Psicopatologia do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade em Adultos

June 16, 2017 | Autor: Hélio Tonelli | Categoria: Tdah, Psicopatologia, adult ADHD, Psicologia Clínica e Psicopatologia, TDAH no adulto
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TDAH em adultos

Disciplina de Psicopatologia do Adulto Psicopatologia do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade em Adultos Hélio Tonelli O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) se caracteriza clinicamente por sintomas de impulsividade, desatenção e hiperatividade que se iniciam na infância e podem continuar até a vida adulta. Sabe-se que em 40 a 60 % das crianças com TDAH, o transtorno persistirá até a fase adulta. No adulto, a apresentação clínica do TDAH pode ser muito diferente daquela observada em crianças, na medida em que, com o passar dos anos, há uma tendência de diminuição dos sintomas de hiperatividade motora e aumento dos sintomas de desatenção. A ocorrência de TDAH em adultos permaneceu fora do interesse científico durante muito tempo, por diversas razões. Uma delas foi o ceticismo da comunidade acadêmica a respeito desta condição clínica afetando adultos, o que acabou contribuindo muito para a baixa frequência de diagnósticos. Dificuldades na avaliação de adultos com TDAH também acabaram por contribuir com o desinteresse pelo tema. Estas dificuldades incluem não só a necessidade de se documentar a presença do transtorno na infância, mas também a elevada taxa de comorbidades psiquiátricas afetando pacientes adultos com TDAH. No adulto com TDAH, os sintomas de desatenção se refletem na vida diária de diversas formas: dificuldade para cumprir horários e compromissos e de lidar com prazos, com consequências potencialmente catastróficas para os pacientes, como mudanças seguidas de empregos ou até mesmo desemprego, resultando em dificuldades econômicas, as quais repercutem interpessoalmente. Além disso, adultos com TDAH têm maiores riscos de desenvolver outros transtornos psiquiátricos, como ansiedade, depressão, transtornos por uso de substâncias e transtornos de personalidade, condições que, em grande parte das vezes são reconhecidas e tratadas antes do TDAH. O TDAH tem um importante componente genético, embora poucos genes associados à condição tenham sido identificados. Estudos com gêmeos têm sido utilizados para se estabelecer com mais precisão o caráter da herança envolvido no processo de transmissão do TDAH. Sete genes candidatos mostram evidência

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estatisticamente significativa de associação com o transtorno: DRD4, DRD5, DAT, DBH, 5-HTT, HTR1B e SNAP-25. Outros fatores etiológicos incluem tabagismo na gestação (filhos de mães que fumaram durante a gravidez têm chances duas a três vezes maiores de desenvolverem o transtorno), obesidade e/ou diabetes na gestação e história de exposição ao chumbo. Alguns autores acrescentam que adversidade psicossocial pode se caracterizar como fator de risco para TDAH. Assim, ambientes familiares problemáticos, onde existam distúrbios maritais severos, criminalidade paterna, transtorno mental materno, problemas na coesão da família, por exemplo, são mais comuns nas vidas de indivíduos com TDAH. Ainda não está bem estabelecido se a violência na infância pode ser considerada um fator de risco, contudo, existem evidências de que ela pode levar a alterações cerebrais que se baseiam na exposição prolongada do cérebro em desenvolvimento a hormônios esteroides como o cortisol. Todavia, é preciso deixar claro que a adversidade psicossocial pode ser um fator de predição universal de psicopatologia na infância e adolescência. Estudos de neuroimagem com portadores de TDAH identificaram disfunções em vias dopaminérgicas, envolvidas com funções executivas, motivação e recompensa, bem como alterações noradrenérgicas, particularmente os feixes noradrenérgicos que inervam o córtex pré-frontal (CPF), uma região central para o processamento das funções executivas, termo que designa o processo de regulação de processos cognitivos, e que incluem atenção, memória de trabalho, planejamento, priorização, seleção, flexibilidade cognitiva e execução. Os tratamentos mais eficazes para o TDAH são realizados com substâncias estimulantes, cujo mecanismo de ação relaciona-se aos sistemas dopaminérgico e noradrenérgico, o que reforça o papel destes sistemas de neurotransmissão na patogênese deste transtorno. Os principais sinais e sintomas do TDAH decorrem de problemas em três domínios mentais e comportamentais: atenção, atividade e controle dos impulsos. Estes problemas devem ocorrer em vários contextos de vida e necessariamente resultam em prejuízo ocupacional e/ou interpessoal. Apesar do fato de o TDAH no adulto ainda não ter sido tão bem estudado quanto na infância, existe uma grande concordância entre clínicos a respeito da validade do diagnóstico, bem como de que, a despeito de um declínio idade-dependente de alguns

