PROTEGER A CULTURA EM TEMPOS DE GUERRA | Tradução do artigo Cultura sob mira

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PROTEGER A CULTURA EM TEMPOS DE GUERRA Rosário Correia Machado1

Acreditando que a cultura é a maior expressão de sobrevivência da humanidade, pelo significado que em si transporta, do que fomos e do que seremos. Estes tempos difíceis têmme trazido novas preocupações, preocupações difíceis de exprimir, pois quando a dignidade do ser humano na sua essência é posta em causa, fazer soar o grito de alerta para a preservação da cultura parece quase desapropriado... Sei que não o é, mas em plena viagem de trabalho, em nome da promoção do património cultural - do Românico - dou comigo a reler um artigo da Diretora Geral da UNESCO, Irina Bokova, e o meu grito ganha clareza. Quando em nome de uma crise económica financeira Portugal ainda não dá sinais de que é necessário fazer uma forte reflexão sobre a cultura, quando em nome de algo que acredito e que se constrói, tal como um monumento, em anos em décadas, resultado da arte de muitos técnicos, que como artistas trabalham para algo muito maior, e que sem a parte deles nada se ergueria … tal como um canteiro que talha a pedra que sustenta tudo … Ganha clareza porque os dias de hoje trazem me à memória que a “Cultura [está] sob Mira”, não sob a mira das bombas do DAESH que destruíram Palmira, na Síria ou, a triste história da destruição dos Budas de Bamiyan, no Afeganistão, mas a cultura é todos os dias mutilada e destruída pelos homens, que quem destrói a cultura é o poder. O poder cego dos que não conseguem ver a grandeza da humanidade, mesmo no mais pequeno e simples, os miseráveis.

Optei por apresentar uma tradução livre do artigo “Culture in the cross hairs”, de Irina Bokova, publicado no jornal International Herald Tribune, de 3 de dezembro de 2012, lido durante uma viagem a Trondheim, na Noruega, no âmbito de uma reunião do projeto e-CREATE – Rotas Culturais, Empreendedorismo e Promoção das Tecnologias, do qual a Rota do Românico é parceira.

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Rosário Correia Machado | Doutoranda em Estudos Culturais | Diretora da Rota do Românico

CULTURA SOB MIRA (tradução) A 7 de julho, na esteira da destruição dos santuários sagrados de Timbuktu - Património Mundial da Humanidade da Unesco -, o porta-voz do Ansar Dine, um dos grupos islamitas que controlam o norte do Mali, declarou à imprensa que “não existe património mundial. Isso não existe. Os infiéis não se devem meter nos nossos assuntos”. Esta afirmação capta o desafio que temos pela frente. Para o porta-voz do Ansar Dine, a cultura está rigorosamente definida. Ela é exclusiva e estática. A UNESCO tem uma visão diferente. A cultura tem um significado universal. Quando o património cultural é atacado em qualquer parte do mundo, como a Mesquita dos Omíadas de Aleppo e locais classificados como Património Mundial destruídos por bombardeamentos na Síria, cada um de nós fica chocado; esta é uma perda para toda a humanidade. Alguns sítios culturais possuem um marcante valor universal - pertencem a todos e devem ser protegidos por todos. Sejamos claros. Não estamos somente a falar de pedras e edifícios. Estamos a falar de valores, identidades e pertença. Destruir a cultura fere as sociedades a longo prazo. Priva-as do acervo da memória coletiva, bem como de preciosos bens sociais e económicos. Os senhores da guerra sabem disso. Fazem da cultura um alvo porque sabem que fere o coração e porque tem um poderoso valor de comunicação num mundo cada vez mais conectado. Vimos isso na guerra da antiga Jugoslávia, onde as bibliotecas foram as primeiras a serem queimadas. Em Timbuktu, extremistas atacam os símbolos de um Islão tolerante e erudito para impor a sua própria narrativa, a visão fraudulenta. Destruir a cultura não é um dano colateral. A cultura está na linha da frente dos conflitos, é um alvo deliberado para alimentar o ódio e impedir a reconciliação. É por isso que devemos começar a olhar para o património cultural como um problema de segurança internacional. A questão é como é que vamos lutar por isso. Para a UNESCO, é necessário agir em três níveis. Primeiro, depois de anos de esforços a construir fortes instrumentos legais, temos de fazer mais para serem verdadeiramente implementados e reforçar as competências dos Estados para o fazerem. Existe hoje um conjunto de tratados internacionais juridicamente vinculativos para proteger a cultura - a Convenção de 1954 para proteger os bens culturais em caso de conflitos armados, a Convenção da UNESCO de 1970 contra o tráfico ilegal de bens culturais e a Convenção para a Proteção do Património Mundial do 1972, cujo 40.º aniversário celebramos este ano [2012]. Cada uma delas transmite as seguintes mensagens:

