Publicidade e Defesa do Consumidor

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PUBLICIDADE E DEFESA DO CONSUMIDOR

SÉRIE DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO Nº 1 | Ano 2015

PUBLICIDADE E DEFESA DO CONSUMIDOR

Organizadores Fabrício Germano Alves Yanko Marcius de Alencar Xavier

Natal, 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE Editor Helton Rubiano de Macedo

Reitora Ângela Maria Paiva Cruz Vice-Reitora Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes

Capa Thomas Kefas de Souza Dantas Fabrício Germano Alves

Diretora da EDUFRN Margarida Maria Dias de Oliveira

Editoração eletrônica Fabrício Germano Alves

Vice-diretor da EDUFRN Enoque Paulino de Albuquerque

Pré-impressão Jimmy Free

Conselho Editoral Supervisão editorial Cipriano Maia de Vasconcelos (Presidente) Alva Medeiros da Costa Ana Luiza Medeiros Humberto Hermenegildo de Araújo Supervisão gráfica John Andrew Fossa Francisco Guilherme de Santana Herculano Ricardo Campos Mônica Maria Fernandes Oliveira Tânia Cristina Meira Garcia Técia Maria de Oliveira Maranhão Virgínia Maria Dantas de Araújo Willian Eufrásio Nunes Pereira Divisão de Serviços Técnicos Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede Publicidade e defesa do consumidor / organizadores Fabrício Germano Alves, Yanko Marcius de Alencar Xavier. – Natal, RN: EDUFRN, 2015. 343 p. – (Série direito das relações de consumo ; 1). ISBN 978-85-425-0460-6 1. Defesa do consumidor. 2. Publicidade. 3. Direito. I. Alves, Fabrício Germano. II. Xavier, Yanko Marcius de Alencar. RN/UF/BCZM

2015/36

CDD 381.34 CDU 347.451.031

As opiniões externadas nas contribuições deste livro são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal-RN | Brasil e-mail: [email protected] | www.editora.ufrn.br Telefone: 84 3215-3236 | Fax: 84 3215-3206

Apresentação DA SÉRIE

No Brasil, a defesa do consumidor ganhou maior relevância após a sua consagração na Constituição Federal de 1988, tanto como um direito fundamental (artigo 5º, inciso XXXII) quanto como um dos princípios gerais norteadores da atividade econômica (artigo 170, inciso V). Contudo, a concretização da defesa do consumidor somente pôde ser mais efetiva a partir da edição da Lei Federal nº 8.078/90, que instituiu o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, consolidando juntamente com toda a normatização correlata (v.g., Leis, Decretos, Resoluções etc.) o denominado microssistema consumerista. Nesse contexto, a Série Direito das Relações de Consumo surge como o objetivo não apenas de revisitar temas considerados clássicos que já se encontram disciplinados no ordenamento jurídico consumerista em busca de atualizações, mas igualmente trazer à tona discussões sobre questões que já se mostram presentes na prática mas que contudo ainda não possuem regulamentação específica. Com isso, a Série assume o condão de fornecer subsídios para a atuação de todos os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades de defesa do consumidor que fazem parte do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC). Os organizadores

Apresentação DA OBRA

O primeiro volume da série Direito das Relações de Consumo tem como temática principal a regulação da publicidade no microssistema consumerista, partindo desde os fundamentos constitucionais que embasam tanto a proteção e defesa do consumidor frente à publicidade como o exercício da atividade publicitária desenvolvida pelos fornecedores. Este trabalho é resultado de um projeto de pesquisa científica intitulado “Publicidade e Defesa do Consumidor: Observatório da Publicidade”, que foi desenvolvido no períododo de abril de 2014 a julho de 2015, por professores e alunos dos Cursos de Graduação e Mestrado em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O presente estudo analisa as diversas espécies de publicidade veiculadas no mercado de consumo, tais como a publicidade enganosa e abusiva, que são expressamente vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal n. 8.078/90), e as demais formas de publicidade que não são tratadas expressamente no referido Diploma legal, tais como a publicidade clandestina ou oculta (v.g., product placement ou merchandising, mensagem subliminar), a publicidade testemunhal, publicidade comparativa, publicidade comportamental (behavioral advertising), as categorias publicitárias que estão sujeitas a um controle especial instituído pela Lei Federal n. 9.294/96 (produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, defensivos agrícolas, medicamentos e terapias), entre outras. Os organizadores

SUMÁRIO

Fundamentos constitucionais da defesa do consumidor e da atividade publicitária....................................................................................13 Fabrício Germano Alves Thiago de Lucena Motta Publicidade enganosa....................................................................................33 Angélica Almeida Gonçalves de Oliveira Igor Matheus Gomes Ferreira Publicidade enganosa por omissão..........................................................57 Gabriel Maciel de Lima Thaisi Leal Mesquita de Lima Publicidade abusiva discriminatória..........................................................73 Thaylson Djony Dantas Rodrigues Valéria Cristina Romão Oliveira Publicidade

abusiva

que

incita

Rafael Lucas Santos Oliveira Gomes Sara Bernardo de Oliveira

à

violência.......................................91

Publicidade abusiva que explora o medo ou a superstição.....107 Anny Gabriely Miranda Campos Lukas Darien Dias Feitosa Publicidade abusiva que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança.........................................................................121 Ênnio Ricardo Lima da Silva Marques Norton Makarthu Majela dos Santos Publicidade

abusiva

que

desrespeita

valores

ambientais.............147

Arthur de Araújo Lucena Carlos Humberto Rios Mendes Júnior Publicidade abusiva capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança....163 Fernando Wallace Ferreira Pinto Samuel Filipe Silveira Aguiar Merchandising ou Product Placement.......................................................177 Albert Barcessat Gabbay Letícia Fernandes Pimenta Campos Silva Mensagem subliminar..................................................................................197 José Cassiano Silva Almeida Rogério de Souza Alves Sobrinho

Publicidade comparativa.............................................................................213 Lucas Cabral da Silveira Marcos Felipe Arcoverde Pinto Publicidade testemunhal.............................................................................233 Camilla de Amorim Macedo Rocha Fellipe de Amorim Macedo Rocha Publicidade

de

produtos

fumígenos

e

bebidas

alcoólicas..........253

Mariana Rocha Sousa Severino Pablo Ronney Barbosa de Queiroz Mortimer Publicidade de defensivos agrícolas, medicamentos e terapias....283 Anna Beatriz do Nascimento Granjeiro Laurentino Henrique Eduardo Gonçalves de Farias Filho Publicidade

de

alimentos.........................................................................301

Danielle Rosado Targino de Oliveira Vanessa de Azevedo Matoso Publicidade comportamental (Behavioral advertising).............................325 Fabrício Germano Alves Yanko Marcius de Alencar Xavier

Fundamentos constitucionais e da atividade publicitária

da

defesa

do

consumidor

Fabrício Germano Alves Thiago de Lucena Motta 1 INTRODUÇÃO A conciliação dos interesses jurídicos de consumidores e fornecedores, geralmente conflitantes, é certamente um dos maiores desafios do hodierno Direito das Relações de Consumo. A compatibilização entre esses dois polos exige grande sensibilidade à estrutura econômica, de maneira a permitir a adequada tutela jurídica dos primeiros sem, contudo, inviabilizar o exercício da atividade empresarial e o livre mercado. A publicidade é um dos campos em que essa natural tensão se revela com maior nitidez, já que tende a explorar as vulnerabilidades e emoções do consumidor com o intuito de convencê-lo a adquirir ou utilizar determinado produto ou serviço. É justamente nessa exploração que reside o foco de conflito entre os dois sujeitos envolvidos, já que há grandes possibilidades de excessos e abusos que podem colocar em risco a própria integridade do público alvo da publicidade. A Constituição Federal de 1988 tratou de proteger, ao mesmo tempo, o exercício da atividade empresarial – que, como se demonstrará, abrange necessariamente a publicidade – e o consumidor. Para tanto, valeu-se de dois mecanismos principais: a garantia de direitos fundamentais e a positivação de princípios objetivos da ordem econômica. Os âmbitos de proteção e limites dessas normas constitucionais, em virtude de sua baixíssima densidade normativa, é que podem gerar incertezas. O uso 13

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de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados pelo Constituinte, como forma de possibilitar a evolução na interpretação dos mencionados direitos e princípios, torna ainda mais difícil a tarefa do intérprete-aplicador. Torna-se necessário, dessa forma, precisar o alcance dos preceitos constitucionais que tratam da matéria, esclarecendo suas funções práticas na aplicação do Direito posto e os limites que os valores do texto constitucional impõem-se mutuamente. Para tanto, além da análise textual dos dispositivos da Constituição Federal, impende recorrer aos estudos doutrinários sobre o tema e, em especial, às ferramentas dogmáticas da teoria geral dos direitos fundamentais e da hermenêutica constitucional. 2 TUTELA DO CONSUMIDOR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Conforme já asseverado, os principais mecanismos utilizados pelo Constituinte para a defesa do consumidor foram dois: a garantia de direitos fundamentais (artigo 5º, inciso XXXII, e artigo 150, §5º) e a positivação de um princípio da ordem econômica (artigo 170, inciso V). Nos tópicos que se seguem serão analisados cada um deles de maneira mais detalhada. 2.1 A DEFESA FUNDAMENTAL

DO

CONSUMIDOR

ENQUANTO

DIREITO

A Constituição Federal privilegia a proteção do consumidor em seu artigo 5º, inciso XXXII, ao determinar que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. A norma contida nesse dispositivo constitui um mandamento de regulamentação dirigido ao Poder Legislativo, ordenando-o a disciplinar, através de Lei, a tutela do consumidor. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), por sua vez, determina em seu artigo 481 que o Congresso deverá cumprir a determinação constitucional através da elaboração do Código de Defesa do Consumidor (CDC), nos 120 dias seguintes à promulgação da Constituição Federal. A ordem constitucional foi cumprida pelo Legislativo, uma vez que a publicação do anteprojeto do

1 Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.

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CDC deu-se em maio de 1989, e o Código foi finalmente introduzido no sistema jurídico pela Lei Federal nº 8.078/90. O atendimento ao comando constitucional, contudo, não se esgota com a mera redação e promulgação do Diploma Legal. Isso porque o artigo 5º, inciso XXXII cria para o consumidor, também, um direito fundamental à proteção estatal, que não se exaure com a edição de uma Lei formal. Para fielmente cumprir a ordem emanada do dispositivo constitucional, faz-se necessário que a Lei, de fato e substancialmente, viabilize a defesa do consumidor. Os direitos fundamentais – e, em especial, os que possuem um mandamento expresso de proteção ao legislador – se pautam, além da proibição de excesso na intervenção em seu exercício (Übermassverbot), pelo princípio da proibição de insuficiência (Untermassverbot)2. Vale dizer, a tutela dos direitos fundamentais pelo Estado não pode ser fraca ou parcial, mas deve ser efetiva. Mais do que uma garantia formal da elaboração de Lei protetora de um direito fundamental, o princípio da proibição de insuficiência implica a necessidade da legislação ser capaz de resguardar completa e adequadamente o direito em questão. A defesa do consumidor (em juízo ou fora dele) deve, pois, ser efetiva, e o CDC concorreu sobremaneira para a realização dessa defesa. A questão que se coloca, aqui, não é analisar se o CDC atendeu satisfatoriamente ao artigo 5º, inciso XXXII da Constituição Federal – até porque tal tarefa dificilmente poderia ser realizada em uma análise abstrata. O grande reflexo prático do reconhecimento da proibição de insuficiência na tutela do consumidor é, isso sim, o de permitir a complementação desta quando, nas circunstâncias do caso concreto, as disposições legais sobre a matéria se mostrem deficientes. A defesa do consumidor não deve ser afetada por alguma falha em seu regramento jurídico. Portanto, será lícito ao Estado – através do Poder Judiciário ou da Administração –, quando constatar a ineficiência das disposições normativas existentes para determinado caso, agir para complementar e efetivar a tutela do consumidor. Outrossim, mesmo nos casos em que a disciplina legal seja adequada e efetiva, o princípio da proibição de insuficiência incide para conferir-lhe a interpretação que seja capaz de proteger o consumidor da melhor maneira. A disposição normativa do artigo 5º, inciso XXXII, aproxima-se, nessa situação, à função her2 GELLERMANN, Martin. Grundrechte in einfachgesetzlichem Gewande: Untersuchung zur normativen Ausgestaltung der Freiheitsrechte. Tübingen: Mohr Siebeck, 2000, p. 342.

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menêutica do princípio contido no artigo 170, inciso V, ambos da Constituição Federal. Essa atividade interpretativa tem especial relevância no momento da fixação do sentido das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados espalhados pela legislação – como abusividade, vulnerabilidade, hipossuficiência e onerosidade excessiva. Toda essa carga de proteção constitucional ao consumidor se aplica, também, à salvaguarda de seus direitos diante da mensagem publicitária. Sendo certo que a publicidade pode causar danos àqueles que são por ela atingidos, faz-se necessário que a tutela jurídica do consumidor possa impedir e reprimir adequadamente eventuais ilicitudes. Por esse motivo, a proteção do consumidor frente à publicidade integra, também, o direito fundamental sob análise, aplicando-se lhe todas as considerações até aqui feitas quanto ao inciso XXXII do artigo 5º. A Constituição Federal tem, ainda, outro mandamento dirigido ao Poder Legislativo no que se refere à tutela do consumidor. Trata-se do artigo 150, §5º, que ordena ao legislador a edição de Lei disciplinando a informação ao consumidor quanto aos impostos incidentes sobre os produtos e serviços que adquire. Já com um grande atraso (pouco mais de vinte e quatro anos), editou-se a Lei Federal nº 12.741/2012, que instituiu aos fornecedores a obrigação de inserir a referida informação na nota fiscal ou documento equivalente. 2.2 A DEFESA DO CONSUMIDOR ENQUANTO PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA O artigo 170 da Constituição Federal, em que se encontra relevante porção da Constituição Econômica brasileira3, positiva em seu inciso V a “defesa do consumidor” como princípio da ordem econômica nacional. É possível identificar duas principais funções para esse princípio: primeiramente, a de nortear a interpretação das disposições constitucionais de conteúdo econômico (função hermenêu-

3 A Constituição Econômica é formada pelo conjunto de normas constitucionais definidoras do perfil econômico e das regras relativas à organização econômica de um sistema jurídico. Veja-se, nesse sentido: AMORIM, João Pacheco de. Direito administrativo da economia: introdução e constituição económica. Coimbra: Almedina, 2014, p. 99 e ss. Enquadram-se, nesse conceito, os direitos fundamentais econômicos (como a liberdade profissional do artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal) e os princípios da ordem econômica (v.g., a livre iniciativa do artigo 170).

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tica); em segundo lugar, a de limitar o exercício da liberdade de iniciativa (função limitadora)4. A tutela do consumidor é, certamente, uma restrição à liberdade econômica do fornecedor, já que impõe a este uma série de obrigações que provavelmente não seriam naturalmente incorporadas à sua atividade caso não houvesse disciplina jurídica. O conteúdo do artigo 170, inciso V da Constituição Federal é um permissivo constitucional para a limitação da liberdade de iniciativa, com a especial finalidade de se promover a tutela do consumidor5. Mais do que um mandamento ao fornecedor, essa norma constitucional se dirige ao Estado, autorizando-o a interferir no exercício da atividade econômica e condicioná-lo ao atendimento de certos requisitos legais. O princípio da tutela do consumidor consiste, assim, em um limite externo6 ao direito fundamental à liberdade de iniciativa (sobre o qual se discorrerá em tópico posterior). Para além da limitação da liberdade de iniciativa, a defesa do consumidor é um norte hermenêutico da ordem econômica constitucional, desempenhando a função hermenêutica a que se referiu anteriormente7. Isso significa que a interpretação do Direito posto – seja na Constituição Federal, na legislação ou regulamentação administrativa – deve se pautar pelo princípio da tutela do consumidor. Não é esse, contudo, o único princípio a orientar a interpretação dos textos normativos relacionados à ordem econômica. O artigo 170 positiva uma série de outros princípios que não podem ser compreendidos isoladamente. A aplicação do Direito, consequentemente, é direcionada e condicionada por todos os princí4 NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 102. 5 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 193. 6 O limite externo é aquele que, ao invés de determinar ao particular que se porte de determinada maneira no exercício de seu direito, constitui uma permissão para que o Estado estabeleça intervenções nesse exercício. Ou seja, o limite externo não cria, por si só, obrigações para seu titular, mas gera a possibilidade de restrição do direito através de lei (ou ato administrativo legalmente embasado). Confira-se, para uma exposição detalhada da questão: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 225. 7 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 247.

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pios constantes do rol do artigo 170, de maneira de que a interpretação preferível de um texto normativo é a que melhor concilie todos eles, acomodando seus conteúdos naturalmente conflitantes. Semelhante atividade interpretativa é pautada pelo tradicional postulado da concordância prática, que determina que a interpretação constitucional mais adequada é a que consegue compatibilizar os diversos princípios incidentes sobre determinada matéria – especialmente os que estão em rota de colisão8. A função hermenêutica do princípio da defesa do consumidor consubstancia-se, dessa forma, na necessidade de o intérprete levá-lo em consideração ao aplicar o dispositivo legal que tenha conteúdo econômico, inserindo-o na concordância prática entre os princípios do artigo 1709. 3 FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE PUBLICITÁRIA A Constituição Federal elenca como um dos princípios da ordem econômica nacional a livre iniciativa, ao lado da valorização do trabalho humano, com o objetivo de fomentar a dignidade e a justiça social (artigo 170, caput). Os bens tutelados pelo dispositivo aparentam encontrar-se em rota de colisão, já que possuem significados bastante distintos e por vezes opostos. Dessa forma, a interpretação dos princípios contidos no artigo 170, caput deve ser feita de forma sistemática, levando em consideração o contexto normativo geral da Constituição Federal10. Sua compreensão não pode ser pontual e isolada, sob pena de se distorcer a ordem econômica consagrada no texto constitucional11. O princípio da livre iniciativa, portanto, indica a opção do Constituinte por uma economia de mercado, em que as atividades econômicas não são monopolizadas pelo Estado, mas sim confiadas em geral aos particulares. É certo que o Estado pode explorar diretamente tais atividades, dentro dos parâmetros constitucionais, através de suas empresas públicas e sociedades de economia mista (artigo 173, caput e §§ 1º a 5º). A regra geral, contudo, é a de que cabe às pessoas privadas 8 CUNHA, Paulo Ferreira da. Direito constitucional geral. 2. ed. Lisboa: Quid Juris, 2013, p. 386. 9 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 260 e ss. 10 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 161. 11 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1516.