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dos sintomas, há evidência suficiente de que eles possam persistir, associando-se a futuros problemas psicossociais. Uma questão importante refere-se à quantidade de crianças com TDAH que continuará com o transtorno na idade adulta. As taxas parecem variar dependendo de quais casos são incluídos nos estudos: quando apenas casos mais característicos são estudados longitudinalmente, os percentuais de manutenção do diagnóstico da idade adulta são maiores. Portadores de TDAH são desatentos, inquietos e impulsivos. No entanto, há pacientes com predomínio de alterações em um ou outro destes domínios mentais/comportamentais. Taylor (1998)

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afirma que “desatenção” é um conceito

psicopatológico que incorpora tanto um viés mental quanto um viés comportamental, o que pode ser uma vantagem e também uma desvantagem para seu estudo. O autor explica que a vantagem é a de oferecer uma oportunidade rara em psicopatologia, de se ter uma “tradução” direta de uma disfunção cerebral em uma manifestação comportamental, isto é, indivíduos sofrendo de problemas atencionais frequentemente são agitados, física e/ou mentalmente. A desvantagem abrange a possibilidade de que esta característica obscureça uma possível distinção fenomenológica, observada nos casos de indivíduos não hiperativos que apresentam desatenção, geralmente descritos como “sonhadores”. De fato, há indivíduos com predomínio de sintomas de desatenção ou de impulsividade sem tantos sintomas de hiperatividade associados, o que pode ser um obstáculo a mais para o clínico trabalhando com estes pacientes. O estudo psicopatológico dos casos acometendo crianças tradicionalmente descreve maior frequência de fenômenos psicopatológicos da dimensão internalizante em crianças com predomínio de desatenção e maior frequência de sintomas da dimensão externalizante em crianças com hiperatividade. Para um diagnóstico mais preciso é importante que haja história de sintomas de TDAH desde a infância. Todavia, nem todos os pacientes adultos terão sido diagnosticados quando pequenos, razão pela qual a investigação por sintomas de comportamento desatento, impulsivo ou hiperativo quando eles eram crianças é fundamental. Sinais e sintomas de desatenção Alguns comportamentos resultantes de problemas envolvendo foco e atenção são fortemente sugestivos de TDAH. Os pacientes costumam relatar que têm dificuldade

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para prestar atenção em detalhes e por isso cometem erros que não cometeriam se fossem mais cuidadosos, tanto em suas atividades escolares quanto no trabalho. Por isso, podem acabar sendo considerados “relaxados”, desorganizados ou negligentes com suas responsabilidades. Estes indivíduos também costumam dizer que para eles é extremamente difícil permanecerem atentos em palestras e aulas, assim como ler um livro pode ser um verdadeiro “sacrifício”. Às vezes, durante a entrevista, percebemos que estes pacientes não conseguem fixar adequadamente a atenção naquilo que os dizemos por mais do que alguns breves instantes, o que exige dos profissionais de saúde mental lidando com esta clientela não se estenderem muito em suas colocações, sob o risco de não serem ouvidos. Portadores de TDAH se distraem e se desmotivam facilmente, principalmente quando não se sentem estimulados. Por isso, se beneficiam de intervenções verbais rápidas e, sempre que possível, estimulantes, para que não percam o foco. Frequentemente temos a sensação de que estas pessoas não estão nos ouvindo, ou estão “em outro mundo”, embora continuem nos olhando enquanto falamos com eles. Em razão destas dificuldades, portadores de TDAH evitam ou relutam em participar de atividades que exijam esforço mental sustentado e acabam sofrendo as consequências disso: falham em concluir compromissos acadêmicos e profissionais, além de apresentarem baixos resultados nestas esferas de suas vidas. Tudo isso acontecendo continuamente, pode acabar por desmoralizar estas pessoas. Portadores de TDAH estão sempre perdendo objetos de uso diário, como canetas, celulares, carteiras e são facilmente distraídos por outros estímulos, incluindo os próprios pensamentos, o que faz com que pareçam estar sempre “no mundo da lua”. Sinais e sintomas de hiperatividade e impulsividade Adultos com TDAH podem ser muito inquietos física e mentalmente. Nesta fase da vida a hiperatividade motora observada na infância costuma se transformar em uma sensação subjetiva de inquietação, dificuldade em relaxar e disforia associada à inatividade. Todavia, a hiperatividade motora pode persistir no adulto, principalmente na forma de contínuos movimentos de pés ou de dedos das mãos batendo constantemente em uma superfície. Os pacientes se movem bastante em seus assentos, como se não conseguissem encontrar uma posição confortável e muitas vezes precisam se levantar. Quando lhes é exigido que fiquem sentados, por exemplo, no escritório

