ético-disciplinar, voltadas somente para os seus próprios associados (artigo 15 do Estatuto Social do CONAR). 336

Wilson Carlos Rodycz, O controle da publicidade. In: Revista da associação dos juízes do Rio Grande do Sul, p. 217. 337 No original: “Precisamente perchè la struttura della legge giuridica è idêntica a quella della legge naturale, è composta di due elementi: il prius e il posterius: ciô que avviene prima e ciò che avviene dopo [...] Al primo dei due elementi si dà il nome di fattispecie; esso consiste nella rappresentazione del fato, il quale, in quanto accada, provoca l’accadere dell’altro, a cui secondo la legge è collegato [...] Al secondo elemento si dà il nome di sanzione.” Francesco Carnelutti, Diritto e processo, p. 11.

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Proteção Constitucional do Consumidor no âmbito da Regulação Publicitária

Para Bobbio a eficácia de uma determinada norma jurídica depende de uma complexa organização que determina a natureza e a entidade das sanções, as pessoas que devem exercê-las, assim como a sua forma de execução338. É justamente nesta dimensão concernente à sanção que se encontra o cerne do problema de eficácia do sistema de autorregulação protagonizado pelo CONAR com fundamento no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos. Sendo assim, uma das formas de se aumentar a efetividade desse sistema de autorregulação seria a alteração da coercibilidade das sanções previstas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária acompanhada da modificação da competência relativa ao jus puniendi do CONAR, de maneira que as referidas sanções cominassem penalidades mais severas e a atuação do CONAR pudesse ser desenvolvida de maneira mais contundente em virtude da instituição da obrigatoriedade de cumprimento de suas deliberações para todos que atuem no exercício da atividade publicitária. Como frase inaugural de sua obra, Ihering enuncia: “o fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta”339. Entretanto, na mesma obra assevera o autor: “nem mesmo o sentimento de justiça mais vigoroso resiste por muito tempo a um sistema jurídico defeituoso: acaba embotando, definhando, degenerando”340. Transportando essas ideias para o sistema de autorregulação fundamentado no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos, podemos afirmar que para se conseguir que o desenvolvimento da atividade publicitária seja realizado em consonância com os princípios e regras instituídos pelo mencionado Código e seus anexos, é preciso que haja uma atuação permanente do CONAR visando reprimir e prevenir a assunção de condutas que de alguma forma venham a contrariá-los. No entanto, 338

Norberto Bibbio, Teoria do ordenamento jurídico, p. 22. Rudolf Von Ihering. A luta pelo direito, p. 27. 340 Ibid., p. 78. 339

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atualmente isso não está sendo possível devido à deficiência do sistema de autocontrole da prática publicitária adotado no Brasil, principalmente no que tange à severidade das sanções instituídas juntamente com o poder de punir do CONAR. Primeiramente, o que se propõe nesta obra não é a revogação total de todos os dispositivos normativos do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária que tratam de infrações e penalidades, mas sim a intensificação do rigor das sanções cominadas pelo referido Código para os casos de descumprimento de suas normas assim como de seus anexos. Trata-se da instituição de penalidades mais severas com a finalidade não somente de reprimir, mas também de prevenir, em relação a toda a coletividade (prevenção geral) e aos indivíduos singularmente (prevenção especial), a concretização de condutas que contrariem os valores consagrados pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos. Segundamente, a proposta do presente estudo consiste em uma mudança no que tange a competência referente ao jus puniendi do CONAR no escopo de proporcionar uma maior efetividade para as suas deliberações. Essa modificação seria no sentido de conceder ao CONAR, como órgão aplicador de toda a normatização prevista no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos, o poder de exigir o cumprimento de todas as suas decisões, ao torna-las de acatamento obrigatório para todos os que desenvolvam atividade publicitária, sejam anunciantes, veículos de divulgação, agências publicitárias ou quaisquer outros que atuem nesta seara. De tal forma, as deliberações do CONAR, principalmente no que diz respeito à aplicação de sanções, adquiririam uma força coercitiva que demandaria a subordinação não somente em relação aos seus associados, mas de todos aqueles que infringissem no desenvolvimento da atividade publicitária as disposições normativas contidas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos. Realizadas tais alterações, não resta dúvida de que a efetividade do sistema de autorregulação conduzido pelo CONAR aumenta243

Proteção Constitucional do Consumidor no âmbito da Regulação Publicitária

ria consideravelmente, pois, ao serem dotadas de maior coercibilidade, as deliberações do CONAR desempenhariam um papel bem mais eficiente no combate às formas de publicidade que contrariam a normatização instituída pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos. Tais modificações fariam com que não somente o CONAR, mas também toda a referida normatização fosse observada sob um prisma bem mais respeitoso por todos os envolvidos no desenvolvimento da comunicação publicitária. Nesse contexto, acertado se mostra o pensamento de Thoreau no sentido de que somente quando os homens estiverem realmente preparados poderão ter um tipo de “governo que não governa”341, ou seja, um governo que não precise atuar mediante uma normatividade coercitiva de condutas humanas simplesmente por não haver necessidade de agir de tal forma, mas ao contrário, se restrinja apenas a emissão de diretivas mínimas de natureza puramente recomendatória, uma vez que estas por si só já seriam naturalmente seguidas com afinco por todos. Na hipótese em questão estaríamos diante de um cenário onde o sistema de autorregulação funcionaria perfeitamente, uma vez que os indivíduos agiriam guiados simplesmente pelo dever, independentemente da existência de um emaranhado de normas coercitivas que os obrigassem a agir desta ou daquela forma, tal como preceitua a moral kantiana 342. Contudo, por enquanto, diante conjuntura atual em que se apresenta o cenário da atividade publicitária no Brasil, tomado por uma torrente de práticas ilícitas nas suas mais variadas formas, a necessidade da imposição de normas de conduta coercitivas acompanhadas das 341

