PSICOLOGIA HOSPITALAR: POSSIVEIS COMPREENSÕES PELA ORIENTAÇÃO DASEINSANALÍTICA.

August 24, 2017 | Autor: Pedro Sizer | Categoria: Existential Psychology, Daseinsanalyse
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HOSPITAL ISRAELITA ALBERT EINSTEIN INSTITUTO ISRAELITA DE ENSINO E PESQUISA CENTRO DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE ABRAM SZAJMAN

PEDRO HENRIQUE PEREIRA SIZER

PSICOLOGIA HOSPITALAR: POSSIVEIS COMPREENSÕES PELA ORIENTAÇÃO DASEINSANALÍTICA.

São Paulo 2013

PEDRO HENRIQUE PEREIRA SIZER

PSICOLOGIA HOSPITALAR: REFLEXÕES SOBRE CLÍNICA DE INSPIRAÇÃO DASEINSANALÍTICA.

Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Psicologia Hospitalar. Orientador: Prof.º Ms.Matheus Machado Oliveira

São Paulo 2013 1

Sumário 1. Resumo

p.3

2. Introdução

p.4

3. A daseinsanálise e o hospital

p.5

4. Desvelando sentidos...

p.9

5. Considerações finais

p.13

6. Obras citadas

p.13

7. Bibliografia

p.14

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RESUMO O presente trabalho tem como proposta apresentar fundamentos que possam auxiliar e orientar a prática do psicólogo hospitalar de orientação daseinsanalítica. Através de uma situação clinica, pretende-se ilustrar como operam os existenciais como tempo, finitude e corporeidade dentro do hospital; discute por uma perspectiva clínica os existenciais da ontologia fundamental de Martim Heidegger e premissas clínicas de Alice Holzhey-Kunz. Este estofo teórico é o ponto de partida para delinear qual é o papel e quais são as possíveis direções de trabalho de um psicólogo daseinsanalista no hospital. Palavra-Chave: Psicologia Existencial, Daseinsanalise, Psicologia Hospitalar, Morte.

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INTRODUÇÃO O presente Trabalho de Conclusão de Curso é fruto da experiência de estágio obrigatório no Hospital Municipal M´boi Mirim, conjuntamente com o processo de estudos e discussões desenvolvidos durante o ano de 2013 no curso de pósgraduação de psicologia hospitalar. Ao longo do processo da formação acadêmica sempre busquei aprimorar dentro da orientação fenomenológico-existencial, principalmente no que diz respeito à prática clínica. Apesar do meu grande interesse, na graduação fiquei limitado a aprimorarme na área hospitalar, visto que não minha faculdade não contava com professores e estágios voltados para este campo. Nesta busca da formação em psicologia hospitalar, já na pós-graduação, fui convocado a discutir o que orientava minha pratica, quais eram minhas decisões clínicas, o que minha orientação psicológica se diferenciava das outras que atuavam dentro do hospital. Diante disto surge o questionamento sobre quais seriam os principais fundamentos que

norteiam

a

prática

clínica

de

orientação

fenomenológico-existencial-

especificamente a daseinsanalyse – no hospital, e quais seriam as contribuições da prática clínica daseinsanalítica para o contexto hospitalar. A partir deste contexto foi realizado um levantamento bibliográfico sobre os fundamentos da daseinsanalyse e as contribuições no ambiente hospitalar e constatou que a produção sobre esse assunto em particular havia pouquíssima produção. Assim mediante dessa dificuldade de encontrar bibliográficas sobre o assunto, esta pesquisa ganha conotação devido à contribuição do desenvolvimento da prática psicológica de orientação daseinsanalítica no âmbito hospitalar. Assim, o texto busca analisar os fundamentos que orientam a prática daseinsanalítica no âmbito hospitalar a partir de um caso clínico. Para a compreensão de situações clínicas no ambiente hospitalar será necessário apresentar

aquilo

que

denominamos

existenciais,

conceitos

da

ontologia

fundamental de Martin Heidegger; o que também cumprirá a função de auxiliar a compreensão das formas de manifestação do ser- ai. Para este autor, os existenciais são estruturas ontológicas que constituem a existência do ser ai. Existem diversos existenciais, porém, neste trabalho será dada ênfase àqueles constituíram o cerne do trabalho de orientação daseisanalítica no 4

