Protocolo De Quioto: Oportunidades Para a Gestão Sustentável De Recursos Hídricos No Centro-Oeste

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PROTOCOLO DE QUIOTO: OPORTUNIDADES PARA A GESTÃO SUSTENTÁVEL DE RECURSOS HÍDRICOS NO CENTRO-OESTE

Antônio Augusto Rossotto Ioris1

Resumo - A conservação dos recursos naturais no Centro-Oeste é assunto prioritário e inadiável. Porém, há tradicionalmente uma insuficiência de meios financeiros e institucionais para que sua execução seja estendida e ampliada a todas as bacias hidrográficas da região. Após a Convenção de Quioto, em 1997, o instrumento de gestão ambiental denominado “Mecanismo de Desenvolvimento Limpo” (CDM) tornou disponíveis alternativas inovadoras de apoio a ações conservacionistas, com a vantagem de envolver expressivas somas monetárias sem incorrer em endividamento para seus executores. Algumas dessas oportunidades são analisadas e discutidas no texto, bem como experiências pioneiras em andamento na América Latina. As melhores áreas de atração de investimento em CDM no Centro-Oeste parecem ser geração hidroelétrica, reflorestamento, manejo florestal e melhores práticas agrícolas. Também são apresentadas recomendações políticoinstitucionais para que Estados e bacias hidrográficas participem ativamente nesse processo. Em termos teóricos, o preciso entendimento das relações entre riscos climáticos globais e efetivas respostas locais demonstra ser fundamental para que se produzam resultados ambientais satisfatórios e se evolua na direção da sustentabilidade.

Abstract - The conservation of natural resources in the Center-West region of Brazil is matter of priority and urgent measures. However, there is routinely a lack of financial and institutional means to cope with such demands in all regional river basins. After the Kyoto Convention, in 1997, the management tool denominated “Clean Development Mechanism” (CDM) made available innovative incentives to environmental conservation, with the meaningful advantage of providing substantial financial support without creating debts to the entrepreneurs. Few of those opportunities are analyzed and discussed throughout the text, as well as pioneer ongoing experiences in Latin America. The most favourable areas to attract CDM investments in the region seems to be hydroelectric generation, reforestation, forest management, and improvements in agriculture technology. It is also mentioned policy and institutional recommendations to strength the

2 participation of regional governments and river basin committees. Taking into account the theory behind that, the clear understanding of perceived connections between global climatic risks and local practical answers proves to be essential to the achievement of successful environmental results and sustainability gains.

Palavras-Chave - CDM, gestão ambiental, seqüestro de carbono

INTRODUÇÃO

A conservação dos recursos naturais de toda a humanidade (“commons”) faz parte de embates políticos complexos em torno de princípios básicos de equidade entre países ricos e pobres, mas, também, equidade entre diferentes gerações humanas, incluindo-se aqui as que ainda não nasceram. O grande desafio tem sido a busca de ferramentas políticas que sejam ecologicamente aceitáveis e socialmente justas para que o paradigma da sustentabilidade deixe de ser uma preocupação idílica e passe a resultar em benefícios econômicos palpáveis. Não há como dissociar a sustentabilidade dos recursos hídricos da profunda dependência humana quanto ao ciclo hidrológico e da necessidade de práticas integradas de gestão (Ioris, submetido à publicação). Não foi por acaso que a Convenção de Mudanças Climáticas se realizou no mesmo ano da Convenção de Dublin sobre Recursos Hídricos: ambas em 1992 e que, dentro de um mesmo processo histórico, sinalizaram questões relevantes para seus propósitos específicos. Já a assinatura do Protocolo de Quioto, em 1997, fez disponibilizar alguns dos mais inovadores instrumentos econômicos de gestão ambiental da atualidade. Um destes instrumentos é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM), que inclui medidas para se diminuir a emissão de gases supostamente responsáveis por mudanças climáticas, e outras que promovam a retirada desses gases da atmosfera. Nesse contexto, revelam-se alguns aspectos fundamentais e comuns entre os esforços técnicos, políticos e econômicos para se evitar alterações nos padrões climáticos do planeta e correspondentes estratégias locais de conservação dos recursos naturais, particularmente água e solo. Assim, são estabelecidas ligações nítidas entre a questão ambiental internacional e ações responsivas locais. Os dois níveis de intervenção envolvem premissas éticas equivalentes, 1

Divisão de Meio Ambiente e Assentamentos Humanos, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL, Nações Unidas), Casilla 179-D, Santiago, Chile. Telefone: 0056 2 210 2385; Fax (em Goiânia): 062 204 2587; [email protected]

3 especialmente quando se leva em conta que o desenvolvimento sustentável somente se realiza num contexto macro, desde que é inviável a condução de todas as atividades humanas em igual nível de sustentabilidade.

