COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Provedores de conexão e guarda de registros de acesso a aplicações de internet: o art. 14 do marco civil no contexto do dever fundamental de preservação do meio ambiente digital. LEITE, George Salomão e LEMOS, Ronaldo. (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 755771. [a paginação original está indicada entre colchetes no texto – em citando o trabalho, pedese usálas]
PROVEDORES DE CONEXÃO E GUARDA DE REGISTROS DE ACESSO A APLICAÇÕES DE INTERNET: O ART. 14 DO MARCO CIVIL NO CONTEXTO DO DEVER FUNDAMENTAL DE PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DIGITAL 1
Cláudio de Oliveira Santos Colnago SUMÁRIO Introdução. 1. Direitos e deveres fundamentais: um enfoque pouco ortodoxo 2. Princípios orientadores da arquitetura da Internet: o meio ambiente digital. 3. O artigo 14 do Marco Civil como dever acessório: seu âmbito de aplicação. Conclusão Introdução Como interpretar a previsão legal do artigo 14 da Lei 12.965/2014 (“Lei do Marco Civil da Internet”), pela qual “Na provisão de conexão, onerosa ou gratuita, é vedado guardar os registros de acesso a aplicações de internet”? Qual o âmbito de aplicação de tal enunciado legal? Como ele se insere num contexto maior, resultado de profunda integração entre o online e o offline? Estes são alguns questionamentos básicos acerca dos quais propusemos alguns caminhos possíveis no contexto do Ordenamento Jurídico brasileiro. Para tanto, buscamos conjugar alguns elementoschave: a) a inserção do art. 14 num contexto maior, de concretização de deveres fundamentais; b) a arquitetura do código enquanto força de regulação e os princípios aplicáveis a um “meio ambiente digital”; c) a caracterização do art. 14 enquanto dever acessório de preservação do meio ambiente digital. [756] 1 Direitos e Deveres fundamentais: um enfoque pouco ortodoxo Antes de abordar o dever instrumental previsto no artigo 14 do Marco Civil, cumpre inserir a questão da regulação da Internet no contexto maior da regulação do meio ambiente digital e no 2
contexto dos deveres fundamentais, tema pouco estudado pela doutrina brasileira mas que se
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Doutorando e Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Membro do Grupo de Pesquisa “Estado, Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais”, vinculado à FDV. Professor da FDV. Conselheiro Seccional da OAB/ES. Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/ES. Advogado. Email:
[email protected] 2 BUSSINGUER, Elda Coelho de Azevedo (Org.). Direitos e deveres fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
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COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Provedores de conexão e guarda de registros de acesso a aplicações de internet: o art. 14 do marco civil no contexto do dever fundamental de preservação do meio ambiente digital. LEITE, George Salomão e LEMOS, Ronaldo. (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 755771. [a paginação original está indicada entre colchetes no texto – em citando o trabalho, pedese usálas]
apresenta profundamente adequado para compreender a validade da prestação negativa estabelecida no enunciado legal em questão. Se por um lado a expressão “deveres” foi conjugada em nove ocasiões no texto da Constituição Federal de 1988, a palavra “direitos” é de uso menos restrito: sua menção ocorre noventa e oito vezes. Não se trata de mero acaso: a concepção de valorização de direitos sobre deveres é típica do contexto paradigmático em que estava (e ainda está?) inserido o Legislador Constituinte que formulou a vigente Constituição. Afirmamse direitos, muito mais do que se impõem deveres. É crescente, porém, a preocupação com a temática dos “deveres fundamentais” enquanto o “outro lado” dos regime jurídico constitucional dos direitos fundamentais. Afinal, se uma sociedade regulada por um texto fundamental se pretende pluralista, tornase imprescindível admitir que os vínculos entre as pessoas não ocorrem somente entre indivíduo e Estado, mas também envolvem relações entre indivíduos e com instituições não estatais, todas responsáveis, de alguma maneira, pelo sucesso ou fracasso das promessas constitucionais. Não adiante buscar a normatividade constitucional onde não exista uma “vontade de Constituição” (Hesse) ou num lugar em que os fatores reais de Poder predominem sobre os compromissos firmados no papel timbrado da Constituição formal (Lassale). Soluções binárias que partam de posições isoladas estão fadadas ao fracasso. Assim como o Estado sozinho não tem como dar conta de implementar todo o manancial retórico presente na Constituição (ainda mais num cenário no qual o legislador delega cada vez mais responsabilidade ao 3
aplicador da norma .), tampouco se pode acreditar no sucesso de uma confiança cega num “livre mercado”. Tornase útil, assim, adotar uma concepção intermediária, que valorize um 4
constitucionalismo cooperativo , no 3
“Por outro lado, numa comunidade em que vige regime político pluralista e democrático (ponto comum nas sociedades ocidentais contemporâneas) há forte tendência no sentido de que a lei, seguindo o caminho das Constituições, passe cada vez mais a utilizar expressões dotadas de baixa densidade significativa, ou seja, de grande vagueza ou ambiguidade, enterrando de vez o mito da univocidade significativa e, por conseguinte, aumentando enormemente a responsabilidade do intérpreteaplicador da norma”. (COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Interpretação conforme a Constituição: decisões interpretativas do STF no controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2007, p. 21). 4 “Verificase que no paradigma do Estado Democrático de Direito, a Administração Pública não se vincula somente à lei, mas também diretamente à Constituição, sobretudo em razão da necessidade de uma atuação mais proativa na tutela e na implementação dos direitos fundamentais. Não há, todavia, uma “carta branca” à desconsideração do papel atribuído pela Constituição ao Legislador democraticamente escolhido. Deve haver, sim, uma cooperação entre as diferentes funções do Poder, sem qualquer sobreposição. Interpretações que venham a agigantar a posição da Administração Pública (e mesmo do Judiciário) em relação ao Legislador, levando ao total enfraquecimento deste último, não são melhores do que aquelas tidas por “conservadoras”, que
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COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Provedores de conexão e guarda de registros de acesso a aplicações de internet: o art. 14 do marco civil no contexto do dever fundamental de preservação do meio ambiente digital. LEITE, George Salomão e LEMOS, Ronaldo. (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 755771. [a paginação original está indicada entre colchetes no texto – em citando o trabalho, pedese usálas]