“That government is best which governs not at all”; and when men are prepared for it, that will be the kind of government which they will have.” Henry David Thoreau, On the duty of civil desobedience, p. 07. 342 De acordo com a moral kantiana: “o mérito (meritum) consiste em fazer algo conforme o dever, além do estritamente exigível pela lei”. Emmanuel Kant, Doutrina do direito, p. 42 – 43.

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devidas sanções mostra-se uma realidade flagrante, e o aumento da coercibilidade da normatização contida no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos mediante a instituição de um sistema de punibilidade mais amplo e severo, aliado a modificação do jus puniendi do CONAR, tornando-o competente para proferir decisões mais contundentes em relação aos infratores da referida normatização, poderia vir a contribuir de forma bastante significativa para a alteração dessa realidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

fundação da Consumers Union (CU) em 1936 na cidade de Nova Iorque é considerada o marco inicial da preocupação com a proteção e defesa do consumidor, mas o movimento global de proteção consumerista somente teve inicio a partir da Conferência de Haia em março de 1960, onde houve a criação da International Organisation of Consumers Unions (IOCU), que em 1995 recebeu a denominação de Consumers International (CI). No entanto, a proteção dos interesses do consumidor somente adquiriu maior relevância em virtude da mensagem especial emitida pelo presidente norte-americano John Kennedy ao Congresso dos Estados Unidos ressaltando a sua importância no dia 15 de março de 1962, que foi posteriormente fixado como dia mundial dos direitos do consumidor, bem como dia nacional do consumidor no Brasil.

A

No que tange ao continente europeu, podemos destacar a Diretiva 84/450/CEE de 10 de setembro de 1984, editada em Bruxelas pelo Conselho das Comunidades Europeias, referente à prática publicitária enganosa de maneira específica, e a Resolução n o 39/248, publicada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 16 de abril de 1985, estabelecendo um conjunto de objetivos, princípios gerais e diretrizes para a realização da proteção do consumidor. Em relação à América do Sul, podemos citar Acordo Interinstitucional Mercosul de 2004, firmado entre os órgãos de defesa do consumidor dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) para a proteção e defesa 247

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do consumidor visitante, assim como a atuação do Foro Iberoamericano das Agências Governamentais de Proteção ao Consumidor. Em âmbito nacional, a proteção e a defesa do consumidor de forma específica somente puderam ser efetivadas a partir da criação do Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor (PROCON) pelo Governo do Estado de São Paulo em 1976, tendo sido ampliadas pela possibilidade de tutela coletiva instituída pela Lei no 7.347/85 (mediante ação civil pública), e fomentadas pela criação do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC) em 1985 e pela fundação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) em 1987. Entretanto foi apenas em 1988 com a constitucionalização da defesa do consumidor como um direito fundamental que este veio a se consolidar no ordenamento jurídico brasileiro, sendo posteriormente regulamentado no plano infraconstitucional pela Lei no 8.078/90 que instituiu o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, além de diversas outras leis e decretos específicos ou relacionados à matéria consumerista. A conceituação da relação jurídica de consumo é imprescindível para o processo de delimitação do âmbito de aplicação de toda a normatização consumerista, uma vez que esta somente deve incidir sobre relações jurídicas de tal natureza. Essa conceituação é obtida a partir da análise conjunta de todos os elementos que compõem a relação de consumo (subjetivos, objetivos e causal). Os elementos subjetivos são o fornecedor (mediato ou imediato) e consumidor (stricto sensu ou equiparado), ou seja, os sujeitos que fazem parte da relação de consumo. Os elementos objetivos dizem respeito aos produtos e/ou serviços prestados pelo fornecedor ao consumidor, que atuam como objetos da relação de consumo. O elemento causal ou finalístico, em consonância com a teoria da finalidade, é determinado pela condição de destinatário final assu-