A ATUALIDADE DOS RECURSOS HÍDRICOS E SUAS IMPLICAÇÕES POLÍTICAS

Complexidade e incerteza são palavras repetidamente empregadas em tantas discussões acadêmicas deste início de século. Se reconhece agora, com maior profundidade, limites e fragilidades nas “verdades científicas”, antes tomadas como absolutas. Viola e Olivieri (1997) definem as relações da sociedade atual como um processo de interdependência complexa assimétrica, o que faz caracterizar a globalização pela sua complexidade, paradoxalidade e contraditoriedade. Conseqüentemente, tais observações gerais são úteis e necessárias, tanto para se entender a problemática do clima mundial, quanto para se tentar mediar as disputas em torno da oferta de água. Os crescentes riscos de escassez e deterioração dos recursos hídricos vêm ocupando um espaço privilegiado nas agendas nacional e internacional, ainda que não estejam sendo suficientemente convertidos em políticas públicas efetivas e melhorias sociais diretas. À semelhança da redução na tendência de consumo de petróleo depois das crises da década de 1970, o consumo de água vem atualmente apresentando taxas de incremento menores, ou mesmo negativas, em razão de maiores critérios técnicos e ambientais, em paralelo com elevados e crescentes custos de fornecimento. O saldo desse amadurecimento político tem sido positivo, dando vazão a oportunidades para uma gestão eficiente e sustentável, o que se pode denominar de “mudança do paradigma hídrico” (Gleick, 2000). Nos últimos anos, em decorrência de um longo processo social e legislativo, o país passou a contar com uma legislação avançada no campo dos recursos hídricos, especialmente depois da promulgação da Lei da Política Nacional dos Recursos Hídricos (Lei Federal 9.433 de 1997). Além de estarem ali definidos os instrumentos da gestão moderna e os princípios norteadores dos usos múltiplos, a administração foi decentralizada para entidades representativas e que atuam no contexto da bacia hidrográfica. Tal delegação de funções significa, indubitavelmente, avanços para um melhor equacionamento ambiental e institucional, ainda que a implementação dessa lei não tenha trilhado um caminho fácil, com fortes reações contrárias à transferência de poderes e atribuições, historicamente centralizados. Outras questões, como a outorga de uso da água ou distorções entre custos privados e custos sociais (externalidades) persistem sem solução definitiva.

4 A discussão sobre os desafios relacionados aos recursos hídricos se vale, muitas vezes, de exemplos distantes, trazidos de países ou regiões longínquas. Contudo, não é difícil se perceber que o próprio Centro-Oeste brasileiro tem se defrontado com problemas relativos à oferta confiável de água de boa qualidade e à degradação ambiental de suas bacias hidrográficas. A ameaça aos mananciais hídricos, na maioria dos casos, está relacionada a práticas agrícolas não adaptadas ao ambiente tropical-continental da região. A tecnologia que hoje domina maior parte da produção agrícola comercial (também denominada “agricultura convencional”) foi objeto de forte estímulo durante as últimas décadas de expansão da fronteira agrícola no cerrado brasileiro. Essa agricultura sempre se caracterizou por ser exportadora de grãos e importadora de insumos, combustíveis e tecnologias, mas dedicou insuficiente atenção aos seus impactos ambientais diretos e indiretos. A problemática ambiental que desafia agora o Centro-Oeste não pode ser dissociada do contexto político e econômico nacional. Por outro lado, não há como ignorar os condicionantes internacionais que afetam direta e indiretamente as atividades produtivas locais. A gestão de recursos hídricos e os esforços de prevenção e mitigação das mudanças climáticas se apresentam logicamente pertencentes a um mesmo processo: a tomada de consciência de que a gestão sustentável dos recursos naturais é condição inadiável para o aumento de bem estar social. A esse respeito, Duda (1999) menciona a estreita relação entre mudanças climáticas, degradação do solo e desmatamento de bacias hidrográficas no Brasil, salientando que seu controle é parte essencial da gestão de recursos hídricos e da busca do desenvolvimento sustentável.

O VALOR ESTRATÉGICO DO MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (CDM)

Com o avanço do conhecimento científico sobre os fenômenos atmosféricos, o “capitalismo industrial” vem sendo responsabilizado pela criação de externalidades mundiais que passam a afetar indistintamente todo o planeta. Faz parte deste grupo de impactos ambientais o chamado “efeito estufa” ou “aquecimento global” (global warming). A ameaça de se ter os padrões climáticos alterados é uma das fundamentais contradições do sistema econômico dominante. O incremento da temperatura média da atmosfera vem se confirmado como uma evidência aceita por praticamente toda a comunidade científica. Suas causas, porém, são objeto de intenso debate. É bom lembrar que oscilações na temperatura da Terra são um fenômeno natural e cíclico, apresentando fases de aquecimento alternadas com períodos de glaciações. A controvérsia reside em demonstrar em quanto esse vetor de aquecimento está sendo acelerado por atividades humanas, tais como industrialização e utilização de combustíveis fósseis, bem como alteração no uso do solo.