[757] qual tanto Estado quanto sociedade atuem, cada um dentro de suas possibilidades, para a concretização das promessas contidas na Carta de 1988, dentre as quais a construção de uma sociedade “fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. A valorização da concepção dos deveres fundamentais parte, assim, do pressuposto de que o Estado tem como última finalidade o reconhecimento prático da dignidade dos seres humanos, não do ponto de vista unilateral (relação do Estado com os indivíduos), mas na pluralidade de relações que dão forma à vida em sociedade. Assim destaca Nabais: “...por detrás (do conjunto) dos deveres fundamentais está um estado entendido como uma organização e um valor função da pessoa 5
humana, um estado, no fim de contas, instrumento de realização da eminente dignidade humana” . E 6
complementa : Por outras palavras, há que se ter em conta a concepção de homem que subjaz às atuais constituições, segundo a qual ele não é um mero indivíduo isolado ou solitário, mas sim uma pessoa solidária em termos sociais, constituindo precisamente esta referência e vinculação sociais do indivíduo – que faz deste um ser ao mesmo tempo livre e responsável – a base do entendimento da ordem constitucional assente no princípio da repartição ou da liberdade como uma ordem simultânea e necessariamente de liberdade e de responsabilidade, ou seja, uma ordem de liberdade limitada pela responsabilidade. Enfim, um sistema que confere primazia, mas não exclusividade, aos direitos face aos deveres fundamentais ou, socorrendonos de K. Stern, um sistema em que os direitos fundamentais constituem a essência da liberdade e os deveres fundamentais o seu correlativo.
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defendem uma exclusividade do Poder Legislativo na implementação dos mandamentos constitucionais”. (COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos et all. A aplicação da técnica de interpretação conforme a Constituição pela Administraçào Pública. In: BUSSINGUER, Elda Coelho de Azevedo (org.). Direitos e deveres fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 246) 5 NABAIS, Casalta. Por uma liberdade com responsabilidade: estudos sobre direitos e deveres fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 247. O professor português complementa: “Por outras palavras, há que se ter em conta a concepção de homem que subjaz às atuais constituições, segundo a qual ele não é um mero indivíduo isolado ou solitário, mas sim uma pessoa solidária em termos sociais, constituindo precisamente esta referência e vinculação sociais do indivíduo – que faz deste um ser ao mesmo tempo livre e responsável – a base do entendimento da ordem constitucional assente no princípio da repartição ou da liberdade como uma ordem simultânea e necessariamente de liberdade e de responsabilidade, ou seja, uma ordem de liberdade limitada pela responsabilidade. Enfim, um sistema que confere primazia, mas não exclusividade, aos direitos face aos deveres fundamentais ou, socorrendonos de K. Stern, um sistema em que os direitos fundamentais constituem a essência da liberdade e os deveres fundamentais o seu correlativo. (NABAIS, op. Cit., p. 215) 6 NABAIS, op. Cit., p. 215.
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COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Provedores de conexão e guarda de registros de acesso a aplicações de internet: o art. 14 do marco civil no contexto do dever fundamental de preservação do meio ambiente digital. LEITE, George Salomão e LEMOS, Ronaldo. (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 755771. [a paginação original está indicada entre colchetes no texto – em citando o trabalho, pedese usálas]
Também se destaca o apontamento de PecesBarba, segundo o qual os deveres fundamentais se relacionam a) com as dimensões básicas da vida em uma dada sociedade, b) com setores especialmente importantes para a organização e o funcionamento das instituições públicas e c) com 7
o exercício dos direitos fundamentais . Em pesquisas aprofundadas sobre o tema, Pedra destaca que em um número considerável de situações, o agir estatal não bastará para dar eficácia aos direitos dos indivíduos, visto que a eficácia ideal somente poderia se verificar com a prática de determinados atos por terceiros. Logo, os deveres fundamentais não assumem uma função de restrição ou de anulação dos direitos. Pelo contrário: tratase, sob o ponto de vista global, de um papel promocional dos direitos fundamentais, 8
em nítida relação de coordenação . Não se pode, porém, esquecer do fato primordial de que qualquer solução absoluta apresentase falha. Em outras palavras, os deveres fundamentais ficam sujeitos, em sua aplicação, a um teste de proporcionalidade, haja vista que, como apontado por 9
Nabais , “...os deveres fundamentais hãode respeitar, na sua concretização legal, a proporção meiofim, ou seja, a justa medida, o que implica que eles, para além de não poderem afectar o conteúdo essencial do valor que constitui cada direito, liberdade e garantia ou de outros valores constituicionais, ainda hãode afectar esses mesmos valores o menos possível e na medida justa”. Fincadas tais premissas, verificase que a formulação dogmática de uma concepção que valorize os “deveres fundamentais” é relevante, de forma a resgatar uma necessária parcela de solidariedade que acaba esquecida nas brumas constitucionais das promessas inconsequentes. Os deveres fundamentais estão, pois, relacionados diretamente com o regramento constitucional dos direitos 10
fundamentais, como destaca Nabais : No mesmo sentido das intensas relações entre os direitos e os deveres fundamentais vai a ideia de que não há direitos sem deveres nem deveres sem direitos. Não há 7
PECESBARBA MARTÍNEZ, Gregorio. Los deberes fundamentales. Doxa. N. 04 (1987). pp. 329341. Disponível em http://www.biblioteca.org.ar/libros/141725.pdf, acesso em 20/05/2014. 8 PEDRA, Adriano Sant’Ana. Solidariedade e deveres fundamentais da pessoa humana. Trabalho apresentado na VII Jornada Brasileira de Filosofia do Direito, realizada durante o “XXVI World Congress of Philosophy of Law and Social Philosophy – Human Rigths, Rule of Law and the Contemporary Social Challenges in Complex Societies”, promovido pela International Association for Philosophy of Law and Social Philosophy (Internationale Vereinigung für Rechts und Sozialphilosophie – IVR) (2013), p. 1, 3. 9 NABAIS, Casalta. Por uma liberdade com responsabilidade: estudos sobre direitos e deveres fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 346. 10 NABAIS, op. cit., pp. 315316.