campo hospitalar, a saber, temporalidade e corporeidade, além de conceitos como ser para morte e manobra ôntica. Tal recorte em relação aos existências justifica-se a relevância que eles apresentam ao campo da psicologia hospitalar. Além disso, a meu ver mostram-se com maior evidencia no caso clinico que será apresentado no corpo do texto. O trabalho será dividido em três partes: a primeira discorrerá sobre os conceitos que foram utilizados para embasar a situação clinica na sequência a discussão da situação clínica e, por fim, a conclusão do trabalho. A DASEINSANÁLISE E O HOSPITAL. Ao situar a daseisanalyse no âmbito hospitalar, deve-se partir de como essa compreensão se pauta, como o homem é situado e compreendido, pois a partir desta compreensão é como as relações e compreensão de homem é que vão guiar as atitudes clínicas consequentemente suas analises. O ponto primordial é de situar o homem não mais como ser, mas como ser aí – dasein. Ao denominar ser, com ele traz consigo o pressuposto, que inclusive é própria linguagem, um caráter estático, sem movimento. Na denominação ser-aí, faz como condição ontológica que o ser é em si um movimento, situacional, um ser aberto dotado de possibilidades. Faço o uso das palavras de Heidegger1 em um de seus seminários a estudantes de medicina e psiquiatras para ilustrar o caráter de abertura da denominação de homem: o dasein.

A finalidade desta ilustração é mostrar que o existir humano em seu fundamento essencial nunca é apenas um objeto simplesmente presente num lugar qualquer, e certamente não é um objeto encerrado em si. Ao contrario, este existir consiste de meras possibilidades de apreensão que apontam ao que lhe fala e o encontra e não podem ser apreendidas pela visão ou pelo tato. Todas as representações encapsuladas objetivantes de uma psique, um sujeito, uma pessoa, um eu, uma consciência, usadas até hoje na psicologia e psicopatologia devem desaparecer na visão daseinsanalítica em favor de uma compreensão completamente diferente. A constituição fundamental do existir humano daqui em diante se chamará

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Da-sein ou ser-no-mundo.[...] O que o existir enquanto Da-sein significa é um manter aberto de um âmbito de poder-apreender as significações daquilo que aparece e que se lhe falta a partir de sua clareira. O da-sein humano como âmbito de poder-apreender nunca é um objeto simplesmente presente. Ao contrario ele não é de forma alguma e, em nenhuma circunstancia algo passível de objetivação. (Heidegger 2006 P.33)

Assim, a daseinanalise, faz a leitura do homem como ser lançado no mundo com os outros, como um ser relacional e não dicotômico entre sujeito e objeto, ou seja, um homem lançado em sua existência, no horizonte de sentido do ser. “Dasein é sempre um poder ser deste modo através de uma relação indissociável, não há sujeito sem mundo assim como não há homem sem Dasein” (Cautella 2 W. 2012 p.196). Compreendendo o homem com dasein, ser-aí, pode-se pensar a abordagem fenomenológico-existencial como uma clínica que ofereça uma abertura das possibilidades de poder ser, expansão e ressignificação de sentido diante de um sofrimento . Este pode ser entendido como uma restrição existencial deste caráter ontológico de poder-ser, isto é, uma restrição das possibilidades existenciais. Diante de uma restrição de sentindo, ou seja, o dasein, fecha-se para um campo de compreensão, em que só a uma possibilidade em jogo, limita-se em seu poder-ser: [...] a essência fundamental do homem sadio caracteriza-se precisamente pelo seu poder-dispor livremente do conjunto de possibilidades de relação que lhe foi dado manter com o que se lhe apresenta na abertura livre de seu 3 mundo. (Boss, Condreau 1997 p.29)

