Proxy Advisors: os consultores em matéria de votação

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JULIANO FERREIRA*

PROXY ADVISORS OS CONSULTORES EM MATÉRIA DE VOTAÇÃO**

LISBOA OUTUBRO DE 2014

* Jurista do Departamento de Supervisão de Mercados, Emitentes e Informação da CMVM ** O presente texto expressa opiniões estritamente pessoais que não podem ser legitimamente entendidas como manifestação da posição da CMVM sobre as matérias versadas

Proxy advisors: os consultores em matéria de votação

Proxy advisors, os consultores em matéria de votação Publicado em Almedina | Governance Lab, in A Designação de Administradores, AAVV., 2015

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Proxy advisors: os consultores em matéria de votação

APRESENTAÇÃO DO TEMA, 1. Os proxy advisors; 1.1. Origem; 1.2. Atividade; 1.3. Riscos associados; 2. Proxy advisors e eleição de administradores; 3.Enquadramento legal da atividade; 3.1. Direito comunitário (em constituição); 3.2. As regras de direito nacional; 3.2.1. O exercício do direito de voto em representação do acionista; 3.2.2. A imputação de direitos de voto; 4. Conclusões.

APRESENTAÇÃO DO TEMA

Tomando como objeto de análise o processo de designação de administradores no âmbito de sociedades cotadas, procura-se averiguar se, e em que medida, o mesmo pode ser influenciado pela intervenção dos proxy advisors (consultores em matéria de votação). A reduzida dimensão do mercado de capitais português e da generalidade das sociedades cotadas que o compõem, associada às especificidades das respetivas estruturas acionistas e ao exigente regime legal instituído justificarão, pelo menos em parte, que os efeitos da atuação de tais agentes comece apenas agora a ter, entre nós, repercussões mais evidentes, embora tímidas. Não abundam, por isso, elementos históricos que permitam empreender uma análise que tome em consideração aspetos comportamentais daqueles agentes, nem dados que permitam mensurar o impacto da sua atuação no nosso mercado1 e, em concreto, no comportamento dos acionistas. Centrar-nos-emos, por isso, na caracterização destes ‘novos’ players e na circunscrição do seu âmbito de atividade, recorrendo, pois a isso o obrigam as circunstâncias, à experiência dos proxy advisors que, desde inícios da década de 80, atuam no mercado norte-americano. Salvaguardadas as diferenças de enquadramento, permitimo-nos, a partir dessa experiência, problematizar a adequação do âmbito plurifacetado da sua atuação com os mecanismos legais que regem e enquadram a tomada de deliberações pelos

Não obstante, um dos mais relevantes proxy advisors informa acompanhar e cobrir também sociedades portuguesas (v. “2014 Regional Overview – EMEA (Europe, Middle East, and Africa)”, divulgado pela Institutional Shareholder Services Inc. (“ISS”), divulgado a 19 de dezembro de 2013). 1

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acionistas, com o intuito primordial de determinar se os proxy advisors são efetivamente suscetíveis de exercer influência significativa sobre o sentido das decisões societárias e, em caso afirmativo, se o nosso ordenamento se encontra dotado dos mecanismos de controlo necessários para lidar com o alcance de uma tal influência. Salvaguardadas as diferenças de enquadramento e escala, procuramos a partir dessa experiência determinar as circunstâncias em que os proxy advisors adquirem efetivamente a suscetibilidade de exercer influência significativa sobre o sentido das decisões societárias, os riscos potenciais inerentes e a adequação da legislação vigente como forma de mitigar o alcance e efeitos de uma tal influência.

1.

Os proxy advisors

1.1.

Origem

I. O surgimento da atividade de aconselhamento quanto ao exercício do direito de voto – que remonta aos inícios da década de 80, nos Estados Unidos da América – deve-se a uma combinação de fatores e circunstâncias que, tendo estado na origem da gestação de uma concreta necessidade – a decisão ótima do sentido em que devem ser exercidos os direitos de voto, inerentes a ações representativas do capital social de sociedades cotadas –, abriram espaço à disponibilização de uma solução profissional tendente à sua plena satisfação. Num contexto de mercado de capitais dinâmico e desenvolvido, de proliferação de sociedades cotadas e de grande dispersão dos respetivos capitais sociais, de uma forte presença de investidores institucionais e do caráter transnacional dos seus investimentos – gerindo o seu, ou patrimónios alheios –, sentiu-se com particular acuidade a necessidade de instituir mecanismos que permitissem aos titulares das ações, ou àqueles que as gerem em seu nome ou por sua conta, exercer adequadamente os respetivos direitos (maxime, de voto), como forma de

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participação na vida da sociedade e como meio indispensável à proteção do seu investimento. O impulso originário que viria a atribuir sentido ao serviço prestado pelos proxy advisors terá sido a instituição de regras legais que visaram proteger os investidores, participantes em organismos de investimento coletivo, restringindo a discricionariedade de atuação das respetivas entidades gestoras – obrigando-as, no cumprimento de deveres fiduciários, a prosseguir efetivamente o interesse dos participantes 2 _ 3 –, e promovendo o aumento da transparência, quer pela divulgação prévia da política de gestão e das linhas de orientação quanto ao sentido provável em que serão exercidos os direitos de voto, quer pela apresentação e justificação do sentido em que aqueles direitos vieram efetivamente a ser exercidos, no âmbito de concretas assembleias gerais. Por outro lado, a tomada de consciência dos efeitos nefastos da não deteção atempada de irregularidades – como as que estiveram na origem de falências como da Enron e da WorldCom, por exemplo –, trouxe um sentimento crescente de urgência na monitorização das práticas societárias, o que ganhou forma através de um movimento de ativismo acionista, de que constituíram rosto mais visível os hedge funds. A eficácia da sua atuação exigiu que a mesma partisse de uma abordagem

Tal exigência reconduz-se, na sua origem, à adoção pela Securities and Exchange Comission (“SEC”) do art. 206(4)-6 do “Investment Advisers Act” de 1940, da qual resulta que os direitos de voto devem ser exercidos no melhor interesse dos clientes. Adicionalmente, o art. 30b1-4 do “Investment Company Act”, também de 1940, dispõe que os fundos de investimento devem divulgar anualmente o histórico, as políticas e os procedimentos usados para determinar o sentido em que são exercidos os direitos de voto inerentes às ações integrantes do seu património. Para um maior detalhe das circunstâncias que propiciaram o surgimento dos proxy advisors, v. COLIN DIAMOND e IRINA YEVMENENKO, “Proxy Who Is Overseeing The Proxy Advisors?” (2008), disponível para consulta em http://www.whitecase.com/publications_122008_1/#.VEAuA8lzDYg. 2

Entre nós, o dever de a entidade gestora atuar no exclusivo interesse dos participantes encontra-se expressamente previsto no art. 14.º do Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63-A/2013, de 10 de maio, onde se prevê que «[a] entidade responsável pela gestão, o depositário e as entidades comercializadoras de um OIC agem de modo independente e no exclusivo interesse dos participantes». 3

No que em concreto diz respeito ao exercício dos direitos de voto inerentes às ações sob gestão, prevêse, no art. 80.º/7 do referido Decreto-Lei, que «[a]s entidades responsáveis pela gestão comunicam à CMVM e ao mercado a justificação do sentido de exercício do direito de voto inerente a ações da carteira dos OIC que gerem, nos termos a definir em regulamento da CMVM».

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disciplinada e racional, assente na predeterminação dos aspetos carecidos de especial acompanhamento e controlo e no uso dos mecanismos à disposição dos acionistas, em particular o direito de voto, como forma de obtenção de uma eficaz proteção e maximização do seu investimento. A busca pelo uso eficiente do direito de voto e a sua funcionalização à obtenção dos resultados desejados por aqueles acionistas, conduziu à procura de aconselhamento profissional quanto ao governo das sociedades, função que viria a ser assegurada pelos proxy advisors.

II. O surgimento do serviço de consultoria, prestado pelos proxy advisors, encontra origem na criação da ISS, aquela que é consensualmente apontada como a primeira ‘agência’ do género. De tal forma que falar deste serviço é, em grande medida, falar da própria história da ISS4. O intuito primordial da ISS era, à data do seu surgimento, providenciar aos gestores de organismos de investimento coletivo (essencialmente, fundos de pensões) os meios necessários para que estes pudessem dar devido cumprimento aos seus deveres fiduciários, no que em particular diz respeito à prossecução dos interesses dos titulares ou beneficiários dos ativos sobre sua gestão (onde se incluíssem valores mobiliários aos quais estivessem inerentes direitos de voto), permitindo-lhes fundamentar a racionalidade das respetivas decisões na adoção das ‘recomendações’ por aquela emitidas.