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direitos sem deveres, porque não há garantia jurídica ou fáctica dos direitos fundamentais sem o cumprimento dos deveres do homem e do cidadão indispensáveis à existência e funcionamento da comunidade estadual, sem a qual os direitos fundamentais não podem ser assegurados nem exercidos. E não há deveres sem direitos, porque é de todo inconcebível um estado de direito democrático
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assente num regime unilateral de deveres, já que contra ele se levantariam as mais elementares exigências de justiça e de respeito pelos direitos humanos, como o demonstra à saciedade a específica dimensão histórica dessa fórmula, que simultaneamente teve por objectivo e constituiu a base fundamental da instituição do estado constitucional democrático, e está bem patente na expressão ‘no taxation without representation’, que foi uma das principais bandeiras das revoluções liberais, mormente da americana.
Compreendida a necessidade de valorização dos deveres fundamentais, devese dar um passo atrás para antes estabelecer com clareza a delimitação objetiva da expressão. Afinal de contas, o significado que surge do primeiro contato indicaria a mera contrapartida dos direitos fundamentais – como o dever de o Estado respeitar a propriedade, corolário do direito equivalente garantido na Lei Fundamental. Porém, seguir por tal caminho em nada aproveitaria o estudo dos deveres, vez que cairíamos sempre na questão dos direitos fundamentais (temática já desenvolvida com uma certa fartura no meio jurídico brasileiro). Busquemos, pois, um enfoque diferenciado e que possa se apresentar como mais útil: a concepção dos deveres fundamentais enquanto comportamentos a serem observados pelos particulares. Partese, aqui, do conceito de “dever fundamental” construído coletivamente pelos membros do grupo de pesquisa “Estado, Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais”, no 1º semestre de 2013, coordenado pelos professores Dr. Daury Cesar Fabriz e Adriano Sant’Ana Pedra, do Programa de PósGraduação Stricto Sensu – Mestrado e Doutorado – em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), a saber: “...uma categoria jurídicoconstitucional, fundada na solidariedade, que impõe condutas proporcionais àqueles submetidos a uma determinada ordem democrática, passíveis ou não de sanção, com a finalidade de promoção de direitos fundamentais”. Partindose de tal conceito, outro apontamento deve ser lançado: deveres fundamentais não podem surgir das meras “entrelinhas” da Constituição, sujeitandose a uma reserva de constitucionalidade: deveres fundamentais serão somente aqueles
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que encontrem previsão, direta ou indireta, no “bloco de constitucionalidade”. Sobre tal requisito 12
de configuração dos deveres fundamentais, destacase o apontamento de Nabais : [760] Em conclusão, os deveres fundamentais apenas valem como tal – como deveres fundamentais – se e na medida em que disponham de consagração (expressa ou implícita) na constituição, ideia esta que, ao jogar no sentido de conferir primazia ao reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais (rectius, dos direitos, liberdades e garantias), presta vassalagem ao princípio da liberdade. O que, acrescentese desde já, não obsta a que o legislador imponha outros deveres aos cidadãos, mesmo deveres fundamentais de um ponto de vista material ou substancial, antes implica que tais deveres sejam de considerar simples deveres ordinários ou legais e não deveres constitucionais.
Questão relacionada a tal reserva de constitucionalidade diz respeito à eficácia maior ou menor dos deveres fundamentais e os instrumentos para sua imaplantação. Seriam os deveres fundamentais ordens dirigidas ao Poder Legislativo, a quem caberia formular seu regime jurídico, ou existiria uma normatividade mínima pela previsão constitucional, podendo o Legislador limitála ou ampliála? A seguir a primeira opção, como a doutrina majoritária, haveira uma necessidade absoluta de leis para 13
garantir a eficácia jurídica de um dever fundamental. Referida linha é seguida por partir do pressuposto de que somente com a previsão de uma sanção é possível tratar de eficácia de deveres. Tal forma de compreender o Direito peca pela incompletude, na medida em que as normas constitucionais tendem a fugir da mera consideração binária “eficaz/ineficaz”. É plenamente viável pressupor distintos graus de concretização de um dever fundamental, a depender, sim, da aprovação
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A referência a um “bloco de constitucionalidade” no Direito brasileiro tornouse útil a partir do momento em que o Congresso Nacional passou a admitir a existência de normas de caráter constitucional, mas que se localizam formalmente fora do texto Constitucional. Assim ocorre, por exemplo, com os artigos de emendas constitucionais que regulam condutas, mas que não modificam expressamente o texto da Constituição, como os artigos 3º a 15 da Emenda Constitucional nº 20/98. Da mesma forma ocorre com os Tratados Internacionais que adquiram força de emenda constitucional, a teor do artigo 5º, § 3º da Constituição, de que é exemplo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência assinada em Nova Iorque, em 30 de março de 2007 e incorporada ao Direito Brasileiro pelo Decreto Legislativo 186/2008, regulamentada pelo Decreto 6.949/2009. 12 NABAIS, Casalta. Por uma liberdade com responsabilidade: estudos sobre direitos e deveres fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 248, 251. 13 NABAIS, Casalta. Por uma liberdade com responsabilidade: estudos sobre direitos e deveres fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 266, 307. No mesmo sentido: DIAZ, Santiago Varella. La idea de deber constitucional. Revista Española de Derecho Constitucional. JanAbr. 1982. p. 83. LLORENTE, Francisco Rubio. Los deberes constitucionales. Revista Española de Derecho Constitucional, n. 62, maiago 2001, p. 21. REVORIO, Francisco Javier Díaz. Derechos humanos y deberes fundamentales. Sobre el concepto de deber constitucional y los deberes en la Constitución Española de 1978. Revista del Instituto de Ciencias Jurídicas de Puebla, juldez 2011, p. 289.