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a realização de empreendimentos econômicos, promovendo a circulação de bens e serviços12. Essa determinação deve ser interpretada em harmonia com os demais princípios constantes no artigo 17013. A livre iniciativa não é ilimitada, encontrando restrições na tutela de outros bens jurídicos de natureza constitucional, como a defesa do consumidor e do meio-ambiente (incisos V e VI, respectivamente)14. É exatamente assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) compreende a matéria15. Enquanto parte integrante da livre iniciativa (como se argumentará adiante), a atividade publicitária também se submete ao regime jurídico próprio das limitações impostas àquela. Isso significa, sobretudo, que é lícito ao Estado restringir as possibilidades de edição e veiculação da publicidade com o intuito de proteger outros bens jurídicos constitucionais – com especial atenção para os elencados no artigo 170. 3.1 O DIREITO FUNDAMENTAL À LIBERDADE DE INICIATIVA ECONÔMICA PRIVADA E SUA RELAÇÃO COM A PUBLICIDADE Enquanto o princípio da livre iniciativa reveste-se de natureza objetiva, direcionando e condicionado a política econômica nacional, o artigo 170, parágrafo único institui o direito fundamental à liberdade de iniciativa econômica privada16 – direito subjetivo público, por conseguinte, e não apenas princípio informador da ordem econômica.

12 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 1, p. 250. 13 KOMPARATO, Fábio Konder. Ordem econômica na Constituição brasileira de 1988. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional: constituição financeira, econômica e social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 419. 14 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011, p. 238. 15 Confira-se, por exemplo: Supremo Tribunal Federal. ADI 2.649/DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Carmen Lúcia. Julgado em 08/05/2008. DJe de 17/10/2008. Nesse julgado, a Corte considerou constitucional o direito de passe livre no transporte coletivo interestadual às pessoas portadoras de deficiência, instituído pela Lei Federal nº 8.899/94, sob o argumento de que o princípio da livre iniciativa positivado no art. 170 deve ser interpretado sistematicamente, levando em consideração os outros princípios da ordem econômica. 16 Art. 170, parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

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A natureza jurídica da liberdade de iniciativa é, certamente, a de direito fundamental, já que confere ao seu titular a faculdade de exercer, de acordo com sua vontade e (em regra) independentemente de autorização estatal, a atividade econômica que lhe aprouver, auferindo lucro17. O artigo 170, parágrafo único da Constituição Federal, direciona ao Estado uma limitação à intervenção na liberdade econômica. Percebe-se assim, que esse direito cria para o particular a titularidade de uma pretensão de resistência à ingerência estatal, classificando-se como um direito fundamental de primeira geração (liberdade pública) ou de status negativus18. É certo que há uma aproximação entre a liberdade de iniciativa (artigo 170, parágrafo único) e a liberdade profissional (artigo 5º, inciso XIII)19, já que ambas integram o âmbito geral das liberdades econômicas20; os direitos, entretanto, não se confundem. A liberdade profissional tem conteúdo bastante amplo, enquadrando o desempenho (ainda que apenas eventual) de ações que visam a promover o sustento econômico daquele que as pratica, mesmo que entre elas não haja um liame específico21. A liberdade de iniciativa, por sua vez, direciona-se a atividades mais determinadas, consistentes na organização de meios de produção com o intuito de fornecer ao mercado produtos e serviços, de forma contínua e duradoura. Trata-se de um verdadeiro direito de empreender22. Esse mesmo entendimento, aliás, é seguido pelo Direito Comunitário europeu. A Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia diferencia claramente os direitos à liberdade profissional

17 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1517. 18 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 58. 19 Art. 5º, inciso XIII. É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. 20 SIEGAN, Bernard. Economic liberties and the Constitution. Business Economics, Basingstoke, v. 24, n. 1, p. 23-28, jan./mar. 1989, p. 23. 21 MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 161. 22 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. 1, p. 27.

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(artigo 15)23 e à liberdade de iniciativa (artigo 16)24, atribuindo-lhes denominações e conteúdos diversos25. Na doutrina portuguesa, em que o tema já foi amplamente debatido, compreende-se que a liberdade de iniciativa econômica é, exatamente, uma liberdade de empresa26. O artigo 61.1 da Constituição da República Portuguesa de 197627, que também positiva o referido direito é geralmente compreendido como garantidor da liberdade empresarial, permitindo aos particulares organizar o exercício de atividade econômica na forma de empresa. O conceito constitucional de empresa – tanto na Constituição portuguesa como na brasileira –, entretanto, não é limitado pela legislação ordinária ou pela adoção de algum tipo societário legalmente previsto. Empresa, nesse sentido, é uma realidade socioeconômica própria, consistente na organização de fatores produtivos para o fornecimento de bens e serviços28. Não é necessário que o empreendimento se revista de alguma das formas tipificadas em Lei para que adquira a tutela constitucional. É suficiente a existência de uma unidade produtiva que promova a circulação de produtos ou serviços de maneira organizada e não eventual29. Por outro lado, se o particular decidir exercer o direito à livre iniciativa através de sociedade empresária, nas formas permitidas pela legislação, é certo que a pessoa jurídica constituída para esse fim será titular, também, da liberdade em questão. Afinal, a pessoa jurídica é capaz de titularizar os direitos fundamentais 23 Art. 15.1. Todas as pessoas tem o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceita. 24 Art. 16. É reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais. 25 No Direito alemão doméstico, por outro lado, liberdade de iniciativa e liberdade profissional (Berufsfreiheit) são disciplinados pelo mesmo dispositivo: o artigo 12 da Grundgesetz (ou “lei fundamental”, a Constituição alemã). Essa observação é importante porque a dogmática das restrições à liberdade de iniciativa, que se abordará adiante, deriva de uma construção do Bundesverfassungsgericht (BverfG, o Tribunal Costitucional Federal alemão) quanto à aplicação do referido artigo 12. 26 FRANCO, António Sousa; MARTINS, Guilherme D’Oliveira. A constituição económica portuguesa. Coimbra: Coimbra, 1993, p. 208. 27 Art. 61.1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral. 28 FRANCO, António Sousa; MARTINS, Guilherme D’Oliveira. A constituição económica portuguesa. Coimbra: Coimbra, 1993, p. 208. 29 AMORIM, João Pacheco de. Direito administrativo da economia: introdução e constituição económica. Coimbra: Almedina, 2014, p. 442 e ss.

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compatíveis com sua natureza e finalidades30. É o que ocorre, por exemplo, com a vedação à interferência estatal no funcionamento das associações e o direito ao Mandado de Segurança Coletivo (artigo 5º, incisos XVIII e LXX, respectivamente, da Constituição Federal). No caso do direito à livre iniciativa, em virtude da natureza geralmente societária de que se reveste o empreendimento, é conclusão lógica a possibilidade de seu exercício por pessoa jurídica. A liberdade de iniciativa abrange, ao mesmo tempo, os direitos de criação de empresa e de sua gestão (chamando-se a este último, genericamente, de liberdade empresarial)31. A faculdade de livremente ordenar os fatores de produção relativos à atividade econômica, coordenando-os da maneira que o particular entenda mais adequada ao exercício de seu mister, é corolário da liberdade de iniciativa. É nesse amplo conceito de liberdade empresarial ou (liberdade de gestão), derivado do direito fundamental instituído pelo artigo 170, parágrafo único da Constituição Federal, que se encontra o principal fundamento constitucional para a atividade publicitária. O fornecedor de produtos ou serviços, enquanto titular da autonomia para dirigir seu empreendimento da forma que julgar correta, tem o direito de realizar campanhas publicitárias para divulgar seu trabalho e assim conquistar um espaço maior do mercado. A publicidade, hodiernamente, é praticamente indispensável ao sucesso de qualquer projeto empresarial, consistindo em um elemento que aumenta a competitividade da empresa e lhe dá maiores chances de alcançar seus objetivos32. Enquanto fator imprescindível ao bom andamento do empreendimento e elemento vital do comércio, a atividade publicitária tem de estar abrangida pelo direito fundamental à livre iniciativa. Afinal, garantir-se constitucionalmente a liberdade de empreender, sem, contudo, tutelar os meios necessários ao sucesso do empreendimento, geraria a própria anulação do direito em questão. É precisamente por isso, aliás, que a doutrina portuguesa insere a liberdade de gestão no âmbito do artigo 61.1 da Constituição de 197633.

30 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 536. 31 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital Martins. Constituição da República Portugesa anotada. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2007, p. 789. 32 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 1, p. 374. 33 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital Martins. Constituição da República Portugesa anotada. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2007, p. 789.

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Essa conclusão tem reflexos práticos extremamente relevantes. Uma vez que a atividade publicitária é tutelada pela liberdade de iniciativa, toda e qualquer intervenção estatal que tenda a limitá-la deve passar pelo crivo de validade constitucional – já que se tratará de verdadeira interferência no exercício de direito fundamental. Afinal, a proteção conferida pelos direitos fundamentais requer do Estado proporcionalidade (devidamente justificada) na intervenção através de Lei (ou ato administrativo legalmente permitido) em tais direitos. Essa exigência consiste, pois, em uma reserva de lei (Gesetzesvorbehalte) proporcional34. Por conseguinte, qualquer restrição imposta pelo Estado à atividade publicitária deve atender ao critério da proporcionalidade, sob pena de inconstitucionalidade35. 3.2 AS RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE INICIATIVA A exigência da reserva de lei proporcional para intervenção na atividade publicitária, decorrente da tutela a esta conferida pelo artigo 170, parágrafo único da Constituição Federal, implica a necessidade de o Estado demonstrar a justificação constitucional de sua interferência. O particular não precisa motivar o exercício de seu direito; o ônus argumentativo, em casos de intervenção, é sempre estatal36. Essa justificação é alcançada pelo atendimento ao critério da proporcionalidade, em seus subcritérios da adequação e da necessidade. Ou seja, quando o ato estatal for ao mesmo tempo adequado e necessário, a ingerência no exercício do direito fundamental será legítima37. Em termos gerais, a adequação traduz-se em uma relação de fomento entre a intervenção do Estado e a proteção de um bem jurídico de natureza constitucional. A necessidade, por sua vez, consiste na inexistência de outro meio que, sendo igualmente adequada, onere menos o direito

34 MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 333. 35 SCHLINK, Bernahrd. Freiheit durch Eingriffsabwehr: Rekonstruktion der klassischen Grundrechtsfunktion. Europäische Grundrechte-Zeitschrift, Kehl am Rhein, v. 11, n. 17, p. 457-468, set./ out. 1984, p. 457 e ss. 36 MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 29. 37 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 246.

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fundamental afetado38. Parte da doutrina preconiza, ainda, a exigência de proporcionalidade em sentido estrito, que determina a ponderação entre o objeto tutelado e a medida interventora39. Essas considerações são aplicáveis à totalidade dos direitos fundamentais de primeira geração (ou de status negativus), porquanto se traduzem em ferramentas dogmáticas gerais. A liberdade de iniciativa, contudo, possui caracteres próprios, além de uma teoria dos limites à intervenção que lhe é peculiar. É preciso notar, primeiramente, que o artigo 170 da Constituição Federal elenca uma série de bens jurídicos conflitantes com a liberdade de iniciativa, que devem ser aplicados como limites a esse direito. O caput do mencionado dispositivo, como já dito anteriormente, protege a valorização do trabalho, a dignidade e a justiça social. Os incisos III, IV, V, VI, VII e VIII do artigo 17040, por sua vez, consagram valores que certamente mitigam a liberdade de iniciativa, impondo restrições ao seu exercício41. Isso significa que o texto constitucional permite a intervenção da Lei (ou da Administração Pública, no exercício de suas competências) para limitar o exercício do direito em questão, visando à salvaguarda dos bens contidos no caput e incisos do artigo 170. Enquanto elemento da liberdade de iniciativa, a atividade publicitária se submete a esse extenso rol de limitações. Os valores conflitantes positivados pelo artigo 170 não determinam apenas a interpretação da ordem econômica, na forma já comentada, mas também possibilitam a criação de restrições (legais) ao exercício do direito à livre iniciativa. 38 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 194 e ss. 39 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 282. A proporcionalidade em sentido estrito, entretanto, sofre severas críticas doutrinárias, especialmente no que se refere a sua pouca objetividade e duvidosa racionalidade jurídica. Veja-se, nesse sentido: DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 210. 40 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego. 41 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 845.

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Dentre os incisos do artigo 170, o IV e o V (que tutelam, respectivamente, a livre concorrência e o consumidor) são os que mais se relacionam à publicidade, impondo condicionamentos ao seu exercício. A atividade publicitária que atenta contra a livre concorrência é reprimida, por exemplo, pelo artigo 36, §3º, inciso VI, da Lei Federal nº 12.529/201142, que disciplina as infrações contra a ordem econômica. É certo que a publicidade é um meio de captação de clientela, de modo que excessos na sua utilização podem configurar violação do dever de lealdade na concorrência entre fornecedores. O Direito alemão, por exemplo, considera ato de concorrência desleal a publicidade comparativa que denigre os produtos ou serviços do concorrente43, no §6.5 da Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb (ou Lei contra a concorrência desleal)44. No Brasil, a defesa do consumidor diante da publicidade é empreendida principalmente pelos artigos 36 a 38 do CDC; estes dispositivos da Lei pátria realizam uma intervenção no direito à liberdade de iniciativa – pois limitam a atividade publicitária –, encontrando base constitucional nos incisos IV e V do artigo 170 da Constituição Federal. Em segundo lugar, a liberdade de iniciativa sujeita-se a uma problematização peculiar na definição de seus limites (e, também, dos limites da intervenção estatal em seu exercício). Trata-se da conhecida teoria dos três degraus (Dreistufentheorie), formulada pelo Bundesverfassungsgericht (BVerfG, o Tribunal Constitucional Federal Alemão) no julgamento do caso “Farmácias” (Apothekenurteil)45 em 1958. Como destacado anteriormente, a Grundgesetz (GG, a Lei Fundamental ou Constituição) alemã não distingue as liberdades profissional e de iniciativa, tutelando-as de forma conjunta no seu artigo 1246 sob o nome genérico de liberdade 42 Art. 36, § 3º, VI. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: [...] VI – exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa. 43 LETTL, Tobias. Das neue UWG. Munique: CH Beck, 2004, p. 202. 44 O raciocínio é inteiramente aplicável no Direito brasileiro, pois essa espécie de propaganda pode induzir o consumidor a erro – conduta vedada pelo art. 36, § 1º, do CDC. Veja-se, nesse sentido: COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 258. 45 Bundesverfassungsgericht. 1 BvR 596/56. 1º Senado. Julgado em 11/06/1958. BVerfGE 7, 377. 46 Art. 12. Todo alemão terá o direito de escolher livremente sua ocupação ou profissão, seu local de trabalho, e seu local de treinamento. A prática de uma ocupação ou profissão pode ser regulada por ou em virtude de lei.

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profissional (Berufsfreiheit)47. No precedente em questão, um farmacêutico da Baviera pedia a declaração de inconstitucionalidade de uma Lei bávara que permitia à Administração limitar o número de farmácias existentes em determinada localidade, de acordo com seu número de habitantes. O BVerfG atendeu à reclamação, considerando inconstitucional o texto normativo desafiado. Na fundamentação da decisão, o Tribunal desenvolveu os postulados da teoria dos três degraus (Dreistufentheorie), aplicável para definir os limites dos direitos à liberdade profissional e à livre iniciativa, bem como as diferentes espécies de ingerência estatal em seu exercício. A ideia geral que norteia a teoria é a de que a justificação da medida interventora (do Estado) no direito fundamental deve ser tão robusta quanto for intensa a intervenção, de modo que haja uma relação de proporcionalidade direta entre a onerosidade da ação estatal e a sua motivação constitucional48. A partir dessa constatação, o BVerfG indentificou três níveis (degraus) de intervenções na liberdade profissional ou de iniciativa. O primeiro deles, contendo as restrições mais leves, consiste em regulamentações objetivas do exercício da atividade profissional, com espeque no interesse coletivo e na tutela da imagem da categoria de trabalhadores ou empreendedores49. No âmbito específico da atividade publicitária, a Lei Federal nº 4.680/65 (que regula as profissões de publicitário e de agenciador de propaganda) é um exemplo dessa espécie de interferência estatal. O segundo degrau, por sua vez, abrange as limitações subjetivas à liberdade de escolha da profissão (considerando-se escolha, aqui, como o início, continuação ou abandono do exercício de uma atividade econômica50), isto é, as exigências de qualificações que devem ser atendidas pelo particular. A justificativa dessa espécie de intervenção somente pode ser sua imprescindibilidade para o bom e seguro exercício da profissão, conforme o BVerfG. Por fim, o terceiro e último nível de restrição refere-se às limitações ob47 GUSY, Cristoph. Die Freiheit von Berufswahl und Berufsausübung. Juristische Arbeitsblätter, Munique, v. 24, n. 10, p. 257-265, set./out. 1992, p. 260 e ss. 48 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 283. 49 Ibid., p. 284. 50 AMORIM, João Pacheco de. Direito administrativo da economia: introdução e constituição económica. Coimbra: Almedina, 2014, p. 385 e ss.

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jetivas (que não dependem da atuação do particular para que sejam superadas) à escolha profissional51. Nessa situação, não há nada que o titular do direito possa fazer para se adequar às exigências legais, posto que estas se revestem de caráter objetivo. Semelhante ingerência estatal só é constitucionalmente válida se necessária para prevenir graves riscos de violação de bens jurídicos extremamente relevantes52. O BVerfG considerou que a limitação ao número de farmácias se enquadrava no terceiro degrau e, não atendendo ao elevado padrão de justificação exigido por essa espécie de intervenção, era inconstitucional. Com base nessa exposição, fica claro que a disciplina legal da atividade publicitária (não só a da Lei Federal nº 4.680/65, mas também a do CDC, inclusive com as tipificações criminais de seus artigos 67 a 69) se insere no primeiro degrau identificado pelo BVerfG – sendo, portanto, da espécie mais leve. Consequentemente, a justificação constitucional exigida dessa intervenção legislativa é mais simples, satisfazendo-se com a existência de interesse coletivo ou de preservação da imagem profissional da categoria – além, é claro, de atender aos critérios da adequação e necessidade. O interesse coletivo na regulação da atividade publicitária é indiscutível, tendo em vista o caráter constitucional da livre concorrência e da proteção do consumidor (artigo 170, incisos IV e V, e artigo 5º, inciso XXXII, respectivamente, da Constituição Federal), bens jurídicos suscetívies de lesão pela publicidade em determinados casos. É possível, assim, visualizar que há fundamento constitucional para a limitação legal da atividade publicitária, desde que esse regramento passe pelo crivo da proporcionalidade e seus subcritérios. 4 CONCLUSÃO A tutela constitucional do consumidor e da atividade publicitária, como se vê, é bastante ampla, produzindo diversos reflexos sobre a interpretação e aplicação do Direito posto. A proteção desses valores enquanto direitos fundamentais tem consequências extramemente relevantes para a dogmática constitucional, especialmente porque qualquer intervenção estatal que tenda a limitá-los deverá passar por um rígido controle de proporcionalidade. Sua positivação como princípios 51 ARNDT, Hans-Wolfgang; RUDOLF, Walter. Öffentliches Recht: Grundriss für das Studium der Rechts- und Wirtschaftswissenschaft. 15. ed. Munique: Franz Vahlen, 2007, p. 112. 52 MARTINS, Leonardo. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevidéu: Konrad-Adenauer, 2005, p. 596.