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onde trabalham ou em uma palestra, eles podem ter de fazer constantes pausas para se mexerem. Parecem estar sempre com pressa, ou “quase indo”, até mesmo em circunstâncias onde poderiam estar relaxados, como em restaurantes, cinemas, na praia ou em encontros com amigos. Isso acontece porque estes pacientes podem se sentir mal em situações ou ambientes em que a maioria das pessoas relaxa, particularmente quando estão se sentindo entediados ou insuficientemente estimulados. Muitos dos pacientes falam excessivamente, mas não todos. Em razão de sua inquietação, eles podem não conseguir esperar que alguém termine de lhes fazer uma pergunta e acabam interrompendo seus interlocutores, bem como desenvolvem aversão a situações em que têm de esperar por sua vez, por exemplo, em filas. Adultos com TDAH podem ser muitos impulsivos e apresentarem constantes alterações de humor, como depressão, excitabilidade, irritabilidade, e podem ter ataques de fúria. A muito falada dificuldade no diagnóstico diferencial entre o TDAH e o transtorno bipolar do humor não precisa ser, obrigatoriamente, tão difícil. Ao contrário do que acontece com indivíduos sofrendo de transtorno bipolar, as alterações do humor de adultos com TDAH costumam ser caracterizadas por uma irritabilidade volátil, isto é, uma disforia que “acontece e passa” em indivíduos cronicamente irritadiços, os quais nunca exibem ideias de grandeza e euforia em apresentação episódica, estes característicos de episódios de mania ou hipomania. Não obstante, uma das dificuldades na distinção entre TDAH e transtorno bipolar, diz respeito aos pacientes bipolares com início precoce de doença (portadores de “mania juvenil”), que podem desenvolver quadros com predomínio de irritabilidade com apresentação mais crônica do que flutuante e, portanto, muito parecidas com o TDAH. De fato, os sintomas do TDAH têm um predomínio de características traço-dependentes mais do que estado-dependentes, como acontece em outras condições psiquiátricas como a esquizofrenia e a depressão e por esta razão, serem confundidos como características indesejáveis ou peculiares da personalidade, ao invés de uma condição médica. Outro fator complicador na avaliação de adultos com TDAH é o fato de que uma grande parte deles apresenta outras condições psiquiátricas, como transtornos por uso de substâncias, transtorno de ansiedade generalizada e transtornos do humor. Além disso, muitos indivíduos sem TDAH acabam se queixando de sintomas de hiperatividade e desatenção para obterem medicações estimulantes para uso não médico.

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Outro fato importante para o clínico inexperiente é que os sintomas do TDAH podem não ser evidentes no momento da consulta, bem como em outros ambientes altamente estruturados. Isso porque os sintomas do TDAH estão sujeitos à diminuição em condições que representem novidade para o paciente, como uma primeira entrevista psiquiátrica ou psicológica. Neurobiologia do TDAH A neurobiologia do TDAH não é completamente entendida. Muitas regiões do cérebro foram implicadas na fisiopatologia do TDAH, entre elas o córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) e o córtex órbitofrontal (COF). O CPFDL é tradicionalmente relacionado com a função executiva, envolvendo planejamento, organização, priorização, seleção da informação, atenção e memória de trabalho. Lesões do COF costumam causar comportamentos de desinibição social e descontrole de impulsos, razão pela qual esta região cortical tem sido implicada na origem dos sintomas impulsivos do TDAH. Estudos de imagem não têm função diagnóstica, mas são muito úteis para testar hipóteses a respeito do papel de diferentes regiões nas disfunções cerebrais encontradas no TDAH. Estes estudos mostram anormalidades estruturais como diminuição do volume do CPF, cerebelo e estruturas subcorticais e até mesmo diminuição do volume cerebral global do cérebro desde a infância até a adolescência, o que sugere que haja influências ambientais ou genéticas sobre o neurodesenvolvimento no TDAH. Algumas estruturas subcorticais parecem também estar disfuncionais no TDAH, como o caudado, o putame e o globo pálido, componentes de circuitos neurais associados ao controle motor, funções executivas, inibição comportamental e processamento de recompensas, e que enviam informações ao CPF no processo de regulação do comportamento. Os sistemas frontosubcorticais são ricos em catecolaminas, as quais estão envolvidas no mecanismo de ação dos estimulantes utilizados no tratamento do TDAH. O cerebelo e o corpo caloso também têm sido envolvidos na fisiopatologia do TDAH. O primeiro contribui de forma significativa para o

processamento

de

funções

cognitivas,

presumivelmente

através

de

vias

córticocerebelares envolvendo a ponte e o tálamo. O corpo caloso, por sua vez, conecta regiões homotípicas dos dois hemisférios cerebrais e variações em suas dimensões podem comprometer a comunicação interhemisférica, o que pode estar por trás de sintomas comportamentais e cognitivos dos indivíduos com TDAH.

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