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COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Provedores de conexão e guarda de registros de acesso a aplicações de internet: o art. 14 do marco civil no contexto do dever fundamental de preservação do meio ambiente digital. LEITE, George Salomão e LEMOS, Ronaldo. (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 755771. [a paginação original está indicada entre colchetes no texto – em citando o trabalho, pedese usálas]
de leis infraconstitucionais. A omissão do Legislador, porém, jamais poderia atuar como fator impeditivo do reconhecimento de uma eficácia mínima de um dado dever, seja por incidir a concepção de máxima eficácia das normas constitucionais, seja por aplicação da regra eficacial do § 1º do artigo 5º da Constituição. Afinal, se os deveres fundamentais são “o outro lado” dos direitos, inexistindo um sem o outro (“não há direitos sem deveres nem deveres sem direitos”, na lição já citada de Nabais), é forçoso concluir que a norma de autoaplicabilidade é abrangente de ambas as 14
posições jurídicas citadas. Como destaca Pedra , “...mesmo as normas constitucionais que veiculem deveres fundamentais devem ter aplicação [761] direta, sem a intermediação do legislador ordinário, tanto quanto necessário e possível”, pois “...a sanção é importante, porque é um elemento coercitivo, mas não é imprescindível para a eficácia de um dever fundamental”. Reconhecese, pois, um núcleo essencial acerca do que possa ser considerado como dever fundamental, sobre o qual incide a reserva de constitucionalidade. Tal fato, porém, não exclui a exigibilidade de uma série de outras prestações ou condutas instrumentais cujo desiderato é 15
justamente levar à concretização do dever fundamental. Assim, no exemplo de Pedra , o dever 16
fundamental de os pais educarem seus filhos (art. 229 da Constituição ), pode ser concretizado mediante uma série de prestações distintas, como a obrigação de matricular a criança, complementado pelo dever de acompanhar a frequência escolar, participar de reuniões com professores, dentre outras. É necessário, pois, desapegarse da carcomida compreensão do Direito enquanto sanção estatal. A Constituição de 1988, ao estabelecer claramente que os indivíduos também possuem responsabilidades na concretização de seus mandamentos (enfoque constitucionalcooperativo), aponta nesse sentido. A segurança pública, por exemplo, é “direito e responsabilidade de todos” 14
PEDRA, Adriano Sant’Ana. Solidariedade e deveres fundamentais da pessoa humana. Trabalho apresentado na VII Jornada Brasileira de Filosofia do Direito, realizada durante o “XXVI World Congress of Philosophy of Law and Social Philosophy – Human Rigths, Rule of Law and the Contemporary Social Challenges in Complex Societies”, promovido pela International Association for Philosophy of Law and Social Philosophy (Internationale Vereinigung für Rechts und Sozialphilosophie – IVR) (2013), p. 10, 11. 15 PEDRA, op. cit., p. 3. 16 “Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
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(art. 144). A educação é “direito de todos e dever do Estado e da família” (art. 205). O amparo à pessoa idosa é dever tanto do Estado quanto da família e da sociedade (art. 230). Condicionar o cumprimento de um conteúdo mínimo de tais deveres à mera existência ou inexistência de sanção é contribuir para uma visão monolítica e estática do fenômeno jurídico, que desconsidera sua inserção no seio da sociedade. No que toca ao tema do presente trabalho, assume alta relevância o dever fundamental de preservação do meio ambiente. O art. 225 da Constituição determina que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá lo para as presentes e futuras gerações”. Compartilhamse assim responsabilidades entre o Estado e os particulares. Seguindo tal norma, o meio ambiente tem sido estudado com base nos seus aspectos constitutivos, usualmente identificados como a) patrimônio genético, b) meio ambiente natural, c) meio ambiente artificial, d) meio ambiente do trabalho e e) meio ambiente cultural. Pretendese, assim, compreender o âmbito de aplicação da proteção ao meio ambiente, compreendido enquanto proteção da vida em suas mais variadas formas, como destaca Fiorillo: “se a Política Nacional do Meio Ambiente protege a vida em todas as suas formas, e não é só o homem que possui vida, então todos que a possuem são tutelados e protegidos pelo direito ambiental, sendo certo que um bem, ainda que não seja vivo, pode ser ambiental, na medida em que possa ser essencial à sadia qualidade de vida de outrem, em face do que determina o art. 225 da Constituição Federal [762] 17
(bem material ou mesmo imaterial).” . A seguir, o dever de proteção aqui citado será melhor desenvolvido. 2 Arquitetura da Internet e princípios orientadores: o meio ambiente digital Ao se tratar de regulação da e na Internet, pensamos ser de todo conveniente invocar o framework teórico estabelecido por Lawrence Lessig, de forma a evidenciar a importância da arquitetura da rede (seja em seu aspecto de software, seja no de hardware) como forma de encorajar ou inibir 17
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Fundamentos constitucionais do meio ambiente digital na sociedade da informação. In: PAESANI, Liliana Minardi (coord.). O direito na sociedade da informação III. São Paulo: Atlas, 2013, p. 3.