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mida pelo consumidor na aquisição ou utilização de um produto ou serviço. O conceito de consumidor adotado pelo microssistema de proteção consumerista é formado a partir de quatro definições trazidas pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, uma de forma direta (stricto sensu) e outras três por equiparação (lato sensu), onde sempre deve estar configurada a condição de destinatário final (em caráter prevalecente) além da condição peculiar de vulnerabilidade (em caráter secundário) dentro da relação jurídica de consumo (artigo 4o, inciso I). São inseridas no conceito de consumidor direto ou stricto sensu, todas as pessoas físicas ou jurídicas, que venham a adquirir ou utilizar, um produto ou serviço, como destinatário final (artigo 2 o, caput); Por equiparação, se inserem no conceito de consumidor lato sensu adotado pelo Código, a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que intervém em uma relação de consumo (artigo 2o, parágrafo único); todas as vítimas (bystanders) dos chamados defeitos ou acidentes de consumo (artigo 17); bem como todas as pessoas, ainda que indetermináveis, que forem expostas às práticas comerciais previstas no capítulo V do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (artigo 29). A principal celeuma em relação à conceituação de consumidor recai sobre o critério de definição do elemento causal ou finalístico da relação jurídica de consumo, que determina justamente a condição do consumidor como destinatário final exigida pelo artigo 2 o, caput do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. A respeito dessa questão surgiu a teoria finalista, que restringe o conceito de consumidor ao exigir a destinação final fática e econômica, excluindo a utilização profissional dos produtos e/ou serviços; a teoria maximalista, que institui um conceito mais amplo de consumidor ao exigir apenas a destinação final fática, englobando o emprego de produtos e/ou serviços dentro da atividade profissional; e a teoria finalista atenuada, adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, assim como pela doutrina majoritária, que permite a caracterização 249

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da relação de consumo na utilização profissional de produto e/ou serviço desde que comprovada a vulnerabilidade do consumidor. A partir da definição trazida no artigo 3o, caput, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor instituiu um conceito bastante amplo de fornecedor. Nesse conceito podem ser incluídas pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, e até mesmo entes despersonalizados, desde que desenvolvam de forma habitual atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição, comercialização de produtos ou prestação de serviços, ou qualquer outra atividade análoga. No que diz respeito aos produtos e serviços como objetos da relação jurídica de consumo, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor trouxe conceituações extremamente amplas. A definição de produto contida no artigo 3o, §1o do Código refere-se de maneira geral a qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial, sem instituir qualquer exigência no sentido da exploração de um valor econômico. Já no que tange ao conceito de serviço, podemos perceber a partir da definição contida no artigo 3 o, §2o do Código, que pode ser considerado serviço, para fins de aplicação da normatização consumerista, qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, desde que seja exercida mediante uma contraprestação de natureza remuneratória, excluindo-se as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Não obstante a existência de controvérsia em sede doutrinária e jurisprudencial, reconhecemos a plena aplicabilidade do microssistema de proteção e defesa do consumidor à atividade de prestação de serviço público, realizada pelo Poder Público, seja pela administração direta ou indireta, ou ainda de forma delegada, por concessionários ou permissionários de serviço público, independentemente de se tratar de serviços públicos próprios ou coletivos 250

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(uti universi), remunerados apenas indiretamente, mediante o pagamento de tributos (v.g., segurança pública, saúde, educação, etc.), ou impróprios ou individuais (uti singuli), onde a remuneração ocorre de forma direta, mediante o pagamento de tarifa ou preço público (v.g., telefone, água, energia elétrica, etc.). Assim sendo, a configuração da relação de consumo na prestação de serviço público configura uma relação jurídica peculiar onde os conceitos de usuário de serviço público e consumidor se identificam. A comunicação publicitária possui uma natureza dúplice, uma vez que em regra constitui um direito instituído ao fornecedor, mas que em alguns casos especiais pode tornar-se um dever imposto ao mesmo. No microssistema consumerista ainda paira muita dúvida a respeito da sistematização dos conceitos de práticas comerciais, marketing, comunicação comercial, oferta e publicidade. Entretanto, vimos que o conceito de práticas comerciais é obtido a partir de um critério de exclusão em relação ao conceito de práticas de produção. Assim, considerando que estão incluídas neste último todas as atividades relacionadas a produtos e/ou serviços desenvolvidas antes da inserção destes no mercado de consumo, percebemos que todas as atividades posteriores ao mencionado fato podem ser consideradas práticas comerciais. Constatamos que o marketing pode ser entendido como o conjunto de estratégias e ações desenvolvidas em busca de aproximar fornecedores e consumidores, onde estes tomam conhecimento e são induzidos ao consumo efetivo de determinados produtos e/ou serviços ou simplesmente de certa marca ou empresa. Já a chamada comunicação comercial nada mais é do que o marketing realizado no âmbito da comunicação social. Considerada uma forma especial de comunicação comercial, a oferta engloba a apresentação, a informação e a publicidade. Marcada principalmente pelo princípio da obrigatoriedade do cumprimento, a oferta pode ser determinada, quando se refere a um uma única pessoa (individual) ou a um grupo específico de pessoas (co251

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letiva); ou indeterminada (oferta ao público), quando é voltada ao público em geral. A oferta deve preencher uma série de requisitos referentes a características e dados técnicos (qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, etc.), e à potencialidade danosa (os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores), além de possuir informações corretas (verdadeiras), claras (facilmente entendidas), precisas (sem prolixidade ou escassez), ostensivas (facilmente constatadas ou percebidas) e em língua portuguesa, gravadas de forma indelével quando se tratar de produtos refrigerados. A oferta deve ainda obedecer às exigências específicas instituídas pelo artigo 32 do Código para os fabricantes e importadores, bem como às do artigo 33 do mesmo em relação à modalidade de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, e ser apurada de acordo sistema de responsabilização solidária entre o fornecedor do produto ou serviço e os seus prepostos ou representantes autônomos por atos praticados por estes. Em caso de descumprimento da oferta por parte do fornecedor que a veiculou ou dela se utilizou o Código estabeleceu no artigo 35 um conjunto de alternativas para a livre escolha do consumidor, o qual poderá exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; ou ainda rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, além de perdas e danos. Todas as observações que foram feitas em relação à oferta aplicam-se ao instituto da publicidade visto que este constitui, juntamente com a apresentação e a informação, uma das modalidades daquela. De tal forma, para fins de aplicação do microssistema de proteção e defesa do consumidor, apresentamos uma organização dos referidos institutos que pode ser sistematizada considerando a seguinte sequencia: práticas comerciais, marketing, comunicação comercial, oferta e publicidade, de maneira que cada um constitui respectivamente uma subespécie do gênero anterior. 252