Denominado por Heidegger4 como analítica do ser ai – existenciais – são estruturas de analise como método de compreensão; esses descritos pelo autor em Ser e Tempo (2012) são: temporalidade do homem, sua corporeidade, o estar com o outro, sua finitude, sua afinação ou disposição afetiva, culpabilidade - como falta impropriedade, preocupação e angustia. Uma possibilidade de compreensão do sofrimento do ser- aí, ocorre no momento em que um dessas unidades ontológicas é perturbada, é impossibilitada a realização das diversas formas do existir do homem. Nota-se que a constituição do ser-aí envolvem todas essas esferas ontológicas de maneira interligada, portanto quando há o abalado de uma dessas unidades o dasein sofre como um todo. Podemos pensar que estas restrições não são exclusivas do ambiente hospitalar, o ser-aí está 6

suscetível à estas justamente por ser-aí no mundo. O movimento do trabalho é apresentar algumas peculiaridades que nas restrições que se encontram no âmbito hospitalar Ao pensar essa relação nas diversas dinâmicas relacionais nas diversas instituições como: escola, família, hospitais etc. Pode-se observar que cada instituição pode apresentar uma restrição existencial como evidencia, como algo recorrente. Observa-se que no hospital os existências corporeidade, angustia, finitude e temporalidade sofrem algum tipo de restrição. Para poder compreender como os existenciais corporeidade e espacialidade são perturbados, cito exemplo de uma pessoa hospitalizada devido a uma fratura; nota-se que sua possibilidade de existir sofre uma diferença na sua relação com o mundo. Assim, devido à sua restrição da corporeidade, este ser-aí fica limitado a aquilo que se oferece naquele momento, restringindo diversas possibilidades em seu existir. Isto posto, é possível chancelar que o principal objetivo da psicologia hospitalar, segundo Chiattone5 (2011) é a abertura a possibilidade de expressar sentimentos e emoções diante da situação de hospitalização, tanto sua como de um ente querido. Assim o psicólogo hospitalar trabalha com as limitações impostas pela doença, internação e suas possibilidades existências dadas a essas circunstâncias. Vale ressaltar que o psicólogo cria situações que permitem um desvelamento de sentido ao que é estabelecido no momento de internação. Sobre a premissa da importância dos existenciais com orientador para o para psicólogo daseinsanalista, para compreensão das relações que são estabelecidas no ambiente hospitalar, ressaltase a importância da compreensão do existencial da disposição afetiva. Este é um existencial fundamental, é o modo em que nos encontramos afetivamente. É de acordo com nossa disposição afetiva, por ser um dos aspectos constitutivos de nossa existência, agrega como o dasein compreende e se relaciona no mundo e com os outros. Dependendo de como nos encontramos em nosso humor, afeta e contribui para maneira em que se compreende e significa o fenômeno. Dentro de uma compreensão ôntica, dependendo de como estão a possibilidades de sentido dá-se a direção da compreensão do fenômeno. Em outras palavras dependo de como nosso humor se estabelece naquele momento o campo de compreensão alinha àquela disposição. A compreensão é esse modo de ser enquanto possibilidade do Ser-aí. Deste modo podendo em si mesmo ser a 7