III. Com o decurso do tempo, o âmbito das suas atividades conheceu um significativo alargamento, tendo-se estendido a serviços mais ou menos relacionados com a típica e originária função de ‘advising’, que, porém, continuou a ocupar lugar privilegiado até aos nossos dias no leque dos serviços prestados. Ainda assim, apenas mais recentemente esta atividade recebeu o devido destaque, ainda que não necessariamente pelos melhores motivos: as incongruências das

Para informação mais detalhada sobre a história da ISS, v. http://www.issgovernance.com /about/iss-history/. 4

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suas análises e resultados 5 , bem como os riscos advenientes de situações de conflitos de interesses6 contribuíram para o acentuar das críticas quanto à falta de correspondência entre a medida do poder que lhes é reconhecido e os mecanismos de salvaguarda a que afinal não se encontram sujeitos.

1.2.

Atividade

I. A atividade dos proxy advisors reconduz-se, no essencial, à prestação de serviços de consultoria societária e funções conexas, coadjuvando no processo de tomada de decisão, inicialmente os acionistas (ou quem atue em seu nome ou por sua conta), depois as próprias sociedades (é dizer, os respetivos órgãos de administração). No que aos acionistas diz respeito, a função dos proxy advisors é, em grande medida, substitutiva

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, porquanto tendo primacialmente como objeto o

aconselhamento quanto ao exercício do direito de voto em assembleia geral8, vai concretizar-se através da recolha e análise de informação sobre a realização de assembleias gerais e respetivo objeto – funções que poderiam (ou deveriam) ser desempenhadas pelos próprios acionistas, caso para tal dispusessem de meios, tempo, recursos e vontade. O resultado dessa análise é, posteriormente, disponibilizado no âmbito da emissão de recomendações de sentido de voto referente

V. TAMARA C. BALINFANTI, “The Proxy Advisory and Corporate Governance Industry: The Case for Increased Oversight and Control” (2009), http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1558097, referindo-se, nas págs. 19 e 50, a erros apontados à metodologia da ISS. 5

Descritos e documentados em relatórios da European Securities and Markets Authority (“ESMA”) e da Comissão Europeia, a que nos referiremos infra, ponto 3.1. 6

Nessa medida, a atuação dos proxy advisors pode ser olhada pela perspetiva da teoria da agência. Como refere TAMARA C. BALINFANTI, The Proxy Advisory and Corporate Governance Industry…, ob. ant. cit., «…even where ISS is simply providing corporate governance ratings, because these ratings are often relied upon by investors and substituted for investors own corporate governance diligence, one can argue that ISS acts as a de facto agent in the governance ratings space». 7

Para uma apreciação crítica da transposição das regras e procedimentos de participação dos acionistas em assembleia geral (Diretiva n.º 2007/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativa ao exercício de certos direitos dos acionistas de sociedades cotadas), v. o nosso “Convocatória e propostas, dever e prazo de publicação no âmbito das assembleias gerais de acionistas de sociedades abertas”, JULIANO FERREIRA, in Revista de Direito das Sociedades, Ano V / n.º 1/2 (2009), págs. 9 a 35. 8

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aos pontos inseridos na ordem do dia, constituindo este o resultado final do serviço remunerado prestado mediante solicitação do interessado9. Em paralelo com esta função, os proxy advisors disponibilizam igualmente o serviço de representação dos acionistas em assembleia geral, fechando, com o exercício efetivo (e material) do direito de voto por conta e em representação daqueles, o ciclo que se inicia com a assessoria no processo de tomada de decisão quanto ao sentido de voto.

II. Como reverso do serviço prestado aos acionistas verifica-se a consultoria prestada às próprias sociedades, responsáveis, as mais das vezes, por apresentar as propostas que, de acordo com a legislação aplicável, constituam reserva de competência deliberativa dos respetivos acionistas. Sendo o sentido de voto relativo a cada ponto da ordem do dia objeto de apreciação por aquelas entidades, no âmbito da atividade de aconselhamento a prestar aos acionistas sobre o sentido em que devem exercer tal direito, é expectável que as sociedades pretendam, também elas e em momento prévio, obter aconselhamento sobre o modo de apresentação, e respetivo conteúdo, das propostas de deliberação que lhes compete apresentar10. Pretende-se com isto evitar que uma proposta de deliberação formulada e apresentada pelo órgão de administração venha a merecer recomendação de voto desfavorável à respetiva aprovação por parte dos proxy advisors.

Para uma melhor perspetiva quanto ao conteúdo das recomendações emitidas pela ISS e pela Glass, Lewis & Co., v. YONCA ERTIMUR, FABRIZIO FERRI, DAVID OESCH, “Shareholder Votes and Proxy Advisors: Evidence from Say on Pay”, (2013), disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract _id=2019239. 9

Sobre a decisiva intervenção deste tipo de prestadores de serviços pronunciam-se COLIN DIAMOND e IRINA YEVMENENKO, “Proxy, Who Is Overseeing The Proxy Advisors?”, ob. ant. cit., referindo, em particular, que os «[p]roxy advisors are perceived as wielding significant power over shareholder meetings. In 2002, Institutional Shareholder Services’ (ISS) endorsement of the Hewlett-Packard/Compaq merger was widely viewed as a decisive factor in the 51.4% vote in favor of the merger. Companies whose proposals are supported by proxy advisors often issue press releases trumpeting this fact. Conversely, those whose proposals are challenged by proxy advisors often issue detailed explanations as to why the proxy advisors’ positions are incorrect. In light of this perceived influence, companies go to significant lengths to avoid conflicts with proxy advisors by seeking their guidance in advance on management proposals and by conforming proposals to the proxy advisor’s published guidelines». 10

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III. Em conexão com os serviços acabados de descrever, é também usualmente referido que estas entidades prestam serviços que, extravasando já o âmbito de concretas assembleias gerais, se situam, ainda assim, ao nível do aconselhamento societário-corporativo, mais concretamente em matérias que se enquadram na abrangente definição de corporate governance, mas que no caso concreto se reconduzem, afinal, a serviços de consultoria e assessoria na gestão das práticas de governo, adotadas ou a adotar pelas sociedades que recorram a esses serviços. Não estaremos já, necessariamente, em face da assessoria na elaboração de concretas propostas a submeter a deliberação dos acionistas, mas antes na definição de modelos de governação e estruturação interna dos órgãos e comissões com função de gestão e fiscalização que, escapando ao crivo direto dos acionistas, ainda assim poderão constituir base para fomentar a confiança no funcionamento interno da sociedade. A função dos proxy advisors passa, neste âmbito, pelo aconselhamento quanto aos modelos mais eficientes, em função daquelas que constituem preocupações por si tidas por mais relevantes. Encontrar-se-á aí um aspeto diferenciador entre os vários players, na medida em que seja dado privilégio a concretos modelos de governação, práticas societárias ou a determinadas políticas de gestão, podendo por exemplo a adoção de medidas que incentivem a tomada de riscos ser uma estratégia interessante para determinado tipo de investidores, quando, no extremo oposto, a criação e reforço de estruturas de controlo interno e fiscalização constituam, por sua vez, condição indispensável ao investimento daqueles mais avessos ao risco. Importante será, neste cenário, que haja transparência quanto aos critérios tidos por relevantes pelos proxy advisors e que os mesmos sejam coerentes com o sentido das recomendações de voto, permitindo assim aos investidores fazer um juízo quanto ao prestador do serviço de aconselhamento que melhor se adequa ao seu perfil.

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IV. Em suma, a atividade dos proxy advisors não encontra uma delimitação objetivamente circunscrita, antes abrangendo áreas tão diversas como a análise e consultoria de práticas societárias, serviços de apoio e representação em assembleia geral, serviços de gestão de risco de estruturas internas de governação, assessoria e apoio no cumprimento de deveres fiduciários ou até a própria prestação de assessoria jurídica no âmbito de conflitos judiciais. A diversificação do seu objeto constitui, porém, apenas um dos fatores potenciadores de uma multiplicidade de riscos que, mais recentemente, têm vindo a ser associados à atividade dos proxy advisors. Os principais são objeto de descrição no ponto seguinte.

1.3.