5 A maioria dos modelos de computador projetam um aumento da temperatura média planetária entre 1,5 e 4,5oC até o final do Século 21. Há uma grande complexidade envolvida nas demonstrações da hipótese de que uma alteração nos gases atmosféricos venha a resultar em perturbações na dinâmica da energia terrestre. Para um grupo importante de cientistas, a força motriz desse processo é o aumento da concentração de gás carbônico (CO2) e o metano (CH4), entre outros, os quais são denominados “gases de efeito estufa” (GHG). Também se especula se a intensificação de inundações, furacões, secas, degelo das calotas polares e alterações em populações vegetais e animais silvestres não seriam uma evidência preliminar do que poderá vir a ser um clima alterado pela influência humana. Os impactos do aquecimento global sobre os recursos hídricos, de acordo com Frederick e Gleick (1999), levarão a alterações nos padrões de precipitação, evapotranspiração e vazão hidrológica, afetando magnitude, freqüência e custo de eventos climáticos extremos (secas e enchentes), bem como a disponibilidade de água para se enfrentar uma demanda crescente. Não é possível, para os modestos propósitos deste trabalho, tentar reproduzir o “acalorado” debate científico e as intrincadas negociações internacionais em torno da redução de emissão desses gases. Cabe somente relatar que justamente no Brasil foi assinada a Convenção-Quadro de Mudanças Climáticas (FCCC) pelos países reunidos na histórica RIO-92. Posteriormente, em sucessivas reuniões anuais, vem sendo negociada a implementação de ações que reduzam os riscos de alterações climáticas, atendendo ao princípio básico de responsabilidades diferenciadas entre países industrializados e não industrializados. Em 1997, em meio a esse embate diplomático, em Quioto, no Japão, os países signatários da convenção aceitaram uma proposição da delegação brasileira para se permitir uma participação “flexível” dos países em desenvolvimento no processo de redução de emissões de “gases de efeito estufa” (GHG), a ser implementado, como obrigação acordada, pelos países desenvolvidos. Tal proposta foi o embrião do “mecanismo de desenvolvimento limpo” (CDM)2, formalizado como Artigo 12 do denominado Protocolo de Quioto. O CDM tem dois objetivos principais: 1) permitir que os países industrializados (de maior responsabilidade pelas mudanças climáticas em curso) reduzam suas emissões de GHG através da cooperação dos países em vias de industrialização (de menor responsabilidade pelas mudanças climáticas, mas que sofrerão igualmente as suas conseqüências e, se nada for feito, continuarão adotando o mesmo modelo desenvolvimentista poluidor); e 2) fazer com que essa “ação cooperativa Norte-Sul” seja implementada atendendo aos preceitos do desenvolvimento sustentável. Através do

6 CDM, países desenvolvidos poderão vir a apoiar projetos e programas nos países em desenvolvimento que venham a contribuir para reduzir a emissão de GHG ou que retirem da atmosfera GHG já emitido, contando, desta forma, como parte de suas obrigações fixadas em Quioto. Em princípio, esse procedimento será iniciado no ano 2000, desde que o Protocolo seja ratificado por, no mínimo, países industrializados responsáveis por 55% das emissões de GHG. Como pode ser diretamente deduzido, além de toda a complexidade científica para se determinar o grau de influência humana sobre as mudanças do clima mundial, o Protocolo de Quioto, ao instituir o CDM, estabelece sensíveis pontos de contato com diversas áreas da problemática ambiental, tais como responsabilidades diferenciadas entre diferentes poluidores, o princípio do “poluidor-pagador”, igualdade no direito de usar a atmosfera planetária, igualdade entre gerações (ou sustentabilidade), formas de implementação de um desenvolvimento sustentável, formas de se medir sustentabilidade, etc. Independentemente dessas questões fundamentais, muitas ainda sem resposta para os negociadores da FCCC, a fórmula do CDM vem a ser um instrumento econômico de gestão ambiental que, ao ser implementado, encerra em si o valor de contribuir para o desenvolvimento sustentável. Em termos práticos, as reduções na emissão de GHG deverão ser comprovadas por um órgão independente e reconhecido de certificação, e tais reduções (que serão produto da adoção do CDM) serão contabilizadas como parte das metas que os países industrializados estão obrigados a atingir. Um dos problemas centrais da implementação do CDM se revela em como essas medições na redução de GHG serão feitas, haja vista que será necessário estabelecer um comparativo entre a tendência projetada para um futuro sem o CDM (chamada de “linha base” ou “baseline”) e a redução de emissões resultante da implementação do CDM (de acordo com o “princípio da adicionalidade”). Por exemplo, para uma hipótese de CDM direcionado ao uso agrícola dos solos no Centro-Oeste, deverá ser demonstrada qual a tendência de desmatamento e liberação de carbono para a atmosfera sem que nenhuma medida seja tomada (cenário-“business as usual”) em comparação com medidas de conservação do solo e manutenção de cobertura vegetal adotadas pelo incentivo do CDM (cenário-projetos de CDM). Nesse exemplo, os custos de se conservar o solo ou de se restabelecer a vegetação perdida poderiam ser transformados em unidades de carbono seqüestradas da atmosfera (ou seja, o diferencial entre os dois cenários), as quais seriam financiadas através de investimentos em CDM. Desde que aprovadas por uma certificação idônea, tais providências conservacionistas poderiam ser ainda transformadas em bônus e vendidas num mercado mundial de títulos de carbono. Portanto, a revitalização de bacias e microbacias 2

Para uma introdução ao assunto, recomendam-se as publicações de Goldemberg (1998) e Ioris (no prelo), e a página internet do Ministério da Ciência e Tecnologia (www.mct.gov.br/clima/Default.htm) e da Framework Convention on

7 hidrográficas no Centro-Oeste poderia, assim, ser financiada por países industrializados que necessitem reduzir suas emissões de GHG, sem custo adicional para os governos e comunidades locais.