compreensão do aí do Ser, o compreender dá-se como abertura ao mundo mostrando como se encontra o seu próprio ser.”( Oliveira6, 2006 P.39) Além do existencial afinação, ou disposição afetiva, outro que também o foi importante para a direção da conduta clinica do caso foi a morte como finitude. Esta como antecipação é um libertar-se para ela, deixar sua existência. Sua antecipação é tentar compreender algo que se desconhece algo que não é acessível, e desta forma apresenta-se também como um modo de preveni-la, evitar. Assim a compreensão ontológica do ser para morte traz um movimento e sentido de nega-la A morte como vivência se manifestada na impropriedade e se oculta na angústia manifestando se ônticamente como temor. (Loparic7, 1990). Temor, fobia é o modo impróprio da angustia, ou seja, o temor é passível de objetivação, de um endereçamento do vazio existencial, diferente da angustia ontológica. Dentro do contexto da impropriedade, sabe-se que a única certeza da condição humana é sua finitude, porém é com muita frequência que essa condição não é tematizada pelo dasein. Não se reflete sobre o caráter ontológico de sua finitude, porém esse é trazido a tona quando é evidenciado pela morte do outro. Percebe-se sua finitude pela morte do outro próximo. Esta morte evidencia seu caráter ontológico, e a possibilidade eminente da morte. (Feijoo8, 2011) Há, porém, outro caráter que a morte desvela: a perda como interrupção do projeto do porvir. Ainda que diga respeito a esse tema Pompéia, Sapienza9(2013): ”A vida é um permanente convite para que realizemos o melhor possível aquilo que tivermos possibilidade e oportunidade de realizar” ( P.81) Uma questão que se pode fazer relação entre o sofrimento e a possibilidade de morrer é sobre a compreensão da relação ôntico-ontológica. Primeiramente faz-se importante esclarecer quais âmbitos seriam estes. Ôntico seria aquilo que diz da instancia que é de nosso cotidiano, como comportamentos aceitáveis, algo que “todo mundo” faz, algo que é compreendido como “comum” a todos. Já o ontológico condiz daquilo que responde a esfera da condição da própria existência do homem, o seu caráter existencial. Desta maneira, o sucesso dos comportamentos da vida diária torna-se possível devido ao ocultamento quase que por completo da esfera ontológica, que nos o mostra o Nada de nossa existência. Porém, quando o campo ontológico torna-se predominante na relação ontico-ontológico, há o questionamento desta segurança, 8

decorrendo desta forma a manifestação de sintomas. Isto é, aquilo que é do cotidiano, que é da esfera do impróprio, perde sua ênfase, e nesta há predominância da esfera ontológica; quando não compreendida, manifesta-se em sintomas. O dasein situa-se em uma condição ôntico-ontológica- toda compreensão é ônticoontológica - ôntico refere-se às questões que são familiares a um determinado tempo histórico cultural, são condições que possibilitam o entendimento de alguns comportamentos e posturas naquele determinado tempo e cultura, como se estabelecem. Sabemos que ao entrar numa sala e vermos as disposições físicas que tipos de cadeiras e posicionamentos das pessoas, sabemos que se trata de uma sala de aula. Isso se refere ao campo ôntico; já o ontológico diz das condições que são da existência humana, Afeto, Finitude, Corporeidade e outros. Segundo Holzhey-Kunz, A10: A compreensão ôntica inclui todo conhecimento sobre mim mesmo como esta pessoa individual, nesta situação concreta, com esta história particular, com estas capacidades e incapacidades específicas, chances e adversidades, projetos de futuro, esperança e medos específicos. A auto compreensão ontológica inclui todo conhecimento sobre mim mesmo como ser humano. É o conhecimento sobre as condições humanas que eu compartilho com todos os outros. Cada um sabe de alguma forma, que é mortal, que é pertencente a um sexo e lançado numa situação social não escolhida, que seu futuro é basicamente incerto, fora de controle, que tem de tomar decisões sem saber, com certeza, o que é certo ou errado, que não pode desfazer o que fez que depende de outras pessoas, a qual pode perder a qualquer hora, pela morte ou pela livre vontade delas.

Manobra ôntica é algo que o ser-aí de alguma forma manipula o universo ôntico para dar conta do seu âmbito ontológico. O comportamento da pessoa em questão não quer dizer da dificuldade que apresenta, mas sim de uma fragilidade diante da condição humana. Um ser-aí que apresenta comportamentos de excessiva higiene, verificação são formas de protagonizar sua fragilidade diante das incertezas e falta de controle da condição humana. O sintoma surge como uma forma de apaziguamento desta condição existencial, uma maneira de permanecer na segurança diante do estar lançado. Há diversas formas de manifestar esta inversão de campos, porém no trabalho esta relação será explorada no caso clinico DESVELANDO SENTIDOS... Neste capitulo serão descrito um caso acompanhado ao longo da experiência de estágio, utilizado como base a reflexão teórica discutida no tópico anterior. 9

