Psicoterapia em Galeno

May 27, 2017 | Autor: R. Branco Julião | Categoria: Psychology, Psychotherapy, Galen, Ancient Philosophy, Ancient Greek Medicine
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Psicoterapia em Galeno


Ricardo Julião



Resumo: O trabalho terapêutico, um dos objectivos maiores da prática clínica, convoca simultaneamente conhecimento teórico e destreza prática, conhecimento do geral e trabalho sobre o particular. Segundo Galeno, o melhor médico é também um filósofo. Nesse sentido qualquer síntese acerca da proposta psicoterapêutica de Galeno requer uma exposição, por breve que seja, da sua filosofia, fisiologia assim como da sua visão acerca da relação psychê-sôma. Por conseguinte, as questões que irão guiar a nossa investigação são: que afecções da psychê são patológicas? Que diferença existe entre afecções psíquicas e somáticas? Considera Galeno haver uma norma que sirva de critério para diferenciar 'normal' de 'patológico'? Que técnicas terapêuticas nos propõe Galeno?

















1 Biografia
Galeno nasceu em Pérgamo, capital de uma das províncias mais prósperas do Império Romano, em 129. Pérgamo tornara-se famosa devido ao templo de Asclépio e reconhecida por possuir uma excepcional biblioteca pública assim como reputados professores de medicina e filosofia. A família de Galeno pertencia à aristocracia local e seu pai, arquitecto de formação com interesses em geometria e álgebra, 'inscreveu-o' aos 14 anos nas 'escolas' de Filosofia mais representativas à época: Platonismo, Aristotelismo, Estoicismo e Epicurismo. Ao que tudo indica idealizava para Galeno uma carreira ligada à jurisprudência. Contudo, após repetidos sonhos em que fora 'visitado' pelos deuses indicando-lhe que seu filho deveria seguir a carreira médica, e como homem pio que era, decide 'inscrever' Galeno, tinha este dezasseis anos, nos estudos de medicina. Esta decisão acabou por levar o jovem Galeno a várias cidades do Império Romano com o intuito de se instruir junto dos mais renomados praticantes da arte médica da época. Entre Pérgamo, Esmirna, Corinto e Alexandria, Galeno adquiriu conhecimentos e desenvolveu competências na arte médica (anatomia, fisiologia, patologia, farmacologia e cirurgia) que lhe asseguraram, passados aproximadamente dez anos, o posto de médico de gladiadores na sua cidade Natal. Acabou por ocupar esta posição aproximadamente durante quatro anos. Volvidos esses anos de trabalho decidiu rumar a Roma. É na capital do Império que inicia a sua extraordinária carreira de médico-filósofo. Durante a sua estadia em Roma realizará várias 'expedições científicas' na bacia do mediterrâneo em busca de matérias primas para o seu ofício, desde plantas a materiais para o fabrico de instrumentos médicos.
O meio intelectual e social onde Galeno se movimenta caracteriza-se por uma feroz competitividade e por um conjunto de protocolos sociais, retóricos e disciplinares pertencentes ao que os historiadores designam de Segunda Sofística cujo profundo cariz agonístico das performances serve de espaço de validação de conhecimento e reconhecimento da perícia dos praticantes das diferentes artes. Galeno posiciona-se de modo ambíguo nesta atmosfera, criticando-a mas retirando simultaneamente partido da mesma, nomeadamente através das suas performances de dissecação anatómica e de diagnóstico com as quais consolidou a sua fama. Todavia, a perícia clínica e cirúrgica devem ser acompanhadas de um raciocínio claro, rigoroso e persuasivo. Por conseguinte, a filosofia é estruturante no modo como Galeno pensa e pratica a arte médica: lógica, retórica, epistemologia e física, passando o anacronismo, são 'disciplinas' que Galeno maneja com bastante à vontade. É no seio deste ambiente sofisticado e altamente exigente que é nomeado um dos médicos do imperador Marco Aurélio e de seu filho Cómodo. Permaneceu em Roma a maior parte da sua vida, onde acabaria por falecer por volta de 216.



2 Metodologia, Fisiologia, Anatomia e Patologia.
Como mencionámos, os interesses de Galeno são abrangentes. Além da medicina e filosofia escreveu sobre filologia, farmacologia, mineralogia, etc., assim como acerca da psychê (ψυχή). No que diz respeito ao estudo da última, Galeno subscreve a visão partilhada por Platão, Aristóteles e Estóicos, i.e., os tópicos referentes à natureza, estrutura e localização da ψυχή no corpo humano pertencem ao domínio da Física, enquanto que as virtudes e afecções, ou paixões, pertencem à Ética. Esta divisão, por seu turno, reflecte a distinção estabelecida na Velha Academia, assim como entre Estóicos, das disciplinas filosóficas em Física, Ética e Lógica. Contudo, as fronteiras entre as referidas 'disciplinas' não é estanque. Por exemplo, o estudo das afecções da ψυχή depende do modo como é compreendida a estrutura desta, quer dizer, de quantas partes assim como de quantos poderes (δυνάμεις) é composta. Por outro lado, tudo o que diz respeito à substância/natureza da ψυχή, se mortal ou imortal, corporal ou incorporal, recai sob o domínio da Física. É de salientar que Galeno adopta uma posição marcadamente agnóstica relativamente à questão da essência da alma remetendo-a para o campo da especulação metafísica, visto nada acrescentar às possíveis terapias a serem adoptadas na prática clínica: um médico deve saber em quantas partes se divide a alma e em que órgãos estas se encontram sediadas, assim como quais as faculdades sob jurisdição de cada orgão, nada mais. A Lógica, por seu turno, é vista por Galeno não tanto como uma disciplina filosófica per se, mas mais como um instrumento, tal como definida por Aristóteles, de clarificação conceptual, argumentativa e heurística com a finalidade de justificar e consolidar o "conhecimento científico". Por conseguinte, Ética, Física e Lógica encontram-se intimamente relacionadas no que diz respeito à compreensão do fenómeno psíquico. Todavia, ainda que demonstre um 'cepticismo pragmático' acerca da natureza da ψυχή, Galeno não duvida da sua existência: que temos uma alma é manifesto através das actividades (ἐνεργεῖαι) que o organismo executa. Do ponto de vista metodológico, portanto, a posição de Galeno é muito próxima da de Aristóteles: a investigação do fenómeno psíquico deve partir dos dados dos sentidos. Por outro lado, no que diz respeito à estrutura e localização da ψυχή no corpo humano, Galeno defende uma tripartição da mesma em três princípios motivacionais: cérebro, coração e fígado.

Demonstrei que um animal após nascer é governado por três princípios, um sediado na cabeça, cujo trabalho, por si mesmo, é fornecer imaginação, memória e recordação, conhecimento, pensamento e raciocínio, e em relação com outras partes do animal a de guiar a sensação das partes sensitivas e o movimento das partes que se movem voluntariamente. O segundo princípio encontra-se sediado no coração; o seu trabalho é, por si mesmo, fornecer o tonos da alma, ser constante e firme nas coisas que a razão comanda e em estados de paixão fornecer a ebulição, por assim dizer, do calor congénito, pois a alma nesses momentos deseja vingar-se ela mesma do suposto malfeitor, e este tipo de paixão é denominado cólera; na sua relação com outras coisas a sua função é ser princípio de calor para várias partes e o de movimento de pulsação para as artérias. O poder que resta, sediado no fígado, tem como função todas as coisas relacionadas com a nutrição do animal, a mais importante das quais em nós e em todos os animais sanguíneos é a produção de sangue. A este mesmo poder pertence também o gozo dos prazeres, e quando é movido por esta satisfação mais do que é devido dá origem à intemperança e libertinagem.