Os Estados têm a obrigação de proteger o seu património e nem tudo é permitido na guerra. Isso já é uma conquista, mas num mundo em constante mudança, as leis nunca serão tão rápidas como os rockets. Precisamos de uma liderança renovada para reforçar as capacidades nacionais e de consciencialização. Isso significa melhorar o nosso trabalho com os museus, as autoridades aduaneiras, a polícia e os negociantes de arte. A UNESCO está a ajudar o Mali na avaliação dos danos e na sua reconstrução, e a garantir a segurança das coleções dos seus museus. Isso significa transmitir as coordenadas geográficas dos locais protegidos às forças militares e relembrar a sua obrigação em manter esta herança em “lugar seguro”. A maioria dos soldados nunca ouviu falar das convenções culturais precisam de formação; precisam de informação simples e assertiva. Tudo isto exige mais recursos e especialistas no terreno. Legislar significa também trazer à justiça crimes de guerra contra o património. Já em 2001, o Tribunal Penal Internacional para a antiga Jugoslávia incluiu a destruição do património cultural no processo, nomeadamente o ataque de 1991 contra o porto croata de Dubrovnik. Atualmente, a destruição do património cultural faz parte dos debates do Conselho de Segurança da ONU sobre a situação na Síria. A procuradora do Tribunal Penal Internacional, Fatou Bensouda, declarou que a destruição dos santuários de Timbuktu era sem dúvida “um crime de guerra”. O mundo deve agora agir em conformidade. Em segundo lugar, temos de construir “coligações para a cultura” mais fortes através de uma coordenação mais estreita com todos os parceiros envolvidos, incluindo as forças armadas, a Interpol, a Organização Mundial das Alfândegas e de outros atores, tais como leiloeiras internacionais. Este é um trabalho delicado. Atrair demasiada atenção para a cultura pode expô-la a novos riscos. Mas os significativos resultados obtidos depois de o museu de Bagdade ter sido saqueado em 2003 mostrou como a cooperação alargada pode resultar. Nenhuma agência pode ter sucesso sozinha. É por isso que entrei em contacto com a aliança de Estados para forçar e sensibilizar todas as partes para a proteção do património cultural da Líbia durante a intervenção militar do ano passado [2011]. Atualmente, em parceria com a Noruega tentamos salvaguardar os manuscritos guardados no museu de Bamako. Por fim, a melhor forma de proteger a cultura dos conflitos é fazer o máximo para evitá-los e torná-la um dos pilares da construção da paz. A UNESCO trabalha em todo o mundo para aproveitar o poder da cultura na aproximação das pessoas e na promoção da reconciliação. Vi isso pessoalmente quando a UNESCO ajudou a reconstruir a Ponte Velha de Mostar, na BósniaHerzegovina, destruída durante a guerra dos anos 90. Vimos o mesmo poder durante a reabilitação do Complexo de Túmulos Koguryo na Coreia do Norte, realizado com o apoio financeiro da Coreia do Sul. Isto pode parecer demasiado erudito perante as terríveis notícias que todos os dias ouvimos das zonas de conflito. E é verdade que a cultura sozinha não é suficiente para construir a paz. Mas sem cultura, a paz não pode ser duradoura. O mundo pensou mais além em 1972 quando a Convenção foi adotada. Precisamos, uma vez mais, de pensar mais além para proteger a cultura em risco. Muitas vezes ouvimos que proteger a cultura é um luxo, que é melhor deixar

para outro dia, que as pessoas devem vir em primeiro lugar. O facto é que proteger a cultura é proteger as pessoas - trata-se de proteger o seu modo de vida e de lhes proporcionar os recursos necessários para o reconstruir quando a guerra terminar. É por isso que para a cultura também há a responsabilidade de proteger. Irina Bokova, Diretora Geral da Unesco, discursou sobre “Proteger a Cultura em Tempos de Guerra” no Fórum para a Nova Diplomacia, organizado em Paris pelo jornal International Herald Tribune e pela Academia Diplomática Internacional, no dia 3 de dezembro de 2012.

Bibliografia BOKOVA, Irina - Culture in the cross hairs [Em linha]. International Herald Tribune. New York, 02-12-2012. [Consul. 10-01-2013]. Disponível em . WORLD HERITAGE CENTRE - Timbuktu [Em linha]. Unesco, 2012. [Consul. 10-01-2013]. Disponível em .

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