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objetivos da ordem econômica, por outro lado, exerce forte função hermenêutica, exigindo que se empreenda uma concordância prática entre eles (e os princípios contidos nos incisos do artigo 170 da Constituição Federal) no momento de interpretação das normas jurídicas de conteúdo econômico. O princípio da defesa do consumidor desempenha, além disso, a função de permitir a limitação legal do direito fundamental à livre iniciativa – sendo, pois, um limite externo a esse direito. Tal constatação adquire relevância quando da análise da adequação de uma medida interventora na liberdade de iniciativa. Se a intervenção estatal for realmente capaz de tutelar o consumidor, ela deverá ser considerada adequada – em virtude do caráter de bem jurídico constitucional do princípio em questão. A defesa do consumidor a que se refere o artigo 170, inciso V é, pois, um elemento de justificação da interferência do Estado no direito à liberdade de iniciativa. O direito fundamental do consumidor à defesa pelo Estado (artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal), por sua vez, não se esvaziou com a edição do CDC, pois continua a demandar que o tratamento jurídico dispensado ao consumidor seja capaz de efetivamente protegê-lo. O principal efeito por ele projetado é o de permitir à autoridade estatal, à luz das circunstâncias do caso concreto, suprir eventual deficiência legislativa (conforme o princípio da proibição de insuficiência) para tutelar de maneira eficaz o consumidor. No que se refere à atividade publicitária, o direito à sua prática é abrangido pelo direito fundamental à livre iniciativa, no aspecto da liberdade empresarial. A elaboração teórica quanto aos limites desse direito – com destaque para a doutrina alemã – e às possibilidades de intervenção estatal em seu exercício resultou na teoria dos três degraus (Dreistufentheorie), plenamente aplicável ao Direito brasileiro. A disciplina legal hodiernamente existente quanto à atividade publicitária encontra-se no primeiro degrau de intervenções, onde se localizam as restrições mais leves, e atende às necessidades de justificação constitucional – sendo, por conseguinte, abstratamente válida. Publicidade e defesa do consumidor são, pois, dois bens jurídicos de natureza constitucional e igual estatura, não sendo possível estabelecer uma supremacia prima facie de um em relação ao outro. A interpretação da Constituição e as ferramentas dogmáticas da teoria dos direitos fundamentais desempenham função primordial na compatibilização desses relevantes interesses, devendo ser aplicadas pelo jurista sempre com atenção às peculiaridades do caso concreto. 28

REFERÊNCIAS ALEMANHA. Grundgesetz, de 23 de maio de 1949. ______. Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb, de 3 de julho de 2004. AMORIM, João Pacheco de. Direito administrativo da economia: introdução e constituição económica. Coimbra: Almedina, 2014. ARNDT, Hans-Wolfgang; RUDOLF, Walter. Öffentliches Recht: Grundriss für das Studium der Rechts- und Wirtschaftswissenschaft. 15. ed. Munique: Franz Vahlen, 2007. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. ______. Lei Federal nº 8.078, de 11 de novembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. ______. Lei Federal nº 12.741, de 8 de dezembro de 2012. Dispõe sobre as medidas de esclarecimento ao consumidor, de que trata o §5º do artigo 150 da Constituição Federal; altera o inciso III do art. 6º e o inciso IV do art. 106 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor. ______. Lei Federal nº 8.894, de 29 de junho de 1994. Concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual. ______. Lei Federal nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências.

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BRASIL. Lei Federal nº 4.680, de 18 de junho de 1965. Dispõe sobre o exercício da profissão de Publicitário e de Agenciador de Propaganda e dá outras providências. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital Martins. Constituição da República Portugesa anotada. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 2007. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 1. CUNHA, Paulo Ferreira da. Direito constitucional geral. 2. ed. Lisboa: Quid Juris, 2013. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. FRANCO, António Sousa; MARTINS, Guilherme D’Oliveira. A constituição económica portuguesa. Coimbra: Coimbra, 1993. GELLERMANN, Martin. Grundrechte in einfachgesetzlichem Gewande: Untersuchung zur normativen Ausgestaltung der Freiheitsrechte. Tübingen: Mohr Siebeck, 2000. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. GUSY, Cristoph. Die Freiheit von Berufswahl und Berufsausübung. Juristische Arbeitsblätter, Munique, v. 24, n. 10, p. 257-265, set./out. 1992. KOMPARATO, Fábio Konder. Ordem econômica na Constituição brasileira de 1988. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional: constituição financeira, econômica e social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 403-428. LETTL, Tobias. Das neue UWG. Munique: CH Beck, 2004. 30

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. 1. MARTINS, Leonardo. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevidéu: Konrad-Adenauer, 2005. ______. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. MITIDIERO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa, de 2 de abril de 1976. SCHLINK, Bernahrd. Freiheit durch Eingriffsabwehr: Rekonstruktion der klassischen Grundrechtsfunktion. Europäische Grundrechte-Zeitschrift, Kehl am Rhein, v. 11, n. 17, p. 457-468, set./out. 1984. SIEGAN, Bernard. Economic liberties and the Constitution. In: Business Economics, Basingstoke, v. 24, n. 1, p. 23-28, jan./mar. 1989. 31

TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011. UNIÃO EUROPEIA. Carta de Direitos Fundamentais, de 18 de dezembro de 2000.

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Publicidade enganosa



Angélica Almeida Gonçalves de Oliveira Igor Matheus Gomes Ferreira

1 INTRODUÇÃO Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 um rol de direitos até então não tutelados ou tutelados de maneira ínfima foram finalmente reconhecidos e elevados a um status de direito fundamental, revelando assim a sua suma importância para a nova ordem que surgia. Nos termos do artigo 5°, inciso XXXII, e artigo 170, inciso V da Constituição Federal, respectivamente, foi determinado como dever do Estado a promoção da defesa do consumidor, e esta foi consagrada como princípio norteador da ordem econômica. Em meio ao progresso tecnológico e novos anseios da comunidade social a forma como o produto e/ou serviço chegaria aos olhos do consumidor passou a ser matéria cada vez mais relevante para os fornecedores. Surgiu assim a necessidade de conseguir meios que mostrassem os produtos e serviços e atraíssem com mais frequência mais olhares e intenção de consumo por parte das pessoas, onde quer que estivessem. Nesse sentido, vem a publicidade como forma de divulgar através dos mais diversos meio de comunicação o produto e/ou serviço comercializado pelo fornecedor, buscando desse modo chamar a atenção para a aquisição daqueles. Assim, é importante que se destaque desde já que um anúncio publicitário não pode ser feito faltando com a verdade sobre aquilo que veicula, seja dando uma informação ou omitindo-a. Não pode transformar frases, imagens, sons, de forma a confundir ou ludibriar o consumidor, seja ele destinatário direto ou não do anúncio. Essa é uma prática proibida pelo CDC.

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Hodiernamente tem-se revelado cada vez mais frequente a veiculação de peças publicitárias que se utilizam da vulnerabilidade do consumidor para venderem seus produtos e/ou serviços, anunciando-os, porém, de maneira enganosa, isto é, levando o consumidor a adquirir o produto ou serviço por algo que lhe tenha atraído a atenção, mas em verdade o que foi ofertado não existe, ou existe de maneira incompleta. São muitas as maneiras de enganar, haja vista a criatividade dos fornecedores-anunciantes, tais como uso de imagens que iludem, frases marcantes, assertivas parcialmente verdadeiras, entre outras formas. É mister considerar que o Código de Defesa do Consumidor é a legislação que compila a maior parte dos direitos e deveres do consumidor e fornecedor, sendo desde a sua concepção voltado para a tutela do polo mais fraco da relação de consumo, sendo pois aqui, a principal legislação norteadora deste ensaio. Neste Capítulo, pois, abordar-se-á os principais aspectos desse tipo de publicidade que vem se fazendo presente na realidade de consumo brasileira. Através de uma análise acurada do tema, buscar-se-á compreender de que forma ela geralmente acontece, e qual a proteção dada pela normatização brasileira aos consumidores, bem como a punição para os agentes que cometem a enganosidade. 2 PUBLICIDADE E CONFIGURAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO Atualmente, a publicidade não só atua com o objetivo de caracterizar um determinado produto, ou de orientar o consumidor, mas com a função de criar e ampliar uma determinada demanda1. Ela também promove o estímulo ao consumo e à concorrência, aumento do capital da empresa que anuncia, além de gerar empregos diretos e indiretos e aumentar a arrecadação tributária2. Mas, para entender melhor a importância da publicidade é preciso entender como funciona a relação jurídica de consumo. Assim, relação de consumo é toda relação jurídico-obrigacional que tem como objeto o fornecimento de um produto ou a prestação de um serviço, ligando 1 ALVES, Fabrício Germano.  Proteção Constitucional do Consumidor no Âmbito da Regulação Publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 89. 2 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo. Responsabilidade Civil pela publicidade. In: Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 393.

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um consumidor a um fornecedor3, sendo portanto, composta por elementos que se dividem em subjetivos, que são o consumidor e o fornecedor; elementos objetivos, representados pelos produtos e/ou serviços; e o elemento causal ou finalístico, que consiste no estudo quanto ao fato do bem ter atingido o destinatário final a que se propõe, onde tanto o adquirente quanto aquele que apenas utiliza o produto podem ser considerados consumidores para fins da normatização consumerista4. O Código de Defesa do Consumidor apresenta quatro definições referentes ao conceito de consumidor, sendo uma direta e três por equiparação5. A definição direta está presente no artigo 2º, caput do CDC, que define consumidor como sendo “pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. As definições por equiparação estão presentes no artigo 2º, parágrafo único, que trata da equiparação da coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, à figura de consumidor, como ocorre, por exemplo, na contratação de serviços pelo condomínio; artigo 17, que aborda as vítimas do evento ainda que não tenham participado da relação de consumo, como por exemplo na hipótese do avião que cai em propriedade residencial, causando prejuízo aos moradores, tornando-os assim protegidos por todas as garantias legais previstas no CDC fruto da equiparação à figura de consumidor; e artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor6, segundo o qual, para fins do capítulo V e VI do CDC, equipara o consumidor a “todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. A definição do artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor merece destaque, porque ela equipara a consumidor as pessoas expostas a um anúncio publicitário e que podem vir a ser parte do contrato de consumo, ou seja, segundo esse artigo, toda pessoa que é exposta a um anúncio pode ser considerada como

3 CHAMONE, Marcelo Azevedo. A relação jurídica de consumo: conceito e interpretação. Disponível em: . Acesso em: 6 mar. 2014. 4 ALVES, Fabrício Germano.  Proteção constitucional do consumidor do âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 44. 5 Ibid., p. 46. 6 Artigo 2°, Parágrafo único: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Artigo 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Artigo 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

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consumidor, exceto por alguns casos como o do pretendente a um emprego, por exemplo7. Portanto, verifica-se que quando um cidadão é exposto a um anúncio publicitário enganoso ou abusivo, já está caracterizada a relação de consumo. A caracterização da relação de consumo ocorre pelo fato se ter um fornecedor, na figura do anunciante, e um consumidor, conforme a equiparação realizada pelo artigo 29. Assim, ocorre a presunção de dano, independentemente da conduta do anunciante ter sido dolosa ou do consumidor apresentar uma prova de dano “real”8. 2.1 PRINCÍPIOS ELENCADOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR A partir do Código de Defesa do Consumidor, são elencados diversos princípios reguladores da publicidade, buscando-se evitar qualquer tipo de abuso e/ou enganosidade por parte do anunciante, são eles: princípio da identificação da publicidade, princípio da veracidade, princípio da não abusividade, princípio da transparência da fundamentação, princípio da obrigatoriedade do cumprimento, princípio da inversão do ônus da prova e princípio da correção do desvio publicitário O princípio da identificação da publicidade está presente no artigo 36, caput do CDC, que institui que a publicidade deve ser veiculada de modo a possibilitar, fácil e imediatamente, que o consumidor a identifique como tal. Busca-se com isso evitar a publicidade clandestina, a publicidade subliminar e alguns tipos de merchandising. O consumidor ao adquirir um produto e serviço deve fazê-lo racionalmente e com a devida consciência do seu ato9. Usa-se como referência o homem médio, para aferir se foi exigida alguma habilidade especial por parte do consumidor para identificar o anúncio publicitário, já que o consumidor deve sempre saber se está diante de um anúncio de natureza publicitária10. Assim, dificulta-se também que o consumidor possa ser levado a erro por meio de uma publicidade enganosa veiculada em publicidade subliminar. 7 COELHO, Fábio Ulhoa. E-Book. Curso de direito comercial: direito da empresa. São Paulo: Saraiva, 2012. 8 ALVES, Fabrício Germano.  Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 54. 9 GARCIA, Leonardo de Medeiros.  Direito do consumidor:  código comentado e jurisprudência. Niterói: Impetus, 2010, p. 235. 10 ALVES, Fabrício Germano.  Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 94.

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O princípio da veracidade está presente no artigo 31, caput e no artigo 37, §2º do Código de Defesa do Consumidor. O artigo 31 diz expressamente que deve ser assegurado ao consumidor informações “corretas, claras, precisas e em língua portuguesa”, bem como referentes a “qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem” do produto ou serviço ofertado, além de informar se ele representa algum risco à segurança e saúde dos consumidores. Já o artigo 37, §1º e §3º tratam do desrespeito ao princípio da veracidade como sendo característico de publicidades enganosas, podendo ocorrer de forma omissiva ou comissiva. Nesse sentido, o princípio da veracidade decorre diretamente do princípio da boa-fé e da transparência, que regem todo o universo normativo consumerista11. O princípio da não abusividade está presente no artigo 31, caput e no artigo 37, §2º do Código de Defesa do Consumidor. O artigo 37, §2º institui uma definição de publicidade abusiva como sendo aquela considerada discriminatória, bem como a que explora o medo ou a superstição, incita a violência, se aproveita da “deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”. Assim, nem sempre as práticas abusivas se mostram como enganosas. A abusividade está nas técnicas que se aproveitam da hipossuficiência do consumidor12. O princípio da transparência da fundamentação está presente no artigo 36, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor. Assim, por ser dele o ônus da prova, conforme o artigo 38 do CDC13, o fornecedor deve ter o poder sobre os dados fáticos, técnicos e científicos capazes de dar a devida sustentação à mensagem divulgada e para que possa informar os legítimos interessados, ou seja, busca-se defender os direitos individuais. Em relação ao consumidor visto individualmente, o anunciante tem o dever de informá-lo de maneira ampla, adequada e prévia acerca do fornecimento do produto ou serviço que está sendo oferecido. Porém, não existe essa obrigatoriedade em relação à coletividade, já que o princípio da transparência é aplicável às relações de consumo individuais e não às coletivas. Desse modo, a informação adequada, ampla e prévia não se concretiza por 11 AMARAL, Luiz Otavio de Oliveira. Teoria geral do direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 174. 12 FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis; SACCO NETO, Fernando. Manual de direito do consumidor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 97. 13 Artigo 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

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meio do anúncio publicitário, mas por meio do atendimento realizado em concreto ao consumidor14. A única exceção a essa regra é a referente à obrigatoriedade do fornecedor informar previamente a presença de periculosidade em produto ou serviço, desconhecida antes da introdução do produto no mercado, conforme o art. 10, §1º do CDC15. O princípio da obrigatoriedade do cumprimento está presente nos artigos 30 e 35 do Código de Defesa do Consumidor. O artigo 30 do CDC obriga o consumidor a cumprir com todo anuncio publicitário, independentemente do meio de comunicação, relativo a produtos e serviços, ou seja, integra o contrato que vier a ser celebrado. Já o artigo 35 do CDC, determina quais as opções que o consumidor pode optar quando do não cumprimento do artigo 30, assim, pode o consumidor à sua livre escolha exigir o cumprimento forçado da obrigação, aceitar outro produto ou rescindir o contrato, com direito a restituição e perdas e danos. Desse modo, a publicidade vincula aquele que a promove, já que passa a integrar o contrato e tem valor jurídico de oferta16. Assim ocorre com fundamento na teoria da confiança, fazendo com que não seja necessário verificar se houve dolo por parte do fornecedor, basta que a confiança do consumidor tenha sido despertada por meio do anúncio publicitário17. Ou seja, se é veiculado um anúncio publicitário enganoso, não interessa avaliar se houve dolo ou culpa do anunciante, devendo esse cumprir com aquilo que foi veiculado. O princípio da inversão do ônus da prova está presente no artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor, que diz expressamente que o “ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”. Normalmente, aquele que alega tem que provar (conforme o art. 333, I do CPC18), contudo, devido à presunção de fragilidade do consumidor diante 14 COELHO, Fábio Ulhoa. E-Book. Curso de Direito Comercial: direito da empresa. São Paulo: Saraiva, 2012. 15 Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. §1º O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários. 16 AMARAL, Luiz Otavio de Oliveira. Teoria geral do direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 174. 17 ALVES, Fabrício Germano.  Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 96. 18 Art. 333. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito.

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daquele que realiza o anúncio, ocorre uma inversão obrigatória e automática (já que dispensa ato formal) desse ônus19. Caso um empresa veicule um anúncio e não o cumpra, o consumidor prejudicado, quando acionar a Justiça, poderá exigir a inversão do ônus da prova. O princípio da correção do desvio publicitário trata da possibilidade de reverter legalmente os resultados advindos de uma publicidade ilícita. No âmbito do Código Defesa do Consumidor, esse princípio está presente no artigo 56, inciso XII, que trata da “imposição de contrapropaganda” como sanção administrativa, não ocorrendo, contudo, prejuízo das sanções de natureza civil, penal, bem como das definidas em disposições normativas específicas20. 3 CARACTERIZAÇÃO DA PUBLICIDADE ENGANOSA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Vistos os aspectos relativos à publicidade, importa caracterizar a publicidade enganosa dentro do Código de Defesa do Consumidor. Tem-se mostrado cada vez mais recorrente, formas de iludir e convencer os consumidores a tomarem atitudes erradas quando da aquisição de produtos e/ou serviços. Através dela, a escolha do consumidor é eivada de vício, visto que o leva a confirmar uma relação de consumo que se tivesse conhecimento do real estado do produto ou serviço não se efetivaria. Estão previstos no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária regras essenciais à veiculação de anúncios, tais como os requisitos da honestidade e veracidade. Tais princípios são tratados, respectivamente nos artigos 23 e 2721 do Código. O ordenamento jurídico brasileiro trata da publicidade enganosa com mais nitidez no Código de Defesa do Consumidor. O conceito trazido pelo Código é dado de maneira abrangente visando abarcar o máximo de elementos que possa 19 AMARAL, Luiz Otavio de Oliveira. Teoria geral do direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 175. 20 ALVES, Fabrício Germano.  Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 100-101. 21 Artigo 23. Os anúncios devem ser realizados de forma a não abusar da confiança do consumidor, não explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credulidade. Artigo 27. O anúncio deve conter uma apresentação verdadeira do produto oferecido, conforme disposto nos artigos seguintes desta Seção, onde estão enumerados alguns aspectos que merecem especial atenção.