Encontramos neste texto um resumo da psicologia de Galeno. Através deste mapeamento anatómico e fisiológico das potências anímicas, Galeno inscreve-se no debate acerca da localização corporal do princípio director da alma (ἡγεμονικόν) sob jurisdição do qual se encontram as faculdades racional, cognitiva e sensório-motora. Sumariando, as teses em confronto na época de Galeno dividiam-se em indivíduos defendendo o encefalocentrismo (Hipócrates, Platão e Galeno), por um lado, e por outro o cardiocentrismo (Aristóteles, os Estóicos e Arquígenes). De modo a provar que o ἡγεμονικόν se encontra sediado no cérebro, Galeno adopta uma metodologia mista onde se cruzam anatomia e lógica. Do ponto de vista lógico Galeno apresentou vários silogismos com o intuito de demonstrar que a tese encefalocêntrica é a tese válida. Um dos mais conhecidos estrutura-se aproximadamente da seguinte forma: onde se encontra a origem dos nervos, é onde se encontra sediada a parte directora da alma. A origem dos nervos encontra-se no cérebro. Logo, a parte diretora da alma encontra-se aí sediada. Mas a demonstração lógica, por si só, é vazia, falta conteúdo empírico ao argumento, este é obtido através da anatomia. Com o intuito de alcançar a evidência empírica, Galeno dedicou parte substancial do seu trabalho realizando demonstrações anatómicas. De entre estas podemos salientar uma – que ao que tudo indica realizou várias vezes – onde provou que a fala, cujo órgão específico ou próprio é a laringe, é movida por músculos activados por nervos carreando pneuma psíquico cuja origem se encontra no cérebro. Ao suturar esses nervos Galeno conseguia tornar um animal afónico. Ao retirar-lhe os pontos, restituindo-lhe de novo a voz, revelava empiricamente a relação entre nervos, músculos e actividades. (PHP V, 235). O coração por seu lado é, como vimos, a sede do θυμοειδής e origem das artérias: é a parte da alma que tanto pode tornar um indivíduo magnânimo, agonístico e viril, quanto covarde, mesquinho ou irado. O fígado, para finalizar, é sede das faculdades nutritiva e desiderativa/ἐπιθυμητικόν e origem das veias que irrigam o organismo de sangue. Em síntese, o corpo humano é constituído por três sistemas: nervoso, cardiovascular e hepático com funções, faculdades e actividades específicas a cada um deles. A comunicação entre ambos é complexa, nomeadamente no que diz respeito à relação entre os sistemas hepático e cardiovascular, por um lado, e nervoso, por outro, visto os três possuírem, em si-mesmos, capacidade 'motriz'.
Do ponto de vista fisiológico, Galeno considera que as capacidades anímicas – sediadas nos três órgãos acima referidos – resultam da κρᾶσις/mistura das quatro qualidades fundamentais – frio, quente, húmido e seco – que por seu turno dão origem aos quatro humores que pululam o corpo humano – sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra. A nível macroscópico a mistura das qualidades fundamentais encontra-se na origem das estruturas anatómicas identificadas através da dissecação. Galeno concebe dois tipos de estruturas anatómicas. Por um lado, as partes uniformes/homogéneas (ὁμοιομερής/ ὁμοιομέρεια), por outro, as partes orgânicas ou instrumentais (ὀργανικά). Exemplos das primeiras são músculos, ossos e cartilagem; das segundas, coração, fígado pulmões e cérebro. Cada um destes itens encontra-se numa mistura que pode ser boa, má ou neutra. Quando a condição (κατασκευή) do organismo se encontra numa harmonia proporcional entre as quatro qualidades fundamentais, este encontra-se de acordo com a natureza (κατὰ φύσιν), quando se verifica algum desequilíbrio, desproporção ou desarmonia, o organismo adquire uma condição contranatura (παρὰ φύσιν). Por conseguinte, o critério de saúde assenta na harmonia e equilíbrio entre as diferentes qualidades fundamentais, i.e., as suas κράσεις. Este equilíbrio varia de acordo com a idade de cada indivíduo, o clima, assim como com o estilo de vida de cada pessoa. A doença, por seu turno, irrompe quando as actividades do organismo – tanto psíquicas quanto naturais – são obstruídas temporária ou permanentemente. Todavia, a doença propriamente dita corresponde à intemperança ou desordem da disposição (διάθεσις) que impede a realização da actividade. Nesse sentido qualquer diagnóstico passa por perceber em que estado se encontra a διάθεσις do organismo ou da parte afectada. As subsequentes terapias a serem prescritas assentam na recuperação do estado natural desta.
Como indicámos, estados contranatura são, por conseguinte, patologias, desordens, defeitos ou excessos que afectam o organismo, ainda que não sejam necessariamente sinónimo de doença. Portanto, desordens emocionais e afectivas resultam de uma desarmonia ou desacordo entre as partes não racionais e racional ou de discrasias do organismo que podem ter lugar num determinado órgão afectando o ἡγεμονικόν quer por simpatia, quer por idiopatia, i.e., quando é o próprio cérebro a ser afectado. Posto isto, como é que Galeno aborda as questões relacionadas com perturbações psíquicas e que terapia(s) propõe?



3 Pathos, Nosos e Terapias

Primeiro temos de atentar à sua concepção de pathos (παθός) e nosos (νόσος) em sentido lato e no que diz respeito à psique para, de seguida, olharmos para as terapias propostas. Uma primeira determinação a ter em conta é a de que todo e qualquer παθός é algo que acontece a algo, sendo a causa dessa afecção heterogénea ao objecto afectado. No que diz respeito aos humanos, παθός é algo que se encontra o mais das vezes fora da sua esfera de controlo. Eros é um dos exemplos mais familiares na literatura grega, uma força invencível (ἀνίκατε μαχᾶν) uma espécie de loucura, de acordo com Platão.
Na sua teorização acerca dos παθή, Galeno despende parte significativa da sua argumentação combatendo o ponto de vista de Crispo. De acordo com o terceiro 'director' do estoicismo, παθή são alterações excessivas do ἡγεμονικόν, erros de juízo contrários à razão. Galeno, todavia, considera a posição de Crisipo contraditória: como é que a razão pode agir contra si própria? Do ponto de vista lógico é impossível que a mesma faculdade, ao mesmo tempo, deseje e não deseje o mesmo objecto. Portanto, a única explicação plausível, de acordo com o médico grego, é existirem forças não racionais no organismo instigando essa intencionalidade dual e contraditória. Mas essas forças não são necessariamente patológicas, i.e., mórbidas ou doentias. Galeno tenta diferenciar ambos os conceitos sem chegar, no entanto, a uma distinção rigorosa. Por exemplo, em Acerca do Método Terapêutico escreve: "Denomino doença somente a disposição contrária à saúde, com isto quero dizer que a actividade se encontra danificada, quer esta (a doença) seja de longa ou de curta duração ou momentânea". Portanto, doença (νόσος) é sinónimo de obstaculização à realização das normais actividades do organismo. Será que Galeno considera que paixão (παθός) implica também um impedimento? Em Acerca da diferença de sintomas, escreve:

Uma afecção é distinta de uma actividade, assim como aquilo que age é distinto daquilo que é agido e doença é distinta de saúde, uma enquanto contranatura e outra de acordo com a natureza. (...) Doença é uma condição contranatura do corpo, causa de deterioração da actividade. Afecção é um movimento que envolve a matéria realizada pelo agente. E este movimento do agente é uma actividade.