Riscos associados

I. Custos de Agência. O primeiro dos problemas inerentes à atividade de consultoria societária identificados terá sido a falta de correspondência ou alinhamento entre a titularidade do ‘poder’ de decidir e a sujeição aos riscos e às consequências da decisão, potenciada pela ausência de mecanismos corretivos ou de controlo, externos aos próprios proxy advisors. A atuação destes encontrar-se-á, portanto, tendencialmente desalinhada com as expectativas daqueles que recorrem aos seus serviços, não havendo, à partida, um adequado incentivo que promova a confluência de interesses e que não deixe desprotegido quem recorra a tais serviços. A não sujeição dos proxy advisors a qualquer esquema de vinculação fiduciária para com os seus clientes reforça o referido desalinhamento, deixando a sua atuação potencialmente sem controlo, interno ou externo, e propiciando, em última análise, o privilégio pela adoção pelos proxy advisors de condutas com maior risco, na procura de resultados ou benefícios imediatos ou de curto prazo. Considerando que o ‘cliente’-tipo destes serviços não é, muitas vezes, o acionista ou o beneficiário económico (beneficial owner), mas a entidade responsável pela gestão de ativos, no âmbito de organismos de investimento coletivo, verificar-se-á

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que à falta de autocontrolo se há de juntar a falta de (incentivos para que sejam implementados mecanismos de) controlo externo, desde logo, aqueles a estabelecer pelos respetivos clientes institucionais. Num cenário como o descrito, os potenciais efeitos negativos da falta de alinhamento de interesses não recaem sobre os proxy advisors nem sobre os seus clientes institucionais, mas antes sobre quem aporta o investimento11. É neste contexto que uma intervenção regulatória se revela necessária, através da previsão de mecanismos de salvaguarda e controlo que, em benefício dos investidores, controle a atuação dos proxy advisors e dê sentido material aos deveres dos investidores institucionais para com os seus clientes.

II. Falta de transparência. A agravar os efeitos decorrentes dos custos de agência está a opacidade dos procedimentos e métodos adotados no âmbito das múltiplas atividades dos proxy advisors, facto que adquire especial relevo no âmbito das funções de análise e elaboração de recomendações sobre o sentido de voto. O conhecimento tendencialmente exclusivo do resultado final, desacompanhado dos elementos que foram tidos em consideração e da respetiva ponderação relativa, bem como da metodologia de análise utilizada, poderão conduzir os clientes institucionais a tomar como referência determinada recomendação na expectativa, errada, de que a mesma é fruto da ponderação dos elementos que esse cliente em concreto entende melhor corresponderem ao seu perfil, à sua expectativa do resultado da mesma sobre a sociedade em concreto, ou ao âmbito do tema objeto da deliberação. Nessa medida, a opacidade metodológica – ou a opacidade como método –, constitui-se como fator anticoncorrencial, prejudicando a análise comparativa dos modelos e procedimentos seguidos e impedindo que os investidores tenham

Nesse sentido, TAMARA C. BELINFANTI, “The proxy advisory and corporate governace industry…”, ob. ant. cit., págs. 7, 20 e 57, onde conclui, tomando como objeto de análise o modelo da ISS, que «At the end of the day, should ISS’ proxy voting advice and corporate governance ratings prove woefully flawed, it will not be ISS or the mutual funds that will have to bear the price; instead it will be public companies, their longterm shareholders, and our corporate system.» 11

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acesso a informação útil que, no limite, poderia conduzi-los a optar por recorrer a um concorrente. A falta de transparência constitui, assim, fator de distorção dos mecanismos de escolha dos investidores.

III. Falta de qualidade. A falta de divulgação das respetivas metodologias, identificada no ponto anterior, vem por sua vez agravar as consequências de procedimentos relativamente discricionários e aumentar a incerteza quanto à qualidade dos serviços prestados. A inexistência de regras de composição orgânica, a inexigibilidade de requisitos de qualificação (académica, profissional, de idoneidade e de independência) e a inexistência de mecanismos de controlo interno (ou externo) e gestão de risco constituem, entre outros, fundamentos possíveis que facilmente se podem associar a situações em que são apontadas concretas falhas ou incorreções12 no sentido de certas recomendações de voto ou mesmo nos ratings disponibilizados aos respetivos clientes13. A não sindicabilidade dos procedimentos adotados – ou a atuação num espaço de liberdade e de irresponsabilidade opinativa –, associada ao crescente número de solicitações por clientes e ao alargamento das sociedades e mercados cobertos14, são suscetíveis de conduzir a erros ou imprecisões cujos efeitos negativos correm por conta dos clientes, desprovidos que estão de mecanismos de reação efetiva contra os proxy advisors. Estes, por sua vez, refugiados na aparência de irresponsabilidade da sua conduta, podem prestar-se a um natural relaxamento,

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V. supra, nota 5.

Cobra pleno sentido, quanto a estas, a afirmação de que «it seems easier to spot “bad governance” structures than it is to effectively prescribe “good governance” structures”», PAUL ROSE, Commentary, “On the Role and Regulation of Proxy Advisors”, 109, Michigan Law Review - First Impressions, (2010) pág. 62 e ss., disponível em http://www.michiganlawreview.org/assets/ fi/109/rose.pdf. 13

Como se explicita nos fundamentos da proposta de alteração à Diretiva 2007/36/CE, no que se refere aos incentivos ao envolvimento dos acionistas de longo prazo e a Diretiva 2013/34/EU, respeitante a determinados elementos da declaração sobre o governo das sociedades – a que nos referiremos mais detalhadamente infra, ponto 3.1 – «as metodologias utilizadas por esses consultores para elaborar as suas recomendações nem sempre têm suficientemente em conta o mercado e a regulamentação locais». 14

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não tendo qualquer incentivo à adoção de procedimentos e métodos rigorosos, transparentes e objetivos, logo, sindicáveis por terceiros. A qualidade do serviço prestado, porém, não A agravar tais considerações está, porém, uma preocupação mais de fundo

III. Conflito de interesses. A circunstância de os proxy advisors prestarem, em simultâneo,

serviços

de

idêntico

objeto

aos

‘acionistas’

(investidores

institucionais), e às sociedades (órgãos de administração) é suscetível de originar situações de conflito de interesses, não sendo possível garantir, a priori, que o resultado das recomendações disponibilizadas aos acionistas não é afetado pela (pre)existência de vínculos com os órgãos de administração, ou, de outro modo, que a contratação pelas sociedades de serviços de consultoria aos proxy advisors não constitui via para a obtenção de recomendações de voto favoráveis em relação a propostas que por aqueles venham a ser apresentadas15. A situação descrita pode, facilmente, ser agravada se os responsáveis pela prestação do serviço – as pessoas responsáveis pela análise e que não só têm acesso a informação sensível, como efetivamente têm a suscetibilidade de influenciar o sentido das recomendações a emitir –, tiverem, em acréscimo, um qualquer interesse pessoal na sociedade ou no título, decorrente do facto de, por exemplo,

Vão nesse sentido as conclusões incluídas no relatório apresentado, em 2007, pelo U.S. Government Accountability Office (GAO) ao Congresso (EUA), onde se chamava a atenção para o facto de um proxy advisor poder prestar assessoria para a elaboração, por uma determinada sociedade, de uma política de remuneração dos seus administradores executivos a apresentar aos acionistas e, depois, aconselhar esses mesmos acionistas a aprovar essa proposta. Por sua vez, as sociedades poderiam sentir-se na obrigação de contratar tais serviços de consultoria para obter recomendações de voto favoráveis, ou mesmo adotar determinados padrões com o intuito exclusivo de ir de encontro à expectativa dos proxy advisors, mesmo que nisso não vejam qualquer valor intrínseco. V. US GOVERNMENT ACCOUNTABILITY OFFICE, “Issues Relating to Firms that Advise Institutional Investors on Proxy Voting” (2007), pág. 10, disponível em http://www.gao.gov/new.items/d07765.pdf. 15

Uma outra fonte de potencial conflito emerge quando são simultaneamente prestados serviços de consultoria às sociedades, para efeitos de estruturação das respetivas práticas de governo societário e, ao mesmo tempo, são divulgados ratings de empresas que têm por base a adoção de boas práticas de governo societário. Chamando a atenção para este problema específico, v. Millstein Center for Corporate Governance and Performance, Yale School of Management, Policy Briefing No. 3 (2009), “Voting Integrity: Practices for Investors and the Global Proxy Advisory Industry”, disponível em http://millstein.som.yale.edu/Voting%20Integrity%20Policy%20Briefing%2002%2027%2009.pdf.

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serem acionistas da sociedade em causa, membros dos seus órgãos sociais 16 ou pessoas estreitamente relacionadas com uns e/ou outros. Por fim, um subtipo de potencial conflito de interesses poderá decorrer da circunstância de a remuneração associada à prestação do serviço poder ter origem, ainda que indireta, na própria sociedade relativamente à qual o proxy advisor venha depois a emitir recomendações de sentido de voto. A tendência para a manutenção de uma relação contratual estável poderá gerar nas partes restrições à liberdade e independência de atuação, afetando, em última análise, a qualidade do serviço prestado a terceiros pelos proxy advisors.

V. Falta de concorrência. Aos problemas já identificados vem juntar-se um outro, a efetiva falta de concorrência entre os proxy advisors. Ainda que, em relação aos demais aspetos críticos da sua atividade se tenham vindo a verificar progressivas melhorias17, será com maior dificuldade ultrapassável o facto de o mercado de proxy advisors ser significativamente concentrado e de serem muito poucos aqueles que se conseguem afirmar como prestadores de tais serviços18.