O atendimento fora realizado via pedido de interconsulta efetuado por uma enfermeira da maternidade do hospital, constando apenas que a paciente não compreendia as instruções médicas e estava ansiosa. Junto deste pedido havia mais cinco da mesma enfermeira, chamando a minha atenção; busco primeiramente a profissional que havia feito o pedido para entender sua demanda e tentar compreender as tonalidades afetivas que permeavam o ambiente da maternidade, e poder compreender o que motivou aquela enfermeira solicitar a psicologia para trabalhar conjuntamente com esta paciente. A enfermeira que havia solicitado o atendimento via interconsulta não se encontrava, visto que seu plantão era do período da tarde e não do da manhã, este, no qual era o período realizado o estágio. Desta forma perguntei para outra enfermeira, quando me apresentei como psicólogo, outras duas enfermeiras já selecionaram mais duas outras solicitações feitas para o serviço de psicologia, e disseram que aquelas selecionadas por elas eram mais importantes do que eu havia mencionado, porém disseram que a paciente para o qual estava mencionada precisava também. Perguntei para elas como estavam percebendo a paciente, o que estava acontecendo para que viessem a pedir intervenção da psicologia. Disseram que a paciente queria tirar a sonda da filha que estava internada por bronquiolite. Naquele momento pude compreender que quando equipe médica disse sobre a dificuldade de entendimento das instruções médicas, era não uma dificuldade de compreender uma instrução, mas sim uma angustia sobre o que estava posto. Ao entrar no quarto me apresentei como psicólogo e perguntei como ela estava diante dessa situação hospitalar, disse que do jeito que dava, perguntei que jeito era esse. Falou emocionada da situação em que a filha se encontrava e as dificuldades em que se encontrava. Disse que era difícil ver a filha com a sonda nasogástrica e que era insuportável a ver chorando e soluçando daquela forma. Disse que gostaria que tirasse a sonda da dela, que interrompesse os medicamentos, pois estes faziam com que ela chorasse, principalmente durante a noite. A situação hospitalar permitia àquela mãe entrar em contato com o choro da filha e de lidar com vivencias que só lhe foram permitidas em ambiente hospitalar, estas também que apontam para limites e possibilidades diante do vivido. Pedi para que pudesse falar um pouco mais sobre como era ver a filha naquela situação, permitindo assim que narrasse suas vivencias e que permitisse entrar em 10

contato com os fenômenos velados pela situação de internação. Falou bem emocionada da situação da filha, de como ela evoluiu e do inferno necessário que passou com ela; perguntei: inferno? Respondeu, é o momento que eu vivi na UTI. Perguntei: e como foi esse momento vivenciado? A partir da intervenção foi possível para a paciente entrar em contato com a situação vivenciada num âmbito mais ontológico, no ambiente em que a morte era uma possibilidade concreta; até esse determinado momento o ambiente UTI era velado, encoberto Este velamento referese ao movimento que o dasein se encontra, isto é, o de velamento e desvelamento. Trata-se de uma oscilação dos sentidos dados ao ente que se manifesta, isto é, de acordo como é apreendido e significado por aquele dasein, considerando sua relação coma sua história. Esse desvelar, dar à luz aquilo que era encoberto ocorre através da transmissão, da linguagem, “A fala a ontológica pluralidade do homem. Tudo a que alguém se refere, com que se depara, inclusive ele mesmo, depende fundamentalmente desta coexistência”. (Critelli11, 2007 p.85). Diz ter visto a filha entubada no pronto socorro, num espaço em que havia diversas crianças, com leitos visíveis para aqueles que estavam neste ambiente. Uma série de fatores que fizeram com que a paciente entrasse com a possibilidade de morte da filha: a médica plantonista disse que sua filha teria apenas meia hora para a recuperação, e logo em seguida a paciente descreve que viu duas outras crianças onde a filha estava internada, de mesmo diagnóstico, chegaram a óbito. A imagem de a filha estar entubada, num ambiente em que crianças estavam morrendo, trouxe a lembrança da situação em que o pai esteve entubado na UTI e que posteriormente chegou a óbito. Neste momento disse como a morte se fazia presente para ela, que esta situação de internação trazia esta possibilidade para ela, que a morte se fazia presente. Diz em diversos momentos que gostaria de ter alta logo e ter sua “gatinha” em seu colo. A morte apesar de estar presente a todo o momento enquanto possibilidade apresenta-se velado, entretanto quando há uma situação real de morte do outro próximo, nota-se que a morte é uma possibilidade de fato. Desta forma o dasein angustia-se com esta possibilidade, quase como uma morte eminente. Entretanto nesta situação clinica, a paciente não se angustia com a sua possibilidade de morte e noção de vulnerabilidade, mas sim de sua filha. “A morte se torna ainda mais perturbadora quando vemos que aquelas pessoas cujas vidas gostaríamos 11