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caracterizar essa publicidade. A publicidade enganosa artigo 37, caput, diz que: “É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva”. Sua definição está prevista no §1°22. Nesse dispositivo é possível identificar duas modalidades da publicidade enganosa, quais sejam a comissiva e a omissiva. O §3° complementa a matéria quando diz, “Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço”. Podese verificar o mesmo escopo também no artigo 27, §2° do CBAP23, que diz que um anúncio não pode conter informações que enganem o consumidor nos mais diversos aspectos do produto e/o serviço. Interessante destacar que o Código da Publicidade Português, em seu artigo 1124 segue a mesma linha defendida pela legislação consumerista brasileira. Inicialmente é importante esclarecer que “modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário” refere-se a todo tipo de informação veiculada através da escrita, fala, imagens, sons, ou qualquer outro meio que passe uma informação e contenha um caráter comercial, imediata ou mediatamente. Da leitura do referido dispositivo é possível perceber que a publicidade enganosa pode ser total ou parcialmente falsa. Ela é totalmente falsa quando o anúncio veiculado contém na sua inteireza informações falsas. Não há nenhum dado verídico. Quando, porém, há informações verdadeiras e outras falsas, diz-se que a mensagem é parcialmente falsa. Mesmo havendo informações verdadeiras o anúncio pode ser enganoso, é o caso, por exemplo, quando se omite uma informação essencial do produto ou serviço, ou quando a maneira como o anúncio

22 Art. 37 §1°. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. 23 O CBAP estabelece em seu artigo 27, §2° que: “O anúncio não deverá conter informação de texto ou apresentação visual que direta ou indiretamente, por implicação, omissão, exagero ou ambiguidade, leve o Consumidor a engano quanto ao produto anunciado, quanto ao Anunciante ou seus concorrentes, nem tampouco quanto à: a. natureza do produto (natural ou artificial); b. procedência (nacional ou estrangeira); c. composição; d. finalidade”. 24 Artigo 11. 1 É proibida toda a publicidade que seja enganosa nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores. 2 – No caso previsto no número anterior, pode a entidade competente para a instrução dos respectivos processos de contra-ordenação exigir que o anunciante apresente provas da exactidão material dos dados de facto contidos na publicidade. 3 - Os dados referidos no número anterior presumem-se inexactos se as provas exigidas não forem apresentadas ou forem insuficientes.

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é elaborado leva o consumidor a uma interpretação distorcida de algum elemento, seja ele específico ou geral do produto ou serviço anunciado25. Por exemplo, uma empresa anuncia que um determinando veículo que estava sendo lançado continha vários itens de série mesmo na versão modelo básico, e por determinado preço. Porém, o consumidor ao chegar a loja para efetuar sua compra é informado que os itens anunciados estavam presente no modelo correspondente à versão luxuosa, e o preço da versão básica era mais caro no momento da negociação. Percebe-se aqui nítida publicidade enganosa. Ainda que os itens anunciados realmente existissem, informações verdadeiras, não faziam parte contudo do modelo anunciado, tornando-as assim falsas ao modelo básico, induzindo o consumidor ao erro, e frustrando-o. Insta acrescentar, conforme determina o artigo 37 do CDC que ela se manifeste de maneira comissiva ou omissiva. A enganosidade se dá por comissão quando a peça publicitária traz uma informação, seja ela total ou parcialmente falsa, do produto ou serviço, capaz de induzir o consumidor a adquiri-lo, quando na verdade não é nada daquilo que fora descrito pelo fornecedor-anunciante. É o caso, por exemplo, de um anúncio sobre determinado produto, que o caracteriza como o mais econômico da sua categoria quando na verdade já há outro mais econômico. Ou, quando uma rede de fast food anuncia um determinando produto seu, porém na realidade o produto é diferente do anunciado, frustrando completamente a expectativa criada pelo consumidor. A publicidade enganosa por omissão consiste na veiculação de produto ou serviço com ausência de informações imprescindíveis à sua aquisição ou utilização. Ela pode se caracterizar de várias formas26. Aqui, o fornecedor-anunciante se omite em dizer informações essenciais à aquisição do produto e/ou serviço ou as fornece 25 Acerca do tema o Superior Tribunal de Justiça esboçou seu posicionamento o dizer: “A obrigação de informação exige comportamento positivo, pois o CDC rejeita tanto a regra do caveat emptor como a subinformação, o que transmuda o silêncio total ou parcial do fornecedor em patologia repreensível, relevante apenas em desfavor do profissional, inclusive como oferta e publicidade enganosa por omissão”. Excerto de Ementa. SuperiorTribunal de Justiça. Resp. n° 586.316/MG. Rel. Min. Herman Benjamin. Julgamento em 17/04/2007. DJe. 19/03/2009. 26 “[...] Ela compreende não apenas o silenciamento total de informação essencial sobre os produtos e serviços necessária para uma transação esclarecida, como também o seu fornecimento de modo obscuro, que não possa ser lida ou percebida pelo consumidor de diligência ordinária haja vista pouca clara, ininteligível ou veiculada em momento posterior. A informação que não pode ser lida ou compreendida pelo consumidor do material publicitário equipara-se à sua omissão para fins de avaliação de indução em erro. DIAS, Luciana Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 139.

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de maneira particular, de difícil compreensão, sem clareza ou mesmo de maneira confusa, fazendo com que o consumidor pratique um ato que em situação dita normal não cometeria. Nesta espécie de publicidade enganosa, o Código se refere à informação essencial, que diz respeito a aquela cuja ausência pode interferir nas compras feitas pelo consumidor27. Consiste na informação que se torna imprescindível para o adquirente no momento de sua compra. A ausência desse tipo de informação pode influenciar significativamente acarretando sérios riscos, visto que quando o anúncio não dispõe de todas as informações sobre o produto ou serviço anunciado, pode comprometer a integridade física ou psíquica do consumidor, e assim decepcionálo, já que pode estar adquirindo um produto ou serviço, com uma determinada pretensão, mas pela falta de prestação de informação do fornecedor-anunciante, seu intento não é realizado, e somente após sua aquisição tem uma espécie de “surpresa”. Importante elucidar que a omissão resta configurada não por omitir informações, diga-se óbvias, isto é informações que se presumem conhecidas, mas, por não passar informações sobre um produto ou serviço que aparentam estar presentes, mas não estão. É o caso, por exemplo, quando uma imobiliária não informa ao consumidor que o apartamento novo, localizado em bairro nobre não tem vaga de garagem. A regra é que apartamentos recém-construídos em bairros com maior poder aquisitivo tenham vaga de garagem. Se há um apartamento que não tem, esse é um dado essencial que precisaria ser informado28. Nos termos do artigo 37, §1° do CDC, a enganosidade pode se dar em vários aspectos, isto é, em relação à natureza, origem, características gerais do produto, preço, entre outros aspectos. Veja-se aqui que o legislador não quis ser taxativo nas possibilidades de incidência da enganosidade, pelo contrário. Diante das inúmeras formas as quais o consumidor está sujeito a receber uma publicidade, tem ele do mesmo modo muitas possibilidades de estar sujeito a enganosidade, e haja vista sua vulnerabilidade precisa se valer do máximo de garantias possíveis para preservar/reparar seus direitos.A premissa básica do CDC é a proteção do consumidor. Todo o Código é disciplinado a resguardar o polo mais fraco da relação jurídica de consumo. Utiliza-se pois de vários mecanismos para esse intento, tais como a abrangência de conceitos, tais como o de consumidor, quando trás quatro definições, um direto e outros três por equiparação, o de fornecedor quando traz um rol exemplificativo de 27 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor: Código comentado e jurisprudência. Niterói: Imprensa, 2010, p. 238. 28 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 555.

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quem pode assim ser considerado, entre outros. Há a previsão da inversão ônus da prova, nos termos do artigo 6°, inciso VIII, utilização da responsabilidade objetiva como regra, conforme artigo 12, do CDC, entre outros aspectos. No âmbito da publicidade esse tratamento não seria diferente. De fato, a constatação da publicidade enganosa é feita a partir de um juízo abstrato, isto é, busca-se tão somente a enganosidade potencial. Verifica-se se o anúncio pode levar o consumidor ao erro. Se sim, resta caracterizada a publicidade enganosa, se não, não há nada que se questionar. O que se busca é a comprovação da capacidade de enganar que a publicidade possui, e não propriamente a efetivação do dano, causado pela publicidade enganosa29. Esse tipo de publicidade perverte a vontade do consumidor que, ludibriado, adquire o produto ou serviço diferente do que esperava que fosse. A falsidade está intrinsecamente ligada ao erro30. É necessário saber se o conteúdo que foi transmitido enseja a indução em erro pelo consumidor. Se o consumidor é induzido a entender como verdadeira uma informação que é falsa, está caracterizada a publicidade enganosa31. Não importa a vontade daquele que veiculou a informação. O artigo 37, §1°, que regula a matéria, não exige a comprovação de dolo ou culpa, mas tão-somente se houve o resultado, quer dizer, proíbe que a informação induza o consumidor a obter uma noção errônea da realidade. Se a informação publicitária for falsa, inteira ou parcialmente, ou se omitir informações importantes, e isso levar o consumidor ao erro, resta configurada uma publicidade ilícita, qual seja a publicidade enganosa32. Percebe-se que é irrelevante saber se o fornecedor-anunciante teve ou não o escopo de enganar os consumidores por meio de seu anúncio publicitário. A existência em si do anúncio enganoso, ou mesmo a sua utilização que desemboque nesse escopo, já configura a presença da publicidade enganosa. Independe assim de 29 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 122. 30 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 90. 31 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p-7071. Leonardo Garcia entende que pra a caracterização da publicidade enganosa não é necessária a prova concreta do engano, mas a simples potencialidade da enganosidade. É suficiente a aptidão para induzir o consumidor a erro. GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor: código comentado e jurisprudência. Niterói Imprensa, 2010, p. 239. 32 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 260.

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dolo ou de culpa. A responsabilidade que incidirá, quando presente a publicidade enganosa, será a objetiva, haja vista a desnecessidade de demonstrar a intenção ou não do agente de querer veicular o anúncio enganoso. É mister dizer que a inverdade, por si só, não configura a publicidade como enganosa. Em que pese a desnecessidade de se comprovar o dolo ou culpa do agente, é necessário que haja o liame entre a informação enganosa, seja por comissão ou omissão, e o induzimento do consumidor ao erro. É de bom alvitre acrescentar que estão sujeitos a publicidade enganosa não apenas aquele que é alvo direto da enganosidade, isto é, o destinatário final do produto ou do serviço, nos termos do artigo 2°, caput do CDC, mas todos aqueles que foram expostos ao anúncio publicitário, partícipes ou não da relação de consumo. Trata-se aqui nitidamente de um direito difuso e coletivo33. A Súmula 2° do Conselho Superior do Ministério Público34 de São Paulo ratifica o entendimento de que o dano proveniente de publicidade enganosa é difuso abarcando assim todas as pessoas que foram expostas a publicidade e foram levados ao erro, não devendo necessariamente elas estarem adquirindo ou utilizando o produto e/ou serviço. Essa Súmula caracteriza como prejudicados tanto os interesses individuais homogêneos, quanto aos interesses coletivos stricto sensu e os interesses difusos. Sendo consumidor direto ou por equiparação, estando sujeito a qualquer modalidade de informação ou peça publicitária, é dever do fornecedor-anunciante veicular informações corretas e verdadeiras35. Uma modalidade de publicidade enganosa bastante utilizada pelos anunciantes é a chamada “publicidade chamariz”. Ela se caracteriza pela atração do consumidor de forma enganosa, a comprar um produto ou serviço. Acontece, por exemplo, quando uma grande rede de lojas de eletrodomésticos anuncia uma grande liquidação, mas quando o consumidor vai até o estabelecimento percebe que os produtos anunciados ou não existem ou são diferentes do anunciado, fazendo parte de uma coleção antiga. Nesse momento o consumidor é persuadido a adquirir outros produtos, que não estão em liquidação e são geralmente mais 33 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V. e MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 538. 34 SÚMULA n.º 2. “Em caso de propaganda enganosa, o dano não é somente daqueles que, induzidos em erro, adquiriram o produto ou o serviço, mas também difuso, porque abrange todos os que tiveram acesso à publicidade”. 35 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 123.

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caros. Sendo assim, conclui-se que a peça publicitária deve ser feita de maneira a propagar informações verdadeiras do produto ou serviço, isto é, deve passar todas as características intrínsecas aos mesmos, não podendo deixar de fazer referência às peculiaridades, nem tampouco informações essenciais que os compõem, de maneira que o consumidor se sinta e esteja livre para fazer suas escolhas e as faça de modo consciente. O CDC traz algumas formas de reparação do dano em virtude da enganosidade. A responsabilização do fornecedor-anunciante pode ocorrer em âmbito civil, penal e administrativo, além de ser objeto de apreciação pelo CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. 4 RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR-ANUNCIANTE PELA VEICULAÇÃO DE PUBLICIDADE ENGANOSA Para a configuração da publicidade enganosa pouco importa se o fornecedor-anunciante teve a intenção ou não de enganar o consumidor, mas é necessário tão somente a potencialidade de enganar e desse modo induzir o consumidor em erro. Não importa saber se houve dolo ou culpa, pois mesmo não existindo o anúncio poderá ser considerado enganoso. O Código de Defesa do Consumidor adota aqui também a responsabilidade objetiva36. Nessa perspectiva é preciso saber quem são os responsáveis pela veiculação da publicidade e de que forma eles respondem juridicamente. Dentro de um anúncio publicitário é possível identificar desde a sua produção até o seu anúncio três agentes principais, quais sejam: o fornecedoranunciante, que é aquele que contrata a agência para elaborar uma peça publicitária, isto é uma ideia, um produto, serviço; a agência é a empresa responsável pela elaboração da publicidade, conforme exigências feita pelo fornecedor; e o veículo de comunicação, que é a forma como essa publicidade será externada para o público, que pode ser um comercial de televisão, outdoor, folders, entre outros. Por expressa previsão do CDC, a responsabilidade de todos aqueles que integram a produção do anúncio e sua veiculação é solidária, conforme dispõe o 36 Corrobora com esse entendimento: SILVA, Regina Beatriz Tavares da. POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo. Responsabilidade civil pela publicidade. In: Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. Regina Beatriz Tavares da Silva (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 434.

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artigo 7°, parágrafo único37. A prática de publicidade enganosa configura ato ilícito, conforme disciplinado nos artigos 186 e 187 do Código Civil38. O fornecedor-anunciante será sempre responsável pelos danos que seu anúncio vier a causar. Responde, outrossim, por cláusula contratual ou sua nulificação em razão do anúncio. A agência publicitária, que produz o anúncio, vai responder solidariamente com o anunciante, pouco importando a espécie de contrato que tenha firmado com aquele. Um consumidor que tenha sido lesado pode acionar judicialmente o anunciante, a agência publicitária, ou os dois simultaneamente. Porém há algumas exceções que a agência não é responsabilizada. Acontece quando a enganosidade: “a) não está objetivamente colocado no anúncio em si; e b) depende da ação real, concreta e posterior do fornecedor-anunciante, de maneira que a agência tenha participado como mera produtora de uma informação encomendada”39. No caso apresentado alhures sobre a revendedora de carros: o fornecedoranunciante contratou a agência para que ela elaborasse um anúncio contendo determinadas informações. E ela assim o fez. Porém, quando o consumidor, após o conhecimento do anúncio, foi até a loja para efetuar a compra do veículo percebeu que as informações ali anunciadas eram de outro carro. Nesse caso, a agência publicitária não responde solidariamente, haja vista que anunciou aquilo que foi passada para ela. O erro foi do fornecedor-anunciante que quis anunciar informações diferentes da realidade do produto. O veículo de comunicação também é responsável solidário junto com o anunciante e a agência. Aqui porém, há situações que excluem a sua responsabilidade. Estas acontecem nos anúncios “a) que não são ilegais objetivamente considerados em si e dos quais não se extrai a enganosidade; e b) por cuja veiculação não é 37 Art. 7°. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. 38 Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Desse modo, poderá ensejar indenização por dano material e/ou moral. O consumidor pode desse modo ajuizar uma ação de reparação de danos materiais e/ou morais haja vista a possibilidade de cumulação. Ressalte-se que, embora não tenha que provar a culpa do fornecedor, terá que provar o liame entre a publicidade do produto e/ou serviço e o dano sofrido. 39 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 557.

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possível ao veículo, por falta de condições reais, saber se eles são enganosos. Por isso, não poderiam ser responsabilizados”40. É importante salientar que o veículo pode recusar inserir anúncio que compreenda ser enganoso. Em que pese a proteção dada pelo CDC, ele também prevê excludentes de responsabilidade, que estão contidas no artigo 12, §3° e 14 do CDC41. Do ponto de vista ético, a publicidade enganosa sofre o controle do Conselho de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). O Código de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) foi editado pelo Conselho em 5 de maio de 1980. As regras resguardam o direito dos consumidores apenas de maneira indireta, pois são normas regulamentadoras da ética profissional42. No entanto as disposições normativas previstas no CBAP são utilizadas com fonte subsidiária na aplicação do Direito43. O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária traz em seus artigos 45 a 49, a responsabilidade do anunciante, agência e veículo. No Capítulo seguinte, trata das infrações e penalidades. As penalidades/sanções administrativas estão presentes no artigo 5044. Assim como no âmbito civil o CDC destinou dispositivos para tratar do assunto, conforme os artigos do 30 ao 38, o referido Código previu a responsabilidade administrativa através de sanções, conforme estabelecido nos artigos 55 a 60. O tema também é regulado pelo Decreto n° 2. 181 de 20 de março de 1997, que dispõe acerca da organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) e estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas. 40 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 558. 41 Artigo 12, §3°. O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro; Artigo 14, §3°: O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 42 ALMEIDA, João Batista de. A provocação jurídica do consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 112-113. 43 DOMINGUES, Alessandra de Azevedo. Formatos e classificações da publicidade eletrônica e seus controles legais: licitudes e ilicitudes. In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto (Coord.). Quartier Latin, 2008. v. 2, p. 134. 44 Artigo 50. Os infratores das normas estabelecidas neste Código e seus anexos estarão sujeitos às seguintes penalidades: a. advertência; b. recomendação de alteração ou correção do Anúncio; c. recomendação aos Veículos no sentido de que sustem a divulgação do anúncio; d. divulgação da posição do CONAR com relação ao Anunciante, à Agência e ao Veículo, através de Veículos de comunicação, em face do não acatamento das medidas e providências preconizadas.