Toda e qualquer afecção (παθός) implica movimento mas nem todo o movimento é patológico, somente quando é contranatura se torna patológico:

Não é de admirar que a mesma coisa possa ser denominada simultaneamente afecção e actividade (p.ex. um pulso mais fraco do que o normal), mas não com o mesmo significado. É uma actividade porque o movimento nesta pulsação é também activo, todavia não é uma actividade mas sim uma afecção porque o movimento não se encontra de acordo com a natureza. O mesmo acontece com a ira e outras afecções: todas elas são actividades da parte afectiva da alma, mas enquanto movimentos excessivos e imoderados, e não de acordo com a natureza, significam não actividades mas afecções.

Em continuidade com esta abordagem, o médico grego estabelece mais uma distinção importante, nomeadamente entre erros (ἁμάρτηματα) e afecções/paixões (παθή). Em Acerca do Diagnóstico e tratamento das afecções próprias à alma de cada um avança com a seguinte distinção: "Defini erro como emergindo de uma crença falsa e afecção como resultando de uma capacidade não racional em nós desobediente à razão." Por conseguinte erros (ἁμάρτηματα) pertencem ao domínio racional e emoções (παθή) ao domínio não racional. Esta divisão reflecte a perspectiva Platónico-Aristotélica da divisão da alma em duas faculdades, uma racional e outra não-racional e vinca a sua, de Galeno, demarcação da visão dos Estóicos. Como é que esta distinção se reflecte nas terapias que propõe?
É neste ponto que a teoria de Galeno apresenta alguma incongruência. Em termos sumários, Galeno propõe-nos nos seus escritos dois tipos de 'discursos' acerca da ψυχή suas patologias e possíveis terapias: um i) clínico e um outro ii) filosófico. O problema é que ambos não se harmonizam completamente. Mais, as desordens que consideramos cognitivas e comportamentais inserem-se nos textos ético-filosóficos e as desordens mentais (psiquiátricas), por assim dizer, como melancolia, mania e frenite são abordadas, maioritariamente, nos seus tratados clínicos. Para complicar um pouco mais o quadro, as terapias propostas em cada um destes géneros de textos são de natureza distinta. No que se segue iremos considerar maioritariamente as terapias para as desordens emocionais e não tanto a visão mais psiquiátrica, passando o anacronismo, que encontramos no segundo grupo de textos.
Portanto, no que diz respeito às terapias cognitivo-comportamentais (ou ético-emocionais), os textos de Galeno inserem-se no género literário de terapia filosófica que floresceu maioritariamente no período helenístico mas evidencia peculiaridades que advêm da sua dupla condição de médico e filósofo. Por um lado as suas propostas terapêuticas não são completamente inovadoras, por outro inscrevem-se na sua prática clínica, o que as torna distintas das terapias desenvolvidas maioritariamente pelos Estóicos e Epicuristas do período helenístico. É neste período, de facto, que se verifica uma intensificação e consolidação da visão da filosofia como terapia. Estóicos e Epicuristas reclamam-se médicos da ψυχή com cada uma das escolas propondo diferentes terapias mas reconhecendo, ainda que implicitamente, um mínimo múltiplo comum entre todas elas, a saber, de que o processo terapêutico é uma atividade assente maioritariamente na razão, discurso, palavra, em suma no logos. Por outras palavras, é uma terapia cognitiva visto as desordens emocionais derivarem de crenças falsas acerca do que é correcto ou incorrecto, do que é o bem e o mal. Todavia, será adequado aplicar o termo 'psicoterapia' às técnicas propostas por Galeno?
No vocabulário psicológico contemporâneo psicoterapia é um método mediante o qual um profissional, utilizando maioritariamente a comunicação verbal num contexto de relação terapêutica, realiza intervenções com o intuito de influenciar o paciente a modificar atitudes acerca da sua vida emocional, cognitiva e comportamental. As patologias sob escrutínio das técnicas psicoterapêuticas abrangem a depressão, luto, ansiedade, hipocondria, pânico, agorafobia, fobia social, perturbação de stress pós-traumático, perturbação obsessivo-compulsiva, entre outras i.e., alterações do foro cognitivo-comportamental e não tanto fisiológicas ou neurobiológicas que disciplinarmente se encontram sob jurisdição da psiquiatria. Contudo, a distinção entre psicologia e psiquiatria encontra-se hoje em dia menos vincada tanto em termos de diagnóstico quanto terapêuticos, ainda que na prática clínica a organização e divisão institucionais e disciplinares se mantenham operativas. Ao psicólogo, como afirmámos, compete-lhe uma abordagem interpessoal recorrendo maioritariamente ao diálogo e à palavra, enquanto o psiquiatra prescreve fármacos cujo objectivo passa por restaurar, atenuar ou modificar os níveis químicos do organismo e desse modo o bem-estar psíquico e emocional do paciente. As patologias sob alçada da psiquiatria são, entre outras, a esquizofrenia, doença bipolar, a depressão, etc. Em síntese, as diferentes técnicas psicoterapêuticas visam a modificação da estrutura 'dóxica' dos pacientes visto considerarem as emoções e sentimentos instanciações de juízos de valor, enquanto que as terapias psiquiátricas atacam os sintomas através da prescrição de fármacos e evidenciam uma visão mais reducionista da psique ao soma. Como é que Galeno se insere neste quadro conceptual? Sendo simultaneamente médico e filósofo, e tendo em conta a sua concepção de que as faculdades da alma resultam dos temperamentos do corpo, Galeno crê que pode influenciar a mente através do corpo, aproximando-se, por conseguinte, de uma visão onde a psique se reduz às condições corporais, e por conseguinte ao que hoje denominamos psiquiatria. Todavia encontramos nos seus escritos também uma visão filosófica da terapia, que se aproxima das práticas terapêuticas cognitivo-comportamentais, onde o autocontrolo e a análise racional das crenças de cada indivíduo são as pedras de toque.
Existem todavia diferenças substanciais entre as psicoterapias contemporâneas e a psicoterapia oferecida por Galeno. Por exemplo, as terapias cognitivo-comportamentais (TCC) oferecem técnicas cujo o objectivo é melhorar a condição emocional dos pacientes em poucas semanas (6 em algumas técnicas oferecidas pela TCC), por outro lado o paciente encontra-se ao mesmo nível hierárquico que o terapeuta e numa postura de diálogo e entreajuda. Em Galeno, mas também na matriz estoico-epicurista, o processo terapêutico prolonga-se por um período de tempo indeterminado, ou pelo menos bastante longo e o 'paciente' não se encontra ao mesmo nível hierárquico que o seu tutor ou conselheiro – aquele deve seguir os conselhos deste sem os colocar em causa.
Seja como for, Galeno desenvolve uma 'taxonomia' de emoções. Segundo o médico grego existem cinco emoções genéricas (γένη), a saber: ira (ὀργή), cólera (θυμός), inveja (φθόνος), medo (φόβος), aflição/tristeza (λύπη) e desejo excessivo (ἐπιθυμία σφόδρα). Esta categorização é muito próxima da que encontramos nos textos Estóicos, inclui contudo o desejo excessivo (ἐπιθυμία σφόδρα) que sugere ressonâncias aristotélicas. Segundo esta divisão, e tendo em conta a devoção de Galeno por Platão e a distinção da alma em racional e não racional, será de supor que cólera (θυμός) e medo (φόβος) pertencem ao θυμοειδής e tristeza (λύπη) e desejo excessivo (ἐπιθυμία σφόδρα) se encontrem sob jurisdição do ἐπιθυμετικόν. Mais, Galeno afirma que φθόνος é uma subespécie de λύπη, qualificando-a como a mais destrutiva de todas as emoções. Por outro lado λύπη resulta de ἀπληστία (insaciabilidade), i.e., muitas das aflições e desgostos resultam da incapacidade de os indivíduos se sentirem satisfeitos com a vida que levam mesmo quando aquilo que têm – principalmente bens materiais mas também reputação pessoal – são suficientes para levarem uma vida desafogada, sem preocupações materiais.
