PSICANÁLISE E MEIO AMBIENTE SABER EM CONSTRUÇÃO

May 23, 2017 | Autor: Ana Lizete Farias | Categoria: Psicanálise, Meio Ambiente, Interdisciplinaridade, Epistemologia Socioambiental
Share Embed


Descrição do Produto

PSICANÁLISE E MEIO AMBIENTE SABER EM CONSTRUÇÃO Ana Lizete Farias, Doutoranda no Programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR. Mestre em Geologia Ambiental pela UFPR. Bacharel em Geologia pela UFRGS. Curitiba-Paraná. contato: [email protected]

A Psicologia Contemporânea e a Emergência de Novos Sintomas1.

Palavras-chave Interdisciplinaridade.

:Psicologia

Contemporânea.

Psicanálise

e

Meio

Ambiente.

Neste resumo expandido se busca apresentar, de forma preliminar ainda, uma possibilidade de interlocução entre a temática ambiental e a psicanálise, no que se refere à subjetividade e seus reflexos na maneira pelas quais nós, seres humanos, temos persistentemente avançado sobre os limites ecológicos, bióticos e sociais do nosso planeta. Tem-se como objetivo avançar naquilo que se refere ao ponto de vista teórico, dada a necessidade premente de novas abordagens analíticas, críticas e propositivas, bem como quanto à prática de todos aqueles engajados em ações e construção de medidas transformadoras no campo ambiental. Enrique Leff, um dos principais intelectuais latino-americanos no âmbito da problemática ambiental, afirma que temos instaurado nesse planeta uma crise de dimensões planetárias, que se apresenta como um limite no real que está a resignificar e reorientar o curso da história em seus limites de crescimento econômico e populacional, nos limites do desequilíbrio ecológico e da capacidade de sustentação da vida; os limites da pobreza e da desigualdade social (LEFF, 2001, p.191). Segundo o autor, a crise do conhecimento e a crise de civilização que se instalaram no último terço do século XX e que se desenvolveram no início do terceiro milênio avançaram por causa do “fracionamento do conhecimento e pela degradação do ambiente, marcados pelo logocentrismo da ciência moderna” (LEFF, 2000, p.19). O autor defende a necessidade de repensar ‘o ser no mundo complexo’, bem como entender suas vias de complexização para a reapropriação e a reconstrução do mundo (LEFF 2001, p.20-21). Também aponta que: Aprender a complexidade ambiental implica um processo de desconstrução e reconstrução do pensamento; remete a suas origens, à compreensão de suas causas; a ver os ‘erros’ da história que se arraigaram em certezas sobre o mundo com falsos fundamentos; a descobrir e reavivar o ser da complexidade que ficou no 1

Publicado originalmente em anais do I Congresso Brasileiro de Psicologia - FAE/2016, disponível em: https://cbpsifae.fae.edu/cbpsi/article/view/30/30.

‘esquecimento’ com a cisão entre o ser e o ente (Platão), do sujeito e do objeto (descartes), para aprender o mundo coisificando-o, objetivando-o, homogeneizandoo. Esta racionalidade dominante descobre a complexidade em seus limites, em sua negatividade, na alienação e na incerteza do mundo economizado, arrastado por um processo incontrolável e insustentável de produção (LEFF, 2001, p.191).

Da mesma forma, Edgar Morin, descreve: “Encontramo-nos no momento crucial de uma louca aventura, iniciada há oito mil anos, repleta de crueldade e grandiosidade, de apogeus, de servidões e emancipações, que hoje envolve sete bilhões de seres humanos. E como não sentir que, nessa crise e por meio dela, recrudesce a fantástica luta entre as forças da morte e as forças de vida. (...) “Viver de morte, morrer de vida”, a formulação de Heráclito expressa a ambivalência da crise planetária” (MORIN, 2013, p. 33).

No encontro das reflexões de Leff e Edgar Morin nos deparamos com a obra monumental de Freud, imprescindível, para integrar o campo de reflexão sobre a questão ambiental, pois bem além de uma clínica do sofrimento psíquico, a psicanálise freudiana é uma teoria das produções culturais que possibilite desvendar a maneira com que sujeitos mobilizam seus sistemas de crenças, afetos, desejos e nesse contexto, em especial, no lado trágico que a crise ambiental apresenta e que mostra a sua face mais profunda na miséria social dos mais de três bilhões de excluídos no mundo e na apropriação, por muito poucos, de recursos naturais de inimaginável qualidade, devolvendo ao planeta incalculáveis toneladas de lixo. Em “O mal-estar na civilização”, escrito em 1930, Freud nos aponta como três as fontes causadoras do nosso sofrimento: “de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens” (FREUD, 1930, p. 49).