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Sendo o Poder Judiciário acionado poderá determinar que, tanto o anúncio disseminado, quanto a campanha completa ou parcial do anunciante sejam abolidas. Pode também obstar a publicação e/ou transmissão da peça publicitária, nos termos do artigo 6°, inciso VI do CDC45. A condenação mais expressiva aplicada pelo Judiciário é a contrapropaganda. A sanção vem melhor tratada no artigo 6046. Ela visa proteger e compensar de alguma forma os malefícios advindos da publicidade enganosa. O §1° do referido dispositivo estabelece que ela será veiculada pelo responsável nas mesmas circunstâncias que foi divulgada aquela. Entende-se que é possível condenar o fornecedor a veicular a contrapropaganda em condições mais expressivas que o anúncio enganoso, visando dar maior visibilidade a mensagem corrigida, minorando os danos sofridos pelo consumidor47. Esse tipo de sanção administrativa é aplicada à publicidade abusiva. Assim, a contrapropaganda tem o escopo de restaurar a verdade da publicidade enganosa, consertando por fim o direito à informação do consumidor que foi transgredido48. A contrapropaganda é uma obrigação de fazer. Acompanhado de sua determinação deve ser aplicada multa diária (astreinte) pelo não cumprimento da obrigação. A função da multa é convencer o violador do direito a executar sua obrigação. Quanto maior o valor, maior a probabilidade de sua realização, e desse modo a divulgação da contrapropaganda. Além da incidência da sanção administrativa por seu caráter violador das normas de defesa do consumidor, a publicidade enganosa, é tutelada pela seara penal. A publicidade enganosa pode configurar alguns crime contra a relação de consumo, previstos nos artigos 63, 66 e 6749 do CDC, bem como no artigo 7°, 45 Artigo 6º. São direitos básicos do consumidor: […] VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. 46 Artigo. 60, caput. A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator. §1º A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva. 47 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 561. 48 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do consumidor: código comentado e jurisprudência. Niteroi Imprensa, 2010, p. 240. 49 Artigo 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa. §1° Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações

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inciso VII da Lei Federal n° 8.137/90 que versa sobre os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo50. 5 TRATAMENTO DA PUBLICIDADE ENGANOSA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Em diversas ocasiões o Superior Tribunal de Justiça julgou situações de enganosidade na publicidade por parte de empresas dos mais diversos ramos. Um desses julgados do STJ foi o que envolvia a empresa Águas Minerais Sarandi Ltda como recorrido e a União como recorrente, onde a empresa de água mineral, quando de seu anúncio publicitário, fez uso do slogan “diet por natureza”51. Ou seja, a empresa buscou definir o diet como característica inerente do produto que estava ofertando, todavia esse slogan pode causar em alguns consumidores a falsa impressão de que aquela água mineral oferecida pela empresa podia ter passado por algum tratamento especial para torna-la diet em relação às que são normalmente ofertadas no mercado. É necessário lembrar que para se configurar o ilícito, não é necessário avaliar a intenção da empresa, mas o potencial de enganosidade do seu anúncio publicitário. Desse modo, a União, com base no artigo 2º, inciso V e nos artigos 21 e 23 todos do Decreto-Lei nº 986/6952, argumentou que alimentos com caráter de diet escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado. § 2° Se o crime é culposo: Pena Detenção de um a seis meses ou multa. Artigo 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa. §1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. §2º Se o crime é culposo; Pena Detenção de um a seis meses ou multa. Artigo 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de três meses a um ano e multa. 50 Artigo 7° Constitui crime contra as relações de consumo: […] VII – induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária; […] Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. 51 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 447303/RS. Recorrente: União. Recorrido: Águas Minerais Sarandi LTDA. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasilia, DF, 02 de outubro de 2003. Dje, 28 out. 2003. 52 Artigo 2º Para os efeitos deste Decreto-Lei considera-se: V – Alimento dietético: todo alimento elaborado para regimes alimentares especiais destinado a ser ingerido por pessoas sãs; Artigo 21. Não poderão constar da rotulagem denominações, designações, nomes geográficos, símbolos, figuras, desenhos ou indicações que possibilitem interpretação falsa, erro ou confusão quanto à origem, procedência, natureza, composição ou qualidade do alimento, ou que lhe atribuam qualidades ou

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são aqueles elaborados para regimes especiais e que não podem constar na rotulagem ou em anúncios publicidades de qualquer tipo a informações que possibilitem falsas interpretações. Logo, a água mineral, que é comercializada naturalmente e não apresenta alterações em sua substância, não pode ser apresentada como diet já que não é possível retirar elementos que fazem parte de sua composição, inexistindo a classificação de água mineral diet. Em sua argumentação, o Relator do processo argumenta que: “revela-se evidente que o slogan lançado no rótulo da água mineral pode efetivamente induzir o consumidor em erro, porquanto trata-se de publicidade enganosa” e completa no sentido de que tanto é assim que o próprio recorrido (a empresa Águas Minerais Sarandi Ltda) nas contrarrazões do recurso especial afirma que o uso dessa expressão de marketing provocou um elevado aumento nas vendas do produto. Assim, por unanimidade de votos, conhecem e dão provimento parcial ao recurso interposto. Outro julgado do STJ tratando da publicidade enganosa envolveu como partes a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor como agravante e agravado e a Companhia de Bebidas das Américas também como agravante e agravado53. Em suma, a AMBEV foi autuada pelo PROCON porque estava expondo à venda a cerveja Kronenbier, onde a mesma era classificada como sendo Sem Álcool. A mensagem “Sem Álcool” era apresentada em destaque, enquanto em letras minúsculas se dizia que a cerveja apresentava teor alcoólico inferior a 0,5%, causando confusão ao consumidor. Segundo o voto do Relator, só seriam respeitados os princípios da transparência e da boa-fé objetiva as informações claras, corretas, “precisas e ostensivas sobre as características de produtos ou serviços, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem” como também sobre os riscos que apresentam, à segurança e à saúde dos consumidores, e finaliza reforçando proibição da publicidade enganosa, capaz de induzir em erro o consumidor com base nos artigos 31 e 37 do CDC54. características nutritivas superiores àquelas que realmente possuem. Artigo 23. As disposições deste Capítulo se aplicam aos textos e matérias de propaganda de alimentos qualquer que seja o veículo utilizado para sua divulgação. 53 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 259903/SP. Agravante/Agravado: Fundação de Proteção e defesa do Consumidor. Agravante/Agravado: Companhia de Bebidas das Américas AMBEV. Relator: Ministro Herman Benjamin. Brasília, DF, 26 de agosto de 2014. Dje, 25 set. 2014. 54 Artigo 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,

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Ademais, também é reforçado pelo Relator o direito básico do consumidor à “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço” conforme o artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor. Dessa maneira, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, decidiu pelo não provimento do agravo, mantendo a multa imposta pelo PROCON à AMBEV.Foi decidido também no STJ caso em que a empresa Intelig Telecomunicações S/A veiculou um anúncio publicitário no qual apresenta um desconto especial trazendo o slogan: “fale até 5 minutos por 0,99”, onde consta dos autos que, durante o comercial veiculado pela empresa, atores levantam placas com as declarações “5 minutos”, “R$0,99” e ouvem-se sons enfatizando que os dizeres: “5 (cinco) minutos, noventa e nove centavos”55. A informação é clara em relação ao fato da promoção só atender aos primeiros 5 minutos da ligação. Todavia, não fica claro qual o valor a ser pago ao consumidor se não for ultrapassado esse intervalo de 5 (cinco) minutos, já que embora o anúncio publicitário tenha os dizeres “fale até 5 minutos por 0,99”, as letras minúsculas veiculadas apresentam a informação de que o valor de R$0,99 é referente à cada minuto de ligação até os 5 (cinco) minutos, ou seja, o tempo total de uma ligação pelo período de 5 (cinco) minutos não seria de R$0,99, mas de cinco vezes esse valor, logo, o consumidor pagaria R$4,95. Em sua fundamentação, o Relator do processo argumentou que, segundo o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, não é exigida a prova de vontade de enganar o consumidor, além disso, a informação não pode colocar o consumir em dúvida quanto ao que é oferecido, contaminando sua decisão. Assim, em relação ao anúncio veiculado pela empresa, o fato de se veicular o valor de R$0,99 para os cinco minutos e se veicular em letras minúsculas o valor de R$0,99 para cada minuto até completar cinco minutos (totalizando R$4,95) gerou dúvida ao consumidor quanto ao valor a ser pago. Segundo o Relator, o anúncio publicitário fere o princípio da veracidade (presente nos parágrafos 1º e 3º do art. 37 e no artigo 31, ambos do CDC), pela capacidade de induzir o consumidor a erro. composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Artigo 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. 55 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1317338/MG. Recorrente: Estado de Minas Gerais. Recorrido : Intelig Telecomunicações S/A. Relator: Ministro Mauro Campbel Marques. Brasilia, DF, 19 de março de 2013. Dje, 01 abr. 2013.

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Desse modo, os ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas, por unanimidade, conheceram em parte o recurso e, nessa parte, deram-lhe provimento, nos termos do voto do ministro-Relator. Embora não tenha sido esta a fundamentação do Relator do processo mencionado, é importante lembrar que segundo o artigo 30 do CDC, as informações veiculadas em anúncios publicitários obrigam o fornecedor e integram o contrato que vier a ser celebrado, além disso, segundo o artigo 54, §4º do CDC, “As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”. Contudo, no anúncio publicitário veiculado pela empresa Intelig, não foi dado o destaque necessário à informação essencial de que aquele valor era referente a cada minuto dos cinco primeiros minutos. Além disso, segundo o artigo 46 do CDC56, se os respectivos instrumentos do contrato forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance, os consumidores não estarão obrigados. Ou seja, como o anúncio trazia a informação essencial em letras minúsculas, não dando o devido destaque ao fato do valor dever ser pago por minuto, os consumidores não estão vinculados a realizar essa forma de pagamento. Teve-se também decisão no STJ de um caso que envolvia a empresa Fiat Automóveis S/A, a qual, em 2006, veiculou anúncio publicitário buscando vender o veículo Palio Fire Modelo 2007, uma vez que não existe qualquer ilicitude quanto ao fabricante de veículos antecipar o lançamento de um modelo meses antes da virada do ano. Porém, após vender o modelo dito de 2007, a Fiat parou de produzi-lo e passou a fabricar outro automóvel como sendo o Palio Fire Modelo 2007, ferindo a expectativa do consumidor de ter em 2007 o veículo do ano. O Ministério Público moveu uma ação coletiva sustentando que a Fiat incidiu em prática comercial abusiva e publicidade enganosa, que foi negada pelo Juízo a quo. Em apelação ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), a Fiat foi condenada a não “ofertar automóveis fabricados em um ano com modelo do ano seguinte sem que mantenha, nesse próximo ano, o modelo fabricado no ano anterior sob pena de multa de R$ 10 mil para cada veículo ofertado nessas 56 Artigo 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

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condições”57, o que fez com que a empresa recorresse ao Superior Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial supracitado. O Relator defendeu em seu voto que “no âmbito do direito do consumidor, um dos principais aspectos da boa-fé objetiva é seu efeito vinculante em relação à oferta e à publicidade que se veicula, de modo a proteger a legítima expectativa criada pela informação”. Fundamentou também com base no art. 6º, inciso III e IV e no art. 37, §1º do CDC58 e finalizou no sentido de que a publicidade enganosa possui o efeito de induzir o consumidor a acreditar em algo que não corresponde à realidade do produto ou serviço em si, onde o consumidor enganado pensa numa situação quando de fato está em outra. Lembrou ainda o Relator que, segundo a Lei Federal nº 8.078/90, trata-se de uma responsabilidade objetiva por parte do anunciante, não tendo a necessidade de se verificar se houve dolo ou culpa por parte deste, sendo suficiente a verificação do caráter de enganosidade do anúncio veiculado para que se verifique a infração. Assim, por meio de uma fundamentação bem embasada, o Relator julgou adequada a condenação realizada pelo Acórdão recorrido e negou provimento ao Recurso Especial. Desse modo, os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, negaram provimento ao Recurso Especial, nos termos do voto do Relator. 6 CONCLUSÃO O Código de Defesa do Consumidor não poupou esforços para garantir os direitos do consumidor e assegurar-lhes mecanismos para a sua plena defesa. No âmbito da publicidade, ferramenta de crucial importância para a divulgação do produto e/ou serviço, destinou um Capítulo próprio, demonstrando assim sua preocupação em assegurar ao consumidor a tutela de seus direitos quando 57 Fiat indenizará consumidores por propaganda enganosa do Palio 2007. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2014. 58 Artigo 6º. São direitos básicos do consumidor: III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; Artigo 37, §1°. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

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expostos a práticas que são capazes de induzi-lo a erro, como é o caso da publicidade enganosa. Essa modalidade de publicidade é toda aquela que induz o consumidor em erro, através de informação veiculada, seja ela total ou parcialmente falsa, presente nos mais diversos aspectos do produto ou serviço. A responsabilidade do fornecedor-anunciante é objetiva, não importando se teve ou não a intenção de induzir o consumidor em erro, isto é de enganá-lo. Necessário apenas que o consumidor comprove o liame entre a oferta enganosa e o dano sofrido por ele, de forma que, nos termos do artigo 6°, inciso VIII se in inverterá o ônus da prova. Não resta saber se o fornecedor agiu com dolo ou culpa, mas tão somente se houve a enganosidade, ainda que potencial, mas que tenha levado o consumidor em erro. Assim, presente o nexo de causalidade, o fornecedor poderá responder civil, administrativa e penalmente. É pacífico o entendimento do STJ nesse sentido. Saliente-se que estão sujeitos à publicidade enganosa não apenas o destinatário final do produto ou do serviço, nos termos do artigo 2°, caput do CDC, mas todos aqueles que foram expostos ao anúncio publicitário, partícipes ou não da relação de consumo, conforme o artigo 29 da Lei Federal nº 8078/90. O que importa destacar é que o Código de Defesa do Consumidor não traz um rol taxativo de hipóteses que possam se enquadrar na órbita da publicidade enganosa. Dá sim, diretrizes objetivas que servem de parâmetros para nortear a uma análise inicial de cada hipótese. Nesse sentido, é o caso concreto em si que permitirá identificar se é ou não uma publicidade enganosa, e desse modo pleitear qualquer espécie de responsabilização. O tema é bastante atual e necessita de constantes debates em nível doutrinário e jurisprudencial. Os consumidores tem cada dia mais se conscientizando de seus direitos e se valendo assim do aparato jurídico que tem ao seu dispor para tê-los garantidos. Contudo é preciso que haja uma consolidação desse entendimento de forma que a parte mais vulnerável da relação jurídica, seja ela direta ou por equiparação, possa fazer suas escolhas de maneira clara e consciente, e assim adquira, sem mácula, seu produto e/ou serviço.

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Publicidade enganosa por omissão Gabriel Maciel de Lima Thaisi Leal Mesquita de Lima 1 INTRODUÇÃO A sociedade contemporânea é marcada por várias características que estão aliadas a grande facilidade em estabelecer comunicação. Junto a isso, também se tem o aumento do consumo, que devido à facilidade comunicativa vem se expandido cada vez mais. A publicidade tem sido utilizada como o principal meio de promover produtos e serviços, fazendo com que os consumidores tomem ciência da existência destes. Publicidade é toda forma de comunicação e informação fomentada com o escopo direto ou indireto de promover a aquisição ou utilização de um produto ou serviço. Aquele que divulga seu produto ou serviço tem o deve de informar, enquanto o consumidor tem o direito de obter informação adequada, clara, com as devidas especificações sobre composição, características, qualidade, preço e possíveis riscos que o bem ou o serviço possam conter. No contexto da publicidade ocorre uma frequente confusão no que diz respeito a diferenciar esta da propaganda. Embora ambas as palavras sejam etimologicamente semelhantes, tendo significados parecidos, no âmbito da dogmática jurídica das relações de consumo, tais termos possuem conotações divergentes, não podendo ser usados como palavras similares. A publicidade deve estar diretamente ligada a uma atividade econômica, com objetivo comercial, ou seja, tem que fazer o intercâmbio entre marca ou empresa, produto e/ou serviço, ao consumidor. Em contrapartida, tem-se a propaganda, a qual é direcionada a público determinado ou indeterminado, sem finalidade comercial, mas apenas para a difusão de ideias, filosofias etc. 57

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No presente Capítulo buscar-se-á explicar os principais delineamentos da Publicidade Enganosa por Omissão no microssistema consumerista brasileiro. Além disso, pretende-se também examinar a jurisprudência relacionada a esse tema, bem como a forma de efetivação da tutela judicial e extrajudicial dos consumidores perante a espécie publicitária em estudo. 2 CONCEITUAÇÃO DE PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO O artigo 37, §1° do Código de Defesa do Consumidor (CDC) traz em seu texto que toda e qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, totalmente ou parcialmente falsa, ainda que por omissão, desde que seja capaz de induzir o consumidor a erro, a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedade, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços, constitui publicidade enganosa. Portanto, será assim considerada toda veiculação de informações sobre determinado produto ou serviço que seja capaz de induzir o consumidor a erro. O artigo 6°, inciso III do referido Código, consagrou como um dos direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre diferentes produtos ou serviços, sendo imprescindível para tanto a correta especificação da quantidade, características, composição, qualidade, além de o fornecedor ter o dever de explicitar os riscos que o bem representa. A publicidade enganosa, portanto, fere diretamente o que está expresso no presente inciso, pois, seja por omissão ou por comissão, não apresenta informações corretas e claras sobre as qualidades do produto. Ela vai de encontro não somente ao princípio da veracidade1, mas, por vezes, atinge de forma direta o principio da vinculação contratual (artigo 30, CDC), que diz que qualquer informação suficientemente precisa vincula aquele que a patrocina, bem como aquele que dela se aproveita, passando a integrar o contrato eu vier a ser celebrado. Os fornecedores-anunciantes encontram meios de enganar e persuadir os consumidores a uma atitude de consumo maculada, que poderia não acontecer se não existisse a enganosidade na publicidade2. Por ferir diretamente o princípio da

1 FURLAN, Valéria C.P. Direito do consumidor. São Paulo, n. 10, 1992, p. 97-125. 2 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013. p. 119.

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boa-fé3, o Código de Defesa do Consumidor tipificou no artigo 67, com pena de três meses a um ano e multa, a veiculação ou produção de publicidade por parte de quem sabe ou deveria saber ser esta enganosa. O mesmo Código também consagrou em seu artigo 6°, inciso IV, como direito básico do consumidor a proteção contra a publicidade enganosa. A publicidade enganosa pode ser manifestada de dois modos: por omissão e por comissão. A publicidade enganosa comissiva ocorre quando o fornecedor/ prestador afirma algo que não condiz com a realidade do produto/serviço, ou seja, agrega a este características diferentes do que as que ele possui4. Desse modo, esse tipo de publicidade enganosa gera inúmeros transtornos por induzir o consumidor a adquirir ou utilizar um produto ou um serviço que ele acredita ter as condições/ características descritas pelo fornecedor, mas que na realidade não as tem. Ademais, para que ocorra o induzimento ao erro, deve-se considerar o consumidor leigo, desprovido de conhecimento aprofundado sobre o assunto, já que a publicidade pode atingir qualquer público, qualquer pessoa deve ser capaz de compreender a oferta, dentro da razoabilidade5. Além disso, é fundamental mencionar que para que a publicidade enganosa por comissão seja configurada, não se exige a intenção de enganar do anunciante, mas somente a simples veiculação do anuncio enganoso6. Em virtude disso, compreende-se que a potencial indução ao erro já é elemento suficiente para que a publicidade enganosa por comissão seja configurada. No que diz respeito a publicidade enganosa por omissão, o CDC traz em seu texto que a mesma é configurada quando o anunciante deixa de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. Ou seja, ocorre publicidade enganosa por omissão na ausência de um dado fundamental para a contratação do serviço/ produto, sem o qual o consumidor provavelmente não efetivaria o consumo do bem/serviço. 3 CAPIBERIBE, Denise de Araújo. O princípio da boa-fé objetiva e sua evolução doutrinária e jurisprudencial ao longo dos 10 anos de edição do novo código civil. In: Escola dos Magistrados do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). 10 anos do código civil: Aplicação, acertos, desacertos e novos rumos. Rio de Janeiro. 2013. p. 117-124. 4 GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2007, p. 339. 5 MARQUES, Claudia. Publicidade Abusiva e Enganosa. In: MARQUES, Claudia. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 348. 6 JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 91.