VI. Poderes discricionários e exercício de influência significativa no resultado de votações. Mais do que um efetivo problema, a acrescer aos demais, a suspeita de que a natureza dos serviços prestados pelos proxy advisors é, em si mesma, suscetível de lhes conferir o poder significativo de decisivamente influenciar o sentido de deliberações societárias, constitui verdadeiro cerne das preocupações dos legisladores americano e europeu. Com o recurso crescente aos serviços prestados

Como se refere no relatório do U.S. Government Accountability Office, citado na nota anterior, «Owners or executives of proxy advisory firms may have a significant ownership interest in or serve on the board of directors of corporations that have proposals on which the firms are offering vote recommendations.» 16

A ISS, por exemplo, divulga no respetivo sítio de internet as políticas adotadas para o sentido de voto a seguir genericamente em cada país (caso não seja solicitado aconselhamento concreto), atendendo às particularidades das legislações e práticas locais, tendo ainda aderido a um código de boas práticas (v. infra, ponto 3.1.). 17

LARS KLÖHN e PHILIP SCHWARZ, “The Regulation of Proxy Advisors”, (2012) pág. 3, disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2079799. 18

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pelos proxy advisors, que assim se pronunciam tendo como destinatários titulares de importantes frações do capital social de sociedades cotadas, o poder de determinar o sentido final das votações tornou-se realidade19. E como se não fosse suficiente o facto de os proxy advisors se substituírem aos acionistas no momento da formação da vontade destes quanto ao sentido em que virão a exercer os direitos de voto, prestam ainda o serviço adicional de, em sua substituição e representação, participar em assembleias gerais e aí exercer os direitos de voto inerentes às ações por aqueles detidas. Neste âmbito, não serão de afastar hipóteses em que a prestação deste serviço concreto seja acompanhada da atribuição de poderes discricionários para o exercício de direito de voto, para além da concessão dos indispensáveis poderes de representação. Em tais circunstâncias, ganha particular relevo o risco inerente ao facto de o poder de voto estar concentrado em quem não teve o correspetivo custo do investimento, daí emergindo problemas reais de exercício de domínio sem qualquer relação com um interesse societário típico (casos de empty voting ou hidden ownership20).

2.

Proxy advisors e eleição de administradores

I. Apesar de não ser mensurável, com rigor, a concreta influência dos proxy advisors na determinação do sentido das decisões societárias, inúmeros têm sido os estudos empíricos que procuram objetivar a preponderância destes agentes na tomada de

São já variados os relatos de situações em que as recomendações dos proxy advisors formaram massa crítica suficiente para decidir o sentido de determinadas deliberações sociais. Veja-se, a este propósito, TAMARA C. BALINFANTI “The proxy advisory and corporate governnace industry…”, ob. ant. cit., pág. 4, onde se refere o caso de a ISS ter influenciado, no caso da 3M, o sentido que veio a representar a maioria que formou a decisão da sociedade numa concreta assembleia geral. 19

Sobre o fenómeno v. HENRY T.C. HU e BERNARD BLACK, “Empty Voting and Hidden Ownership: Taxonomy, Implications, and Reforms” (2006, revisto em 2008) e “The New Vote Buying: Empty Voting and Hidden (Morphable) Ownership” (2006, revisto em 2008), ambos disponíveis em http://papers.ssrn.com/sol3/cf_dev/AbsByAuth.cfm?per_id=128331. 20

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deliberações relacionadas com questões concretas, como a remuneração dos órgãos sociais21 ou a designação de administradores22. Recordemos, porém, que uma das críticas mais frequentemente apontadas à falta de regulação da atividade dos proxy advisors assenta, precisamente, na circunstância de estes, assessorando simultaneamente acionistas e conselhos de administração de uma mesma sociedade, se colocarem frequentemente em situação de (potencial) conflito de interesses. No epicentro desse conflito estarão os administradores das sociedades cotadas. É a sua atuação, por ação ou omissão, que constitui objeto sobre que incide a análise, as recomendações e os rankings ou ratings por aquelas divulgados. São as decisões que os administradores tomam e as propostas que submetem à consideração dos acionistas que ficam sujeitas ao escrutínio de entidades a que também eles recorrem, agora já como clientes. Fazem-no não só com o intuito de fundamentar devidamente a sua atuação, mas também com o propósito de antecipar o juízo crítico que sobre tal atuação incidirá, numa tentativa de se conformarem antecipadamente com a conduta que esperam merecer apreciação positiva dos proxy advisors. Ao invés de orientarem a sua ação pelas expectáveis consequências benéficas que das mesmas resultarão, numa perspetiva de governo da sociedade, tentam conformar-se com medidas que, potencialmente inadequadas face à circunstância concreta da sociedade, ainda assim merecem a concordância dos

YONCA ERTIMUR, FABRIZIO FERRI, DAVID OESCH, “Shareholder Votes and Proxy Advisors: Evidence from Say on Pay”, ob. ant. cit. Concluindo no sentido de as políticas de remuneração (say-on-pay) serem significativamente influenciadas pelos proxy advisors – ainda que daí não se extraia, necessariamente, a conclusão de que esse influência é benéfica para os acionistas ou para as sociedades –, DAVID F. LARCKER, ALLAN L. MCCALL e BRIAN TAYAN, “The influence of proxy advisory firm voting recommendations on say-on-pay votes and executive compensation decisions” (2012), disponível em https://www.conference -board.org/publications/publicationdetail.cfm?publicationid=2138. 21

STEPHEN CHOI, JILL FISCH, MARCEL KAHAN, “Director Elections and the Influence of Proxy Advisors” (2008), disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1127282, e “The Power Of Proxy Advisors: Myth Or Reality?” (2010), disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm? abstract_id=1694535. 22

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proxy advisors, no que afinal se pode revelar uma medida sem qualquer efeito – ou até uma medida com efeitos negativos – na sociedade em concreto23.

II. A emissão de recomendações de voto assenta em diferentes abordagens ou metodologias. Por um lado, é usual a divulgação pública de linhas de orientação genéricas, baseadas em considerações que assentam no objeto das matérias sujeitas a deliberação e que refletem uma postura estandardizada do proxy advisor sobre esse tema. Pouco espaço há para considerações ditadas pelas particularidades do caso, da empresa ou do tema em si. Por outro lado, certas recomendações podem incidir especificamente sobre propostas concretas, especialmente quando não se reconduzam às deliberações sociais ordinárias – por exemplo, aprovação de participação em determinadas operações, cuja aprovação seja competência do conselho de administração mas que, ainda assim, sejam por aqueles sujeitas a aprovação dos acionistas –, caso em que a abordagem tomará já em consideração aspetos específicos relacionados com o tema da deliberação. Nesta segunda vertente, porém, o serviço prestado corresponderá a solicitação do cliente e já não recomendação disponibilizada publicamente e de forma gratuita. As propostas que incidam sobre a designação ou destituição de administradores podem ser analisadas quer numa quer noutra perspetiva, ora envolvendo a convocação de princípios genéricos – votar contra a recondução de administradores em funções, votar a favor da eleição de listas compostas por maioria de membros independentes24, votar contra a eleição de administradores

Alertando para esta conclusão, PAUL ROSE, Commentary, “On the Role and Regulation of Proxy Advisors”, ob. ant. cit., pág. 63. No mesmo sentido, v. as conclusões incluídas no relatório apresentado, em 2007, pelo U.S. Government Accountability Office (GAO) ao Congresso (EUA), mencionado supra, nota 15. 23

Neste aspeto particular, é curioso verificar que a atuação dos proxy advisors pode, em certos casos, ser relativamente acrítica: em 2013, havia em Portugal um único código de governo das sociedades, emitido pela CMVM. Nas políticas de voto publicamente divulgadas pela ISS para 2013 (v. 2013EuropeanProxyVotingSummaryGuidelines, disponíveis em http://www.issgovernance.com /policy-gateway/2013-policy-information/), informava-se que em Portugal era recomendado que o 24

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que exerçam funções em mais de um certo número de sociedades…–, ora baseando-se nas circunstâncias específicas da sociedade, do contexto e dos administradores em concreto. Na determinação das circunstâncias que podem influenciar o sentido de voto quando em causa esteja a composição do órgão de administração, relevarão menos os aspetos relacionados com a performance dos administradores ou da sociedade, sendo ao invés relevados critérios mais facilmente objetiváveis, como a respetiva disponibilidade para o exercício das funções ou a inexistência de situações evidentes de conflito de interesses. O facto de os administradores que se encontram em fim de mandato terem estado presentes em pelo menos 75% das reuniões do conselho de administração ou a circunstância de obterem recomendações desfavoráveis de um proxy advisor25 são elementos relevantes que parecem pesar na posição a assumir pelos acionistas.