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O conceito de publicidade pode ser entendido considerando esta como uma prática comercial de marketing, desenvolvida mediante uma comunicação comercial, que apresenta uma oferta destinada à divulgação, com finalidade econômica, de determinado produto, serviço, marca ou empresa, no escopo de persuadir consumidores, direta ou indiretamente, provocando ou aumentando a demanda em relação ao objeto do anúncio. Os principais personagens que participam da efetivação da publicidade são: o anunciante, o agente publicitário (ou agência publicitária) e o veículo de divulgação. O apanágio que difere o instituto da publicidade em relação à propaganda é justamente a exploração de atividade econômica ou finalidade comercial, que se encontra presente naquela e ausente nesta. Na seara que diz respeito à comunicação publicitária foram consagrados pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor os seguintes princípios: princípio da identificação da publicidade, princípio da obrigatoriedade do cumprimento, princípio da veracidade da publicidade, princípio da não-abusividade da publicidade, princípio da inversão do ônus da prova, princípio da transparência da fundamentação da publicidade, princípio da correção do desvio publicitário, e princípio da lealdade publicitária. A publicidade institucional ou corporativa é veiculada com a intensão de divulgar apenas a marca ou empresa do fornecedoranunciante, ao passo que a publicidade promocional tem como objeto do anúncio um determinado produto ou serviço de forma específica. A publicidade clandestina é a que é desenvolvida com a finalidade de ludibriar o consumidor mediante a utilização de técnicas que possam dificultar ou até mesmo anular a capacidade de discernimento deste a respeito de sua condição de estar ou não exposto a uma mensagem de conteúdo publicitário. Essa espécie de comunicação publicitária é veiculada geralmente utilizando-se de técnicas como o product placement (merchandising), a mensagem subliminar, o teaser, e a publicidade dissimulada. O product placement consiste em uma inserção, dissimulada ou não, de uma mensagem publicitária dentro de uma comunicação 253

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de natureza diversa. A mensagem subliminar diz respeito à veiculação de uma mensagem de maneira que os consumidores não sejam sequer capazes de identifica-la conscientemente através dos sentidos, sendo esta recebida e absorvida por eles apenas em nível subconsciente. O teaser constitui uma prática publicitária voltada para a divulgação de um determinado produto, serviço, marca ou empresa que ainda não se encontra disponível no mercado de consumo, com o objetivo de criar uma expectativa no consumidor. E a publicidade dissimulada ou redacional consiste em uma peça publicitária disfarçada de uma matéria editorial (reportagem ou notícia). A publicidade testemunhal é a que se utiliza de depoimento de uma pessoa famosa, especialista, perito, atestado ou endosso de uma empresa, ou mesmo o depoimento uma pessoa comum, com a finalidade de proporcionar maior credibilidade à mensagem publicitária que está sendo veiculada. A publicidade comparativa é realizada mediante confrontações entre produtos e/ou serviços de diferentes marcas ou empresas, ou ainda entre as próprias marcas ou empresas entre si, no escopo de tentar convencer os consumidores da superioridade de um em relação ao outro, especialmente fundamentando-se em critérios objetivos.

Publicidade enganosa é aquela capaz de induzir o consumidor em erro a respeito de quaisquer dados sobre produtos e serviços, sendo absolutamente desnecessária para a sua configuração a efetiva aquisição ou utilização destes. A enganosidade, que pode ser total ou parcial, é aferida de maneira abstrata, mediante uma análise subjetiva do consumidor (considera-se os casos de vulnerabilidade especial) juntamente com a análise objetiva do conteúdo do anúncio (independentemente de dolo ou culpa do fornecedor). De acordo com as informações contidas do anúncio, a publicidade pode ser considerada enganosa por comissão (quando possuía o dever negativo de conteúdo) ou por omissão (quando possuía o dever positivo de conteúdo). Para não ser considerada enganosa a peça publicitária deve utilizar o vernáculo da língua 254