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Assim, a caracterização da publicidade enganosa é avaliada por meio da mensagem publicitária especificamente e pela vulnerabilidade do consumidor. O primeiro critério, objetivo, tem relação com o conteúdo do anúncio. O segundo, subjetivo, tem a ver com o tipo de consumidor atingido ou atingível. Uma mensagem não enganosa em relação a um determinado público alvo pode o ser em função de outro público7. A publicidade enganosa omissiva abrange não só o silenciamento total de informação essencial necessária para uma negociação esclarecida, mas também o seu fornecimento de modo obscuro, que não possa ser lida ou percebida pelo consumidor, haja vista ser pouca clara, ininteligível ou veiculada em momento posterior. Quando existe uma informação que não pode ser lida ou compreendida pelo consumidor do material publicitário equipara-se à sua omissão para fins de avaliação de indução em erro8. 2.1 CONCEITO DE DADO ESSENCIAL O Código de Defesa do Consumidor não especifica quais são os dados essenciais a serem informados sobre um produto e/ou o serviço, deixando assim uma lacuna que pode prejudicar ou beneficiar o consumidor, dando margem a inúmeras ações que poderiam ser solucionadas com a simples clarividência da norma. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) tentou tratar do tema de maneira mais específica no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), quando determina que o anúncio não deverá conter informação de texto ou apresentação visual que direta ou indiretamente, por implicação, omissão, exagero ou ambiguidade, induza o consumidor ao engano quanto ao produto publicitado, quanto ao anunciante ou seus concorrentes, nem muito menos a natureza do produto, procedência, composição e finalidade9. Pode-se observar alguns elementos considerados “essenciais” pelo Código proposto pelo CONAR, de modo que, se o fornecedor não apresentar os seguintes dados, estará praticando publicidade enganosa por omissão. Devem ser considerados como elementos essenciais todos os que forem obrigatórios pela legislação, portanto, ainda que a Lei não traga de forma expressa quais são esses, pode-se ter uma 7 BENJAMIM, Antônio Herman de Vasconcellos e. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 274. 8 DIAS, Luciana Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.139. 9 CONAR. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 1980. Disponível em: . Acesso em: 5 mar. 2014.

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ideia dos mesmos por meio de Leis especiais, jurisprudência e, também, opiniões de doutrinadores10. É certo que não se pode obrigar um fornecedor a apresentar todas as características sobre um produto em um anúncio publicitário de poucos segundos, de modo a ser obrigatório somente os dados essenciais, que seriam os dados determinantes para atrair ou não o consumidor a contratar um serviço ou adquirir ou utilizar um produto11. Outro fator importante a ser discutido é a má manipulação das técnicas publicitárias. Exemplo disso é a utilização do mock up (demonstração simulada), que consiste na atribuição de recursos visuais de maneira a trazer ao produto ou serviço uma característica diferente do que ele tem na realidade. A animação busca atrair o consumidor, fazendo com que ele veja o produto ou serviço com características impossíveis, improváveis ou não características. O problema reside quando o anunciante não deixa claro para os consumidores que aquelas são apenas imagens ilustrativas, ou apresenta a advertência de modo ilegível. Desse modo, essa prática pode se caracterizar como publicidade enganosa por omitir informações essenciais sobre o objeto anunciado, induzindo o consumidor ao erro12. Entretanto, existem mensagens publicitárias que são mal compreendidas por usar linguagem recauchutada para comunicar determinado serviço e/ou produto. Nesses casos, devido ao fato de serem voltadas para pessoas de amplo vocabulário, ou até mesmo de bagagem intelectual considerável, os demais acabam por não compreender a mensagem que, em tese, deveria ser para o claro entendimento de todos. Nesses casos, também configura-se publicidade enganosa por omissão, tendo em vista que os anúncios devem ser feitos de modo que o homem médio possa compreende-los. 3 TUTELA JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL DA PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO No que diz respeito à publicidade enganosa por omissão, a tutela do consumidor pode ocorrer tanto no âmbito judicial, quanto no extrajudicial. A proteção pode ocorrer por sanções administrativas, éticas ou até mesmo por denúncias ao 10 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 125. 11 OLIVEIRA NETO, Arthur Narciso de. Publicidade enganosa por omissão: aspectos comparativos do Direito luso -brasileiro. Emerj, Rio de Janeiro, v. 5, n. 20, p. 210-233, set. 2002. 12 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 124.

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Poder Judiciário. Além disso, os órgãos de proteção ao consumidor e de controle publicitário utilizam o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária13 como fonte para fundamentar as suas sanções. O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) foi criado com o intuito de autodisciplinar a atividade publicitária, trazendo em seu conteúdo normas éticas que todos envolvidos neste tipo de prática devem seguir, podendo ser utilizado também como fonte acessória das decisões judiciais relativas à publicidade14. Além do Poder Judiciário, pode-se citar três órgãos que desempenham funções protetivas: o Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON), de tutela administrativa, o Ministério Público, de tutela jurisdicional coletiva, e o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), de tutela ética. 3.1 TUTELA ADMINISTRATIVA A tutela administrativa se manifesta principalmente através do poder que um órgão tem de fiscalizar, de modo a fazê-los cumprir as suas obrigações, aplicando sanções administrativas quando necessário. A tutela administrativa pode ocorrer de diversas formas, sendo elas a Inspectiva, Integrativa, Sancionatória, Revogatória e Substitutiva15. Nesse sentido, o Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON) tem a missão de orientar, educar, defender e representar o cidadão consumidor, contribuindo para o equilíbrio de seus direitos e deveres no aperfeiçoamento das relações sociais de consumo, com base nos valores da ética e da qualidade do trabalho16. Dessa forma, o PROCON trabalha para ser o norte do consumidor em suas relações de consumo. Esse órgão ajuda o consumidor a defender-se com fundamento no princípio da vinculação contratual, propondo uma conciliação entre as partes. Portanto, o PROCON protege o consumidor contra práticas como a publicidade enganosa por 13 CONAR. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 1980. Disponível em: . Acesso em: 5 mar. 2014. 14 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 227. 15 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2014, p. 558-561. 16 PROCON. Missão. 2014. Disponível em: . Acesso em: 6 de mar. 2014.

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omissão, pois mesmo que os dados omitidos causem transtornos ao consumidor, este tem o direito de exigir o que lhe foi prometido. A Lei Federal n° 8.078/90 trata em seus artigos 56 e 60 de algumas sanções administrativas que podem ser aplicadas contra quem pratica publicidade enganosa, como a multa e a obrigação da contrapropaganda, devendo ser esta divulgada da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa (artigo 60). O PROCON tem competência para aplicar sanções administrativas, aplicando multas ou exigindo uma contrapropaganda, quando a publicidade é abusiva ou enganosa, para que diminuam seus efeitos ofensivos. 3.2 TUTELA JURISDICIONAL COLETIVA A Tutela Jurisdicional coletiva é a proteção do bem jurídico pertencente a cada um dos integrantes de uma determinada comunidade, e que também pertence à soma dos integrantes dessa mesma coletividade, e não integra o patrimônio particular de cada indivíduo17. Pode-se citar o Ministério Público como protetor dos direitos comunitários. O Ministério Público, de acordo com o artigo 25 da Lei Federal n° 8.625, tem poder de representar os indivíduos frente ao Poder Judiciário, de modo a poder ajuizar uma Ação Civil Pública, quando houver infração a um direito positivado. Além disso, é de competência do Ministério Público peticionar aos magistrados, a aplicação de sanções quando houver infrações aos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC). Os TACs são documentos assinados por partes que se comprometem a cumprir determinadas exigências de modo a dirimir um problema existente ou compensar os prejuízos já causados por uma prática incorreta. Esses termos evitam que um problema vá a juízo, de modo a facilitar sua resolução18. Nos casos em que a parte demandada não cumpre o combinado, o Ministério Público se verá obrigado a levar o caso ao Poder Judiciário. Se essa parte desrespeitar o acordo, não cumprin-

17 DORINI, João Paulo de Campos. A legitimidade para a tutela jurisdicional coletiva. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2014. 18 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Termos de Ajustamento de Conduta. Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2014.

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do com as obrigações que assumiu, um representante do Ministério Público, pode ajuizar um pedido de execução, para o julgador obrigá-la ao cumprimento19. Desse modo, o Ministério Público pode atuar contra a publicidade enganosa por omissão representando os indivíduos frente ao Poder Judiciário, e buscando acordar com os fornecedores que infringem os direitos do consumidor mediante a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta. Existem inúmeros TACs que buscam amenizar os problemas resultantes de práticas publicitárias enganosas. O Ministério Público da Bahia, por exemplo, celebrou um Termo de Ajustamento de Conduta com o representante da agência de Marketing que teria veiculado uma publicidade a respeito da festa “FORRÓ DO AARRAIÁ”, sem informar os preços dos ingressos. No ato da compra, estudantes foram induzidos ao erro, ao comprar seus ingressos com preço total, apesar de possuírem o direito de meia entrada20. Existiu nesse caso uma prática de publicidade enganosa por omissão, pois a fornecedora foi omissa quanto a dados essenciais (preços dos ingressos). Foi ajustado nesse TAC que a empresa estaria obrigada a divulgar de maneira clara os preços dos ingressos (meia entrada e inteira), que não poderiam existir restrições quanto ao número de meia entradas, que a empresa deveria informar a obrigatoriedade de apresentar o documento estudantil e que se houvesse qualquer descumprimento ao TAC, a empresa estaria obrigada a pagar uma multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais)21. Ainda se pode citar como exemplo o Termo de Ajustamento de Conduta celebrado entre o Ministério Público do Estado do Espírito Santo e a empresa CRED AGIL. Esta estava veiculando uma publicidade sobre empréstimos consignados sem informar sobre dados essenciais, tais como as taxas máximas de juros e os demais encargos. Além disso, essa empresa de crédito estava abordando pessoas na rua e, sem informar as taxas de juros e demais encargos, estavam fazendo-as assinarem contratos. O TAC exigia, com penalidade de pagamento de multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) em caso de descumprimento de alguma das cláusulas, a modificação da peça publicitária para incluir as taxas máximas de juros e demais 19 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Termos de Ajustamento de Conduta. Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2014. 20 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. Termo de Ajustamento de Conduta: REP. N.º 050/2001. 2001. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2014. 21 Ibid.

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encargos, a proibição de se firmar o negócio sem ser na sede da empresa, a exigência de uma pessoa, da confiança do consumidor, para os casos em que este não soubesse ler, dentre outras coisas22. Desse modo, é visível a atuação do Ministério Público de modo a proteger os consumidores de peças publicitárias enganosas. 3.3 TUTELA ÉTICA Existe no Brasil um órgão de tutela ética, que busca autorregular as relações publicitárias, de modo a apaziguar os conflitos entre consumidor e fornecedor, ou até mesmo entre empresas. Ele utiliza o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), que traz em seu conteúdo normas éticas que todos envolvidos neste tipo de prática devem seguir. Esse órgão é o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitaria (CONAR), que tem como objetivo impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas, buscando sempre defender a liberdade de expressão comercial. Ele é formado por publicitários e profissionais de outras áreas, sendo uma organização não governamental (ONG) que defende as prerrogativas constitucionais da publicidade, garantindo sempre a liberdade publicitária23. Sua missão é, principalmente, o atendimento a denúncias de consumidores, autoridades, associados ou formuladas pelos integrantes da própria diretoria. Tais denúncias são julgadas pelo Conselho de Ética, assegurando plena garantia do direito de defesa aos responsáveis pelo anúncio. É de responsabilidade do CONAR recomendar a alteração ou suspensão de uma publicidade, caso comprovada a procedência da denúncia. Vale ressaltar que o CONAR não exerce censura prévia sobre peças publicitárias, pois se ocupa somente do que está sendo ou foi veiculado24. É fundamental explicitar que desde 1978 o CONAR conseguiu que mais de 8.000 representações fossem julgadas. No ano de 2013, por exemplo, 340 processos foram instaurados, dos quais 185 foram por queixa dos consumidores25. A sua tutela não é sancionatória, porém eles podem excluir seus vínculos com de22 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO. Termo de Ajustamento de Conduta: Cred Ágil. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2014. 23 CONAR. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 1980. Disponível em: . Acesso em: 5 mar. 2014. 24 Ibid. 25 Ibid.

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terminada empresa e divulgar a sua discordância em relação a alguma peça publicitária, podendo até representar o consumidor lesado frente o Poder Judiciário. O CONAR aconselha a alteração do anúncio, de modo a evitar que o mesmo configure hipótese de publicidade enganosa, por comissão ou omissão, ou até mesmo publicidade abusiva26. A exemplo disso pode-se citar a decisão de alteração da peça publicitária “Tim Infinity Web + Torpedo”, que oferecia planos “internet + torpedo” por setenta e cinco centavos, não especificando que após data determinada o valor subiria para noventa e nove centavos. A decisão do CONAR sugeria a alteração da publicidade, especificando não só o acréscimo da informação do valor a alterar, como também a redução da velocidade da internet após certo uso27. Por não apresentar de modo claro todas as informações tidas como essenciais, a empresa TIM deveria modificar a publicidade, por não se mostrar clara ao consumidor. Outra decisão emitida pelo CONAR foi a da Campanha da operadora Oi com os claims “Tudo por dia” e “pague só o dia que usar”, que foi alvo de reclamação da concorrente TIM junto a aquela. Para a TIM os anúncios televisivos na mídia impressa e internet não possuem informações essenciais para a correta compreensão da campanha, caracterizando como publicidade enganosa por omissão. Em sua defesa, a Oi argumentou que as informações essenciais estavam presentes em todas as peças publicitárias. O Relator não aceitou esta e outras explicações e propôs a alteração dos claims por considerar as explicações presentes nos anúncios insuficientes para a compreensão do consumidor28. As empresas de telefonia são as que recebem a maior quantidade de reclamações por parte dos consumidores, por não deixar claro as informações essenciais sobre os produtos e serviços. 4 ANÁLISE DA PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO NA JURISPRUDÊNCIA No que diz respeito às decisões sobre a publicidade enganosa por omissão, ainda são poucas as que tratam do assunto utilizando o termo específico. A maioria delas se refere à prática usando apenas a expressão “publicidade enganosa”. Entretanto, tem-se como exemplo de decisão que tratou como publicidade enga26 CONAR. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 1980. Disponível em: . Acesso em: 5 mar. 2014. 27 Ibid. 28 Ibid.

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nosa por omissão o caso da legalidade de multa imposta à Intelig Telecomunicações em razão de ter veiculado desconto especial com o slogan “Fale até 5 minutos por 0,99”. Durante o comercial, aparecem atores levantando placas com as descrições “5 minutos”, “R$0,99” e, posteriormente, ouvem-se sons enfatizando os seguintes dizeres: “5 (cinco) minutos, noventa e nove centavos”. Observou-se ainda a rápida exibição de uma legenda com a descrição: “chamadas até 5 minutos custam R$ 0,99 sem tributos (preço final RJ R$ 1,49/min); após a cobrança passa a ser conforme o plano básico”29. Sobre o valor cobrado referir-se apenas aos primeiros 5 minutos de ligação, não há qualquer dúvida, até porque, conforme relatado pela decisão em discussão, a prestadora de serviços fez constar em legenda os seguintes dizeres, em tempo hábil para leitura: “Chamadas até 5 min custam R$ 0,99 sem tributos. (Preço final RJ, R$ 1,49/min)”, concluindo-se que, após esse lapso temporal, a cobrança passa a ser conforme o plano básico contratado pelo consumidor. A dúvida então seria sobre o valor a ser pago nas ligações de duração menor ou igual ao período de 5 minutos, conclui-se pela publicidade que o custo de uma ligação de até 5 minutos será de R$ 0,99, ao passo que pela leitura da legenda exposta consta informação de que tal valor refere-se à unidade do minuto falado durante os primeiros 5 minutos – “Chamadas até 5 min custam R $0,99 sem tributos (Preço final RJ, R$ 1,49/min )” – , ou seja, o valor da ligação de 5 minutos seria, sem cálculo dos tributos, R$ 4,95 (R$ 0,99 x 5 minutos) e, não R$ 0,99, como expresso no slogan30. A publicidade enganosa à luz do CDC, mais precisamente do artigo 37, §3°, para que seja configurada, não exige a prova da vontade de enganar o consumidor, tampouco que deva estar evidenciada de plano sua ilegalidade, ou seja, a publicidade pode parecer legal, mas, por omitir dado essencial para formação do juízo de opção do consumidor, culmina por induzi-lo a erro ou tão somente coloca dúvidas acerca do produto ou serviço oferecido, contaminando sua decisão. Em razão do princípio da veracidade da publicidade, fica evidenciado que o anúncio veiculado pela Intelig é capaz de induzir o consumidor a erro quanto ao preço do serviço, podendo ser considerada enganosa, por omitir informação necessária31.

29 Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 2011/0275068-0. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Brasília, 25 de maio de 2013. EDcl no REsp 1317338 / MG. Brasília, 28 maio 2013. 30 Ibid. 31 Ibid.

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Outra decisão relevante para a garantia do direito do consumidor foi referente à prática da infração às relações de consumo conhecida como “maquiagem de produto” e “aumento disfarçado de preços”, que alterou a quantidade do conteúdo dos refrigerantes “Coca Cola”, “Fanta”, “Sprite” e “Kuat” de 600 ml para 500 ml, sem informar clara e precisamente aos consumidores, porquanto a informação foi aposta na parte inferior do rótulo e em letras reduzidas. Isso caracterizou omissão tendo em vista que ocultou um dado essencial ao consumo do produto, com o agravante de se tratar de uma marca conhecida há décadas no mercado32. A decisão foi fundamentada no direito à informação, garantia fundamental da pessoa humana expressa na Constituição Federal, artigo 5°, inciso XIV, o qual também é previsto no Código de Defesa do Consumidor, na Lei Federal n. 8.078/1990, artigo 6°, que elenca, entre os direitos básicos do consumidor, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços.33 O Ministro Humberto Martins também fez uso do Código de Defesa do Consumidor, quando diz que a oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores, sendo vedada a publicidade enganosa, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito desses aspectos.. O dever de informação positiva do fornecedor tem importância na relação de confiança por parte do consumidor. A informação deficiente frustra as legítimas expectativas do consumidor, esfacelando sua confiança34. Por fim, cabe destacar a decisão também do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao Agravo Regimental da PEUGEOT CITRÖEN DO BRASIL AUTOMÓVEIS LTDA, que fez publicidade enganosa ao oferecer ao público consumidor veículos automotores, destacando apenas às suas características e modalidades de parcelamento em vezes e, em letras miúdas, constar percentual dos valores da entrada com preço sem frete incluso e taxa de juros, induzindo a erro quanto aos valores finais dos produtos ofertados. Ao realizar campanha promocional, é dever do anunciante informar as ressalvas e restrições à concessão do 32 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2013/0021637-0. Relator: Ministro Humberto Martins. Brasília, 15 de maio de 2013. REsp 1364915 / MG. Brasília, 24 maio 2013. 33 Ibid. 34 Ibid.