OPORTUNIDADES DE INVESTIMENTOS EM CDM NO CENTRO-OESTE

Foi estabelecida acima uma correspondência entre as responsabilidades que, principalmente, os países industrializados têm quanto às externalidades climáticas globais (fruto do acúmulo de GHG na atmosfera) e a degradação ambiental local decorrente da expansão de atividades capitalistas impactantes do meio ambiente. As responsabilidades diferenciadas, porém comuns, entre países desenvolvidos e em desenvolvimento levam à conclusão de que, tanto a conservação dos recursos naturais, quanto a redução dos riscos climáticos globais, estão primariamente associadas e devem ser entendidas por uma perspectiva convergente e sinérgica. Para Curtis e Aslam (1998), o CDM encerra oportunidades para países e regiões em desenvolvimento, como é o caso do Centro-Oeste, porque: 1) oferece uma ligação entre desenvolvimento local e questões ambientais globais, portanto proporcionando meios para se atingir a sustentabilidade; 2) permite investimentos em áreas prioritárias sem implicar em maior endividamento; 3) abre possibilidades para capitalização num contexto de competição financeira acirrada, propiciando significativas vantagens de mercado para regiões em desenvolvimento; e 4) oferece oportunidades para substituição de combustíveis, criação de empregos e investimentos estrangeiros diretos. Para que tais recursos sejam atraídos para o Centro-Oeste, os preços da tonelada de carbono (ou carbono-equivalente para os outros GHG) deverão ser competitivos em comparação com reduções domésticas nos próprios países industrializados. Baron (1999) lista os resultados de uma série de modelos que simulam custos de redução. Em média, a redução de emissões de carbono (em valores de 1995) chegaria a US$ 164 por tonelada nos EUA, $260 na Europa e $277 no Japão. Por outro lado, considerando-se a média de todos os países industrializados, o custo seria rebaixado a $ 82, desde que haja transações entre esses países (“emissions trading”). Porém, em se incluindo os países em desenvolvimento nesse exercício de projeção, a média de custos diminuiria para $ 28 por tonelada. Essa economia no custo de redução de carbono é o atrativo fundamental para a adoção de projetos de CDM nas regiões em desenvolvimento. Há, na literatura especializada, diversas estimativas para o volume de recursos a ser mobilizado pelo CDM, baseando-se, cada uma, em diferentes projeções. De acordo com Zhang Climate Change (www.unfccc.org).

8 (1999), o mercado mundial de CDM poderá oscilar entre US$ 456,9 e 4.512,8 milhões em 2010. Outros estudos consideram que, se metade das reduções mundiais de GHG forem viabilizadas por projetos de CDM, as transações envolveriam cerca de US$ 90 bilhões no período 2008-2012. A América Latina teria uma provável participação de 20% deste total, ainda que recentes esforços (alguns descritos abaixo) demonstrem um despertar dos respectivos governos latino-americanos para o potencial que o CDM pode significar para o sub-continente e, mais ainda, da ameaça de forte competição entre os próprios países em desenvolvimento (principalmente com China e Índia). Há ainda a possibilidade de que dívidas externas possam ser transformadas em obrigações de proteção ambiental, como vem acontecendo em alguns casos isolados (e.g. Bolívia, Brasil e Equador), sendo uma legítima opção beneficiosa para ambas as partes (“win-win option”). Sem discutir aqui as intrincadas e complexas controvérsias que o Protocolo de Quioto vem suscitando, os valores acima devem ser tomados como um indicativo do potencial que os investimentos em CDM podem trazer para a América Latina, em geral, e para o Centro-Oeste, em particular. Pelas suas características naturais de geomorfologia, biodiversidade e clima, o CentroOeste tem qualidades preponderantes para atrair investimentos em CDM através da recuperação da cobertura vegetal, do controle da emissão de carbono para a atmosfera e do incremento de fontes de energia renovável, entre outras opções possíveis. A seguir, serão descritas algumas práticas de redução de emissões ou de seqüestro de carbono que se apresentam oportunas para apoiar a conservação da água e do solo no Centro-Oeste: Seqüestro de Carbono através de Projetos Florestais3

Considerando-se o papel essencial das florestas e da vegetação em geral para a regulação e a conservação dos recursos hídricos, somadas à manutenção da biodiversidade e ao controle da degradação do solo, pode-se afirmar que projetos de CDM que estimulassem a cobertura vegetal teriam uma função vital na revitalização de bacias hidrográficas. Em termos mundiais, a América Latina tem especial vocação para atrair essa modalidade de investimento em CDM. O cerrado brasileiro, por seu lado, tem um papel de destaque na manutenção da biodiversidade, sendo considerado um dos importantes “hotspots” do mundo. Dados do IPCC (1995) sugerem que de 15 a 30% das emissões globais de GHG relacionadas com a geração de energia podem ser compensadas com o seqüestro de carbono em florestas. Ao redor das zonas de implementação, as florestas também contribuem para a melhoria das condições 3

A inclusão do seqüestro de carbono entre as possíveis alternativas de projetos de CDM é ainda controvertida e polêmica, não tendo sido totalmente resolvida pelas rodadas de negociação pós-Quioto.