No que diz respeito à terapia destas afecções da 'psique', Galeno considera que o primeiro passo a dar é procurar uma pessoa mais velha, experiente, de confiança e com um estilo de vida regrado que monitorize o dia-a-dia do 'paciente', lhe indique o que está a fazer de errado e lhe aconselhe acerca do que deve fazer de modo a modificar o seu comportamento. Como os erros resultam de crenças falsas e as emoções de impulsos não racionais, Galeno aconselha o paciente a controlar primeiro das emoções, já que estas se encontram o mais das vezes na origem das crenças falsas. Este procedimento será o mais eficiente pois ao assentirmos regularmente a emoções reforçamo-las, o que leva a que uma reconfiguração da estrutura dóxica se torne ainda mais difícil. Por conseguinte, quando as emoções se encontram profundamente enraizadas poderá ser possível controlar a manifestação da emoção, mas não a própria emoção. No entanto, o controlo da manifestação da emoção é uma passo significativo para a terapia: ao controlar as manifestações emocionais as próprias emoções começam a diminuir de intensidade, o que leva a um acréscimo de autocontrolo.
Uma outra técnica relevante proposta por Galeno é a rememoração de preceitos (δόγματα/παραίνεσις). Esta técnica de rememoração, central em Epicteto mas com raízes pitagóricas, como o próprio Galeno refere. Os exercícios devem ser realizados, pelo menos, duas vezes ao dia, ao levantar e ao deitar. De manhã planeamos e revemos os preceitos fundamentais e ao deitar avaliamos a performance quotidiana à luz desses mesmos δόγματα/παραίνεσις. Este exercício visa colocar em perspectiva o valor real e o papel que desempenham os bens materiais numa vida bem sucedida, assim como ajustar os comportamentos aos dogmas estruturantes. Oferece-nos Galeno na mesma obra o exercício, também ele estóico e cirenaico, da premeditação dos males futuros. Uma técnica onde o indivíduo é convidado a imaginar situações limite de ansiedade, sofrimento, alterações radicais da sua vida, como perda de bens materiais, de modo a antecipar e se preparar caso estas venham a suceder. Por outro lado, e regressando a Aff. Dig. encontramos neste texto conselhos e técnicas de controlo emocional que visam domesticar as partes não racionais da alma (τὸ θυμοειδής e τὸ ἐπιθυμετικόν) através do discurso e do diálogo. Galeno exemplifica-o com uma situação na qual um amigo seu agrediu violentamente um escravo provocando-lhe ferimentos graves. Após ter cometido esse acto o seu amigo repreendeu-se excessivamente (ἑαυτοῦ καταγνοῦς μαγάλως) acerca do que tinha feito e solicitou a Galeno que o açoitasse (μαστιγοῦν). Galeno não anuiu à solicitação, mas aproveitou a ocasião de o amigo se encontrar arrependido – estado propício à aplicação de terapias emocionais e à possibilidade de se iniciar um caminho de aperfeiçoamento ético-emocional – para lhe aplicar "vergastadas racionais": a argumentação ou o sermão é, segundo Galeno, o melhor 'chicote' neste tipo de admoestações: o logos oferece a oportunidade de castigar e apaziguar o estado inflamado e irascível do θυμοειδής. Por outro lado é uma ocasião propícia já que o excesso de amor-próprio ou orgulho, a estima excessiva que muitas vezes os indivíduos têm de si-mesmos, é um dos principais obstáculos ao aperfeiçoamento moral e psíquico, uma espécie de eros que, como em todo e qualquer indivíduo apaixonado, o torna cego para si-mesmo, vendo apenas o objecto amado. "E como cada um de nós se ama a si próprio mais do que tudo o resto, este necessariamente encontra-se cego acerca da sua própria situação". É ainda em relação ao θυμοειδής que Galeno nos diz que este pode ser treinado até um certo ponto, ponto esse que culmina na educação que um indivíduo recebeu e que não oferece margem para reestruturação. Outro elemento motivacional que deve ser atentamente monitorizado é o ἐπιθυμετικόν, fonte de desejo, tanto sensual quanto de bebida, comida, mas também das mais devastadora das emoções: a inveja (φθόνος). Esta é a emoção mais devastadora pois pode minar o cimento social da reciprocidade e amizade. Galeno indica ainda que a inveja se dirige a bens materiais, mas também ao sucesso tanto pessoal quanto pessoal dos outros indivíduos.
Portanto, a proposta de Galeno passa por fazer ver os seus leitores de que é possível, em certa medida, evitar a realização de ações sob a influência de estados emocionalmente excessivos desde que um indivíduo se exercite diariamente no controlo destas emoções através de uma vida regrada e disciplinada. Todavia, Galeno considera que a educação ministrada desde tenra idade é um factor determinante para um indivíduo lidar apropriadamente com as adversidades da vida assim como com estados emotivos mais intensos. A referência à infância é um outro aspecto importante na compreensão de Galeno acerca da psique humana, suas capacidades e patologias. Refere o médico grego que cada indivíduo vem ao mundo com traços de carácter que lhe são congénitos: há crianças mais inteligentes, outras mais impacientes, umas mais fervorosas outras mais calmas, umas corajosas, outras covardes. Estes ἤθη são elementos não racionais da alma que somente através da educação poderão ser domesticados, aperfeiçoados. Há evidências empíricas de que estes traços de personalidade são congénitos. Se olharmos para indivíduos educados da mesma forma pelas mesmas pessoas, num mesmo ambiente, iremos constatar que o carácter de cada um é deveras diferente. Esta evidência empírica é suficiente para Galeno defender, contra os Estóicos por exemplo, que determinadas propensões para estados patológicos não são fruto do ambiente social, mas sim de factores congénitos. É neste ponto que encontramos o limite da psicoterapia. Os temperamentos das diferentes partes da alma podem ser reconfigurados, em certa medida, através do estilo de vida de cada indivíduo, já que, como vimos, a alimentação e a bebida, por exemplo, têm o poder de modificar as misturas corporais e deste modo as capacidades cognitivas. Mas há determinadas configurações que não são passíveis de reconfiguração, que são co-constitutivas de cada indivíduo e ainda que possam talvez ser melhoradas não são passíveis de ser alteradas na sua configuração mais elementar. É em QAM, um dos últimos textos de Galeno, que encontramos a posição mais fisicalista do médico grego no que diz respeito à relação mente-corpo e uma quase-redução da primeira ao segundo. Como o próprio título indica, as faculdades mentais seguem a configuração fisiológica do organismo. A questão central é a de saber de que modo Galeno compreende o verbo ἕπομαι: i) são as faculdades cognitivas idênticas à condição fisiológica do organismo, ii) são influenciadas pelo estado corporal, assim como por outros factores (climáticos, por exemplo), ou iii) são capacidades/actividades/estados que acompanham usualmente determinadas condições fisiológicas do organismo? A resposta fica em aberto, mas Galeno afirma em Aff. Dig. que a alma é escrava (δουλεύειν) do corpo e em QAM reforça a sua tese de que sob determinadas circunstâncias fisiológicas, por exemplo quando o corpo, mais concretamente o cérebro, se encontra excessivamente quente ou frio as faculdades cognitivas, como a memória e o raciocínio, ficam total ou parcialmente 'danificadas', i.e., sofrem uma diminuição performativa, como por exemplo sob o efeito do álcool, melancolia, phrenitis ou mania, que são doenças do foro fisiológico.