Em relação à primeira fonte, ainda segundo Freud, tal problema pode ser evitado de diversas formas. Primeiramente por meio do “uso de entorpecentes que agem sobre o corpo” (id. p. 33), alterando sua química, gerando resistência à dor e causando prazer. Também podemos pensar nisso que se chama de culto à beleza, onde na tentativa de frear a decadência do corpo, oferecemo-nos a toda sorte de possibilidades que a indústria química oferece de contaminação por toxinas ou mesmo a toda sorte de mutilações corporais para obtenção do corpo ideal. O mundo externo, representado pelas forças da natureza representadas pelas grandes catástrofes tais como terremotos, tsunamis, inundações e que por mais que as grandes obras de engenharia se tornem complexas sempre terão capacidade limitada de contenção. Nessa tentativa se perdeu de vista a amplidão do saber, o entendimento sistêmico dos sistemas naturais o que nos tem feito avançar num crescente de indústrias poluentes, perda de grandes

florestas, habitats, extinções de animais e espécimes florestais, os quais nem chegaremos a conhecer e, portanto sem saber o verdadeiro impacto dessas extinções na vida humana. Sobre os nossos relacionamentos com os outros homens observamos o lado sombrio do individualismo como o egocentrismo, a autojustificação, perda de solidariedade (MORIN, 2013, p.33) onde “As intoxicações consumistas das classes médias se desenvolvem, enquanto a situação das classes desvalidas se degrada e as desigualdades se agravam (id p.26)”. Nesse sentido, Freud em O futuro de uma ilusão (1927) já identificava: A cultura abarca todo o saber e o poder-fazer que os homens têm adquirido para governar as forças da natureza e lhes arrancar bens que satisfaçam suas necessidades. (...) os vínculos recíprocos entre os seres humanos são profundamente influenciados pela medida de satisfação das necessidades pulsionais que os bens existentes tornam possível (página 3).

Desta forma Freud ainda postula que “... a questão fatídica para a espécie humana parece-me saber, e até que ponto, se seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação de uma vida comunal causada pela pulsão humana de agressão e autodestruição” (FREUD, 1930, p.170). Portas (2002) faz um interessante reflexão acerca de que “ um indivíduo permanentemente pressionado à frequente inibição pulsional, fragilizado em sua potência criativa, torna-se matéria-prima de fácil modelagem, que pode direcioná-lo para descartável situação de instrumento de assujeitamento e de morte: dos outros, de si mesmo e do seu ambiente (id p.30). Segundo Sesarino (2006) “a epistemologia da psicanálise, ao se ocupar da teoria do aparelho psíquico ou da metapsicologia freudiana, destaca e delimita sua originalidade, bem como reconhece seus efeitos, ao mesmo tempo em que abre o debate com a ciência, (seja a filosofia, sociologia, a antropologia, a lingüística, a lógica, a matemática, etc.) sobre o estatuto de noções cruciais como singularidade, subjetividade e significação”. O psicanalista ainda aponta que a psicanálise atravessou o século XX como um novo discurso da verdade sobre a causa e a condição humana. Mesmo que preliminarmente, conclui-se, desta maneira, que a psicanálise pode ser o elemento articulador que nos possibilite a construção de um novo saber e sua consequente apropriação sobre esse momento que a humanidade atravessa, aqui entendido como crise civilizatória, a partir da incorporação da sujetividade humana nas questões ambientais. Nesse aspecto os escritos de Freud são fundamentais para pensarmos sobre os melhores caminhos para a busca por um mundo ambientalmente justo, mesmo que seja um caminho longo a construir e percorrer.

O saber ambiental é mobilizado por essa vontade de poder querer, que vincula o conhecimento a uma ética do desejo” (LEFF, 2001, p.121).

Referências Bibliográficas LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2001. ______. Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental. In: A. Philippi Jr., C. E. M. Tucci, D. J. Hogan; R. Navegantes. (eds.) Interdisciplinaridade em Ciências Ambientais. São Paulo: Signus Editora, 2000, p. 19-51. Disponível em: https://scholar.google.com.br/scholar?start=10&q=autor:Enrique+autor:leff&hl=ptBR&as_sdt =1,5&as_ylo=2000&as_yhi=2015. Acesso em: 30 de julho de 2016. FREUD, S. O futuro de uma ilusão (1927). In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XXI. FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930). In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XXI. MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. PORTAS, Virginia. Apenas mais um artigo sobre O mal estar na civilização/cultura: a comunicação (im-possível?) entre Eros/Thanatos e Civilização/Cultura. Publicado: Pulsional Revista de Psicanálise, ano XV, n. 156, 26-32. Disponível em: http://www.editoraescuta.com.br/pulsional/156_04.pdf Acesso em: 27 de julho de 2016. SESARINO, Jorge. Epistemologia e história da psicanálise. Curitiba, 2006, 21 páginas (texto digitado).

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.