9 ambientais e humanas, requisitos do desenvolvimento sustentável. Existem duas possibilidades fundamentais para investimentos florestais em CDM que tenham como objetivo a retirada (“seqüestro”) de carbono da atmosfera: o reflorestamento e a introdução de novas florestas. Independentemente de outras questões éticas relacionadas com a utilização da natureza para a geração de divisas ou de disputas ligadas à ingerência internacional sobre matas brasileiras, Salati et al. (1999) relacionam algumas oportunidades para investimento florestal em CDM no Brasil:

a) Florestas artificiais para seqüestro de carbono (árvores de crescimento rápido, com potencial de seqüestro de 10-14 toneladas de carbono/ha/ano, com custo de seqüestro de US$ 2-5 por tonelada, não considerando o preço da terra) b) Projetos agroflorestais (os custos variam de acordo com o projeto) c) Projeto Floram (proposta ambiciosa do início dos anos 1990, que pretendia seqüestrar 154 milhões de toneladas de carbono por ano durante um período de 20 anos e em uma área de 20 milhões de hectares, equivalente a 2,3% do Brasil; as estimativas iniciais indicavam um potencial médio de seqüestro de 7,7 toneladas de carbono/ha/ano, com custos de US$ 4,5/tonelada para “plantations” e US$ 8,0/tonelada para recuperação de florestas) d) Projetos de mata de galeria ao longo dos rios (com potencial de seqüestro de carbono de 12 toneladas de carbono/ha/ano) e) Zonas “tampão” (40 milhões de hectares de áreas degradadas na Amazônia, com uma taxa de seqüestro de 5 toneladas de carbono/ha/ano) f) Projetos de seqüestro de carbono em manejo florestal sustentado (o que proporciona reduzidas taxas de emissão de carbono em comparação com a exploração florestal convencional, discutidos no próximo item).

Seqüestro ou Redução de Emissões de Carbono através de Manejo Florestal

À semelhança do seqüestro de carbono pelo estabelecimento de florestas, investimentos em CDM voltados para o manejo florestal estão distantes de receber aprovação consensual entre as partes negociadoras da FCCC. O desafio é ainda maior ao se tentar converter serviços ambientais em receita para as pessoas que têm suas vidas ligadas à existência das florestas (serviços como conservação de mananciais hídricos e manutenção da qualidade da água). Diversos estudos científicos demonstram que um “manejo florestal racional” pode representar um importante papel na redução de emissões de carbono para a atmosfera. Tais práticas incluem medidas que diminuem o impacto sobre a cobertura vegetal ou que restabelecem a vegetação

10 perdida. Por exemplo, algumas medidas que serviriam como objeto de investimentos em CDM são (Richards, 1999): florestamento de terras atualmente usadas para agricultura; evitar a conversão de terras de mata em terras agrícolas; reflorestamento de matas “colhidas” ou queimadas; modificação de práticas de manejo florestal para proporcionar estoque de carbono; adoção de métodos de colheita vegetal que sejam de menor impacto e que diminuam a liberação de carbono para a atmosfera; alargamento de ciclos de rotação de florestas; adoção de práticas agroflorestais; estabelecimento de “plantations” de rotação rápida para produção de biomassa de uso energético a partir de madeira; e práticas de reflorestamento urbano Investimentos em CDM poderiam ser ainda destinados para a proteção e melhoria de parques nacionais brasileiros (i.e. com a melhor conservação dos parques, menos carbono seria liberado para a atmosfera, além de outros ganhos indiretos, como a preservação da biodiversidade). Uma experiência vizinha e pioneira favoreceu a conservação do Parque Nacional Noel Kempff, na Bolívia, que recebeu, em 1997, aporte de US$ 11 milhões para um projeto de seqüestro de carbono em atividades de expansão do parque e retirada de concessões de exploração de madeira em áreas vizinhas.

Estímulo à Geração de Energia Hidroelétrica

A energia hidroelétrica é uma fonte de energia renovável por excelência e, portanto, não envolve emissões de GHG. A simples substituição de geradores movidos a óleo diesel ou gás natural para estações que utilizem a energia hidrostática e cinética da água significa redução nas emissões totais de GHG e, por esta razão, pode ser apoiada por investimentos em CDM. Especialmente em cidades e regiões do Centro-Oeste onde se faz uso de termoelétricas a diesel em função de grandes distâncias até a rede de distribuição, recursos de CDM poderiam tornar viável a construção de pequenas centrais hidroelétricas (PCHs), ou poderiam apoiar a interligação com hidroelétricas já existentes. Para os próximos anos, é provável que a demanda e o consumo de energia elétrica continuem crescendo de forma significativa no Brasil (e.g. com uma elasticidade “energia comercial-PIB” maior que a unidade). Desta forma, projetos de CDM poderiam servir como importante contribuição para a expansão do setor de energia elétrica, como por exemplo (Lazarus et al. 1999): 1) construção de novas centrais de geração; 2) melhoria da eficiência em instalações já existentes; 3) suprimento de energia para locais distantes da rede existente ou mesmo inacessíveis; 4) redução de perdas nas linhas de transmissão e distribuição; 5) economia no uso de energia.