Conclusão
Em modo de conclusão, fica em aberto uma resposta definitiva por parte de Galeno acerca da sua posição em termos de psicoterapia. Ainda que Galeno não defenda um reducionismo estrito da psychê às condições fisiológicas do organismo, o médico grego apresenta em QAM uma visão, por assim dizer, médica da terapia onde as técnicas propostas são tanto do âmbito do regimen: alimentação, exercício físico, relações sexuais, sono, etc. Todavia, fica por estabelecer a ligação entre QAM, Aff.Dig e De Indolentia. É que nos últimos dois tratados, assim como em Morb., Galeno propõe-nos uma psicologia marcadamente platónico-aristotélica e técnicas terapêuticas marcadamente estóico-epicuristas, i.e., uma partição da alma em racional e irracional e técnicas racionais para ambas as partes da psychê. Se levarmos à letra a distinção avançada em Aff.Dig. entre erros e afecções, as técnicas que propõe só poderiam ser efectivas ao nível dóxico mas não emocional, já que afecções são não-racionais, i.e., Galeno indica terapias idênticas para diferentes fenómenos patológicos instigados por diferentes forças motivacionais. Mais, o médico Grego refere que se um indivíduo não possuir uma estrutura cognitiva e emocional previamente estruturada através da educação, muitas das afecções emocionalmente patológicas são de difícil, para não dizer impossível, terapia. Como resolver esta incompatibilidade? Umas das hipóteses será ler os textos de Galeno, nomeadamente Aff.Dig. e Ind. do ponto de vista retórico tendo em conta a audiência à qual se dirigem, i.e., como textos com uma índole marcadamente erudita onde Galeno demonstra a sua vasta cultura filosófica e não tanto como textos 'psicoterapêuticos' em si mesmos. Esta hipótese não resolve as inconsistências apontadas, mas não podemos esquecer que o vocabulário, até mesmo a teorização de Galeno acerca da alma é, não poucas vezes, vago devido ao 'pragmatismo céptico' que adopta na sua empresa médico-filosófica.