III. No que respeita aos Estados Unidos da América, local onde desde mais cedo o tema tem vindo a merecer interesse, são usualmente identificados vários motivos que contribuem para o aumento da preponderância dos proxy advisors, no que em particular diz respeito à eleição de administradores26.

órgão de administração das sociedades cotadas, pertencentes ao índice PSI-20, fossem compostos por pelo menos 25% de membros independentes, pelo que se recomendava voto desfavorável a proposta que implicasse incumprimento da recomendação. Para 2014, em face da revisão do código emitido pela CMVM e do surgimento de código concorrente, emitido pelo Instituto Português de Corporate Governance, a solução foi, simplesmente, nada especificar quanto ao caso português (v. EMEA Regional Overview, disponível em http://www.issgovernance.com/policy-gateway/2014-policyinformation/). No caso, a ISS. V. JIE CAI, JACQUELINE L. GARNER, e RALPH A. WALKLING, “Electing directors”, in The Journal Of Finance, vol. LXIV, n.º 5, (2009), pág. 2391. 25

Desde a mudança do sistema de voto plural (plurality voting) na designação de administradores, para o sistema de voto por maioria (majority voting), passando pela adoção de práticas de governo societário de avaliação (e votação) anual dos membros do órgão de administração, ou mesmo por mudanças legais e regulatórias, como aquelas que vieram a por termo à prática de os brokers que não recebessem instruções concretas dos respetivos clientes quanto ao exercício dos direitos de voto, poderem votar na eleição de administradores (quando usualmente o faziam no sentido da reeleição dos administradores em funções). Para uma descrição mais detalhada, v. STEPHEN CHOI, JILL FISCH, MARCEL KAHAN, “The Power Of Proxy Advisors: Myth Or Reality?”, ob. ant. cit., págs. 872 a 877. 26

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Apesar das particularidades daquele mercado, será possível afirmar, a partir desse exemplo, que a influência dos proxy advisors na eleição de administradores será tanto maior quanto mais dispersa for a estrutura acionista da sociedade e aumentará à medida que aumenta a participação detida por investidores institucionais. Fácil é de ver, portanto, que a sua atuação terá uma influência diminuta em mercados de capitais marcados pela existência de sociedades cotadas de capital significativamente concentrado, em parte sujeitas a um ou mais acionistas controladores e, por vezes, marcadas por domínios de natureza familiar, com atividade social muito centrada no mercado nacional e pouco permeáveis a investimento externo ou a qualquer tipo de internacionalização.

IV. No mercado europeu, porém, começa também a sentir-se a influência dos proxy advisors. Ficou célebre a intervenção da Ethos, que em 2010 se opôs à reeleição dos membros do órgão e administração da UBS, a que se juntou a expressa oposição à nomeação para o órgão de administração de um novo administrador, com fundamento na circunstância de o meso exercer já funções em 4 grandes sociedades cotadas na Alemanha e nos EUA27. No mercado nacional é ainda tímida a influência dos proxy advisors. As características do mercado, das empresas e dos investidores e, em particular, a respetiva dimensão, poderão justificar o aparente desinteresse. É por isso de destacar a recente intervenção que se fez sentir a propósito de uma assembleia geral da Portugal Telecom S.G.P.S., S.A., no âmbito da qual foi

Recomendação disponível em http://www.ethosfund.ch/e/news-publications/news.asp?code=227. «Oppose the discharge: UBS has decided to request shareholders to discharge the Board and executive management for their management of the Bank. In light of the Board's heavy responsibility for the enormous losses realised in recent years and the ongoing sensitive tax issues with the USA as well as the Board's decision not to file claims against former executives, Ethos recommends that shareholders do not grant the discharge for the years 2007, 2008 and 2009. Oppose the election of Wolfgang Mayrhuber: Ethos will oppose the election to the Board of Wolfgang Mayrhuber, CEO of Deutsche Lufthansa, as he already holds four directorships in large listed companies in Germany and the USA: BMW, Munich Re, Fraport and Heico Corp». Com referência a este caso em concreto, LARS KLÖHN, e PHILIP SCHWARZ, “The Regulation of Proxy Advisors”, ob. ant. cit. 27

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amplamente noticiada28 a posição assumida pela ISS e pela Glass Lewis, de sentido divergente, opondo-se a primeira à combinação de negócios com a empresa brasileira Oi, recomendando a segunda a respetiva aprovação29. Esta tomada de posição é, em si, esclarecedora quanto à função dos proxy advisors: exprimem

uma

opinião,

pela

qual

tendem

a

não

assumir

qualquer

responsabilidade, com base em informação a que puderam aceder e de acordo com o método de análise e tratamento da mesma, em função dos critérios predeterminados que constituem a sua metodologia. Os acionistas que procurem nessas recomendações uma orientação para a sua conduta, apenas a encontrarão se, independentemente de simpatizarem com o resultado das mesmas, estiverem em sintonia com as metodologias adotadas e com os valores que orientam as respetivas análises.

3.

Enquadramento legal da atividade

3.1.

Direito comunitário (em constituição)

Em face do interesse crescente que o tema tem vindo a merecer, e perante as incertezas quanto aos riscos associados a esta atividade, a ESMA promoveu, no decurso de 2011, um exercício tipo de recolha de informação junto de agentes do mercado (fact finding exercise), com intuito de apreender a natureza das relações que se estabelecem no âmbito da prestação de serviços de aconselhamento dos acionistas quanto ao exercício do direito de voto30. Resultado dessa análise, foi em Vejam-se, a este propósito, as recomendações emitidas em 2014 a propósito da projetada operação de fusão entre a Portugal Telecom SGPS, SA, a OI, SA e a CorpCo, a que faz referência a notícia publicada pela edição on-line do Jornal de Negócios (http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/ detalhe/associacao_de_aconselhamento_a_accionista_recomenda_voto_a_favor_na_assembleia_da_ pt.html) e pela Bloomberg (http://www.bloomberg.com/news/2014-03-14/oi-s-portugal-telecomdeal-draws-opposing-views-from-iss-glass.html). 28

Como bem refere PAUL ROSE, Commentary, “On the Role and Regulation of Proxy Advisors”, ob. ant. cit., pág. 64, «Even without the benefit of research on particular ratings models, we know that some of them must be wrong because they often do not agree on whether a particular firm has “good” governance”». 29

Essa análise foi precedida pela divulgação, pela Comissão Europeia, do “LIVRO VERDE, O quadro da UE do governo das sociedades” (COM [2011] 164 final), onde se reservavam alguns parágrafos para o 30

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2012 divulgado um documento intitulado “An Overview of the Proxy Advisory Industry. Considerations on Possible Policy Options”31, onde, na sequência de uma exaustiva análise daquele mercado, se descreviam os principais problemas e se equacionavam possíveis medidas de política regulatória, convidando-se os interessados a pronunciarem-se nesse âmbito. Na pendência daquela análise, a Comissão Europeia divulgou, em 12 de dezembro de 2012, o seu “Plano de ação: Direito das sociedades europeu e governo das sociedades um quadro jurídico moderno com vista a uma maior participação dos acionistas e a sustentabilidade das empresas”32, onde, aguardando embora o resultado da análise da ESMA, antecipava que «A Comissão considerará o lançamento de uma iniciativa em 2013, eventualmente no quadro da revisão da Diretiva relativa aos direitos dos acionistas, com vista a melhorar as regras aplicáveis aos consultores em matéria de transparência e de conflito de interesses.» A conclusão da ESMA foi publicada, sob a forma de Relatório Final33, em 2013, resultado da análise iniciada em 2011, tendo aquela concluído que, não obstante ser desejável um esforço coordenado em temas como o da transparência, não foram carreados suficientes elementos demonstrativos de que a conduta dos proxy advisors, na sua relação com os investidores e com os emitentes, constitui uma falha de mercado, que careça de ser colmatada pela introdução de regulamentação específica. Ao invés, concluiu ser necessária uma mais evidente perceção da atividade dos proxy advisors e uma mais coordenada relação entre estes, os emitentes e os acionistas, onde cada um deles esteja consciente das seus direitos e a à altura das tema dos consultores em matéria de voto (2.5., págs. 16 e 17) e onde se equacionava, desde logo, a eventual necessidade de adoção de medidas de natureza legislativa. Documento disponível em http://ec.europa.eu/green-papers/index_pt.htm#2011. Disponível em http://www.esma.europa.eu/content/Discussion-Paper-Overview-Proxy-AdvisoryIndustry-Considerations-Possible-Policy-Options. 31

Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões (COM [2012] 740 final)., disponível em http://ec.europa.eu/prelex/detail _dossier_real.cfm?CL=pt&DosId=202241. 32