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portuguesa, a que contém demonstração simulada (mock up) deve comunicar efetivamente esse fato aos consumidores, deve utilizarse do exagero publicitário (puffing) apenas em relação a características que não são passíveis de medição objetiva, isto é, inteiramente sujeitas a critérios de avaliação pessoal de cada consumidor. No que tange à oferta chamariz, esta sempre irá constituir espécie de publicidade enganosa. Já a publicidade abusiva é a que ofende valores éticos do mercado ou mesmo da sociedade genericamente considerada, excluídos os casos que configurarem publicidade enganosa (critério residual). Para a caracterização da abusividade de uma publicidade é prescindível a análise da relação direta entre a mensagem veiculada e o produto, serviço, empresa ou marca anunciada, considerando-se apenas os efeitos nefastos que ela possa causar aos consumidores ou ao mercado de consumo em geral (juízo in abstracto). A contrapropaganda ou contrapublicidade diz respeito a uma sanção administrativa aplicada ao fornecedor pelos órgãos públicos de proteção e defesa do consumidor, que consiste na veiculação de uma nova comunicação publicitária nos mesmos moldes da publicidade anterior, a expensas do infrator, com a finalidade de desconstituir o efeito nefasto causado na mente dos consumidores por uma publicidade enganosa ou abusiva. Fundamentando-se na dicotomia existente entre os institutos publicidade e propaganda, reconhecemos a aplicação errônea feita pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor ao empregar o termo “contrapropaganda” quando diante da aplicabilidade e a finalidade do instituto em questão podemos perceber que se mostra adequado o termo “contrapublicidade”. Na seara publicitária vigora o princípio da inversão do ônus da prova, o que faz com que recaia sobre o patrocinador da comunicação publicitária o ônus da prova da veracidade e correção do conteúdo da mensagem veiculada. Aqui a inversão do ônus da prova é ope legis (ocorre por força de lei), independente da discricio255

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nariedade do julgador, diferentemente do que acontece no caso do artigo 6o, inciso VIII do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, onde o juiz, a seu critério (baseando-se em regras ordinárias de experiência), deve constatar a existência de verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência do consumidor para que possa decretar a inversão do ônus da prova (ope judicis). O regime de responsabilização decorrente da comunicação publicitária adotado pelo microssistema consumerista, fundamentando-se no Código de Proteção e Defesa do Consumidor juntamente com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, pode ser sistematizado da seguinte forma: em razão da veiculação de um anúncio publicitário caracterizado como publicidade enganosa ou abusiva, o fornecedor-anunciante, a agência publicitária (ou publicitário), bem como o veículo de comunicação utilizado para a divulgação da mensagem publicitária respondem solidariamente por qualquer dano causado, na esfera civil, penal e administrativa, independentemente da comprovação de dolo ou culpa (responsabilidade objetiva). Fora da seara que configura a censura constitucionalmente vedada, podem ser identificados três sistemas de controle da atividade publicitária: um sistema exclusivamente estatal, no qual apenas o Estado tem competência para interferir no universo da atividade publicitária, mediante a imposição de normas coercitivas, bem como da aplicação das respectivas sanções em caso de descumprimento, sem qualquer participação da esfera privada; um sistema exclusivamente privado, onde os próprios membros da categoria (publicitários) realizam uma autorregulação de sua atividade; e um sistema misto, no qual há uma atuação conjunta entre o Estado e os próprios publicitários no controle da atividade publicitária. Este último foi o sistema adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, resguardando sempre a liberdade de comunicação social protegida pelo artigo 220, caput da Constituição Federal. 256

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Em razão do princípio da inafastabilidade da atuação jurisdicional previsto no artigo 5o, inciso XXXV da Constituição Federal, o controle da atividade publicitária também pode ser exercido mediante procedimentos de tutela coletiva voltada para a defesa de direitos ou interesses transindividuais ou metaindividuais. O processo de tutela jurisdicional coletiva é regulamentado por um microssistema próprio, formado pela Lei no 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, juntamente com a Lei no 8.078/90, que instituiu o Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Inclusive a proteção dos direitos ou interesses coletivos lato sensu foi instituída como uma das funções institucionais do Ministério Público por força do artigo 129, inciso III da Constituição Federal. Assim como ocorre com a tutela individual, a tutela jurisdicional coletiva pode ser exercida de forma preventiva, nos casos em que houver apenas uma ameaça de lesão a direito, ou repressiva, quando a demanda for gerada em razão de uma lesão anteriormente ocorrida. De toda sorte, por força do artigo 83 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, todas as espécies de ações capazes de propiciar adequada e efetiva tutela são admitidas para a defesa dos direitos e interesses protegidos pelo mesmo. Conforme a sistemática estabelecida pelo artigo 81, parágrafo único do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, os direitos ou interesses coletivos lato sensu podem ser divididos em três espécies ou categorias: difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos. Direitos ou interesses difusos são os que ultrapassam a esfera individual (transindividuais), possuem natureza indivisível (indivisibilidade do objeto), e pertencem a um conjunto indeterminado de pessoas ligadas somente por circunstâncias fáticas (indeterminação dos sujeitos). Os direitos ou interesses coletivos stricto sensu são igualmente transindividuais e de natureza indivisível, mas diferem-se dos difusos devido a sua titularidade determinada, entre um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária em razão de uma relação jurídica base. Os direitos ou interesses individuais homogêneos são oriundos de uma 257