Referências bibliográficas
Fontes primárias
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Galeno, De methodo medendi, vol. X Kühn.
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* Este trabalho foi desenvolvido com o apoio financeiro de uma bolsa de doutoramento do programa da Berlin Graduate School of Ancient Studies (BerGSAS) parte integrante do Excellence Cluster Topoi sediado na Humboldt Universität zu Berlin. Desejo agradecer a todo o grupo de investigação Medicine of the Mind, Philosophy of the Body e em particular a Philip van der Eijk e Julien Devinant. As opiniões expressas neste artigo são da minha inteira responsabilidade.
Todas as datas são depois de Cristo, caso contrário será assinalado. Acerca da biografia de Galeno, ver Mattern (2013), Boudon-Millot (2012) e Hankinson (2008). A única edição moderna das obras de Galeno é a de Kühn, publicada pela primeira vez em Leipzig entre 1821-33 num total de 20 vols. em 22. Esta edição foi reimpressa em 1965 pela editora Georg Olms. No que diz respeito à citação das obras de Galeno, indicarei o título da obra em latim e o volume e página em numeração árabe da edição de Kühn, por exemplo: De Locis Affectis, VIII 180 K. Após a primeira citação passarei a usar a abreviação da mesma em latim De Locis Affectis (Loc. Aff.). Caso existam edições mais recentes, como as que têm vindo a ser publicadas no Corpus Medicorum Graecum (CMG) ou na colecção Budé ou outras editoras, indicarei a paginação tanto de Kühn quanto da edição mais recente. A lista mais actualizada dos títulos das obras de Galeno com indicação de traduções para línguas modernas encontra-se em (http://cmg.bbaw.de/online-publications/hippokrates-und-galenbibliographie-fichtner).
Diagnóstico e tratamento das afecções da alma/De animi cuiuslibet peccatorum dignotione et curatione I.8 = V.41 K. Este tratado é parte integrante de Acerca do Diagnóstico e tratamento das afecções próprias à alma de cada um/De propriorum animi cuiuslibet affectuum dignotione et curatione. No que diz respeito aos professores que frequentou Galeno menciona no mesmo livro, o estóico Filopator, um platónico aluno de Gaio, um peripatético, aluno de Aspásio e um epicurista originário de Atenas. Em Sobre os seus próprios Livros/De libris propris II.1 (Boudon-Millot, p. 164-167 = XIX. 39-41 K.) Galeno afirma que em Esmirna frequentou os 'cursos' de Albino (ou Alcino) um platónico também ele discípulo de Gaio.
Acerca da ordem dos seus próprios livros/ De Ordine Librorum Propriorum IV.4 99-100 B-M = XIX. 59 K.
No que diz respeito à relação de Galeno com a Segunda Sofística ver von Staden (1997), Mattern (2008).
Não só no campo da anatomia e cirurgia, mas também no campo do diagnóstico e prognóstico A título de exemplo, a medição do pulso foi uma das técnicas que aprofundou de modo particularmente complexo na esteira do trabalho previamente realizado por Herófilo de Alexandria. Acerca de Herófilo, ver von Staden (1989). Muitos dos seus inimigos usaram esta perícia como evidência de que Galeno praticava adivinhação acusando-o de charlatanismo. Por exemplo, em Acerca do Prognóstico (De praecognitione/Praecog. 5.6 CMG (XIV 625-26, 630-33K)) relata que diagnosticou a paixão amorosa da esposa de Flávio por um bailarino através da observação do pulso.
O texto de Galeno mais conhecido acerca da alma e suas faculdades intitula-se Que as faculdades da alma seguem as misturas do corpo/Quod animi mores corporis temperamenta sequantur (QAM). A edição crítica em circulação mais viável é a de Muller, Teubner in Galenus: Scripta Minora, II (Leipzig, 1891; repr. 1967). Existe uma nova edição crítica levada a cabo por Bazou, publicada apenas em Grego, que indico na bibliografia assim como as suas páginas quando cito QAM. É de salientar que em Acerca das Doutrinas de Hipócrates e Platão/De Placitis Hippocratis et Platonis (PHP) encontramos extenso material acerca da alma, nomeadamente nos livros 1-3 e 6 onde Galeno discorre acerca da localização da alma no corpo humano. Nos livros 4-5, por outro lado, analisa o número e qualidades desta. O ponto de vista de Galeno em PHP é menos fisicalista do que aquele apresentado em QAM. O termo ψυχή (psychê) requer algumas observações. Primeiro, é um termo praticamente intraduzível. Todavia, podemos indicar algumas determinações genéricas da ψυχή, a saber, movimento, sensação/percepção (em formas de vida mais sofisticadas, como nos animais), reprodução, crescimento, em suma, todas as determinações em virtude das quais existe vida em sentido lato. Galeno, por seu turno, confere ao termo diferentes sentidos. Há contextos onde este se aproxima de 'mente', quando o médico grego se refere às faculdades cognitivas sob jurisdição do ἡγεμονικόν, a 'parte' dirigente da ψυχή, tais como como memória, razão, imaginação, percepção. Por outro lado, há contextos em que ψυχή se refere a estados afectivos tais como ira, raiva, prazer, pulsação, movimento tónico, etc. Isto é, actividades que se encontram sob a jurisdição de outros centros directores da alma que não o ἡγεμονικόν. (Ver a passagem em Prop. Plac. onde Galeno menciona que emprega o termo psyche ou natureza consoante a audiência a que se dirige) Para uma síntese do conceito de ψυχή na medicina antiga, ver Hankinson (1991).
A sua posição encontra-se exposta em diversos textos. Ver por exemplo: De Propriis Placitis/Acerca das minhas próprias doutrinas. Prop. Plac. 7.1.
Ver, acerca desta divisão das disciplinas filosóficas em Galeno, Tieleman (2003)
Prop. Plac. 14.1
Encontramos nesta posição a tese de Platão expressa no Fedro 245 c9-10 assim como a metodologia avançada por Aristóteles em De anima I 1, 402b10-403a2: devemos começar a investigação acerca da alma a partir das ἔργα και παθή τῆς ψυχή. Acerca da posição de Galeno sobre a ψυχή, ver, Hankinsion (1991), Tieleman (2003) e Donini (2008). Acerca da metodologia em Galeno ver Tieleman (2008).
De Placitis Hippocratis et Platonis/Acerca das Doutrinas de Hipócrates e Platão. PHP 438,28-440,6 (De Lacy) δέδεικται μὲν γὰρ ὡς ἡ τοῦ γεγεννημένου ζῴου διοίκησις ὑπὸ τριῶν ἀρχῶν γίνεται, μιᾶς μὲν τῆς ἐν τῇ κεφαλῇ κατῳκισμένης ἧς ἔργα καθ' ἑαυτὴν μὲν ἥ τε φαντασία καὶ ἡ μνήμη καὶ νόησις καὶ διανόησις, ἐν δὲ τῷ πρός τι τῆς τ' αἰσθήσεως ἡγεῖσθαι τοῖς [τ'] αἰσθανομένοις τοῦ ζῴου μέρεσι καὶ τῆς κινήσεως τοῖς κινουμένοις καθ' ὁρμήν, ἑτέρας δὲ τῆς ἐν τῇ καρδίᾳ καθιδρυμένης, ἧς ἔργα καθ' ἑαυτὴν μὲν ὁ τόνος ἐστὶ τῆς ψυχῆς καὶ τὸ μόνιμον ἐν οἷς ἂν ὁ λογισμὸς κελεύσῃ καὶ τὸ ἀήττητον, κατὰ πάθος δ' οἷον ζέσις τῆς ἐμφύτου θερμασίας ποθούσης τιμωρήσασθαι τῆς ψυχῆς τηνικαῦτα τὸν ἀδικεῖν δόξαντα, καὶ καλεῖται τὸ τοιοῦτον θυμός, ἐν δὲ τῷ πρός τι θερμασίας ἀρχὴ τοῖς κατὰ μέρος εἶναι μορίοις ἀρτηρίαις τε κινήσεως σφυγμικῆς· τῆς δ' ὑπολοίπου δυνάμεως ἐν ἥπατι καθιδρυμένης ἔργα τὰ περὶ τὴν θρέψιν ἅπαντα κατὰ τὸ ζῷον, ὧν μέγιστον μέρος ἐν ἡμῖν τε καὶ πᾶσι τοῖς ἐναίμοις ζῴοις ἐστὶν ἡ τοῦ αἵματος γένεσις. τῆς δ' αὐτῆς ταύτης δυνάμεως καὶ ἡ τῶν ἡδέων ἐστὶν ἀπόλαυσις, ἐν ᾗ σφοδρότερον τοῦ δέοντος κινουμένη τήν τ' ἀκρασίαν καὶ τὴν ἀκολασίαν ἐργάζεται. Todas as traduções são de minha autoria, caso contrário será indicado. Existem diversas questões em aberto no que diz respeito à recepção e apropriação teórica e terminológica neste excerto que, todavia, não iremos aprofundar neste local. Ainda assim, cremos ser oportuno salientar que: i) com a distinção ἔργα καθ' ἑαυτὴν e ἔργα πρός τι, Galeno sugere uma distinção crucial no que diz respeito às modalidades de funcionamento do ἡγεμονικόν. Galeno faz uso desta distinção em outros textos, ainda que não aplique sempre a mesma terminologia. Cf. Galen, Hipp. Prog. CMG v 9, 2 p. 266.11-15 Heeg; Cons. 25.20 M; Hipp. Prorrh. I CMG v 9, 2 p. 17.15-16 Diels = XVI 518 K.; Hipp. Epid. VI CMG v 4. 