preservar, talvez até mais que as nossas, podem morrer”. (Pompéia JA, Sapienza12, BT, 2013 P.81) A perda, segundo o autor, refere-se deixar a ser como falta, a incompletude do projeto de ser mãe, a possibilidade que projetara junto de sua filha. Disse que a filha chorava muito, que segundo a médica, era por conta da abstinência da medicação. Perguntei como era ter que seguir as orientações médicas, respondeu não ter o que fazer que tivesse de seguir, e que estava amarrada e sem ter o que fazer. Depois de um longo silencio pergunto como ela estava se sentido e disse que estava mais tranquila. Encerro o atendimento e disse que voltaria no dia seguinte para atendê-la. No dia seguinte antes de voltar a atender a paciente, busquei novamente a enfermeira que havia feito o pedido, e por coincidência, visto que seu plantão era à noite, encontrei-a no período da manhã. Apresentei-me como psicólogo, e me recebeu de maneira calorosa e já me relatou três outros casos para ser atendido. Disse que gostaria de saber dela sobre o pedido que ela fez e que estava atendendo. A enfermeira respondeu-me que havia requisitado o setor de psicologia, pois a paciente estava querendo tirar a sonda nasogástrica da filha e não estava seguindo as orientação de não faze-la. Em seguida diz que a paciente estava ótima e que não havia necessidade mais de atendimento, que não estava mais dando trabalho e que havia casos piores para serem trabalhado. Logo após a conversa com enfermeira entro no quarto par um segundo atendimento. Noto para meu espanto, que a paciente apresentava-se menos angustiada e mais serena. Pergunto como estava, dizia que estava bem, que a noite havia sido tranquila, que estava tranquila em relação à filha. Diz novamente da vontade de voltar par casa e ter sua filha em seus braços. Encerro o atendimento em vista que não apresentava demanda de atendimento para o próximo dia e sua alta estava prevista para dali dois dias. Despeço- me e deixo a disposição caso precise. Nota-se que diante da possibilidade de perda da filha, daquilo que diz de uma condição ontológica, sua finitude, a mãe manifesta comportamentos que tentam priva-los ou que ocultam essa condição. A tentativa de retirar a sonda, não seguir as orientações médicas, de aponta para uma compreensão de uma manobra ôntica por parte da mãe. A partir do momento em que há o atendimento essa condição é tematizada ,como desvelamento de sentido pela mãe, daquilo que era apenas um 12

incomodo para equipe médica, dizia de uma dificuldade de lidar com a finitude de sua filha. No decorrer do atendimento a paciente desvela o sentido da internação; no momento em que fala sobre a internação da filha fala do momento em que presenciou a internação seguida de óbito do pai. Neste momento a paciente “presentifica” a experiência da internação da filha. “Presentificar” segundo Heidegger13 (1973) é a união das três esferas temporais, este termo é uma quarta instancia temporal em que as três se unificam, ou seja, há um desvelamento de sentido em que envolvem os três tempos. CONSIDERAÇÕES FINAIS. O texto tratou de discutir alguns temas importantes de orientação daseinsanalítica no campo de psicologia hospitalar. Este percorreu por pressupostos da ontologia de Martin Heidegger, tais como temporalidade finitude e corporeidade, que iluminam a orientação do psicólogo da perspectiva fenomenológico-existencial. Apresenta a discussão sobre a relação do sintoma em situação de internação pela discussão da relação ôntico-ontológico e a possibilidade de cada dasein velar e desvelar este fenômeno. O trabalho busca discutir os existenciais, da ontologia fundamental de Martin Heidegger, como uma possibilidade de ser um operante na condução da situação clinica no âmbito hospitalar. Entretanto, elenco alguns que foram importantes para o entendimento do caso clinico apresentado. Em outras palavras, o texto procura contribuir com a construção do papel do daseinsanalista no hospital, ou seja, reflete o que a daseinsanalyse pode contribuir para o psicólogo no contexto hospitalar.