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determinadas condutas. Em sua obra intitulada “Code and other laws of cyberspace” , 19
posteriormente atualizada e relançada como “Code 2.0” , ele analisa como o código de programação que dá forma à rede regula, de uma forma quase que infalível, a conduta humana externada via Internet. Para chegar às suas conclusões, Lessig constrói uma análise que conjuga várias “forças de regulação” da conduta humana por ele identificadas, a saber: 1) o Direito, 2) as normas sociais, 3) o mercado e 4) a arquitetura. As relações entre estas forças de regulação, embora aplicadas nas obras acima citadas, são bem delineadas em um artigo anterior de sua autoria, 20
intitulado “The New Chicago School” . Para Lessig, o Direito e as normas sociais se assemelham na dependência que têm da concepção de sanção, a qual é institucionalizada no Poder Público (Direito), ou difusa pela sociedade (normas sociais). Por sua vez, a força de regulação designada como mercado atinge o comportamento dos seres humanos ao se basear nos conceitos de preço e custo, incentivando ou inibindo o consumo e atos a ele relacionados, conforme o caso: quanto maior o custo de um comportamento, menor a chance de que ele seja seguido por um número relevante de pessoas. A doutrina especializada em direito tributário conhece bem este enfoque no âmbito governamental, sendo usual a sua designação como “extrafiscalidade”. Por sua vez, a arquitetura afeta a conduta humana ao estabelecer como os elementos físicos se apresentam na natureza. Assim, a inexistência de elevadores em um prédio é um condicionamento ao uso de escadas (o que pode ser especialmente problemático para pessoas com 21
deficiência, por exemplo ), da mesma maneira que lombadas são um meio mais eficiente do que placas informativas, [763] no que tange a redução de velocidade dos automóveis em uma via pública. Como ensina Lessig, “O fato de que não poder ler mentes é uma limitação à possibilidade de saber se você está dizendo a verdade ou está mentindo”, da mesma maneira que “[...].O fato de existir uma rodovia entre trilhos de trem separando esta comunidade de outra é uma limitação à integração entre as pessoas”.
LESSIG, Lawrence. Code and other laws of cyberspace. Nova Iorque, Basic Books, 1999. Idem. Code 2.0. Nova Iorque, Basic Books, 2007. 20 LESSIG, Lawrence. The New Chicago School. The Journal of Legal Studies, vol. XXVII, Jun 1998. 21 Sobre o tema, Cf. FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, George Salomão; LEITE, Glauber Salomão; LEITE, Glauco Salomão (Coords). Manual dos Direitos da Pessoa com deficiência. São Paulo: Saraiva, 2012. Para um estudo de caso, Cf. FRANCISCHETTO, Gilsilene Passon P.; DEUS, Jardel Sabino de. A inserção do portador de deficiência no mercado formal de trabalho em Vitória. Revista Depoimentos, Vitória – ES, n. 9, p. 1232, jan./dez. 2005. 18 19
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Concluise então que “Estas características do mundo – sejam elas construídas ou encontradas – restringem e permitem de uma forma que direciona ou afeta o comportamento humano. Elas são 22
características da arquitetura do mundo e, neste sentido, elas regulam a conduta humana” . Ainda sobre o tema, a observação de Ronaldo Lemos bem exemplifica o uso da arquitetura como força de regulação: “Napoleão III, em 1853, reconstruiu Paris com amplas avenidas, boulevards e múltiplas passagens, ciente de que a arquitetura antiga da cidade, composta de ruas estreitas, permitia facilmente o estabelecimento de barricadas, possibilitando que insurreições pudessem 23
controlar a cidade por meio do bloqueio de vias cruciais” . Para o caso brasileiro, basta a referência histórica à construção do atual Distrito Federal, visto que em Brasília “não há esquinas”, justamente para dificultar aglomerações e, pois, dificultar levantes populares de caráter reivindicatório, como amplamente noticiado em qualquer livro brasileiro de história. Sem excluir a possibilidade de outras grandezas que venham a ser identificadas, podese afirmar que em termos gerais as quatro forças de regulação identificadas por Lessig atuam de forma conjunta, sendo plenamente possível diferentes abordagens regulatórias para a obtenção do mesmo desiderato. Afinal, o costume pode ser um elemento importante na definição da conduta humana, mas o Direito pode afetar o costume mediante campanhas educativas. A arquitetura pode afetar nossos comportamentos, mas o Direito pode determinar como a arquitetura será moldada (como nos casos dos Planos Diretores Urbanos – PDUs, de competência municial). O mercado pode ser um fator importantíssimo na definição das condutas, mas o Direito fornece instrumentos de intervenção nos mercados (vide a extrafiscalidade e o uso de tributos como IPI, IOF e imposto de importação como formas de incentivo e de inibição do consumo no Brasil nos últimos anos). Assim, em vez de relegar o Direito a um papel secundário, as demais forças de regulação se apresentam 24
como alternativas para aplicação jurídica indireta.
Segundo Lessig, a regulação assume uma forma direta e uma indireta. Na regulação direta o sistema jurídico regula a conduta específica destinada a implementar o resultado buscado, ao passo que na
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LESSIG, Lawrence. The New Chicago School. The Journal of Legal Studies, vol. XXVII, Jun 1998. A arquitetura é tida como um dos mais eficazes forças de regulação, justamente por quase não ser perceptível. 23 LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 23. 24 LESSIG, Lawrence. The New Chicago School. The Journal of Legal Studies, vol. XXVII, Jun 1998., p. 666.
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COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Provedores de conexão e guarda de registros de acesso a aplicações de internet: o art. 14 do marco civil no contexto do dever fundamental de preservação do meio ambiente digital. LEITE, George Salomão e LEMOS, Ronaldo. (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 755771. [a paginação original está indicada entre colchetes no texto – em citando o trabalho, pedese usálas]
indireta as normas jurídicas estabelecem o regramento das demais forças (mercado, normas sociais e arquitetura) para atingir o objetivo. Em suma, o Direito pode regular a arquitetura, de forma a incentivar ou desencorajar determinados comportamentos. No que tange à Internet, a arquitetura é [764] tida como o código que dá forma ao software e viabiliza o funcionamento do hardware, daí a expressão consagrada por Lessig: “Code is law”, ou “o Código é a norma”. Sobre o tema, Ronaldo Lemos explica a importância da arquitetura/código para a regulação das condutas na Internet: A arquitetura afeta profundamente a internet e os canais digitais de comunicação. É valendose dela que se torna possível a construção de ferramentas e a implementação de mecanismos para o fechamento de conteúdo na rede. Dependendo da arquitetura, uma determinada mensagem enviada pode ser interceptada e lida por quaisquer terceiros enquanto trafega até o destinatário (tal qual um cartãopostal), ou pode ser fechada, permitindo que apenas o seu destinatário possa lêla (tal qual um envelope fechado). É o caso, por exemplo, das comunicações com sites de bancos, onde as mensagens trocadas entre o banco e o usuário só podem ser lidas por esses dois pólos da comunicação, e não por intermediários. Isso ocorre não por existir uma lei, uma norma social ou por fatores diretamente atribuídos ao mercado. Isso acontece porque a arquitetura da comunicação com o banco é diferente da comunicação com outros usuários e, portanto, tornase confidencial entre as partes graças a um mecanismo técnico chamado criptografia, independente da intervenção da lei, do mercado ou de normas sociais. Aliás, esta é uma das principais conseqüências da regulação arquitetônica: ela produz efeitos imediatos, com imensa efetividade, 25 independente dos outros fatores reguladores.