11 Melhoria e Adequação das Práticas Agrícolas Empregadas no Cerrado Brasileiro

A remoção da cobertura vegetal com o objetivo de “abrir” novas áreas para agricultura representa uma das atividades mais emissoras de carbono no mundo (de acordo com o IPCC, 22% do total de emissões mundiais é proveniente da agricultura e do desmatamento, sendo que até 1970 mais carbono era emitido por essas atividades do que pela própria geração de energia). Nas práticas tradicionais de expansão da fronteira agrícola, a maioria do carbono é liberado no primeiro ano, exatamente quando é queimada a cobertura vegetal. Seguindo uma função de decaimento exponencial, 10 anos após a “limpeza inicial” da área, quase toda a biomassa da superfície e do subsolo foram consumidas. Sem a proteção da cobertura permanente, a agricultura provoca severa erosão do solo, o que vem a resultar em sérios impactos negativos sobre os recursos hídricos (Costa e Matos, 1997): 1) aumento da turbidez; 2) assoreamento de várzeas, vales, calhas de rios e represas; 3) perda de fertilizantes, corretivos e defensivos aplicados ao solo. Para se evoluir da agricultura comercial hoje praticada para um patamar de sustentabilidade, se requer uma nova perspectiva paradigmática para a agricultura tropical, buscando restaurar parte do equilíbrio ecológico original e mitigar os impactos da ação humana depredadora. Nos trópicos, a degradação dos solos é o maior problema da agricultura convencional, já que, com condições químicas, físicas e biológicas reduzidas, a produção passa a diminuir de acordo com a “lei dos rendimentos decrescentes”. Para ser sustentável, a agricultura tropical deve conservar a matéria orgânica do solo (fundamental para a CTC de solos quimicamente pobres), bem como manter a estrutura pedológica e a umidade disponível para as plantas. Um procedimento integrado e por bacias (e microbacias) hidrográficas, juntamente com práticas de revitalização de áreas degradadas, oferece oportunidades de seqüestro e redução de emissões de carbono, habilitando-se assim, em princípio, a receber investimentos em CDM. Essa transição tecnológica se relaciona transversalmente com a revisão de consagradas práticas agrícolas e com a superação do modelo de produção dominante. É necessário, portanto, um entendimento mais amplo da correspondência entre questões de proteção do meio ambiente tropical do cerrado e questões ambientais globais. Para ilustrar a última afirmação, vê-se que a agricultura convencional hoje praticada no Centro-Oeste requer intensiva mecanização e fertilizantes químicos, o que somente é possível com preços de petróleo internacionalmente deprimidos. Assim, um mesmo esforço de conservação de ecossistemas ameaçados (como o cerrado) tem relação visceral com a redução mundial no uso de hidrocarbonetos fósseis, já que os benefícios dessa redução resultariam não só em ganho ambiental local, mas também em menores riscos climáticos globais.

12 Derpsch (1997) ressalta que, para condições de cerrado, existe uma relação estreita entre preparo do solo e liberação de carbono. O Cultivo Convencional, que inclui um preparo de solo através de sucessivas arações e gradagens, libera CO2 tanto pela mineralização de matéria orgânica, como pelo próprio uso de combustíveis fósseis. No sentido inverso, para compensar tais emissões, Wojick (1999) argumenta que o acúmulo de carbono em solos agrícolas é uma legítima prática “não-contestável” (tradução livre de “no-regrets”) quanto à sua justificativa técnica e econômica para evitar o aquecimento do planeta. O autor pondera que 75-80% do total de carbono que foi liberado pela agricultura ao longo da história (ao redor de 100 bilhões de toneladas) poderia ser retornado aos solos agrícolas (Figura 1).

Fonte: Wojick (1999)

Figura 1 – Potencial de Estoque de Carbono na Agricultura (nos EUA)

De acordo com CTIC (1996), o cultivo conservacionista poderia compensar até 16% das emissões globais de CO2 oriundas de combustíveis fósseis. Sidiras e Pavan (1986), por exemplo, avaliam que o “Plantio Direto” acumula o dobro de matéria orgânica ao longo do perfil do solo em comparação com o Cultivo Convencional. Lal (2000) ressalta que segurança alimentar tem estreita relação com a manutenção da qualidade do solo, especialmente tomando-se em conta o

13 armazenamento de carbono e sua dinâmica. Segundo esse autor, o potencial de seqüestro de carbono nos solos agrícolas do mundo representa de 900 a 1.900 milhões de toneladas para ações de controle de desertificação e 3.000 para recuperação de solos degradados. O potencial global para seqüestro de carbono através de práticas agrícolas significaria, assim, entre 21 e 42 bilhões de toneladas durante um período de 50 anos. Lal (2000) conclui que "seqüestro de carbono no solo é uma prática vitoriosa para todos, porque melhora a produtividade agrícola, melhora qualidade da água e do ar e reduz a taxa de acumulação de CO2 na atmosfera”. Para se promover o seqüestro de carbono através da agricultura, é necessário, fundamentalmente alcançar bons níveis de produtividade, reduzindo ou revertendo a degradação dos solos, e estabilizando ou incrementando a matéria orgânica acumulada. Portanto, projetos de CDM poderiam claramente vir a contribuir para o processo de redução de carbono atmosférico ao incentivar práticas agrícolas conservacionistas, particularmente em se considerando que maiores níveis de acúmulo de carbono são possíveis nos “piores” solos ou em solos mais degradados. Estratégias básicas para facilitar o acúmulo de carbono no Centro-Oeste incluem, entre outras: • conservação do solo e da água nas áreas agrícolas • plantio direto (e também o cultivo reduzido) • uso de leguminosas em rotação ou consorciação com outras espécies vegetais • rotação de culturas (para superar as monoculturas tradicionais) • integração lavoura-pecuária • incremento na eficiência do uso de fertilizantes (“agricultura de precisão”) • conversão de culturas anuais para culturas permanentes • recuperação de áreas degradadas • utilização de biomassa como combustível (e.g. madeira e cana-de-açúcar) • melhor manejo de campos de irrigação de arroz (que também é importante fonte de metano) Dumanski et al. (1998) chamam a atenção para a importância de se tomar prontas medidas técnicas para se apropriar das emergentes oportunidades (de mercado, tecnologia e meio ambiente), porque “uma agricultura estática não é uma agricultura sustentável”. Muitas dessas práticas mais ambientalmente positivas são perfeitamente viáveis (como é o caso do “plantio direto na palha” que vem crescendo no Centro-Oeste desde 1990), mas não é raro que sua informação esteja indisponível para os agricultores ou que careça de apoio creditício para sua introdução. Outras práticas estão ainda num nível sub-econômico, e necessitariam de alguma forma de incentivo ou subsídio para serem adotadas, o que apropriadamente poderia ser viabilizado por investimentos em CDM (tais