Disponível em http://www.esma.europa.eu/content/Feedback-statement-consultation-regardingrole-proxy-advisory-industry. 33

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suas responsabilidades. Estava aberto o caminho para a adoção de medidas de autorregulação, que a ESMA expressamente incentivava. Em resposta ao apelo, foi constituído um grupo formado por membros da indústria, a que atribuíram a designação de “Best Practice Principles Group”34, que emitiram, em março de 2014, um Código de Conduta, de adesão voluntária35 e de adoção nos termos do princípio comply or explain. Os 3 temas objeto das recomendações dizem respeito à qualidade do serviço prestado, à gestão de conflitos de interesses e ao modo de relacionamento e comunicação entre os proxy advisors e sociedades e acionistas36. Em abril de 2014, a Comissão Europeia viria a divulgar uma proposta de alteração à Diretiva 2007/36/CE, no que se refere aos incentivos ao envolvimento dos acionistas de longo prazo e a Diretiva 2013/34/EU no que se refere a determinados elementos da declaração sobre o governo das sociedades 37 , onde se procuram combater as duas insuficiências detetadas «1) as metodologias utilizadas por esses consultores para elaborar as suas recomendações nem sempre têm suficientemente em conta o mercado e a regulamentação locais; e 2) os consultores em causa prestam serviços aos emitentes, o que poderá afetar a sua independência e a sua capacidade de prestar um aconselhamento objetivo e fiável.»

Informação relacionada com o referido grupo, incluindo o contexto em que surgiu e o código de boas práticas que constitui resultado final do seu trabalho, pode ser encontrada em http://bppgrp.info. 34

À data deste texto eram signatários do código de conduta a Manifest Information Services (12 de maio de 2014), a Institutional Shareholder Services (10 de junho de 2014) e a Glass Lewis (22 de agosto de 2014), aguardando-se a adesão da ECGS, da IVOX e da PIRC (http://bppgrp.info/?page_id=304). 35

Ainda no âmbito da autorregulação, atente-se nos princípios divulgados pelo Center For Capital Markets Competitiveness, intitulados “Best Practices And Core Principles For The Developement, Dispensation And Receipt Of Proxy Advice” (disponível em http://www.centerforcapitalmarkets.com/). A realçar há o facto de este conjunto recomendatório se dirigir não apenas aos prestadores deste serviços, mas também aos respetivos clientes e às sociedades que dele constituem ‘objeto’, numa abordagem que transcende uma apreciação isolada da atuação de cada um dos referidos agentes, antes os integrando numa relação dinâmica, mais próxima, por isso, da situação relacional real que entre aqueles se estabelece. 36

Proposta de alteração, disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=141380 0826485&uri=CELEX:52014PC0213. 37

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Para tanto, propõe a Comissão a implementação de «requisitos vinculativos de divulgação das metodologias e dos conflitos de interesses no que respeita aos consultores em matéria de votação», que se poderão traduzir na exigência de que «os consultores adotem e apliquem medidas adequadas para garantir que as suas recomendações de voto são precisas e fiáveis, com base numa análise exaustiva de todas as informações de que disponham, não sendo afetadas por qualquer real ou potencial conflito de interesses ou relação de negócio. Os consultores são obrigados (…) a divulgar publicamente certas informações essenciais relacionadas com a preparação das suas recomendações de voto e ainda a divulgar aos seus clientes e às sociedades cotadas envolvidas informações sobre qualquer real ou potencial conflito de interesses ou relação de negócio que possam influenciar a preparação das recomendações de voto». O artigo proposto tem a seguinte redação: Artigo 3.º-I Transparência dos consultores em matéria de votação 1. Os Estados-Membros devem assegurar que os consultores em matéria de votação adotem e apliquem medidas adequadas para garantir que as suas recomendações de voto sejam precisas e fiáveis, com base numa análise exaustiva de todas as informações de que dispõem. 2. Os consultores em matéria de votação devem divulgar anualmente ao público todas as informações que se seguem no que se refere à preparação das suas recomendações de voto: (a)

As características essenciais das metodologias e modelos que aplicam;

(b)

As principais fontes de informação que utilizam;

(c)

Se, e, em caso afirmativo, de que forma têm em conta as condições do mercado nacional, bem como as condições legais e regulamentares;

(d)

Se mantêm diálogos com as sociedades relativamente às quais realizam recomendações de voto e, em caso afirmativo, a extensão e natureza dos mesmos;

(e)

O número total de colaboradores envolvidos na preparação das recomendações de voto;

(f)

O número total de recomendações de voto emitidas no ano anterior.

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Tal informação deve ser publicada no respetivo sítio Web e permanecer disponível durante pelo menos três anos a contar da data de publicação. 3. Os Estados-Membros devem assegurar que os consultores em matéria de votação identifiquem e divulguem sem demora indevida junto dos seus clientes e da sociedade em causa qualquer conflito de interesses real ou potencial ou relação de negócios que possa influenciar a preparação das recomendações de voto e as medidas que tomaram para eliminar ou mitigar esse conflito de interesses real ou potencial.»

3.2.

As regras de direito nacional

Apesar de no direito nacional não existirem normas destinadas à regulação específica da atividade dos proxy advisors, algumas delas disciplinam concretos aspetos que se aplicam também àqueles sujeitos e à respetiva atividade. Assim sucede com as regras que i) disciplinam o exercício de voto em representação de acionista, e com as normas que ii) estabelecem as circunstâncias em que deve ocorrer a imputação de direitos de voto. São elas o objeto dos pontos seguintes.

3.2.1.

O exercício do direito de voto em representação do acionista

I. O direito de voto constitui, porventura, o mais importante de entre os direitos de natureza societária, política ou administrativa, que integram o conteúdo típico da participação social. É mediante o seu exercício que os acionistas – ou, indiretamente, aqueles que se encontram numa situação fática ou jurídica que lhes confere a faculdade de determinar o sentido em que são exercidos os direitos de voto inerentes a um determinado número de ações – exprimem a sua vontade, dessa forma concorrendo para a determinação de uma vontade imputável ao ente coletivo. Fazem-no de forma direta, por via da formação de decisões em assembleia geral, ou indiretamente, por via da escolha (nomeação ou substituição) dos administradores encarregues da gestão. É por isso esse (o exercício do direito

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de voto) o modo de concretização, por excelência, do «exercício em comum de certa actividade económica» (art. 980.º do Código Civil). Entre nós, o direito de voto, a par com o direito de estar presente e participar ativamente numa assembleia geral, pode ser exercido pelos acionistas que, segundo a lei e o contrato, tiverem direito a, pelo menos, um voto (art. 379.º do Código das Sociedades Comerciais [“CSC”]), podendo eles exercer por si esse direito ou, ao invés, através de representante. Para o efeito, a lei estabelece que o contrato de sociedade não pode proibir que um acionista se faça representar na assembleia geral, acrescentando que, como instrumento de representação voluntária, bastará documento escrito, com assinatura, dirigido ao presidente da mesa (art. 380.º CSC). Nada impede, portanto, que sejam conferidos poderes de representação aos proxy advisors que, no âmbito da prestação de um serviço, compareçam à assembleia geral, aí exercendo, em representação dos acionistas, os respetivos direitos de participação.

II. Em paralelo com as circunstâncias em que um acionista, por não poder ou não querer estar presente numa determinada assembleia geral, confere a terceiro poderes de representação para, em particular, exercer o direito de voto inerente às ações de que seja titular 38 , o legislador cuidou de regular as hipóteses em que alguém solicite a atribuição, a seu favor, de poderes de representação a mais de cinco acionistas para votar em assembleia geral. Em tal hipótese, os poderes conferidos encontrar-se-ão objetivamente circunscritos à realização de uma única assembleia, embora valha quer ela se efetue em primeira quer em segunda convocação. Assim sucederá, também, nos casos em que o solicitante de tais representações seja um proxy advisor, embora não tenhamos encontrado quaisquer evidências de ser esse o modo típico de atuação destes agentes.