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origem comum, em outras palavras, são essencialmente individuais que se tornaram coletivos em virtude de certas circunstâncias fáticas. Ao contrário das outras espécies, os direitos ou interesses individuais homogêneos são caracterizados pela divisibilidade do seu objeto, o que implica dizer que podem ser postulados individualmente pelos seus titulares. Em conformidade com cada categoria de direitos ou interesses coletivos lato sensu o artigo 103 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor determina efeitos específicos para a coisa julgada. Um dos principais instrumentos existentes no microssistema de tutela coletiva consiste na Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei no 7.347/85, que pode ser utilizada contra danos morais ou patrimoniais contra o meio ambiente, o consumidor, a ordem urbanística, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e ainda em caso de infração da ordem econômica e da economia popular, sem prejuízo da utilização da Ação Popular quando cabível. A tutela da Ação Civil Pública pode consistir na imposição da obrigação de uma prestação pecuniária ou ainda de assunção de uma conduta positiva ou negativa pela parte condenada. Trata-se de uma tutela específica (utilização do mesmo meio para se chegar a um resultado igual) ou que possibilite um resultado prático equivalente (utilização de um meio diferente para se atingir o mesmo resultado). Dentre as espécies de direitos ou interesses coletivos lato sensu, a tutela de uma determinada Ação Civil Pública poderá ser identificada de acordo com o pedido. Segundo o critério geral territorial-funcional instituído pelo artigo 2 o, caput da Lei no 7.347/85, a competência para processar e julgar as causas referentes a esta espécie de ação pertence ao foro do local onde ocorrer o dano. O rol de legitimados para propor a Ação Civil Pública, de forma principal ou cautelar, trazido pelo artigo 5 o da Lei no 7.347/85 não é um rol taxativo, uma vez na seara da tutela coletiva do consumidor esse rol é complementado pelo disposto no artigo 258

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82 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Em ambos os casos estamos diante de hipótese de legitimação ativa extraordinária, uma vez que os legitimados agem em nome próprio na defesa de interesse alheio. Dentre todos os legitimados para exercer a tutela coletiva do consumidor o Ministério Público merece maior destaque, considerando que quando este não intervier como parte em um processo dessa natureza, deverá necessariamente atuar como fiscal da lei. Considerando que a simples exposição a uma mensagem publicitária já é suficiente para a caracterização de uma relação do consumo por equiparação nos termos do artigo 29 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, independentemente da aquisição ou utilização efetiva do objeto do anúncio, podemos afirmar que a Ação Civil Pública constitui meio absolutamente adequado para combater as formas nefastas de publicidade (principalmente enganosa e abusiva), onde há de imediato um dano presumido contras as relações de consumo. A tutela da publicidade mediante Ação Civil Pública pode ser realizada tanto de maneira preventiva como repressiva. Assim sendo, o juiz poderá determinar o cumprimento da prestação de atividade devida (v.g., o cumprimento de uma oferta) ou a cessação de atividade nociva (v.g., a veiculação de publicidade enganosa ou abusiva), sob pena de execução específica ou de cominação de multa diária (astreinte). No entanto, independentemente do provimento jurisdicional concedido em sede de Ação Civil Pública, a tutela da publicidade sempre possuirá uma natureza dúplice, uma vez que pode ser considerada repressiva, à medida que busca diminuir ou mesmo extinguir os efeitos nefastos causados pela veiculação de uma mensagem publicitária ilícita, pois nestes casos o dano contra as relações de consumo já é presumido, e ao mesmo tempo atua de maneira preventiva, ao evitar possíveis danos que poderiam ser causados em decorrência da efetivação de uma relação de consumo direta influenciada por uma publicidade ilícita, e ainda ao impedir que outras pessoas sejam 259

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expostas à mensagem publicitária nefasta em razão da continuidade de sua veiculação nos meios de comunicação social. Questão que ainda gera bastantes dúvidas no ordenamento jurídico brasileiro é a possibilidade de aplicação da Ação Popular como instrumento de tutela dos direitos ou interesses do consumidor. Analisando uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que rechaçou explicitamente o cabimento da Ação Popular como meio processual idôneo a atuar na seara das relações de consumo, percebemos que o entendimento explicitado pela mesma no mínimo contraria a disposição normativa contida no artigo 83 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que não faz qualquer tipo de restrição em relação à espécie de ação a ser utilizada para a tutela dos direitos e interesses protegidos pelo Código além da sua capacidade para tanto. Em países como Itália, Inglaterra, França, Portugal, Espanha, Argentina, Peru e Alemanha não há qualquer instituto que se identifique com a Ação Popular nos moldes consagrados pelo ordenamento jurídico brasileiro, embora haja o emprego de terminologia equivalente. No Brasil, a Ação Popular foi regulamentada principalmente pela Lei no 4.717/65, tendo sido posteriormente alçada a nível constitucional pelo artigo 5 o, inciso LXXIII da Constituição Federal de 1988, passando a integrar o rol dos direitos e garantias fundamentais. A legitimidade ativa da Ação Popular é atrelada a condição de cidadania, ou seja, tem legitimidade para ajuizar a Ação Popular qualquer eleitor que, como integrante ativo da comunidade política, procure defender a legalidade e a moralidade dos atos administrativos, ou de atos de pessoas privadas que a esses possam ser equiparados. Quanto à legitimidade passiva, reconhecemos a possibilidade de figurar no polo passivo da Ação Popular uma pessoa jurídica de Direito privado prestadora de serviço público ou ainda uma pessoa física ou jurídica (ainda que não preste serviço público), quando mesmo estando ausente a incidência de administração de verba pública, haja a obtenção de beneficio direto 260