Como a arquitetura em código pode e deve ser regulada, resta saber se no sistema jurídico brasileiro há algum tipo de orientação principiológica para tal regulação. Como a Internet é uma construção de relevância mundial, viabilizando e facilitando a concretização de inúmeros direitos fundamentais, Não é nova a ideia de que a Internet possui uma enorme relevância no fomento da cultura e da 26
criatividade, marcada que sempre foi pela característica da generatividade , ou seja, a capacidade de funcionar como uma plataforma que permita a geração de inúmeras outras criações dela derivadas, aproveitandose da facilitação de comunicação por ela permitida. Em seus estágios
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LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, pp. 24/25. Também sobre a importância da arquitetura para o exercício de direitos, sobretudo na Internet, Cf. COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Direitos Fundamentais e Internet: perspectivas para o exercício de direitos na rede nos 25 anos da Constituição de 1988. SALOMÃO, Caleb et al. (org.). Constituição 1988: 25 anos de valores e transições. Vitória: Cognojus, 2013. 26 ZITTRAIN, Jonathan. The future of the Internet – and how to stop it. New Haven & Londres: Yale University Press, 2008, p. 710.
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COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Provedores de conexão e guarda de registros de acesso a aplicações de internet: o art. 14 do marco civil no contexto do dever fundamental de preservação do meio ambiente digital. LEITE, George Salomão e LEMOS, Ronaldo. (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 755771. [a paginação original está indicada entre colchetes no texto – em citando o trabalho, pedese usálas]
iniciais, a Internet fora tratada como cyberspace, como se fosse uma outra dimensão, ou o “novo lar 27
da mente”, na expressão de Barlow . Esse forma de ver a Internet, porém, somente fazia sentido quando o [765] número de usuários era pequeno, como aponta Leonardi: “Atualmente, há uma clara sobreposição entre o que ocorre online e offline: a Rede aumenta e facilita a vida social no mundo físico, em vez de substituílo. Ou seja, em lugar de criar um espaço separado, a Internet passou a integrar o 28
cotidiano das pessoas, fazendo com que a metáfora perdesse seu sentido” . Castells denomina essa realidade de fusão entre o online e o offline como “espaço dos fluxos”, o que importaria no “[...]o suporte material de práticas sociais simultâneas comunicadas à distância”, 29
envolvendo “...produção, a transmissão e processamento de fluxos de informação” . Preferimos aqui denominála de “meio ambiente digital”, enquanto uma característica intrínseca ao meio 30
ambiente cultural. Se a vivência constitucional é mutável por natureza e a realidade jurídica deve 31
buscar regular a realidade social, com o “velho direito” adaptandose à nova realidade , é plenamente justificável o tratamento da Internet como componente do meio ambiente cultural. 32
Referida dimensão do meio ambiente contribuiria, como destaca Fiorillo , para regular “...os deveres, direitos, obrigações e regime de responsabilidades inerentes à manifestação de pensamento, criação, expressão e informação realizados pela pessoa humana com a ajuda de computadores (art. 220 da Constituição Federal)”, no contexto do “...pleno exercício dos direitos culturais assegurados a brasileiros e estrangeiros residentes no país (arts. 215 e 5º da CF) orientado pelos princípios fundamentais da Constituição Federal (arts. 1º a 4º da CF)”. Em outras palavras, o surgimento de uma “cultura digital” caracterizada pela convergência das mídias que sempre
BARLOW, John Perry. A declaration of the independence of Cyberspace. Disponível em: . Acesso em 1 jul. 2014. 28 LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na Internet. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 129130. 29 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: Vol. I. Trad. Roneide Venancio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. XVII. 30 PEDRA, Adriano Sant’Ana. Mutação constitucional: interpretação evolutiva da Constituição na democracia constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. 31 LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 9, 13. 32 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Fundamentos constitucionais do meio ambiente digital na sociedade da informação. In: PAESANI, Liliana Minardi (coord.). O Direito na sociedade da informação III. São Paulo: Atlas, 2003, p. 22, 1213. 27
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COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Provedores de conexão e guarda de registros de acesso a aplicações de internet: o art. 14 do marco civil no contexto do dever fundamental de preservação do meio ambiente digital. LEITE, George Salomão e LEMOS, Ronaldo. (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 755771. [a paginação original está indicada entre colchetes no texto – em citando o trabalho, pedese usálas]
permitiram a produção cultural, agora numa sociedade da informação, demanda que consideremos o locus no qual tais produções se implementam como uma das facetas do meio ambiente cultural. Essa forma de compreender a Internet permite definir um conjunto de normas constitucionais a ela 33
aplicável que viabiliza a interpretação conforme a Constituição de uma série de disposições do Marco Civil da Internet. Neste contexto, a arquitetura orientada pelos valores constitucionais cumprirá papel primordial na formatação de uma rede cada vez mais livre e viabilizadora dos 34
potenciais de criação da humanidade . Sua forma inicial não é imutável, vez que dependente diretamente do código que [766] lhe dá forma. Uma das consequências do tratamento da Internet como meio ambiente digital consiste na sujeição tanto do Poder Público quanto dos particulares ao dever de preservação, destinado a manter a rede sempre equilibrada e sustentável. Esse dever fundamental, decorrente do artigo 225 da Constituição, deve ser materializar influenciando o código que dá forma à rede. A liberdade, para ser completa, deve ser exercida com responsabilidade, na conhecida frase de Nabais. 3 O artigo 14 do Marco Civil como dever acessório: seu âmbito de aplicação Com base nas premissas lançadas nos tópicos anteriores podemos finalmente analisar o artigo 14 da Lei 12.965/2014 (“Marco Civil”), pelo qual “Na provisão de conexão, onerosa ou gratuita, é vedado guardar os registros de acesso a aplicações de internet”. A conexão à Internet é tratada pela lei como sendo “a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP” (art. 5º, V). Por sua vez, o