O que, em sede de imputação de direitos de voto, merece igualmente um particular tratamento, atentas as circunstâncias relacionais que geram, ex lege, o computo de determinados direitos de voto a determinado(s) sujeito(s). 38

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Não obstante, se o solicitante for um proxy advisor, sobre ele impenderá o dever de fazer conter no pedido de representação, pelo menos, especificação da assembleia a que o pedido respeita – mediante indicação do lugar, dia, hora da reunião e ordem do dia –, devendo ainda incluir indicações sobre a consulta de documentos por acionistas, identificar de forma precisa a pessoa ou pessoas propostas como representantes, identificar previamente o sentido em que, na falta de instruções do representado, o representante exercerá o voto, e, por fim, incluir a menção de que, caso surjam circunstâncias imprevistas, o representante votará no sentido que julgue satisfazer melhor os interesses do representado39 (art. 381.º, n.º 1, al. c) CSC). A sociedade, por sua vez, não pode, nem por si, nem por pessoa interposta, solicitar representações a favor de quem quer que seja, não podendo ainda os membros do órgão de fiscalização ou os respetivos revisores oficiais de contas solicitá-las nem ser indicados como representantes (art. 381.º/2 CSC). Por fim, o solicitante da representação deve enviar, à sua custa, ao acionista representado, cópia da ata da assembleia, não podendo um acionista representar mais de cinco outros se não forem respeitadas as exigências anteriormente descritas. A concessão de poderes de representação é revogável, o que desde logo sucederá se o representado comparecer, afinal, à reunião da assembleia geral.

III. Se em causa estiver a solicitação de documento de representação para assembleia geral de sociedade aberta, quando dirigido a mais de cinco acionistas ou em que seja utilizado um dos meios de contacto com o público, referidos no n.º 2 da alínea b) do n.º 3 do art. 109.º do Código dos Valores Mobiliários (“CódVM”), este prevê, adicionalmente, exigências que devem ser cumpridas pelos respetivos solicitantes. No art. 23.º CódVM vem assim a estabelecer-se que o pedido de documento de representação, deve conter, além dos elementos referidos na alínea c) do n.º 1 do

Devendo, neste caso, ser comunicado ao representado, com as devidas explicações, os votos emitidos pelo representante (art. 381.º, n.º 5 CSC). 39

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art. 381.º CSC, os direitos de voto que são imputáveis ao solicitante nos termos do n.º 1 do art. 20.º e o fundamento do sentido de voto a exercer pelo solicitante. Para que sobre o formulário em que seja apresentada solicitação de documento de representação possa ser exercido um efetivo controlo, exige-se que o mesmo seja enviado à CMVM dois dias antes do envio aos titulares do direito de voto, prevendo-se ainda que o solicitante deve prestar aos titulares do direito de voto toda a informação para o efeito relevante que por eles lhe seja pedida.

3.2.2.

A imputação de direitos de voto

I. Outro dos aspetos que, à luz do nosso direito, merece especial consideração, diz respeito à imputação de direitos de voto e às respetivas consequências, especialmente em sede de comunicação de participação qualificada (art. 16.º CódVM) e constituição do dever de lançamento de oferta pública de aquisição (art. 187.º CódVM).

II. Estabelece o art. 20.º/1/g CódVM que: «[n]o cômputo das participações qualificadas consideram-se, além dos inerentes às acções de que o participante tenha a titularidade ou o usufruto, os direitos de voto: g) Detidos por titulares do direito de voto que tenham conferido ao participante poderes discricionários para o seu exercício.» Adicionalmente, prevê-se no art. 16.º/7/a) e b) CódVM que: «[q]uando a redução ou ultrapassagem dos limiares relevantes resultar, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º, da atribuição de poderes discricionários para uma única assembleia geral: a) Quem confere poderes discricionários pode, nesse momento, fazer uma comunicação única, desde que explicite a informação exigida no n.º 4 referente ao

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início e ao termo da atribuição de poderes discricionários para o exercício do direito de voto40; b) Aquele a quem são imputados os direitos de voto pode fazer uma comunicação única, no momento em que lhe são conferidos poderes discricionários, desde que explicite a informação exigida no n.º 4 referente ao início e ao termo dos poderes discricionários para o exercício do direito de voto.» Assim, se no âmbito da relação contratual entre proxy advisor e cliente institucional for regulado o exercício dos direitos de voto, em termos tais que este conceda àquele poderes discricionários para a determinação do sentido de voto, poderá gerar-se a constituição (ou reforço) de participação qualificada imputável ao proxy advisor, podendo originar a exigibilidade de comunicação ao mercado de aquisição de participação qualificada. Bastará, para tanto, que o proxy advisor receba tais poderes de um número de clientes suficiente para lhe permitir definir o sentido de voto de participação que represente, pelo menos, 2% do capital social da sociedade cotada em causa. Se o art. 20.º/1/g CódVM estabelece o dever de promover a imputação naqueles termos, o art. 16.º/7/a) e b) apenas vem regular o procedimento para efeitos de cumprimento daquele dever, quando em causa esteja a concessão de tais poderes para uma única assembleia geral, simplificando o que de outra forma seria uma mais ou menos complexa teia de comunicados de diversas origens, em prejuízo potencial para a necessária transparência da informação prestada ao mercado.

III. Mais dúvidas merece a resposta à questão de saber se a imputação de direitos de voto aos proxy advisors seria suscetível de originar, na sua esfera jurídica, a constituição do dever de lançamento de oferta pública de aquisição, pressupondo, claro está, que lhe fosse imputada participação qualificada superior a um terço ou Deve ter-se presente que, neste caso, o que tem de comunicar quem concede tais poderes não será uma redução da medida da respetiva participação qualificada, mas antes uma alteração do título de imputação, pois se é certo que a sua decisão implica a concessão, a um terceiro, do poder de determinar o sentido em que são exercidos os direitos de voto (nos termos da al. g), não é menos certo que, quanto a si, continua a operar o critério de imputação de direitos de voto que resulta da titularidade das ações (do n.º 1 do art. 20.º CódVM). 40

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metade dos direitos de voto, em qualquer caso concedendo-lhe o poder de exercer influência dominante sobre a sociedade. Os exemplos que nos chegam dos Estados Unidos da América relatam situações em que o sentido de determinadas deliberações foi decisivamente determinado pelas posições assumidas pelos proxy advisors, existindo poucas dúvidas de que o seu poder, ainda que de facto, pode estender-se ao ponto de conduzir à imposição à sociedade de vinculações que consideraríamos típicas daquelas inerentes ao poder de um acionista controlador (determinando, por exemplo, a composição do órgão de administração). Há, porém, uma significativa diferença. Mesmo admitindo que o exercício de um tal poder resulta do exercício discricionário de direitos de voto em assembleia geral (e não apenas da emissão de recomendações de voto), aos proxy advisors faltará, as mais das vezes, para além de um interesse societário típico, o intuito de efetivamente exercer influência dominante sobre determinada sociedade, circunstância que é expressamente relevada pelo nosso direito, ainda que não de forma autónoma, no âmbito das circunstâncias que permitem suspender o dever de lançamento de oferta pública de aquisição41. Na verdade, estabelece o art. 190.º/1 CódVM que: «[o] dever de lançamento de oferta pública de aquisição fica suspenso se a pessoa a ele obrigada, em comunicação escrita dirigida à CMVM, imediatamente após a ocorrência do facto constitutivo do dever de lançamento, se obrigar a pôr termo à situação nos 120 dias subsequentes.» Ora, admitindo que o poder de exercício de direitos de voto em medida superior a um terço ou metade dos votos exercitáveis em determinada sociedade cotada decorre da atribuição aos proxy advisors de poderes discricionários para uma única assembleia geral, seria em princípio possível invocar a aplicação da referida norma para afastar o dever de lançamento de oferta. Sucede que a norma não está pensada A demonstração de falta de intenção de exercer controlo não vale, por si só, como fundamento para afastar a constituição do dever de lançamento de oferta pública de aquisição, sendo necessário que a essa intenção se some o efetivo compromisso de por termo à situação, o que deve ser feito no prazo máximo de 120 dias, de acordo com o art. 190.º/1 CódVM. 41

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para situações de imputação de direitos de voto desligadas da titularidade de ações (ou de acordos entre titulares de ações), impondo, de resto, a consequência da inibição do exercício de tais direitos no momento imediatamente após a ocorrência do facto constitutivo do dever de lançamento de oferta (o que poderia simplesmente significar a impossibilidade legal de os proxy advisors exercerem direitos de voto em assembleia, quando os mesmos implicassem a ultrapassagem de alguma das fasquias previstas no art. 187.º/1 CódVM). Restaria aos proxy advisors tentar demonstrar que, não obstante o exercício de direitos de voto em medida superior a alguma das fasquias relevantes, tal circunstância não lhe permitiu exercer influência dominante sobre a sociedade cotada42.

4.