OBRAS CITADAS 1.Heidegger M. Seminários de Zollikon. Petrópolis: Vozes, Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco; 2009 2.Cautellla Jr W. Do inominável à pro-ducção de sentido: o plantão psicológico em hospital geral como utensílio para a metaforização da crise pelo trágico. [Tese] Instituto de Psicologia. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2012

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3.Boss M, Condrau G. Análise Existencial - Daseinsanalyse. São Paulo: Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse. 1997; (1,2 e 4): p. 23-35 4.Ser e Tempo.

Campinas: Editora da Unicamp, Petrópolis: Editora Vozes;

2012[Tradução organização, nota prévia, anexos e notas: Fausto Castilho.] 5.Chiattoni HBC. A significação da psicologia no contexto hospitalar In: Agerami – Camon VA. Psicologia da saúde: um novo significado para a prática clínica 2ª ed. São Paulo: Cengage Learning; 2011 p.145-241 6.Oliveira

MM.

Clínica,

Experiência

e

Sentido:

narrativas

de

plantonistas.[Dissertação]., São Paulo: Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia; 2006. 7.Loparic Z. Heidegger réu: um ensaio sobre a periculosidade da filosofia Campinas: Papirus Editora; 1990 8.Feijoo AMLC. A existência para além do sujeito: a crise da subjetividade e suas repercussões para a possibilidade de uma clínica psicológica com fundamentos fenomenológico-existenciais. Rio de Janeiro: Edições IFEN, Via Verita; 2011. 9.Pompéia JA, Bilê, TS. Na presença do sentido: uma aproximação fenomenológica a questão existências básicas. 2ªed. São Paulo: EDUC, ABD; 2013 10.Holzhey-Kunz A. Oque define o processo daseinalítico? ; Traduzido do Inglês por Bilê Tatit Sapienza, adquirido na ABD em 2013 – tradução livremente. 11.Critelli DM. Analítica do sentido: Uma aproximação do real de orientação fenomenológica 2ª ed. São Paulo: Brasiliense; 2007. 12.Pompéia JA, Bilê, TS. Na presença do sentido: uma aproximação fenomenológica a questão existências básicas. 2ªed. São Paulo: EDUC, ABD; 2013 13.Heidegger M. Tempo e ser. Coleção os pensadores. São Paulo: Editora Abril; 1973. p. 453–91. BIBLIOGRAFIA

Boss M. Angústia, culpa e libertação: ensaios de psicanálise existencial 2ªed. São Paulo: Duas Cidades; 1977 [tradução de Barbara Spanoudis.]. 14

Cardinalli IE. Daseinsanalyse e esquizofrenia: um estudo na obra de Medard Boss. São Paulo: Escuta 2012 Casanova MA. Nada a caminho: impessoalidade, niilismo e técnica na obra de Martin Heidegger. Forense Universitária; 2006. Dias MT. Entre a vida e a morte: A finitude na clínica existencial- humanista In Feijoo, AMLC. Tédio e finitude: da filosofia à psicologia. Belo Horizonte: Fundação Guimarães Rosa; 2010 p. 263-289 Feijoo AMLC A escuta e a fala em psicoterapia: uma proposta fenomenológicoexistencial. 2ª.ed. Rio de Janeiro: IFEN; 2010. Heidegger M. Que é metafisíca?. In Coleção Os Pensadores, vol.15. São Paulo: Editora Abril; 1973[Tradução de Ernildo Stein], p. 453 -491. Inwood M. Dicionário Heidegger. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2001. Nascimento CL. A Concepção do Dasein e a Psicossomática em Medard Boss. I Simpósio de psicologia fenomenológico existencial. Belo Horizonte: Fundação Guimarães Rosa; 2008. p. 79-94. Pompéia JA, Bilê TS Os dois nascimentos do homem: escritos sobre terapia e educação na era da técnica. 1ª.ed. Rio de Janeiro: Via Verita; 2011.

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