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COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Interpretação conforme a Constituição: decisões interpretativas do STF em sede de controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2007, 224p. 34 Como já notamos, “In this context, the expansion of the Internet helps the growth of a democratic culture and, doing so, also helps the personal development of any individual that has access to it, fostering the development of humans as individuals. Therefore, it is valid to say that the Internet has played a major role on strengthening the core value that guides the application of human rights: the human dignity. The act of giving individuals a tool for developing their own ideas and sustaining their opinions without previous filters plays a major role on the recognition of individuals as human beings, whose dignity is not any different from any other fellow human”. COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. The right to be forgotten and the duty to implement oblivion: a challenge to both “old” and “new” media. Artigo apresentado no IX Congresso Mundial de Direito Constitucional em Oslo, Noruega, entre 16 e 20 de junho de 2014. Disponível em: . Acesso em 1 jul. 2014
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COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Provedores de conexão e guarda de registros de acesso a aplicações de internet: o art. 14 do marco civil no contexto do dever fundamental de preservação do meio ambiente digital. LEITE, George Salomão e LEMOS, Ronaldo. (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 755771. [a paginação original está indicada entre colchetes no texto – em citando o trabalho, pedese usálas]
conceito de “aplicação de Internet” é definido pelo inciso VII do artigo 5º como “o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet”. O artigo14 veicula, pois, verdadeiro dever negativo instrumental, proibindo que o provedor de conexão registre quais aplicações de Internet foram acessadas pelo usuário. Referido dever somente pode ser compreendido em conjunto com a norma do artigo 13 da Lei do Marco Civil, que estabelece o seguinte: “Na provisão de conexão à internet, cabe ao administrador de sistema autônomo respectivo o dever de manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 (um) ano, nos termos do regulamento”. Os registros de conexão são também definidos no inciso VI do artigo 5º da Lei como “o conjunto de informações referentes à data e hora de início e término de uma conexão à internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados”. Assim, se o artigo 14 estabelece um dever negativo, proibindo a coleta dos dados de acesso a aplicações, o artigo 13 fixa dever positivo, destinado à coleta exclusiva dos “registros de conexão”. Em outras palavras, o provedor de conexão está sujeito a dois conjuntos de deveres instrumentais: a) o dever de guarda, por 1 (um) ano, dos registros acerca da data e [767] hora de início e término de uma conexão à internet, incluindo o endereço IP atribuído ao usuário e b) o dever de não guardar o registro de acesso a aplicações de Internet. Ambos representam a concretização de um dever fundamental, a saber, o dever de preservação de um meio ambiente digital sadio e sustentável, enquanto manifestação normativa do artigo 225 da Constituição. Mas em que medida se poderia afirmar a prestabilidade de tais deveres? O que abona este regime de deveres compartilhados previsto na Lei do Marco Civil, em que o provedor de conexão deve guardar os dados de acesso à Internet, mas não os relativos às aplicações utilizadas? Em primeiro lugar, vislumbrase uma nítida conexão instrumental entre tais deveres e a necessidade de preservação da neutralidade da rede, entendida de forma simplificada como a necessidade de
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COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Provedores de conexão e guarda de registros de acesso a aplicações de internet: o art. 14 do marco civil no contexto do dever fundamental de preservação do meio ambiente digital. LEITE, George Salomão e LEMOS, Ronaldo. (coord.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 755771. [a paginação original está indicada entre colchetes no texto – em citando o trabalho, pedese usálas]
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que a rede não favoreça uma aplicação sobre a outra . A neutralidade foi regulada pelo artigo 9º do Marco Civil também como um dever instrumental, ao se estabelecer que “O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”. A conexão instrumental citada reside no aspecto de que se o provedor de conexão dispuser da informação acerca de quais aplicações de Internet são mais acessadas por seus clientes, aberto estará o caminho para que ele busque firmar acordos comerciais de acesso preferencial diretamente com os provedores de tais aplicações. Um meio ambiente digital sustentável, pois, pressupõe que todos possuam acesso igualitário à rede, sem o estabelecimento de escolhas preferenciais entre os grandes conglomerados econômicos que hoje contribuem para moldar a rede. Aí é que reside a instrumentalidade do dever previsto no artigo 14 para com a neutralidade de rede e, logo, para com a preservação do meio ambiente digital. Como se trata de uma norma jurídica, partese do pressuposto de que o dever veiculado pelo citado artigo 14 está sujeito a uma sanção em caso de descumprimento, seja ela compreendida como multa, seja entendida como coerção estatal que leve à observância direta da norma. Devese, assim, perquirir as consequências jurídicas da não observância do dever negativo pelo provedor de conexão. A princípio, verificase a presença da regra do artigo 12 do Marco Civil: Art. 12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:
I advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
II multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição
[768] econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;
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WU, Tim. Network Neutrality, Broadband Discrimination. Journal of Telecommunications and High Technology Law, Vol. 2, p. 145, 2003. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=388863. Acesso em 1 jul. 2014.
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III suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou
IV proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11.
Parágrafo único. Tratandose de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País.