5. p. 271.15-16 Wenkebach and Pfaff = XVIIB.1 248, and V 12. 281.3 Wenkebach and Pfaff = XVIIB.1 28; Foet. Form. CMG v 3, 3 p. 76.17 Nickel = IV 672.16 K.; UP. I 465.7 H. = III 641.16 K. Como referimos acima, Galeno teve uma sólida formação filosófica. Sabemos também que redigiu um comentário acerca das Categorias de Aristóteles. Por conseguinte nao é de estranhar a influência aristotélica, pelo menos no que diz respeito à terminologia. Sucintamente, Galeno sugere com esta divisão a existência de actividades do ἡγεμονικόν que necessitam apenas do cérebro para se realizarem, nesse sentido são 'auto-suficientes', enquanto que as actividades sensório-motoras necessitam dos nervos para realizarem as ordens do ἡγεμονικόν. As segundas encontram-se dependentes do ἡγεμονικόν e da 'disposição' (διάθεσις) do cérebro. Creio também que podemos encontrar nesta distinção um uso descritivo, nomeadamente no que diz respeito a episódios de alucinação e ilusão, já que há ocasiões em que o ἡγεμονικόν se encontra perturbado mas os órgãos dos sentidos em perfeita condição, e no entanto um indivíduo é assolado por alucinações, enquanto que em casos de ilusão perceptiva, o ἡγεμονικόν poderá estar de perfeita saúde e os órgãos dos sentidos se encontrarem danificados. si) é ainda de salientar, também, que Galeno aplica a distinção ἔργα καθ' ἑαυτὴν/ἔργα πρός τι neste excerto apenas às actividades do cérebro e do coração, deixando de lado as do fígado.
PHP II 64.16-25 De Lacy.
Não é nosso objectivo nos debruçar na análise detalhada da validade ou invalidade do argumento, apenas gostaríamos de salientar a importância da Lógica na prática médica de Galeno, assim como o papel central dos nervos na compreensão da interação mente-corpo. Acerca da lógica em Galeno, ver Barnes (1991), (2003); Morison (2008).
Acerca de pneuma psíquico.
Galeno refere que realizou estas dissecações em porcos porque os guinchos destes são de tal forma intensos e agudos que a demonstração torna-se mais cogente, surpreendente (ἐκπλήττει) e espetacular (θαυμαστόν) para a audiência. Mais, quando o animal recupera a voz a audiência fica ainda mais "maravilhada" com o ocorrido. AA II 669K οὕτω γὰρ μᾶλλον οἱ θεαταὶ θαθμάζουσι.
θυμός (substantivo) e θυμοειδής (adjectivo) são termos de difícil tradução. As mais comuns são ira, ânimo, orgulho, (auto)estima. Ver Manulli (1988).
De Lacy (1988)
Contudo somente as actividades controladas pelo ἡγεμονικόν através dos nervos são consideradas voluntárias. Como, segundo Galeno, nem o fígado nem o coração possuem nervos, a relação entre ambos é bastante problemática, e a explicação de actividades voluntárias controladas por estes centros directores, de difícil realização. Ver Mansfeld (1991).
κρᾶσις é um termo central na fisiologia de Galeno acerca do qual o médico grego escreveu um tratado intitulado Acerca da Mistura. Os tradutores anglo-saxónicos optam por verter o termo em temperament, blend, mixture. Em português temos o termo crase que é uma transliteração do grego, ainda que seja utilizado maioritariamente em linguística para designar a junção de duas vogais idênticas. Em termos conceptuais o termo refere-se à mistura das quatro qualidades fundamentais da natureza – quente, frio, seco e húmido – mais concretamente, ao resultado dessa mistura. Cada substância, entidade, organismo assim como parte(s) de um órgão ou sistema, são resultado de uma crase. Há uma crase do cérebro, como há uma crase do fígado, assim como dos ossos. Por conseguinte, a tradução do termo deve ter em conta esta elasticidade referencial e semântica. Por exemplo, podemos traduzir o termo em português por temperamento quando este se refere ao cérebro e às suas faculdades, assim como ao fígado enquanto sede do ἐπιθυμετικόν, reenviando desse modo para o que Galeno terá em mente, a saber determinadas características naturais, traços de personalidade/carácter (ἤθη) dos indivíduos que resultam da sua compleição (κρᾶσις) e estruturas corporais congénitas (σύμφυτοι). As patologias são maioritariamente, resultado de dyscrasias do organismo onde uma ou duas das qualidades fundamentais ganham preponderância. Há uma única eukrasia e oito dyscrasias. Como afirmámos, QAM é o texto onde Galeno desenvolve mais pormenorizadamente a visão de que as faculdades psíquicas dependem das misturas corporais. Voltaremos a ele mais à frente.
Dos elementos de segundo Hipócrates/De Elementis ex Hippocrate (CMG V 1.2. p.126, 12-16 De Lacy).
Galeno afirma que uma parte é ὁμοιομερής/ὁμοιομέρεια quando é divisível em partes similares em todo o processo de divisão; são componentes das partes orgânicas e são formadas a partir dos quatro elementos fundamentais. Por outro lado, ὀργανικά são as partes instrumentais do organismo, compostas de partes heterogéneas que executam uma função. Ver Galeno Acerca das diferenças entre doenças/ De Morborum Differentiis VI 841K. O termo foi cunhado por Aristóteles em As Partes dos Animais, II, 648a6– 655b27.
Galeno faz uso destes conceitos e respectivos itens em diferentes partes da sua obra. Acerca do significado destes dois termos ver nota n.1 p. 401 de Boudon-Millot à sua edição da Arte Médica.
φύσις é um termo central no pensamento de Galeno. Em termos gerais, podemos afirmar que o grego lhe atribui dois significados distintos. Por um lado, um significado cosmológico que se insere na sua visão teleológica do universo, por outro um significado mais restrito onde φύσις é sinónimo de κρᾶσις, i.e., cada parte do corpo humano possui uma φύσις que lhe é própria que por seu turno depende da κρᾶσις dessa parte. Para ser mais correcto, no segundo sentido será mais acertado falar de φύσεις pois cada parte terá a sua natureza particular que é idêntica à κρᾶσις da parte em apreço: φύσεις = κράσεις. Acerca do conceito φύσις na obra de Galeno, ver Jouanna (2003) e Kovačić (2001).
Loc. Aff. 136 K ss. É de salientar que Galeno considera que há doenças que derivam de uma blocagem à normal circulação dos humores, assim como do pneuma. A epilepsia é um desses exemplos onde o cérebro por motivos de deformação morfológica impede a normal circulação do pneuma psíquico e dos humores.
Sofocles, Antigona 781 ss.