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benefício, assim como é essencial a abstenção de utilização de qualquer expediente que possa induzir o consumidor a erro. Na referida situação, o STJ entendeu que pouco importa se houve ou não a intenção de ludibriar o consumidor já que, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina35. 5 CONCLUSÃO A Publicidade Enganosa por Omissão apesar de ser pouco discutida, é recorrente no dia a dia do consumidor brasileiro. Está presente no anuncio que omite informações, no comercial televisivo que destina poucos segundos para a leitura das condições especiais, bem como em todo e qualquer anúncio que impossibilite a compreensão básica do consumidor ao adquirir ou utilizar determinado serviço ou produto, omitindo assim os prejuízos de um possível contrato, deixando de informar sobre dado essencial a contratação. A nossa legislação ainda possui uma lacuna ao tratar da Publicidade Enganosa por omissão. O artigo 37, §3°, conceitua esse tipo de publicidade como toda e qualquer peça publicitária que deixe de informar dado essencial. Porém, esse conceito de dado essencial é vago e impreciso, dando margem a diversas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais. Apesar de muitos anunciantes agirem de má-fé em suas publicidades, órgãos como o PROCON e o CONAR existem com o intuito de dirimir os prejuízos gerados por meio de tais publicidades, bem como para proteger o consumidor e alerta-lo quanto aos seus direitos e os deveres em relação à comunicação publicitária. Fomentar a denúncia das práticas publicitárias abusivas não só é necessário, mas também urgente. O Ministério Público dispõe de meios, como os Termos de Ajustamento de Conduta, para evitar que os problemas entre consumidores e fornecedores sejam levados ao Poder Judiciário. Ademais, diante do exposto, ficou evidente que a publicidade enganosa por omissão deve ser melhor discutida, bem como divulgada, para que os consumidores tenham ciência dessa prática abusiva, evitando que estes fiquem a mercê daqueles que a praticam de modo livre, acreditando que ludibriando o consumidor obterão apenas vantagens. Além disso, os órgãos competentes precisam se manifes35 Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2011/0079132-3. Relator: Ministro Herman Benjamin. Brasília, DF, 14 de fevereiro de 2012. Agrg no Agrg no Resp 1261824 / Sp. Brasilia: Senado Federal, 09 maio 2013.

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tar mais sobre o assunto, para que a população saiba como e a quem recorrer quando se sentir lesada por uma prática publicitária enganosa. Por fim, constatou-se que até a própria jurisprudência não é pacífica no que tange a nomenclatura ideal para tal prática, assim como quais as características exatas para a concretização desta.

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REFERÊNCIAS ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013. BENJAMIM, Antônio Herman de Vasconcellos e. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. BRASIL. Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe Sobre a Proteção do Consumidor e dá Outras Providências. ______. Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências. CAPIBERIBE, Denise de Araújo. O princípio da boa-fé objetiva e sua evolução doutrinária e jurisprudencial ao longo dos 10 anos de edição do novo código civil. In: ESCOLA DOS MAGISTRADOS DO RIO DE JANEIRO (Rio de Janeiro). 10 anos do código civil: Aplicação, acertos, desacertos e novos rumos. Rio de Janeiro. 2013. p. 117-124. CONAR. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 1980. Disponível em: . Acesso em: 5 mar. 2014. DIAS, Luciana Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. DORINI, João Paulo de Campos. A legitimidade para a tutela jurisdicional coletiva. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2014. FURLAN, Valéria C.P. Direito do Consumidor. São Paulo, n. 10, 1992, p. 97-125. GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2007. JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 71

MARQUES, Claudia. Publicidade Abusiva e Enganosa. In: MARQUES, Claudia. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. Termo de Ajustamento de Conduta: REP. N.º 050/2001. 2001. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2014. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO. Termo de Ajustamento de Conduta: Cred Ágil. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2014. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Termos de Ajustamento de Conduta. Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2014. OLIVEIRA NETO, Arthur Narciso de. Publicidade enganosa por omissão: aspectos comparativos do Direito luso -brasileiro. Emerj, Rio de Janeiro, v. 5, n. 20, p. 210-233, set. 2002. PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2014. PROCON. Missão. 2014. Disponível em: . Acesso em: 6 mar. 2014.

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Publicidade abusiva discriminatória Thaylson Djony Dantas Rodrigues Valéria Cristina Romão Oliveira 1 INTRODUÇÃO O mundo atual se apresenta cada vez mais consumista. Assim, percebese uma grande disputa entre as empresas, a fim de obter seu principal objetivo: o lucro. Diante dessa realidade, buscam-se diversos meios para promover a oferta e o consumo, visando a todo custo atrair o consumidor. Entretanto, diante da reformulação de valores que passa a sociedade atual, mostrando uma nova configuração dos paradigmas sociais, morais e éticos, percebe-se que o mercado de consumo se utiliza, muitas vezes, de meios ilícitos. Nesse Capítulo, explorar-se-á uma das práticas ilícitas presentes no mercado publicitário, qual seja, a publicidade abusivo-discriminatória. Para tanto, o estudo se fará, de início, mediante análise conceitual dos vocábulos “abuso”, “discriminação”, bem como as modalidades “abusiva” e “abusivo-discriminatória”. Procurando ainda uma visualização e aproximação dos casos concretos, buscar-se-á analisar duas situações em que foi constatado o enquadramento nos tipos supracitados. Nesse ínterim, destacam-se as campanhas de duas empresas, escolhidas como forma de exemplificar o assunto abordado. Dessa forma, o presente Capítulo tem o condão de demonstrar como o sistema jurídico brasileiro de proteção do consumidor disciplina a publicidade ilícita, em especial, a publicidade abusiva de natureza discriminatória. E, ainda, como esse tema vem sendo abordado na prática através dos mecanismos de controle estatais e privados.

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2 CONCEITUAÇÃO DE ABUSO PARA FINS DE CARACTERIZAÇÃO DA PUBLICIDADE ABUSIVA No Código de Defesa do Consumidor e em diversos outros dispositivos, vez por outra se vê mencionada a palavra “abuso”1. Aliada aos vocábulos “sexual” e “econômico”, por exemplo, essa palavra adquire muitos significados a depender do contexto que se insere. No Direito, sabe-se que as palavras são os meios locomotores da Justiça. Além disso, a interpretação se faz meio fundamental na tarefa de aplicação do Direito. No caso específico da publicidade abusiva, a tarefa se torna árdua quando não há parâmetros para a definição do que venha a ser um abuso, ainda mais quando se sabe que há conceitos que se modificam com o tempo, com a modernização dos valores e com as novas perquirições de ideais. Com base nisso, é de extrema importância a existência de uma previsão que, além de promover o correto entendimento, faça com que as palavras não se percam nos Códigos, mantendo-se condizentes com a realidade. Apesar disso, no exame de casos concretos e mesmo na forma como se recorre ao vocábulo, “abusar” tem seu significado aliado à pratica de atividade desregrada, sem limites, na qual não há a importância para as consequências que possam afetar outras pessoas. A prática abusiva, em síntese, busca, dessa forma, atingir um fim sem que existam meios balizadores. Para tal configuração, é necessário que exista uma relação de desigualdade entre o abusador e o abusado. Nessa relação, o indivíduo impõe seu modo de pensar, suas visões, suas crenças etc., com a finalidade de expor a condição desnivelada. Diante disso, o que se percebe é a expressão de questões valorativas, abarcadas pela moral, ética e opiniões pessoais; questões intimamente ligadas à ideia de poder, este essencial para a concretização e disseminação de qualquer prática abusiva. O poder, portanto, se torna elemento essencial para fazer com que o abusado não resista ou não tenha meio para se contrapor a ideia do abusador. Cabe, por conseguinte, aos órgãos jurisdicionais, trazer ao entendimento a expressão do abuso, uma vez que “da jurisdição, nenhuma espécie de conflito pode escapar, sob 1 Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

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pena de comprometimento do próprio Estado Democrático de Direito, aspiração e conquista do homem civilizado”2. A título exemplificativo, disseminado no mundo jurídico, o abuso de direito é um “ato [...] que o juiz considera que deva ser alterado em seu exercício em virtude de uma proibição das regras de ação com plena vigência social”3. Percebese, com clareza matinal, a expressão de condições eminentemente valorativas, uma vez que o ato aí conceituado está condicionado a exames da realidade da sociedade. O abuso, com base no exposto, é, portanto, uma prática que deve ser averiguada a partir da análise de valores presentes na sociedade, ultrapassando as barreiras conceituais, uma vez que seu entendimento é alcançado a partir de um misto de métodos, os quais deve se correlacionarem para, dessa forma, fazer lograr efeito a atividade de conceituação. 3 CONCEITO DE DISCRIMINAÇÃO PARA CONFIGURAÇÃO DA PUBLICIDADE ABUSIVA

FINS

DE

Desvendar o conceito de discriminação, assim como sucedeu a elucidação do termo abuso em análise anterior, não é tarefa das mais simples. Neste caso, o desafio se faz presente em virtude da vasta área de atuação das condutas denominadas “discriminatórias”. Diante desse impasse, para a elaboração de um conceito esclarecedor do termo se faz necessário um estudo mais específico da matéria, a fim de se conceituar a discriminação de modo mais minucioso, englobando todos os seus pontos relevantes. Três classificações são postas, segundo o dicionário Aurélio, ao termo discriminar. A primeira remete ao estabelecimento de diferenças, a segunda ao ato de colocar algo ou alguém de parte e o terceiro ao tratamento desigual ou injusto, baseado em preconceitos de alguma ordem, seja ela, sexual, religiosa, étnica etc.4 No que condiz ao estudo em questão, o conceito de discriminação envolve cada um desses três pontos, assim, de início pode-se estabelecer que a discriminação consubstancia-se numa conduta diferenciadora, a qual busca o tratamento desigual de 2 PONTES FILHO, Valmir. O poder Judiciário e a revisão de provas de concursos públicos. 3. ed. Belo Horizonte: Revista Fórum Administrativo, 2003, p. 293. 3 WARAT, Luiz Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la Ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969, p. 69. 4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 4. ed. Curitiba: Positivo, 2009, p. 686.

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outrem, deixando-o a parte, marginalizado na sociedade. No entanto, ainda que a primeira vista o conceito citado demonstre ser esclarecedor é preciso ir mais afundo em seu estudo, vez que a conceituação proposta pelo referido dicionário apresentase de modo bastante genérico. O estudo da descriminação, portanto, seguirá duas sequências, a primeira correspondente a análise do princípio da igualdade frente ao princípio da não discriminação e seus reflexos no ordenamento jurídico brasileiro e a segunda cuidará do campo de aplicação das ordens as quais se fundamentam as atitudes discriminatórias. Para então, ao fim da análise, elucidar os principais pontos pertinentes à matéria. 3.1 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE Consagrado na Constituição Federal de 1988, o princípio da igualdade é tido como o símbolo do Estado Democrático de Direito. Sendo expresso no artigo 5º, caput nos seguintes termos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”5. Por se tratar de uma garantia fundamental, o princípio da igualdade compreende uma disposição constitucional que tem por finalidade a prevenção ou a correção de uma violação de direito6, isto é, o referido princípio cuida do tratamento isonômico entre os indivíduos que compõem determinada sociedade, seja prevenindo uma conduta futura ou corrigindo um eventual ocorrido. Assim, é previsão constitucional a garantia de igualdade entre os indivíduos perante a Lei. De modo a garantir a todos os cidadãos a proibição de qualquer diferenciação que não tenha fundamento na Constituição Federal e, ainda, tem o condão de limitar a atuação do Poder Legislativo, quando da sua conduta arbitrária ou discriminatória. Ademais, do princípio da isonomia depreende-se duas classificações: a isonomia no sentido formal, quando a Lei e a sua aplicação não consideram as distinções de grupos, e assim tratam a todos de igual modo, e a isonomia mate5 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. 6 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo.  Teoria Geral dos Direitos Fundamentais.  4. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 66.

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rial7, prevista no artigo 7º, incisos XXX e XXXI, da Constituição Federal8. Desse modo, nos termos do princípio da igualdade material, determina-se tratamento igualitário para aqueles que se encontram em semelhante situação e um tratamento diferenciado para os desiguais na medida de suas desigualdades. Traçadas essas considerações acerca do princípio da igualdade, entende-se que tanto a Constituição Federal, quanto a legislação infraconstitucional possuem o poder de fazer diferenciações e tratar de modo desigual os indivíduos desde que exista fundamentação razoável e justificável, no tocante ao tratamento isonômico para os desiguais. Assim, o tratamento diferenciado previsto constitucionalmente somente é válido quando tem por objetivo resguardar a isonomia entre todos os cidadãos, no que tange a sua igualdade de direitos e deveres. Dessa forma, a análise do princípio igualdade passa, ainda que de maneira implícita, pelo estudo do princípio da não discriminação, ou seja, as condutas discriminatórias são expressamente proibidas nas circunstâncias em que a Lei não as admite. Nesse ponto, o principio da não descriminação trata dos casos em que não há fundamentação em juízos e critérios valorativos, razoáveis e justificáveis pela Constituição Federal. Além disso, uma vez detectado o ato discriminatório não previsto em Lei, claramente se nota expressa violação ao princípio da igualdade. Nesse sentido, o artigo 5º, inciso XLI, da Constituição Federal prevê a aplicação de penas para qualquer ato discriminativo que atente contra os direitos e liberdades fundamentais9. Portanto, existe dispositivo constitucional que garante a aplicação da Lei penal aos casos em que houver discriminação, sendo assim, são consideradas inconstitucionais as discriminações não autorizadas pela Constituição Federal.

7 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 214-215. 8 Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. 9 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

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3.3 CAMPO DE ATUAÇÃO DAS CONDUTAS DISCRIMINATÓRIAS O artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, prevê a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”10. Neste dispositivo, verifica-se que houve a tentativa de definir as possíveis condutas discriminatórias que um indivíduo possa realizar contra outro. No entanto, o referido rol não é taxativo, apenas exemplificativo. Por sua vez, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia traçou em seu artigo 21, de forma mais elucidativa, os atos discriminatórios, declarando ser proibida a discriminação em razão de: “sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual”11. Ainda que o âmbito de aplicação da referida Carta seja apenas às instituições europeias, a descrição prevista no seu artigo 21, por ser mais completa que o rol descrito na Constituição Federal brasileira, deve servir como base para determinar as diferentes condutas que remetam à discriminação. Dessa forma, a discriminação revela-se como uma conduta, comissiva ou omissiva, violadora de direitos, sendo considerada inconstitucional, quando o referido ato não for previsto constitucionalmente, por ferir o princípio da isonomia. Assim, não é possível a coexistência do principio da igualdade e a presença dos atos discriminatórios mencionados na Carta da União Europeia ou outros quaisquer.

10 Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 11 Artigo 21º. Não discriminação: 1. É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2014.

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4 ABUSIVIDADE NA PUBLICIDADE A publicidade abusiva vem conceituada no texto do Código de Defesa do Consumidor, o qual, além disso, expressa aversão a esse tipo de prática em seu artigo 3712. Do dispositivo, juntamente com o que foi explanado no tópico anterior, pode-se desprender que esse tipo de publicidade é aquele em que há o aproveitamento de uma situação de desnível do poder. O que se procura atingir é o consumidor, uma vez que as campanhas publicitárias tem como fim essencial a atração ao consumo. Nesse ínterim, o abuso é exercido sobre o consumidor, onde é aproveitada a situação de vulnerabilidade deste. Ainda, abusiva é aquela publicidade que viola valores, quer sejam eles sociais, que abarcam uma coletividade, ou morais, aqueles que afetam, na maioria das vezes, o âmago de uma coletividade ou de uma pessoa. É de se notar, de tal forma, que ao dispor no art. 37 o que vem a ser publicidade abusiva, o legislador não o fez de forma taxativa, elencando um rol exemplificativo. É abusivo, também, o que não for enganoso, ou seja, de forma residual. Além disso, outras práticas podem ser assim enquadradas. De forma ampla, “o legislador procurou resguardar valores éticos e princípios constitucionais fundamentais”13, tais como a dignidade da pessoa humana e o repúdio a qualquer tipo de preconceito. Esse tipo de abuso, inerente à atividade publicitária, pode ser comparada e, até mesmo, equiparada ao abuso de direito. Isso se dá porque da mesma forma que acontece com o abuso de direito ocorre com a publicidade abusiva, pois esta “aparentemente obedece aos cânones tradicionais da comunicação social, mas, em verdade, é prejudicial aos interesses do consumidor e do meio social em que se insere”14. Em outras palavras, o que mantém a relação entre ambos é que se presencia neles uma falsa legitimação, visto que a justificativa se dá através de uma falsa ideia, 12 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. §2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. 13 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 130. 14 SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: LTR, 1999 p. 353.

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a qual é utilizada para violar o direito do público; nesse caso, dos consumidores e da própria coletividade, extrapolando, inclusive, os limites fixados em Lei. É de pontuar, todavia, que apesar de haver esse ultrapasse de limites, a opressão ou agressão a valores, identificados na publicidade abusiva, não pode produzir efeitos e ficar impune perante os órgãos jurisdicionais. Tratou o legislador de oferecer parâmetros de punição em casos enquadrados nos tipos de publicidades ilícitas mencionados. No que tange ao âmbito penal, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor previu em seu artigo 6715 pena de três meses a um ano e multa a quem promova publicidade abusiva. Não é que o CDC tenha o objetivo primeiro de punir o fornecedor da publicidade; o que é visado é a proteção do polo mais vulnerável, que é o consumidor. Dessa forma, percebe-se que no que diz respeito à publicidade abusiva, tratou o legislador de trazer em dispositivo a conceituação e o tratamento dado a esse tipo de publicidade ilícita, prevendo situações posteriores que podem ser caracterizadas, além de proteger o consumidor elencando sanções cabíveis a quem incidir nesse tipo de prática, de forma não só a impedir, mas também reprimir tal prática. 5 A ABUSIVIDADE DA PUBLICIDADE DISCRIMINATÓRIA Uma vez estabelecido os conceitos de abuso, discriminação e publicidade abusiva, o presente estudo prossegue com a análise da publicidade abusiva de natureza discriminatória. Assim, será explorado desde o modo como é exercido o controle das peças publicitárias que se encaixem nessa categoria, passando pela análise dos diplomas legais que asseguram ao consumidor a inviolabilidade de seus direitos, para ao fim, diferenciar as vedações impostas pelos códigos da modalidade de censura, expressamente proibida no ordenamento jurídico pátrio. 5.1 MECANISMOS DE CONTROLE DAS PEÇAS PUBLICITÁRIAS Nos dias de hoje o exercício de controle da atividade publicitária é realizado mediante a atuação de dois sistemas: de um lado o sistema exclusivamente estatal e de outro o exclusivamente privado. 15 Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva. Pena: Detenção de três meses a um ano e multa.