14 como para favorecer mudanças no uso de fertilizantes, melhor disposição de dejetos animais, ou menor emissão de GHG durante a produção de arroz irrigado). Como simulação do que seria um possível investimento em CDM, apresentamos um simples exercício: considerando-se uma densidade do solo de 1,5 g/cm3 e admitindo-se que a matéria orgânica tenha em média 52% de carbono (sendo que aproximadamente 35% deste percentual será incorporado ao solo), um sistema de manejo que eleve em 1% a matéria orgânica nos 20 cm superficiais do solo ao longo de certo intervalo de tempo (1% de MO = 30 toneladas/ha; portanto, seriam seqüestradas 15,6 toneladas de carbono ao longo de, por exemplo, ao redor de 5 anos), ao custo de US$ 10 por tonelada de carbono, resultaria ao agricultor o valor a receber de US$ 156 por hectare para que aumente a matéria orgânica nos solos de sua propriedade. Domingues et al. (1997) identificam o grande potencial que existe para que o Brasil ofereça, nos mercados mundiais, suas “commodities” ambientais, como seria o caso dos créditos de seqüestro de carbono (tecnicamente chamados CER). Segundo esses autores, o país poderia inclusive lançar um novo mercado mundial de títulos referenciados em águas e florestas a ser operado a partir do Brasil, com o objetivo de incentivar uma otimização na gestão de recursos hídricos e florestais (através de conceitos inovadores como “água-commodity” e “florestacommodity”). Tais modalidades de transação de capitais poderiam ser amplamente estimuladas pela introdução do CDM, que nada mais é do que um instrumento econômico de gestão ambiental, como já foi referido. A Tabela 1 traz exemplos de projetos brasileiros relacionados com recursos hídricos e que se enquadram perfeitamente nos critérios de investimentos em CDM: Tabela 1 - Projetos Potenciais de CDM no Brasil - Exemplos Selecionados e Relacionados com Recursos Hídricos (Programa LBL/USP)

PROJETO

AVALIAÇÃO

PCHs em Goiás

Boa viabilidade econômica, performance técnica comprovada, bom retorno do investimento

Hidroelétrica de 70 MW em Rondônia

Boa viabilidade econômica, performance técnica moderada, retorno do investimento moderado

Produção de carvão para siderurgia

Boa viabilidade econômica, performance técnica moderada, retorno do investimento moderado

Plantação de Seringueira

Boa viabilidade econômica, performance técnica comprovada, bom retorno do investimento

Adaptado de Goldemberg (1999)

OBJETIVO Substituição de óleo diesel; redução de emissões de 10.000 toneladas de carbono/ano

US$ 1.000/kW US$ 12 milhões

Substituição de óleo diesel; redução de emissões de 75.000 toneladas de carbono/ano

US$ 70 milhões

Redução do desmatamento de florestas nativas; redução de emissões 180.000 toneladas de carbono/ano Seqüestro de carbono: 100 ton/ha, 500.000 ton em 10 anos (50.000 ha)