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em decorrência da prática do ato impugnado ou ainda a realização de ato que possa ser equiparado ao ato administrativo. Da forma como se encontra configurada atualmente no ordenamento jurídico brasileiro, a Ação Popular constitui uma garantia constitucional outorgada a qualquer cidadão (eleitor) que o proporciona a oportunidade de se imiscuir na atuação do Poder Público, manifestando uma forma de soberania popular pela via do Poder Judiciário, mediante a defesa do patrimônio social, do patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, da moralidade administrativa, do meio ambiente, e do patrimônio histórico e cultural, sempre que forem mitigados por ilegalidade ou imoralidade. Ao realizarmos uma análise mais apurada do artigo 5 o, inciso LXXIII da Constituição Federal, juntamente com a Lei n o 4.717/65, em consonância com o microssistema consumerista, especialmente no que tange às hipóteses de cabimento da Ação Popular, constatamos que esta ação também pode servir como instrumento idôneo para o controle da comunicação publicitária, configurando uma possibilidade de aplicação dessa espécie de ação no universo das relações de consumo. A Ação Popular diz respeito a uma garantia constitucional que consubstancia o exercício do direito de participação popular na seara pública, o que constitui o cerne da doutrina da democracia participativa, neste caso efetivada com fundamento na soberania popular consagrada no artigo 1o, parágrafo único da Constituição Federal, ao estabelecer que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Deste modo, a Ação Popular pode ser vista como um instrumento de democracia direta, à medida que permite a participação direta do eleitor na vida política do Estado ao suscitar o controle jurisdicional dos atos administrativos. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que se encontra enunciado no artigo 225, caput da Constituição Federal constitui hipótese de direito fundamental consagrado fora de sua sedes materiae constitucional. No artigo 5o, inciso LXXIII a Constituição Federal trouxe a possibilidade expressa da utilização da 261

Proteção Constitucional do Consumidor no âmbito da Regulação Publicitária

Ação Popular por qualquer cidadão para a anulação de um ato lesivo ao meio ambiente. Assim sendo, considerando que o microssistema de proteção e defesa do consumidor é aplicável às relações de prestação de serviços públicos, sejam estes desenvolvidos por entes da administração pública direta ou indireta, ou ainda por pessoa jurídica de Direito privado (em atividade delegada), somado a possibilidade de controle mediante a Ação Popular de um ato atentatório contra o meio ambiente, reconhecemos a possibilidade de qualquer cidadão, usuário de um serviço público, e assim considerado consumidor deste serviço, fazer uso de uma Ação Popular para anular um ato lesivo ao meio ambiente realizado em razão da prestação de um serviço público. No entanto, a fundamentação da utilização da Ação Popular como meio processual idôneo à defesa dos consumidores apenas se completa mediante o estudo da comunicação publicitária. A própria Constituição Federal já trouxe fundamento para a existência de meios legais de controle da publicidade que possam ser utilizadas pelas pessoas e pelas famílias como forma de defesa (artigo 220, §3o, inciso II), referindo-se expressamente a produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. Dentre as espécies de publicidade abusiva a que se refere o artigo 37, §2o do Código de Proteção e Defesa do Consumidor podemos encontrar uma referencia direita à publicidade que desrespeita valores ambientais. Deste modo, em caso de veiculação de uma mensagem publicitária antiambiental patrocinada pelo Poder Público (administração pública direita ou indireta) ou mesmo por uma pessoa jurídica de Direito privado em atividade delegada referente à prestação de um serviço público, estará caracterizada a sua abusividade, além da relação de consumo por equiparação (nos termos do artigo 29 do Código), e o dano ou lesão ambiental serão presumidos, ensejando assim a aplicabilidade da Ação Popular na sua forma constitucionalmente prevista. Com fundamento no artigo 220, §4o da Constituição Federal, juntamente com o artigo 220, §3 o, inciso II da mesma, o microssistema consumerista estabeleceu um conjunto de restrições especiais 262

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para a publicidade de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, defensivos agrícolas, medicamentos e terapias. Essas categorias de publicidade encontram-se sujeitas a um sistema de controle especial fundamentado na Lei no 9.294/96 (Lei Murad) em conjunto com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a legislação de telecomunicações e o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos. Não apenas a publicidade, mas também o uso de produtos fumígenos tais como cigarros, cigarrilhas, charutos, e cachimbos estão regulamentados de maneira específica na Lei no 9.294/96, que pode ser estudada em conjunto com o Anexo “J” (produtos de fumo) do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Da mesma forma, a publicidade de bebidas alcoólicas também sofre restrições especiais e está sujeita a uma conjunto de condições instituídas pela Lei no 9.294/96, além dos anexos “A” (bebidas alcoólicas), “P” (cervejas e vinhos), e “T” (Ices e bebidas assemelhadas) do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Em princípio, o controle da publicidade de defensivos agrícolas pode ser fundamentado nos princípios da prevenção e da precaução que constituem importantes pilares do Direito Ambiental. No entanto uma regulamentação específica em relação a essa categoria de publicidade também é instituída pela Lei no 9.294/96, e complementada pelo anexo “R” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Na mesma esteira, encontramos também na Lei no 9.294/96, juntamente com o anexo “I” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, um conjunto de restrições e condições impostas à publicidade de medicamentos e terapias, principalmente os produtos farmacêuticos isentos de prescrição, também chamados medicamentos populares ou OTC (over the conter). O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) juntamente com seus anexos diz respeito a uma normatização de natureza ética que foi instituída com a finalidade de autorregular a atividade publicitária, e ainda servir como diretriz e fonte subsidiária para a aplicação do conjunto de normas consumeristas 263