Conclusões

A existência de consultores em matéria de voto justifica-se, essencialmente, porque os serviços por eles prestados constituem resposta para concretos problemas e representam oferta para determinada procura. A sua implementação em determinado mercado depende, desde logo, da dimensão deste e da natureza dos investidores, é dizer, da estrutura acionista geograficamente diversificada e do caráter internacional das sociedades e da sua atividade, sedimentando-se com relativa facilidade em mercados que mais Recorrendo, por exemplo, às circunstâncias identificadas no documento divulgado pela ESMA, intitulado “Information on shareholder cooperation and acting in concert under the Takeover Bids Directive” (disponível em https://www.esma.europa.eu/content/Information-shareholdercooperation-and-acting-concert-under-Takeover-Bids-Directive), onde se estabelece que o exercício de direitos de voto em determinadas matérias não deve ser entendido como modo de atuação concertado de influência, orientada para a aquisição de controlo de determinada sociedade, mas antes como legítimos mecanismos de exercício de controlo e supervisão por parte dos acionistas. Se a atuação dos proxy advisors se reconduzir a algum dos aspetos previstos, poderá haver fundamento para afastar o dever de lançamento de oferta perante a inexistência de qualquer alteração de controlo. Infelizmente, e como bem salienta BRUNO FERREIRA, o comunicado da ESMA refere que «não foi possível incluir na referida lista comportamentos relacionados com a cooperação acionista em relação à designação de administradores» [Cfr. BRUNO FERREIRA “Influência dominante, articulação acionista e designação de administradores”, neste volume]. Para maiores desenvolvimentos v. o nosso “Atuação em concertação entre acionistas - o modelo português de supervisão”, JULIANO FERREIRA, in Direito das Sociedades em Revista, em curso de publicação. 42

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facilmente captam investimento externo ou cujas sociedades (e respetiva atividade) mais orientadas estejam para os mercados internacionais. A diversificação geográfica dos investimentos e a constituição de carteiras transfronteiriças implicam, agora na perspetiva dos investidores, custos de entrada acrescidos e mais elevados riscos de contexto, relacionados com o conhecimento do mercado, com a perceção do regime legal aplicável, com o conhecimento da empresa e das demais circunstâncias em que se há de desenrolar o exercício do direito de voto. Se a essa circunstância se somar a exigibilidade de cumprimento de deveres fiduciários por parte de gestores de ativos por conta de terceiros e, em particular, da imposição de deveres de transparência quanto às políticas de voto e de divulgação do sentido em que tal direito é exercido, estarão reunidos os fundamentos para o generalizado recurso a consultores em matéria de votação. Não obstante a verificação de alguns dos mencionados pressupostos, no mercado português não se sente ainda a influência de proxy advisors. Tal ficará porventura a dever-se mais aos desincentivos que têm aqueles agentes para exercer uma atividade que carece de escala que não encontram no mercado português do que à proveniência dos investidores (não residentes)43. Por outro lado, o ordenamento português encontra-se dotado de determinados mecanismos legais que, embora não destinados a regular especificamente a atividade dos proxy advisors, podem também eles constituir um desincentivo à sua implementação, nomeadamente no que respeita a regras de imputação de direitos de voto, para efeitos de divulgação de participação qualificada e de lançamento de oferta pública de aquisição (obrigatória). A significativa ausência destes agentes do mercado nacional não permite aos demais agentes económicos beneficiar dos aspetos positivos da sua existência e da De acordo com o mais recente Relatório Anual sobre o Governo das Sociedades Cotadas (2012), emitido pela CMVM (e disponível em http://www.cmvm.pt/CMVM/Estudos/Em%20Arquivo/Pages/20140 327.aspx), conclui-se que «[n]o final de 2011, 57,3% do capital social relativo a participações qualificadas ponderado pela capitalização bolsista era detido por residentes e 42,7% por não residentes. As participações detidas por residentes eram relativamente mais antigas, sendo a antiguidade média das participações dos residentes de 8,1 anos (4,4 anos nos não residentes)….». 43

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sua atividade. Como bem refere FRANCISCO MENDES CORREIA, «O impacto da actividade dos proxy advisors pode ser benéfico em termos de corporate governance: ao seguirem as recomendações emitidas os accionistas agregam-se de forma espontânea, votando no mesmo sentido, e ultrapassam assim os problemas de acção colectiva geralmente apontados como um sério obstáculo ao activismo acionista e aos ganhos de eficiência que resultariam de um maior envolvimento acionista. Por seu lado, congregando vários clientes accionistas de uma mesma sociedade, os proxy advisors têm os incentivos indicados a analisar e investigar de forma detalhada as vantagens e inconvenientes de cada ponto em discussão numa determinada assembleia geral (ao passo que nenhum acionista isolado teria incentivos para o fazer)…»44. Contudo, se é certo que a sua intervenção poderá tornar o que de outra forma seria uma decisão desenquadrada de uma análise rigorosa e aturada, numa decisão consciente e informada, precedida de um tratamento da informação disponível, orientada para a prossecução de uma finalidade previamente determinada e (pelo menos em expectativa) benéfica para a sociedade e para os seus acionistas45, não será menos verdade que a simples existência de tais agentes é suscetível de comportar riscos.

“Proxy Advisors: parte do problema e da solução”, FRANCISCO MENDES CORREIA, comentário no blog Governance Lab (2013), disponível para consulta em http://www.governancelab.org/pt/post/proxyadvisors-parte-do-problema-e-da-solucao-1. 44

No mesmo sentido, a simples constatação de que os acionistas valorizam e acompanham as recomendações dos proxy advisors pode levar os administradores a moldar a sua conduta e a conformar a vontade que impõem à sociedade de acordo com aquelas que julgam ser as decisões que merecerão o seu apoio. Ainda que motivados pelos incentivos errados – agradar àqueles relativamente aos quais não estão vinculados a cumprir com quaisquer deveres fiduciários, acabando a sua atuação por se reconduzir, em tais circunstâncias, à satisfação de um interesse próprio, embora egoístico: o interesse na reeleição – poderão afinal obter conclusões positivas – como sejam a prossecução de objetivos de criação de valor para a sociedade –, não contudo sem que se corra um significativo risco, decorrente da reorientação dos interesses motrizes da atuação dos administradores, que ao invés de procurarem o alinhamento com os interesses dos acionistas, buscam tão-só a adoção das medidas que propiciem a sua reeleição. Chamando a atenção para esta circunstância, COLIN DIAMOND e IRINA YEVMENENKO, “Proxy - Who Is Overseeing The Proxy Advisors?”, ob. ant. cit., pág. 617, referem que «The precise extent to which proxy advisors influence shareholder votes remains open to debate and ongoing empirical study. However, little doubt exists that proxy advisors, at a minimum, have had a meaningful impact on some shareholder votes, particularly those in connection with closely fought proposals. Moreover, if most directors believe that ISS has power – as their actions indicate – boards may do what they believe ISS wants them to in order to keep their seats, whether or not their belief is justified» (sublinhado nosso). 45

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Por um lado, a individualidade das perspetivas possíveis dos acionistas para com a sociedade será prejudicada pela natureza necessariamente genérica das recomendações de voto e pela opacidade e falta de transparência dos critérios de avaliação utilizados pelos proxy advisors, circunstâncias que tornam praticamente impossível que os acionistas em concreto saibam que consultores atribuem maior preponderância aos fatores que esses acionistas têm como relevantes para orientar a sua relação com a sociedade. Aos problemas de transparência somam-se, assim, dúvidas quanto à efetiva qualidade dos serviços prestados, problemas advenientes da concentração ou da falta de concorrência entre os prestadores destes serviços, significativos conflitos de interesses em que os consultores poderão recair e, como consequência de tudo isto, a concentração em si de poderes discricionários e de exercício de influência significativa sobre o resultado de votações, sem que a tanto corresponda qualquer risco decorrente da realização de investimento financeiro na sociedade em causa. Estes problemas têm vindo a merecer especial destaque e preocupação. Algumas das autoridades com responsabilidades em matéria de política regulatória (ESMA, Comissão Europeia) já se pronunciaram, em sentidos não inteiramente coincidentes. Em paralelo, os agentes representantes da indústria, avançaram também com propostas de autorregulação, estando hoje em debate a adoção de medidas dotadas de vinculatividade jurídica que visam colmatar pelo menos pate das deficiências entretanto verificadas. Veremos, a breve trecho, qual o resultado das propostas apresentadas, sendo certo que a intensidade do relevo que venham a assumir no mercado português estará sempre e em primeiro lugar dependente da atratividade do nosso mercado para os prestadores deste serviço ou para os clientes que a eles recorrem.

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ÍNDICE

APRESENTAÇÃO DO TEMA ............................................................................................. 3 1. Os proxy advisors ................................................................................................... 4 1.1. Origem ................................................................................................................ 4 1.2. Atividade ............................................................................................................. 7 1.3. Riscos associados ............................................................................................... 10 2.

Proxy advisors e eleição de administradores ................................................... 15

3. Enquadramento legal da atividade ................................................................. 20 3.1. Direito comunitário (em constituição) .............................................................. 20 3.2. As regras de direito nacional ............................................................................. 24 3.2.1. O exercício do direito de voto em representação do acionista ........................ 24 3.2.2. A imputação de direitos de voto .................................................................... 27 4.

Conclusões .......................................................................................................... 30

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