Publicado site Jota Justiça Judiciário e Sociedade: Diferentes faces da construção política do poder judicial latino-americano

Share Embed


Descrição do Produto

Publicado site Jota Justiça http://jota.uol.com.br/judiciario-e-sociedade-diferentes-faces-da-construcao-politica-do-poder-judiciallatino-americano

Judiciário e Sociedade: Diferentes faces da construção política do poder judicial latino-americano Publicado 18 de Março, 2016

Por Fabiano Engelmann Professor do PPG CIENCIA POLITICA UFRGS Uma compreensão mais profunda das diferentes “lógicas políticas” que perpassam as instituições judiciais nos países latino americanos tem como desafio ir além tanto dos indicadores comparativos de “bom funcionamento das instituições”, quanto das diferentes versões da história política oficial [i]. No primeiro caso a comparação tende a ocorrer a partir de métricas abstraídas de contextos distantes que subsidiam pacotes de reformas mobilizados nas disputas políticas locais. No segundo caso, fica-se refém do “efeito da forma” que implica em estudar as “instituições” a partir dos formatos legais e na sua interpretação oficial dada pela ciência produzida pelos atores do jogo político. Alguns elementos auxiliam uma reflexão inicial para entender as diferentes trajetórias da complexa relação que se estabelece entre as instituições judiciais e os diferentes regimes políticos. Destaco aqui o grau de solidariedade entre as elites que concentram o poder judiciário e os grupos que detém o poder político, em geral faces da mesma moeda. Para um ponto de partida, as instituições judiciais da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Venezuela fornecem bons exemplos dos dilemas enfrentados pelos sistemas judiciais na América latina. Com base no histórico da construção política das instituições judiciais nesses países podemos distinguir dois padrões de construção da autonomia política do poder judicial.

De um lado, podemos situar Argentina e Venezuela, que apresentam judiciários com menor grau de autonomia, e, de outro, Brasil, Chile e Colômbia com sistemas judiciais mais independentes. Nos casos da Argentina e Venezuela, a instabilidade institucional, advinda pelos diversos golpes de Estado e um padrão mais faccional de fatiamento do Estado por forças vinculadas a grupos e partidos políticos contribuíram para maior bloqueamento da emergência de um poder judicial politicamente autônomo. Nesses países, o recrutamento tanto dos magistrados das altas cortes, quanto dos juízes de base foi fortemente condicionado pelo jogo político-partidário ou pela intervenção dos governos ancorados no poder militar, fenômeno que se estende para o período mais recente de regime democrático. O caso colombiano poderia ter seguido o mesmo histórico devido à polarização partidária e a coalizão da Frente Nacional que dividiu o poder estatal entre diversos grupos, mas predominou o “modelo de cooptação” que possibilitou maior autonomia das elites judiciais. A cooptação se caracteriza por um modelo de recrutamento de magistrados controlado pela cúpula, ou seja, pela Corte superior o que redunda em um poder Judiciário fortemente hierarquizado mas com grande autonomia em relação ao espaço político. A Colômbia se junta aos casos do Brasil e Chile onde o poder judicial assume maior independência jurisdicional, fenômeno que perpassa mesmo o regime fortemente repressor de Augusto Pinochet e os sucessivos governos da ditadura militar no Brasil. O caso chileno é onde o Judiciário possui maior autonomia no processo de seleção de juízes destacando-se um forte corporativismo e a importância da escola judicial nacional na unificação da magistratura. O caso brasileiro, por sua vez, se destaca por concursos públicos para as magistraturas de primeiro grau bastante consolidados. Apesar de já ter apresentado maior predomínio de ministros do Supremo Tribunal com estreita ligação com o espaço político, nos últimos anos as indicações apresentam critérios compósitos que envolvem projeção no espaço jurídico e ligações políticas com os partidos governantes. A influência da cúpula do Judiciário na nomeação dos juízes nas côrtes mais altas no Brasil, ao que tudo indica, é menor do que nos outros casos. Paradoxalmente, isso não implica fidelidade estrita dos indicados aos grupos políticos responsáveis por sua nomeação, predominando um forte “efeito de instituição” entre os membros das côrtes superiores que tendem a julgar com independência. Pode-se contrastar esse caso, com o argentino que apresenta mecanismo formais de indicação próximos ao brasileiro mas que tem maior predomínio do fatiamento das côrtes superiores entre grupos políticos, o que pode ser auferido na maior lealdade jurisdicional dos indicados com as forças políticas que os nomearam. O padrão associativo dos magistrados e a autonomia das associações frente aos poderes políticos, e às cúpulas judiciais também é um fator importante para a discussão da independência do poder judicial nos países latino-americanos. No caso argentino e venezuelano, as associações têm menor poder de influenciar nos mecanismos de recrutamento e fraca intervenção política junto às cúpulas e aos poderes políticos. O caso venezuelano aparece como o mais extremo nesse sentido, visto que desde 1999, os juízes não podem constituir associações. Na Argentina, ao contrário, há grande número de associações de magistrados de modo que os juízes frequentemente participam concomitantemente de diversas associações. No caso chileno, as cúpulas judiciais tendem a esvaziar a capacidade das associações de magistrados de se afirmarem como porta-vozes de reivindicações políticas dos juízes. Na Colômbia, as associações também

não têm grande peso político e muitas vezes se mostraram alinhadas com os governos e com as cúpulas judiciais. No caso brasileiro, ao longo da década de 90 as associações de magistrados em diferentes níveis adquirem legitimidade como porta-vozes tanto em tomadas de posição frente a temas do debate político, como frente às cúpulas. Nesse sentido, apesar de bastante integradas às estruturas do poder possuem autonomia em relação à direção dos tribunais levando bandeiras como a reivindicação de maior democratização das hierarquias internas e eleição de órgãos diretivos dos tribunais, por exemplo. Mesmo que incipiente, a análise comparativa de questões estruturais envolvendo a construção política do poder judiciário, como o recrutamento de seus membros e suas formas de organização política evidencia elementos que remetem a velhos problemas relacionados às configurações dos regimes políticos nos países sul-americanos. Um dos principais desafios é ir além de desenhos constitucionais e do formalismo das instituições e por em pauta os mecanismos estruturais que perpassam as condições de legitimação política das instituições judiciais e as condições de sua captura ou independência em relação às elites políticas. O recente protagonismo político do Judiciário nos países latino-americanos pósredemocratização desperta crescentemente a atenção. Mobilizado para referendar o poder político de governos ou como recurso de oposição ou ainda proteção de grupos sociais minoritários; a tendência é sua consolidação no cenário político latinoamericano. Os limites e possibilidades desse “novo poder político” estão por óbvio estreitamente ligadas as condições de emergência da sua “independência” política resultado de longas trajetórias de interação e maior ou menor solidariedade entre as elites judiciais e políticas. __________________________________________ [1] Para mais detalhes sobre os referenciais teóricos, a literatura sobre os casos apresentados e dados comparativos utilizados no artigo, ver ENGELMANN, Fabiano & BANDEIRA, Julia Veiga Vieira Mancio. Elite Judicial e Independência do Poder Judicial na América Latina. Paper apresentado no VIII Congresso Latino-Americano de Ciencia Politica-ALACIP, Lima, 2015. Disponível em https://www.ufrgs.br/nejup

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.