Proteção Constitucional do Consumidor no âmbito da Regulação Publicitária

relacionadas à publicidade, pelo Poder Judiciário ou por autoridade administrativa que atue na seara das relações de consumo. O principal órgão aplicador da normatização contida no referido Código e seus anexos é o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), que consiste em uma sociedade civil sem fins lucrativos que foi concebida coma finalidade de resguardar as prerrogativas constitucionais referentes à publicidade, defender a liberdade de expressão comercial e proteger os interesses das partes envolvidas na atividade publicitária, principalmente mediante a coibição da publicidade abusiva e enganosa. O CONAR é composto por uma Assembleia Geral, que consiste no seu órgão soberano de função deliberativa; um Conselho Superior, que atua na normatização e administração da sociedade; um Conselho de Ética, que diz respeito ao órgão soberano de fiscalização, julgamento e deliberação de assuntos referentes à obediência e cumprimento da normatização instituída pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos; e um Conselho Fiscal, que desempenha uma função eminentemente fiscalizadora; além de possuir um conjunto permanente de sócios honorários. A atuação do CONAR pode ser iniciada a partir de denúncias formuladas por quaisquer consumidores, autoridades, seus associados ou ainda pela sua própria diretoria. Após a concessão do direito à ampla defesa e contraditório ao denunciado, sendo comprovada a procedência da denúncia, o CONAR poderá advertir o anunciante-patrocinador e/ou a agência publicitária, recomendar a alteração ou correção do anúncio publicitário acoimado, recomendar a sustação da exibição da peça publicitária denunciada, ou ainda realizar a divulgação pública de sua posição em relação ao anunciante, agência publicitária ou veiculo de comunicação, em razão do não acatamento das medidas e providências preconizadas, sem, no entanto, em nenhuma hipótese, exercer uma censura prévia em relação aos os anúncios sobre os quais delibera. Em razão da atividade do CONAR ser desempenhada com fundamento em um conjunto de normas de natureza meramente 264

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ética, que não são dotadas de coercibilidade, como é o caso da normatização prevista no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos, o cumprimento de suas deliberações fica condicionado à vontade livre dos próprios atuantes da prática publicitária, ou à influência de uma determinada compulsão psíquica que assim os faça agir. Desta forma, a inefetividade da atuação do CONAR pode ser explicada primeiramente devido ao fato de que as sanções cominadas no artigo 15 do Estatuto Social do CONAR para os casos de infrações à disciplina social somente podem ser aplicadas aos seus associados, sendo absolutamente irrelevantes em relação aos demais praticantes da atividade publicitária que não façam parte do quadro de sócios do referido órgão. E mesmo as sanções previstas no artigo 50, caput do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que não se restringem aos associados do CONAR, e podem ser aplicadas contra todos os envolvidos na atividade publicitária (v.g., anunciantes, agências de publicidade, veículos de divulgação, etc.), em razão de qualquer infração das disposições contidas no referido Código e seus anexos, não são aptas a proporcionar a efetividade das deliberações provenientes do CONAR, uma vez que consubstanciam punições muito brandas e que nem mesmo tem o condão de demandar obediência obrigatória em relação a todos os praticantes da atividade publicitária. Assim sendo, da forma como estão configuradas, as sanções aplicadas pelo CONAR falham na satisfação do caráter preventivo geral, quando não conseguem prevenir a proliferação das práticas infrativas na sociedade em geral, assim como do caráter preventivo especial, quando não impedem à reincidência do próprio indivíduo infrator. Ainda, embora as normas do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária que instituem as referidas sanções sejam satisfatórias no que tange à representação descritiva dos fatos ou situações puníveis, deixam bastante a desejar no que diz respeito à cominação da consequência. E por ser justamente na seara concernente à sanção que reside o problema de eficácia de 265

Proteção Constitucional do Consumidor no âmbito da Regulação Publicitária

qualquer normatização jurídica, aqui também podemos encontrar o maior obstáculo para a efetividade do sistema de autorregulação da publicidade protagonizado pelo CONAR com fundamento no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos. Nesta obra, para o aumento da efetividade do referido sistema de autorregulação da publicidade, propusemos primeiramente a cominação de sanções mais severas pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária para os casos de descumprimento de suas normas bem como de seus anexos, visando aumentar a sua coercibilidade, e reprimir e prevenir com maior veemência, em âmbito coletivo (prevenção geral) e individual (prevenção especial), a concretização de condutas que contrariem a referida normatização. Segundamente, propusemos no presente estudo uma alteração da competência referente ao jus puniendi do CONAR, dotando-o de um poder punitivo mais amplo e consistente mediante a instituição da obrigatoriedade de cumprimento de suas medidas e providências para todos os que atuem no desenvolvimento da atividade publicitária, sejam anunciantes, veículos de divulgação, agências publicitárias ou quaisquer outros que atuem nesta seara, independentemente da sua condição de sócios do referido órgão.

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