Prova da Disciplina História do Brasil I (noturno), com sugestão de gabarito. 2006.

August 6, 2017 | Autor: Guilherme Luz | Categoria: History, Colonial Brazil
Share Embed


Descrição do Produto

Sugestões de “Gabarito” da Prova (nº. 2) de História do Brasil I – Noturno Prof.: Guilherme Amaral Luz

Questão 1 – Tomando como ponto de partida o texto Diálogo sobre a conversão do gentio, de Manuel da Nóbrega, e a legislação específica sobre os índios vigente durante os séculos XVI, XVII e XVIII na América portuguesa, analise o papel dos planos missionários dos jesuítas na definição de políticas da coroa relativas às justificativas para a “guerra justa”, aos aldeamentos, aos descimentos e aos estatutos jurídicos dos índios aliados dos portugueses e dos índios “bravios”. O Diálogo da conversão do gentio, do Pe. Manuel da Nóbrega, pode ser considerado um texto paradigmático das mudanças, que se dão aproximadamente na metade da década de 1550, da concepção jesuítica sobre a conversão dos índios. Nele, a facilidade da conversão que se identificava nos primeiros anos da ação missionária abre espaço para um profundo desengano. Tidos como “inconstantes”, “selvagens” e enraizados nos seus “maus hábitos”, os indígenas são vistos no Diálogo como criaturas cuja possibilidade de conversão verdadeira depende não somente do ensino da doutrina e de bons exemplos, mas, principalmente, da adoção de hábitos e costumes políticos condizentes com uma vida cristã. Para isso, tornava-se necessário sujeitar os índios ao Estado e às suas leis civis, coibindo os impulsos exercitados na sua criação, tais como as guerras por vingança, o “vil costume” da ingestão de carne humana, a poligamia, a nudez e outras formas de “gentilidades”. A política dos aldeamentos, idealizada pelos jesuítas, visava, desse modo, afastar os índios de sua criação em meio selvagem, dandolhes “polícia” ou, em outras palavras, “fé, lei e rei”. A sujeição do índio, contudo, cercava-se de problemas teológico-jurídicos cujos desdobramentos são capazes de ser visualizados na legislação indigenista do período colonial. O principal desses problemas era o do consentimento. Sem que fosse por sua própria vontade, o índio não poderia ser obrigado a viver nos aldeamentos, a largar seus costumes ou a aceitar a fé. A legislação, nesse caso, previa que os “descimentos” teriam que ser feitos de modo que os índios fossem racional e pacificamente persuadidos a irem viver nas aldeias. A recusa em si não poderia justificar uso da força. Outro problema é o da liberdade. Ao aceitarem viver nas aldeias, os índios se tornariam vassalos do Rei, mas não escravos de particulares. Isso porque o pacto de sujeição, próprio da teologia-política neo-tomista, não impunha alienação total da liberdade natural e a escravidão, neste caso, seria injusta. Assim, os índios que aceitassem viver nas aldeias como aliados dos portugueses deveriam ser protegidos da coroa e sua liberdade deveria ser garantida. Por outro lado, a legislação abria possibilidades de escravização de índios, principalmente mediante “guerra justa”, que se justificava como resposta a ofensas recebidas, à quebra de pactos e ao estorvo ao comércio e ao direito de pregar. Nesse sentido, os índios que recusavam a sujeição política passaram a ser vistos como potenciais agressores dos portugueses. Tais eram os índios entendidos como “bravios”, aos quais “guerras justas” poderiam ser movidas e aos quais eventualmente a escravidão poderia ser imposta. A legislação abria, nesse sentido, brechas para a sujeição do índio contra a sua vontade e dava “vantagens” àqueles que consentissem com a sujeição, atendendo, assim, a política dos aldeamentos defendida pelos inacianos.