Destacase, porém, que o enunciado do artigo 12 traz uma dificuldade para sua aplicação aos casos de violação do dever do artigo 14, na medida em que atribui as possíveis sanções aos casos de “infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11”. O uso, no caso, de uma interpretação literal (inicialmente correta, tendo em vista se tratar de norma veiculadora de sanção e, logo, restritiva de liberdade individual) levaria à conclusão pela qual as sanções do artigo 12 somente teiram vez nos casos em que fossem violados a) o dever de preservação do bloco normativo “intimidade/vidaprivada/honra/imagem” na guarda e disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações (art. 10) ou b) o dever de observância da legislação brasileira sempre que qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda ou tratamento de dados ocorra em território nacional (art. 11). Referida conclusão, embora relativamente simples, seria contrária ao artigo 6º da lei, que estabelece: “Na interpretação desta Lei serão levados em conta, além dos fundamentos, princípios e objetivos previstos, a natureza da internet, seus usos e costumes particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural”. Assim ocorre porque a interpretação literal excluiria do regime de sanções o descumprimento de todas as demais importantes regras do Marco Civil, que seria sancionáveis somente de forma subsidiária, dentro da cláusula “sem prejuízo das demais sanções” do art. 12. Em outras palavras, referida opção hermenêutica tornaria inúteis várias regras importantes, dentre elas aquelas relativas à coleta de dados. Por tais razões, devese rejeitar uma abordagem literal do artigo 12, prestigiandose uma intepretação teleológica. Ademais, a solução hermenêutica aqui sustentada possui suporte nos próprios artigos 10 e 11, na exata proporção da opção do legislador por uma textura aberta. Com efeito, a norma do artigo 10, por exemplo, está diretamente conectada com as regras acerca de coleta de dados enunciadas nos 16
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artigos 13 e 14. Assim, também por tal motivo, devese concluir que a eventual violação dos referidos enunciados (inobservância dos deveres de guarda de registros de conexão – artigo 13 – ou descumprimento da proibição de não armazenar registros de acesso a aplicações – artigo 14) deve acarretar a sujeição das empresas infratoras às normas sancionatórias do artigo 12. [769] Retomando o enunciado do artigo 14, cabe ainda registrar que sua redação dá margem a distintas interpretações acerca da exata abrangência da restrição imposta aos provedores de conexão. Como vimos, o dever ali estabelecido tem por objetivo evitar que tais prestadores venham a estabelecer acordos comerciais com os prevedores de aplicação, resguardandose assim a neutralidade da rede e, como tal, contribuindo para um meio ambiente digital mais equilibrado e sustentável. Porém, tal objetivo pode vir a ser frustrado justamente porque o enunciado não proíbe a captação de tais registros, mas somente a guarda. Em outras palavras, o provedor de conexão não estará violando a norma pelo mero fato de captar as informações acerca das aplicações de Internet acessadas pelo usuário, mas somente quando venha a armazenar tais dados. A linha, portanto, é extremamente tênue: haveria um intervalo de tempo entre a captação e o descarte dos dados? Se há este intervalo, existe a brecha para que eles sejam armazenados de alguma outra forma e, com isso, utilizados justamente para as finalidades citadas anteriormente, de forma contrária ao desejado pelo legislador. Por tais razões, a melhor abordagem no caso requer uma conjugação entre normas jurídicas e arquitetura. Afinal, como visto anteriormente, cabe ao sistema jurídico, no contexto do meio ambiente digital, regular mediante o estabelecimento de deveres a arquitetura tanto do software quanto do hardware que dão forma à Internet, tudo com o objetivo último da garantir a preservação de um meio ambiente digital equilibrado e sustentável. Há, pois, duas opções regulatórias: a) estabelecer pura e simplesmente a regra jurídica do artigo 14 e exercer fiscalização sobre os provedores de conexão, sancionandoos em caso de descumprimento ou b) conjugar a referida norma com atuação regulatória que incentive a adoção de padrões de software e hardware específicos para os provedores de conexão, de forma que a eles não seja dada sequer a possibilidade de captar as informações sobre o acesso a aplicações de Internet. A atuação estatal citada acima pode ocorrer sob as mais variadas formas. Uma das possibilidades é a adoção de instrumentos mercadológicos, que levem ao barateamento de soluções alternativas 17
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mediante redução do impacto fiscal, com a redução ou isenção de impostos como o IOF, IPI, imposto de importação. Podese ainda vislumbrar a adoção pelo próprio Poder Público de soluções alternativas em suas próprias contratações, como feito recentemente com soluções abertas de software (software livre). Também seria possível investir em conscientização de forma a gerar normas sociais pelas quais a mera captação de dados pelos provedores de conexão seja tida como um ato violador da intimidade de seus clientes e, como tal, leve a pressões sociais para que tal conduta não mais seja adotada. Porém, a abordagem com maior chance de sucesso é a regulação pela arquitetura, mediante o estabelecimento de condicionantes técnicas para a atuação de provedores de conexão que venha a tornar inviável que a tecnologia por eles utilizada venha a captar quaisquer dados de acesso que não aqueles inerentes à própria conexão. Tal abordagem, que pode ser feita na “segunda fase” do Marco Civil (edição de normas infralegais destinadas à sua regulamentação) pode contribuir sobremaneira à concretização dos objetivos do diploma legal, com a redução das discussões sobre a ocorrência ou não de violações ao artigo 14. [770] Conclusão Mediante a análise da relevância do código das aplicações de Internet para a regulação da conduta no meio ambiente digital, bem como da concepção de deveres fundamentais e das prestações instrumentais que lhe asseguram, verificouse a compatibilidade do dever previsto no artigo 14 do Marco Civil para com o dever fundamental de preservação de um meio ambiente digital mais equilibrado e sustentável. Verificouse, ainda, que a despeito das eventuais discussões sobre como sancionar o descumprimento da aludida norma, a melhor forma de garantir os objetivos que pautaram sua edição reside na regulação da arquitetura de software e hardware, de forma a impedir que os provedores de conexão venham a ter acesso aos dados relativos às aplicações de Internet utilizadas por seus clientes. REFERÊNCIAS BARLOW, John Perry. A declaration of the independence of Cyberspace. Disponível em: . Acesso em 1 jul. 2014. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: Vol. I. Tradução de Roneide Venancio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999, 698p. 18
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