VALOR

US$ 1.000/ha US$ 9.5 milhões

US$ 3.000/ha

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EXPERIÊNCIAS PIONEIRAS DE APROVEITAMENTO DE CDM

Lançado oficialmente em 18 de janeiro de 2000 pelo Banco Mundial, o “Fundo Prototípico de Carbono” (PCF) constitui uma iniciativa para a criação de mercados de títulos de redução de emissões de GHG. Tal mecanismo permite que se invista na redução de emissões para posteriormente comercializar os certificados resultantes desse processo. Os preços iniciais para a tonelada de carbono são de US$ 20. Inicialmente, o Fundo prevê investimentos de US$ 150 milhões em “tecnologias limpas” e que impliquem em menos GHG, tais como tecnologias de energia renovável, especialmente de geração hidroelétrica. Uma das primeiras experiências práticas desse programa está sendo implementada na Costa Rica através do projeto "Costa Rica Ecomarkets". O projeto vai receber US$ 10 milhões para: 1) incrementar a produção de energia renovável na Costa Rica e em países limítrofes; 2) comercializar certificados de reduções de emissão de carbono; 3) apoiar o programa de pagamento por serviços ambientais (embasado na Lei Nacional 7575/96) em bacias hidrográficas que contam com pequenas centrais hidroelétricas. Anteriormente ao PCF, a Costa Rica atraiu investimentos em “transações piloto” de CDM (chamadas de AIJ), como em acordos firmados com Noruega, Holanda e Estados Unidos. Para Castro e Cordero (1999), o país "está crescendo como uma demonstração de que mercados podem ser utilizados para conduzir ao desenvolvimento sustentável”. Porém, esses mesmos autores trazem o chamado “dilema do CDM” na Costa Rica: a um preço de US$ 10/tonelada, a influência do CDM seria bastante modesta; mas, se o valor fosse de US$ 100/tonelada, a receita obtida com a preservação ambiental poderia se tornar uma das principais fontes de renda agrícola (i.e. avaliações iniciais indicam um valor médio de acumulação de carbono, para as condições da Costa Rica, de 5 toneladas/ha/ano). Por sua parte, o Ministério do Meio Ambiente da Colômbia vem identificando possibilidades de investimento em CDM e apoiando iniciativas do setor privado. De acordo com o chefe do Escritório de Análises Econômicas (Black, 1999), as características nacionais levam a que as oportunidades de CDM naquele país encontrem no setor florestal sua grande prioridade de investimentos (i.e. 63% das transações prováveis de CDM). Os ganhos ambientais que se esperam da implementação de CDM na Colômbia são: 1) revitalização e revegetação de bacias hidrográficas; 2) redução da erosão do solo, melhoria da qualidade dos recursos hídricos e do suprimento de água; 3) recuperação e proteção de “zonas tampão” de florestas e ecosistemas estratégicos; 4) proteção de reservas naturais ameaçadas; 5) estímulo ao reflorestamento privado; 6) proteção da biodiversidade e produção de mercadorias não madeireiras de florestas; entre outros. As maiores limitações para se adotar o CDM na Colômbia estão relacionadas a elevados custos de

16 transação (especialmente ligados à certificação das reduções produzidas) e aos riscos crônicos que o país apresenta em decorrência da violência institucionalizada. Outro exemplo, bastante útil para o caso do Centro-Oeste, envolve projetos desenvolvidos no México nas regiões de Chiapas e Sonora. Tais projetos pilotos de CDM (ou AIJ) são voltados para pequenos produtores rurais que se organizaram com o objetivo de atrair investimentos externos para atividades de conservação de solo e controle de desertificação. Os investidores pagam US$ 10/tonelada de carbono seqüestrado através de práticas agrícolas diversas. Novas espécies vegetais, como a “salicornia”, estão sendo avaliadas como eficientes no controle da degradação do solo e também no seqüestro de carbono. De acordo com os preceitos do CDM, esse esforço mexicano vem sendo orientado para incrementar a renda dos pequenos produtores rurais de forma a favorecer a busca da sustentabilidade (Ecosur, 2000; USIJI, 2000).

RECOMENDAÇÕES PARA A GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS APOIADA POR CDM

Considerando as potencialidades de investimento que a implementação do Protocolo de Quioto pode significar para o Centro-Oeste brasileiro, e considerando que esses investimentos, quando realizados através da modalidade de CDM, não implicarão em endividamento público ou privado, mas, ao contrário, serão transferências feitas com o objetivo de contribuir para que os países industrializados cumpram com suas metas de redução de emissão de GHG, estão indicadas abaixo algumas medidas institucionais para deixar a região apta a tomar parte nesse sistema de gestão ambiental:

a) fortalecimento institucional dos órgãos públicos ligados à gestão do meio ambiente, ao controle florestal, à conservação do solo e à gestão dos recursos hídricos, bem como de entidades responsáveis pela coleta de dados ambientais; b) apoio a agências técnicas públicas e privadas para o processo de certificação da redução de emissões, incluindo-se etapas de monitoramento, quantificação e auditoria; c) atuação conjunta e integrada dos diversos Estados e bacias hidrográficas da região; d) intercâmbio com associações de bacias hidrográficas em países que estejam implementando ou planejando ações semelhantes; e) envolvimento efetivo e pró-ativo dos setores com potencial para receber investimentos em CDM, valorizando suas entidades representativas, particularmente comitês de bacia e associações de microbacias, bem como representações de produtores rurais, cooperativas e ONGs;

17 f) envolvimento, também, de pequenos produtores rurais no processo de atração de investimentos, como forma de incrementar a renda da pequena produção agrícola; g) promoção internacional das potencialidades da região Centro-Oeste como área viável e que apresenta significativas vantagens comparativas para uma implementação imediata de projetos de CDM (e.g. clima e solo favoráveis para atividades de seqüestro de carbono; suficiente capacitação técnica; pesquisa agronômica indicando a necessidade de práticas conservacionistas de solo e água; extensas áreas rurais com propriedade da terra legalmente definida; comparativamente baixos custos de transação para que a propriedade rural demonstre aptidão para receber investimentos; boas perspectivas para pequenas centrais hidroelétricas; vizinhança da floresta Amazônica, o que propicia uma ação integração para a conservação da biodiversidade).

CONCLUSÕES

O mecanismo de desenvolvimento limpo (CDM) estabelecido pelo Protocolo de Quioto traz oportunidades estratégicas favoráveis para a gestão ambiental de bacias e microbacias hidrográficas no Centro-Oeste. Desde que haja uma preparação institucional e técnica para que se aproveite o elevado potencial de investimentos, os resultados beneficiarão tanto investidores estrangeiros, quanto executores locais. O CDM pode favorecer a adoção de práticas agrícolas conservacionistas, de projetos de reflorestamento e aflorestamento, e a expansão da geração de energia hidroelétrica, bem como diversas medidas de preservação ambiental associadas ao desenvolvimento sustentável.

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