Questão 2 – Levando em conta os momentos históricos em que vieram a público (respectivamente 1633 e 1711), analise as posições (teológicas, políticas, econômicas e morais) defendidas por Vieira e de Antonil sobre as sociedades do açúcar e do ouro, expressas, respectivamente, no Sermão XIV do Rosário dos Pretos e em Cultura e Opulência do Brasil. Os dois textos referidos foram escritos em momentos bastante distintos da colonização e têm, nas circunstâncias de seus momentos, sentidos bastante próprios. Vieira proferiu seu sermão em 1633, quando a economia do açúcar estava em seu apogeu e a escravidão africana lhe era ingrediente fundamental. Naquele momento, já se verificavam vários atos explícitos de resistência escrava, particularmente fugas em massa, assassinatos de senhores e ajuntamentos em quilombos. Antonil, por sua vez, escrevia seu texto no princípio do século XVIII no contexto de formação da sociedade mineradora. Sua narrativa é marcada por juízos morais sobre aquela sociedade que, então, se apresentava como desordenada e dada a conflitos, como foi o caso da Guerra dos Emboabas. Isso posto, pode-se compreender, em primeiro lugar, o esforço de Vieira na justificação teológica da escravidão africana, para ele entendida como um “grande milagre” para a salvação dos negros. No sermão, o jesuíta defende, por um lado, que o escravo deveria aceitar de bom grado seu cativeiro e seu sofrimento como formas de imitação das dores da paixão, reservando, ainda, parte de seu dia para rezarem os segredos dolorosos do rosário de Maria. Vieira inscreve a escravidão na profecia bíblica da promessa de salvação dos Etíopes e vê o engenho como um lugar de purgação de pecados dos negros com vistas a sua salvação. Para ele, a escravidão é ainda a forma providencialmente inspirada de introduzir o africano no grêmio da Igreja, possibilitando, logo, sua participação na graça. Por outro lado, Vieira dirige suas palavras também aos senhores de engenho lembrando-lhes que somente a salvação das almas dos negros justifica a escravidão e, logo, todo o zelo do senhor deve se dar em prol desse objetivo. Desse modo, ele deve evitar os maus tratos e garantir condições para que os escravos sejam doutrinados e para que pratiquem suas orações. Vieira busca, assim, prescrever, para escravos e senhores, as obrigações que ambos devem ter na manutenção da ordem do engenho, visando a realização das finalidades teológicas da economia açucareira. Antonil, por sua vez, alerta para os perigos morais presentes na forma de constituição da sociedade mineradora. Para ele, é necessário dar ordem a esta sociedade, fazendo-se a autoridade da coroa e da Igreja fortemente presente. Defende com ênfase os direitos reais sobre as minas de ouro e a obrigação do pagamento da “quinta”, indica a necessidade de se conter os crimes que proliferavam na região e esforça-se em demonstrar a necessidade de se controlar a migração para as minas, que colocava em risco o próprio equilíbrio econômico do Império português. Antonil moraliza ainda os riscos advindos da cobiça do ouro como se fossem punições de Deus aos portugueses por não zelarem pelos fins teológicos/salvíficos da colonização. Implicitamente sugere, assim, que dar ordem àquela sociedade é uma espécie de provação pela qual passam os portugueses. Questão 3 – Partindo de argumentos levantados por João Adolfo Hansen para apresentar o conceito de representação em seu texto sobre as festas coloniais dos séculos XVII e XVIII, explique as noções de ordem e de hierarquia que estão subentendidas nos textos Sermão XIV do Rosário dos Pretos, de Vieira, e Cultura e Opulência do Brasil, de Antonil. Em seguida, demonstre como essas noções de

ordem e hierarquia fundamentam a sociedade colonial na América portuguesa. Obs.: no caso do texto de Antonil, considerar somente as partes relativas à economia do ouro, sem a obrigatoriedade de falar das demais economias tratadas na obra. As noções de ordem e hierarquia presentes nos textos de Antonil e Vieira são de matrizes teológico-políticas neo-tomistas e podem ser sintetizadas pela noção de Corpo Místico. Essa noção pressupõe, ao mesmo tempo, um pertencimento à Igreja e à sociedade civil, dotando a primeira de caracteres políticos e a segunda de sacralidade. No Corpo Místico, entende-se que cada uma de suas partes (grupos sociais) tem funções próprias e se distribuem hierarquicamente em torno do centro de poder, que no caso da Igreja é o Papa e no caso do Estado é o Rei. Essas partes devem formar uma unidade harmônica e concorde, reverberando os valores que orientam a dignidade de cada função na relação que estabelecem com o todo ou, em outros termos, na realização do bem-comum. Vieira e Antonil são exemplos de como a noção de Corpo Místico foi tomada como fundamento da ordem e da hierarquia na sociedade colonial. No sermão de Vieira, percebe-se que a possibilidade de salvação do africano depende do seu ingresso ao grêmio da Igreja, o que é promovido através de sua introdução na sociedade colonial na condição de escravo. Aceitar o cativeiro, compreendendo o seu sentido salvífico e as obrigações que dele decorrem é um papel que Vieira atribui ao escravo negro. Hierarquicamente acima dos escravos encontram-se seus senhores que, segundo Vieira, também têm uma série de obrigações. Tanto escravos quanto senhores deveriam, de acordo com o jesuíta, colaborarem, cada qual em sua função, com a manutenção da ordem no engenho, observando a hierarquia. No texto de Antonil, o pressuposto da sociedade como Corpo Místico se faz evidente na relação que ele postula entre os súditos coloniais das minas e a coroa. Por um lado, os súditos devem reconhecer a autoridade do Estado, buscando respeitar as leis e os valores políticos que pudessem garantir a ordem e a saúde moral na colônia. Por outro, a coroa deve prover as minas dos mecanismos jurídicos, burocráticos, militares e espirituais capazes de garantir a ordem e a saúde moral de seus súditos daquela região.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.