Como mencionámos, Galeno defende uma tripartição da alma em três centros diretores e motivacionais que lhe permite explicar os fenómenos emocionalmente patológicos sem entrar em contradição lógica. Contudo, esta mesma posição levanta problemas substanciais no que diz respeito à unidade do sujeito. Por exemplo, quando sinto raiva ou me encontro apaixonado não é uma parte de mim que sente essas emoções – é certo que as posso sentir de modo mais intenso em determinadas partes do meu corpo: um aumento do batimento cardíaco, por exemplo, mas não considero que é o meu coração que sente raiva ou se encontra apaixonado, sou eu enquanto unidade psicofísica que me encontro sob essas afecções. Portanto a defesa da tripartição da alma sem uma teoria unificada do sujeito – no sentido em que é avançada uma explicação para a interacção entre as três partes da alma – fragmenta a experiência fenomenológica dos estados afectivos. Nesse sentido, a posição de Crispo encontra-se mais próxima de uma explicação unitária do sujeito.
Methodo Medendi/Acerca do Método Terapêutico. MM X 90,3-6K τὴν γὰρ ἐναντίαν ὑγείᾳ διάθεσιν, ὑφ' ἧς ἐνέργειαν λέγομεν βλάπτεσθαι, νόσημα μόνον προσαγορεύομεν, εἴτε πολυχρόνιος, εἴτε ὀλιγοχρόνιος, εἴτ' ἐν ἀκαρεῖ χρόνῳ γίγνοιτο·
De Symptomatum Differentiis/Diferenças de Simptomas. De sympt. diff. VII 47K ἐνεργείας δὲ διώρισται πάθος, ὡς ποιοῦν ποιουμένου καὶ νόσος ὑγείας, ὡς τὸ μὲν παρὰ φύσιν ὂν, τὸ δὲ κατὰ φύσιν. […] οὕτω δὲ καὶ νόσος, ἡ παρὰ φύσιν κατασκευὴ τοῦ σώματος, καὶ α τία τοῦ βεβλάφθαι τὴν ἐνέργειαν. ἢ συντομώτερον οὕτως, νόσος ἐστὶ διάθεσις παρὰ φύσιν, ἐνεργείας ἐμποδιστική. πάθος δ' ἐστὶν ἡ περὶ τὴν ὕλην ἀπὸ τοῦ δρῶντος κίνησις. αὕτη δὲ ἡ τοῦ δρῶντος κίνησις ἐνέργεια.
PHP V.509 οὐδὲν εἶναι θαυμαστὸν ἓν πρᾶγμα καὶ πάθος ὀνομάζεσθαι καὶ ἐνέργειαν, ὥσπερ τὸν μικρότερον τοῦ κατὰ φύσιν σφυγμόν, οὐ μὴν κατά γε ταὐτὸν σημαινόμενον, ἀλλὰ κατὰ μὲν τὸ πρότερον ῥηθὲν ἐνέργειαν, στι [μὲν] γὰρ καὶ ἡ κατὰ τοῦτον τὸν σφυγμὸν κίνησις δραστική, κατὰ δὲ τὸ δεύτερον οὐκ ἐνέργειαν ἀλλὰ πάθος, ὅτι μὴ κατὰ φύσιν ἐστὶν ἡ κίνησις. οὕτως οὖν ἔχει κἀπὶ τοῦ θυμοῦ καὶ τῶν ἄλλων παθῶν. ἅπαντα γὰρ ἐνέργειαί τινές εἰσι τοῦ παθητικοῦ τῆς ψυχῆς κατά γε τὸ πρῶτον τῆς ἐνεργείας σημαινόμενον, καθ' ὅσον δ' ἔκφοροί τε καὶ ἄμετροι κινήσεις εἰσὶ καὶ οὐ κατὰ φύσιν, οὐκ ἐνέργειαι λέγοιντ' ἂν ὑπάρχειν, ἀλλὰ πάθη κατὰ τὸ δεύτερον σημαινόμενον.
O título completo em latim é De Proprium Animi Cuislibet Affectuum Dignotione et Curatione. Abreviado em Aff. Dig. No que diz respeito ao texto Grego de Aff. Dig., ver CMG V 4, 1,1, SM 1.1-44. Este tratado é composto por dois ensaios: um acerca do diagnóstico das afecções da alma e um segundo acerca do seu tratamento. Galeno, contudo, não segue à risca esta divisão e a segunda parte do texto trata de um conjunto de considerações genéricas acerca da importância de estudar geometria e matemática para o aperfeiçoamento ético-moral dos indivíduos. Acerca deste texto, ver Donini (1988).
Aff. Dig. διώρισα, τὰ μὲν ἁμάρτημα κατὰ ψευδῆ δόξαν εἰπὼν γίγνεσθαι, τὸ δὲ πάθος κατά τιν᾽ ἄλογον ἐν ἡμῖν δύναμιν ἀπειθοῦσαν τῷ λόγῳ (.....)
ver Gill, pp. 243-280 (2010).
Nussbaum, (1984), Foucault, (1981), Sorabji, (2000).
Não nos referimos aos Cépticos, ainda que estes ofereçam um projecto terapêutico que supõe a supressão da própria razão, nem aos Cínicos que propõem um atalho para a excelência onde através de um exercício constante e aturado de resistência físico-mental e de habituação às adversidades tanto naturais quanto culturais cujo fito é alcançar a ausência de perturbações emocionais. Acerca da filosofia como exercício espiritual e forma de vida, ver Hadot (1995) e Cooper (2012). Podemos considerar Demócrito, DK B 31 como o primeiro filósofo a considerar a filosofia uma 'disciplina' útil para lidar com os distúrbios emocionais, assim como Platão, Cármides, 155b-157d; Górgias, 475d, 505c; República, 444c-e, Sofista 227c-230e, Timeu 86b-90d. Acerca da psicoterapia em Galeno ver Gill, pp. 300-329 (2010), Sorabji (2000). No que diz respeito aos Estóicos, ver Tieleman (2004) e Nussbaum (1984). Em trabalhos mais recentes tanto Hankinson quanto Gill (2010), Pineau (1988), van der Eijk (2013) e Boudon-Millot (2013) defendem, por diferentes vias, uma forma de psicoterapia em Galeno salientando ora as diferenças entre esta e as técnicas contemporâneas (Gill), ora situando a medicina e terapêutica de Galeno no seu quadro teórico e cultural (van der Eijk, Boudon-Millot) ora levantando questões filosóficas de fundo na abordagem de Galeno ao fenómeno da psique e suas patologias (Hankinson e Pigeaud) reconhecendo ao médico grego uma maior coerência entre o discurso filosófico e a prática clínica, tese que Gill rejeita e que Hankinson sustenta. A Pigeaud, por seu turno, interessa-lhe compreender o lugar de Galeno na história da psiquiatria.
Para uma síntese, em Português, das diferentes técnicas psicoterapêuticas, vide Ribeiro (2013)
Não existe apenas um tipo de psicoterapia na prática terapêutica contemporânea, o que apresentamos é uma síntese bastante genérica das diferenças entre psicoterapia cognitiva – que é a que temos em mente – e as práticas psiquiátricas Acerca da relação entre terapia cognitivo-comportamental e o estoicismo antigo, ver Gill (2010).
Aff. Dig. 11.15-16 DB = 14.6-7 K. δεῖται γἁρ ἀσκήσεως ἕκαστος ἡμῶν σχεδόν δι᾽ ὅλου τοῦ βίου πρὸς τὸ γενέσθαι τἐλειος ἀνήρ. Pois é necessário que cada um de nós treine praticamente toda a sua vida de modo a tronar-se um homem completo (perfeito).
Aff. Pecc. Dig. 7.2-3 DB = V 7 K.
Aff. Pec. Dig. 24,12-13 DB = V 35K.
λύπη é uma emoção abrangente e fundamental que não se encontra confinada à parte não racional da alma. Ainda que Galeno se distancie de Crisipo no que diz respeito à compreensão de pathos, esta classificação das emoções estruturantes é muito próxima do Estoicismo. E um elemento mais nesta proximidade é o papel central que tanto os Estóicos quanto Galeno atribuem a λύπη.
Aff. Pec. Dig. 7, 3. DB = V 7 K.
δόγματα é um termo que Galeno normalmente usa para designar as teses das diferentes 'escolas' filosóficas e médicas. Aqui, todavia, o termo possui uma elasticidade semântica mais abrangente, referindo maioritariamente as crenças, preceitos e valores que Galeno adquiriu desde tenra infância, valores estruturantes do seu carácter que podem ser aplicados automaticamente em situações concretas da existência. παραίνεσις (Aff. Dig. 21.9) por seu turno é um termo que se encontra relacionado com o círculo pitagórico, ao qual Galeno se refere neste excerto, e que os estóicos empregaram com regularidade referindo-se aos conselhos a serem aplicados no quotidiano de cada indivíduo.
De indolentia, 1 Ἔλαβόν σου τὴν ἑπιστολήν, ἐν ἧ παρεκάλεις με δηλῶσαί σοι, τίς ἄσκησις ἢ λόγοι τίνες ἢ δόγματα παρεσκεύασάν με μηδέποτε λυπεῖσθαι. Recebi a tua carta, na qual me convidas a indicar-te claramente que tipo de exercício, que tipo de raciocínios/argumentos ou que doutrinas me prepararam para nunca me afligir. Mais à frente, Galeno refere que a recordação de bons momentos passados com o pai é uma técnica eficaz para apaziguar estados de ansiedade e aflição.
De indolentia, 56 ... ἀσκεῖν παρακελεύομαι τὰς φαντασίας σου τῆς ψυχῆς μόνον οὐ καθ' ἑκάστην καιροῦ ῥοπήν. aconselho-te a treinares as impressões/representações mentais de modo a lidares com quase todas as mudanças de situações;
Aff. Dig. 19–20K = 14–15DB.
Aff. Dig. 6Κ = 6DB
Morb. 25, 1-5 Kr.
QAM 67 Müller = 66-67 Bazu
Aff. Dig. CMG V 4.1.1.
QAM 39.10-11 Müller = 18.6-8 Bazu.
Loc. Aff. 136 K ss.

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