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Portanto, quando da violação de um direito de um consumidor, temos a atuação do sistema estatal, no momento em que o indivíduo se dirige ao Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor (PROCON), órgão que tem por função a execução da política estatal de proteção e defesa do consumidor. É tarefa do PROCON desde a orientação à aplicação de sanções, nos casos de expressa violação aos direitos do consumidor. Sendo assim, classifica-se a atuação do PROCON como modalidade estatal de controle da atividade publicitária. Desse modo, cabe ao Estado intervir mediante o estabelecimento de normas coercitivas para disciplinar a atividade publicitária e a aplicação de sanções advindas do descumprimento destas normas16. Ao lado da atuação estatal no controle da atividade publicitária, temos o sistema de controle exclusivamente privado. Neste, nota-se a presença de uma autorregulação estabelecida através dos próprios publicitários, isto é, nesse sistema o mercado publicitário é o responsável pelo direcionamento da atividade dos seus profissionais17. Neste âmbito, destaca-se a atuação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). A atuação do CONAR ocorre mediante a observância dos dispositivos presentes no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), sendo assim, é de sua responsabilidade que haja o cumprimento dos dispositivos presentes no referido Código. Para tanto, o CONAR ao receber uma denúncia relativa a uma determinada atividade publicitária deve, em caso de sua procedência, recomendar a correção ou suspenção da peça publicitária em questão. Feitas as considerações acerca do sistema estatal e privado de controle publicitário, percebe-se que a atuação em conjunto desses dois sistemas de controle, implica na presença de um sistema considerado misto. Sendo esse sistema misto adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. 5.2 REGULAMENTRAÇÃO DISCRIMINATÓRIA

DA

PUBLICIDADE

ABUSIVA

O Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei Federal nº 8.078/90, tem o condão de resguardar a proteção dos consumidores. Aqui, a pu16 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 153. 17 Ibid., p. 153.

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blicidade abusiva discriminatória vem elencada no artigo 37, §2º, sendo vedada de forma genérica, nos seguintes termos: “É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza”18. No mesmo sentido do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, encontra-se o artigo 20 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária: “Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade”19. Desse modo, fica evidente que para uma publicidade se configurar como sendo abusiva discriminatória, não é preciso que as peças em si sejam discriminatórias, isto é, não é preciso que de fato ocorra a concretização de uma ofensa. Se for notada a presença de um favorecimento ou a estimulação de condutas dessa natureza, já basta para classificar um abuso publicitário. Assim, ainda que se determine a suspensão de campanhas publicitárias devido ao seu teor discriminatório, não cabe nessa discussão o argumento de que existe censura no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que restringir a propagação de campanhas de cunho discriminatório, que tenham por finalidade denegrir a imagem de determinados indivíduos não significa vedação ao princípio da liberdade de expressão, garantido no artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal. Discriminar é conduta odiosa, seu ato implica na violação de garantias fundamentais para a existência pacífica de indivíduos em uma sociedade. Permitir a discriminação é permitir a desordem, permitir a superioridade de uns sobre os outros. Neste contexto, não cabe no âmbito das relações de consumo a discussão acerca dos valores fundamentais que compõe uma sociedade, isso é atividade para outros campos, tais como os das artes, da academia científica e da política20. Resta claro, portanto, o papel violador que atividade publicitária de natureza discriminatória exerce sobre os direitos fundamentais. Vale ressaltar que a mensagem partilhada pela mídia tem papel fundamental na introdução de novos valores sociais, influenciado o comportamento das pessoas. Assim sendo, é inegável que a 18 Art. 37, §2°. É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. 19 Art. 20. Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade. 20 NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 514.

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promoção de desigualdades infundamentadas, injustas e ilógicas que qualificam a publicidade como discriminatória deve ser expressamente proibida. 6 ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS ENVOLVENDO PUBLICIDADE ABUSIVA DISCRIMINATÓRIA

A

Com a produção das peças publicitárias os profissionais habilitados procuram atingir o público alvo e concretizar o objetivo da campanha: a venda. Todavia, é necessário que se atente para a forma com que essa veiculação está sendo feita. A observação se torna mais necessária com o advento das mídias sociais, sobretudo no século XXI. Hoje em dia a informação rompe barreiras e alcança pontos jamais imaginados; com isso, perde-se de vista o alcance que as peças publicitárias podem abarcar, isso porque “as mídias sociais têm um enorme poder formador de opinião e podem ajudar a construir ou destruir uma marca, um produto ou uma campanha publicitária”21. Como analisado nos tópicos anteriores, as publicidades abusivas e discriminatórias são gravosas, o que enseja um olhar mais apurado sobre a temática, a fim de identificar tais práticas. Com base nisso e como forma de fazer um exame, enquadrando as espécies citadas, traz-se dois casos identificados como abusivo-discriminatórios, conforme análise a seguir. 6.1 CASO BENETTON: A IMPORTAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL Famosa no ramo de vestuário, a Benetton não se destaca apenas pelo produto que comercializa. A empresa é, corriqueiramente, alvo de críticas quando se fala de peças publicitárias. Buscando informação, crítica e divulgação, as campanhas da Benetton, vez por outra, trazem mensagens que podem ser espantosas a primeira vista. Nesse viés, uma peça publicitária que chama a atenção é a da campanha veiculada no ano de 1991, com a intenção de “denunciar” a discriminação racista, na qual utiliza material visual do fotógrafo italiano Oliviero Toscani. Na peça, são colocadas duas crianças: uma branca e outra negra. A primeira tem traços exclusivamente caucasianos: branca, loira, cabelos lisos e olhos azuis; a segunda expressa claramente a origem africana: negra, morena, cabelos crespos e olhos marrons. Des21 TORRES, Claudio. A bíblia do marketing digital: tudo o que você queria saber sobre marketing e publicidade na internet e não tinha a quem perguntar. São Paulo: Novatec, 2009, p. 111.

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sa forma, aparentemente, não há nada de errado, afinal, os povos espalhados pelo mundo têm características únicas. No entanto, a polêmica gira em torno de como essa campanha foi organizada. As crianças são colocadas lado a lado, abraçadas. A criança branca aparece sorrindo, com seus cabelos em forma de cachos, figurando a perfeita representação de um anjo. Enquanto isso, a criança negra aparece séria, com uma expressão deveras pesada e com um penteado que simula dois chifres. Portanto, olhando a peça publicitária de uma forma geral, o que se observa é uma criança representando um anjo, a branca, e outra representando uma figura diabólica, a negra. O questionamento que surge em torno do tema, dessa forma, está ligado à dúvida: há uma denúncia ou uma importação da discriminação? Analisando os elementos que ela se utilizou é possível perceber que há na peça publicitária uma clara figuração da discriminação. A forma como as crianças estão dispostas, as características e a representação evidenciam uma distinção racial. Assim, de acordo com o que foi disposto alhures, quer seja sobre abuso e discriminação, a publicidade se enquadra no quadro abusivo-discriminatório. O abuso vem aliado a discriminação por toda a trajetória histórica da relação entre o povo branco e o povo negro. É do entendimento de todos a dominação que aquela cor exerceu sobre essa. O poder da raça dominante escravizava, humilhava, colocava a condição de objeto. Engana-se quem pensa que hoje em dia o assunto já foi ultrapassado, em pleno século XXI os resquícios da imposição da cor ainda podem ser identificados. Com base nisso, é através de práticas como essa campanha publicitária que percebemos o preconceito mascarado, utilizando de mensagens ocultas e atitudes que buscam amenizar o eminente preconceito. Isso se dá pelas reprovações morais e penais que existem hoje, diferente de antigamente, quando o racismo era considerado prática comum. Porém, hoje, além de ser reprovado, há previsão legal para atitudes preconceituosas, sobretudo no tocante a raça, como dispõe o art. 140 do Código Penal22. A Benetton, de toda forma, expondo o tema da maneira que fez, foi infeliz, difundindo uma ideia de inferioridade da cor negra sobre a cor branca e revivendo preconceitos ditos adormecidos. Os danos trazidos podem variar desde 22 Art. 140, § 3o. Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Pena: reclusão de um a três anos e multa.

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a difusão de ideais racistas até mesmo incitação à prática preconceituosa, devendo ser constantemente reprimida. 6.2 CASO DEVASSA: SEXUALIZAÇÃO DA MULHER A mulher vem ganhando espaço na sociedade após diversas lutas, sobretudo as do movimento feminista. Lutando por igualde e respeito, o público feminino se libertou da imagem masculina. Cabe a mulher, hoje, determinar seu (ua) parceiro(a), quantos filhos quer ter (ou se não quer ter), em que trabalhar, enfim, finalmente ela pode ser livre em suas escolhas. Além disso, expande-se uma consciência de respeito e igualdade nos homens, os quais se mostram mais dispostos, em maioria, a abandonar os ideais machistas do passado. Apesar de todas as conquistas, a luta feminista é pisoteada pela maioria da mídia brasileira quando se trata de campanhas publicitárias de cerveja. Todo a trajetória parece ser esquecida quando os publicitários utilizam dos meios mais rudimentares para atrair determinado público. Em 2012, o Brasil era o 17º maior consumidor de cerveja no mundo, com um consumo anual de 62 litros por habitante23. Segundo a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) do Gabinete da Segurança Institucional da Presidência da República, em levantamento feito com 2007 pessoas, as mulheres consomem menos bebidas alcoólicas que os homens. Enquanto 68% das mulheres responderam ter ingerido até duas doses de alguma bebida, 38% dos homens entrevistados responderam ter bebido mais de cinco doses, e 11% respondeu que havia consumido mais de doze doses na última ocasião24. Dessa forma, os profissionais produtores das peças publicitárias buscam a todo custo atrai-los, utilizando de formas arcaicas, qual seja, a sexualização do corpo feminino. Isso pode ser percebido peças publicitárias do gênero: roupas curtas, insinuações, poses sensuais, mulheres exuberantes. Esses são alguns dos diversos métodos de atração.

23 PIMENTEL, Fabiana Pimentel. Brasileiro está entre os que mais bebem cerveja no mundo. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2014. 24 LARANJEIRA, Ronaldo (Org.). I Levantamento Nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2014.

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A cerveja Devassa foi além. Em sua campanha publicitária da Devassa negra, a empresa fez um misto de discriminação racial e sexual. Em tal peça a marca veiculou uma silhueta, em desenho, de uma mulher negra, em pose sensual, com o seguinte escrito: “é pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra”. A analogia feita pela peça se referia a uma cerveja que estava sendo lançada, a qual diferia da comum. Para tal fim, resolveu o idealizador compará-la a uma mulher negra, que geralmente tem biótipo diferente das mulheres de outra descendência. A discriminação vem aliada ao abuso quando os métodos à busca da venda não são medidos. Restringir o reconhecimento de uma mulher à forma do seu corpo é, no mínimo, degradante. As conquistas, o desempenho, o que desenvolveu ao longo da vida, nada a representa? O seu corpo se sobressai sobre qualquer outra característica? Percebe-se de imediato uma distinção não só racial, mas também uma distinção de sexista. É deixado claro o posicionamento corriqueiro das campanhas publicitárias desse tipo de produto. Com base nisso, essa diminuição da imagem da mulher só demonstra uma imposição de ideais arcaicas, na qual a mulher não tinha voz, representação e era reduzida ao objeto de uso de seus companheiros. Com o atual estágio da sociedade, é inadmissível que situações como essas sejam presenciadas. Para tanto, se faz importante o Poder Judiciário, as Fundações de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCONs), e o mencionado órgão de fiscalização, quer seja, o CONAR, que atuará inibindo as práticas abusivas, oferecendo orientações, a fim de que os efeitos negativos sejam sanados ou minimizados. 7 CONCLUSÃO A modalidade da publicidade abusiva de natureza discriminatória representa, na atualidade, uma ofensa aos valores socialmente estabelecidos. Sua prática é expressamente proibida no ordenamento jurídico pátrio, precisamente no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 37. No entanto, ainda pode ser percebida constantemente nos mais diversos veículos midiáticos. Ademais, nota-se que a presença dos sistemas de controle, ainda que existam nas dimensões privada e estatal, carecem de regulamentação mais incisiva, pois, não raro, verifica-se a impunidade das campanhas publicitárias ilícitas. Além disso, necessário se faz levar a informação ao público, que nem sequer conhece sobre os direitos em relação às discriminações sofridas ou presenciadas na seara publicitária.

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Dessa forma, deve haver não só uma repressão social, mas também uma repressão por parte do Poder Judiciário, a fim de que o ódio e a distinção não sejam proliferados no mercado de consumo. Para tanto, a fiscalização e a denúncia se fazem meios essenciais na luta contra o abuso e a discriminação, cabendo a todos preservar pela integridade dos seus direitos, do direito do próximo e, consequentemente, da sociedade como um todo.

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REFERÊNCIAS ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. ______. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária de 05 de maio de 1980. Disponível em Acesso em: 24 set. 2014. ______. Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 4. ed. Curitiba: Positivo, 2009. LARANJEIRA, Ronaldo (Org.). I Levantamento Nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas, 2007. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2014. NUNES, Luis Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. PIMENTEL, Fabiana Pimentel. Brasileiro está entre os que mais bebem cerveja no mundo. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2014. PONTES FILHO, Valmir. O poder Judiciário e a revisão de provas de concursos públicos. Fórum Administrativo – Direito Público –FA. Ano 3, n. 32, Belo Horizonte: Fórum, p. 2903-2907, out. 2003. SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1999. 88

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. TORRES, Claudio. A bíblia do marketing digital: tudo o que você queria saber sobre marketing e publicidade na internet e não tinha a quem perguntar. São Paulo: Novatec, 2009. UNIÃO EUROPEIA. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Disponível em Acesso em: 26 set. 2014. WARAT, Luiz Alberto. Abuso del derecho y lagunas de la Ley. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1969.

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Publicidade abusiva que incita à violência Rafael Lucas Santos Oliveira Gomes Sara Bernardo de Oliveira 1 INTRODUÇÃO Vivencia-se uma realidade atual na qual há uma busca incessante pelo lucro. A procura por mecanismos que venham a facilitar o alcance desse objetivo é algo inerente ao desenvolvimento da sociedade capitalista, a qual, com o advento da globalização, foi apresentada a técnicas que permitem a expansão do mercado consumidor, que passou de local para mundial, assim como proporcionam a diminuição de gastos. Uma dessas técnicas denomina-se publicidade. A publicidade tornou-se indispensável para o sucesso dos produtos e serviços disponibilizados no mercado. Além de ser uma forma de apresentar o objeto de forma a evidenciar seus pontos positivos, torna-se possível que as sociedades mais longínquas tomem conhecimento, no mínimo, da existência do objeto anunciado. A publicidade passou a romper as fronteiras naturais que um empecilho para o desenvolvimento do mercado de consumo. As técnicas publicitárias tendem a se desenvolver, tornando-se cada vez mais elaboradas. Seja apelando para recursos tecnológicos ou mesmo para a comicidade, a criatividade tem sido algo peculiar às campanhas publicitárias atuais. Porém, essa criatividade muitas vezes ultrapassa certos limites. É indubitável que a sociedade global é plural. De acordo com a cultura de cada país, e consequentemente, com o ordenamento jurídico de cada nação, é perceptível que cada povo responde de maneira diferente a determinadas questões. A violência, por exemplo, pode ser vista de diversas formas por cada país. Enquanto uns são mais toleráveis a práticas violentas, como é o caso de nações que admitem a pena de morte como sanção (já que a morte acaba sendo uma forma de violência), outros repudiam tal 91

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prática, como é o caso do Brasil. Dessa forma, muitos publicitários se utilizam da violência, seja de forma clara ou subentendida para conquistar o público, de acordo justamente com esse grau de aceitação. Entretanto, essas espécies publicitárias, as quais se denominam abusivas que incitam à violência, são amplamente combatidas no Brasil, sobretudo pelo potencial lesivo que apresentam para aqueles que por ela são atingidos. Portanto, nessa ótica, este trabalho tem como finalidade o esclarecimento do que vem a ser a modalidade de publicidade abusiva que incita a violência, para o melhor entendimento desse tipo de prática que produz consequências danosas. Primeiramente, buscar-se-á delimitar o campo de atos, ideias e expressões que podem ser consideradas violentas. Nesse sentido, trabalhados alguns conceitos, procurando-se reforçar a ideia de que a violência não se limita apenas a aqueles atos oriundos da força bruta, que ocasionam lesões corporais nos indivíduos Posteriormente, será estudado o conceito da publicidade abusiva que incita à violência, procurando-se versar sobre aspectos da psicologia que podem vir a influenciar a conduta do consumidor. A partir disso, desenvolveu-se uma definição desse tipo de publicidade abusiva, destacando-se exemplos que demonstram como uma publicidade pode veicular elementos que estimulam atitudes violentas nos consumidores que a ela são expostos. De forma a exemplificar o repúdio do ordenamento jurídico pelas peças publicitárias que incitam à violência, serão apresentados alguns julgados e seus respectivos fundamentos, que se mostram importantes para entender o bem jurídico atingido por essas técnicas ilícitas, que além da própria Constituição Federal está protegido pelo Código de Defesa do Consumidor. 2 O CONCEITO DE VIOLÊNCIA ADOTADO PARA FINS DE CONFIGURAÇÃO DA PUBLICIDADE ABUSIVA Para se tratar especificamente da modalidade de publicidade abusiva que incita a violência. É imprescindível conhecer o conceito de violência que pode ser adotado para a caracterização desse tipo de publicidade abusiva. O conceito de violência pode ser concebido de diversos modos e tipos. No presente trabalho, escolheu-se alguns conceitos que trabalham de uma forma mais geral e didática a violência, para que esses possam ser utilizados na definição dessa publicidade abusiva. O primeiro conceito é proveniente de um estudo feito em 2002, pela OMS (Organização Mundial da Saúde), no qual foi estabelecida uma definição 92

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para a violência, que corresponde à utilização da força física ou do poder, real ou em ameaça contra o próprio indivíduo assim como contra outro indivíduo, ou comunidade, e que possa resultar ou possibilitar o resultado de lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação de liberdade1. Observando tal definição, conclui-se que a violência pode ser utilizada não só contra um indivíduo ou contra um grupo de indivíduos, mas também contra si mesmo, vindo a apresentar um caráter intencional, ou seja, o indivíduo é levado a agir de modo violento diante da sua manifestação de vontade. Tem-se ainda que não é necessária a efetivação da consequência da violência, mas basta que haja um risco de resultar nos aspectos citados, ou seja, em face da possibilidade de se ter esses resultados, já se caracteriza a violência. Ademais, os atos imersos nessa ótica, que podem ocasionar ou somente haver o risco de acarretar deficiência de desenvolvimento e a privação de liberdade, também configuram-se como violentos. Além disso, apreende-se uma informação importante desse conceito, já que existe geralmente, uma associação de senso comum relativa à violência, apenas em seu aspecto físico, como a lesão corporal. Cotidianamente, as pessoas utilizam a palavra violência para se referirem a força física que se impactou em alguém. Entretanto, não se deve restringir a violência a essa característica, e é nessa perspectiva que se observa que a definição em questão traz o elemento do dano psicológico, que é algo algumas vezes deixado em segundo plano quando se pensa no que vem a ser a violência. Nesse prisma, o segundo conceito é relativo a uma pesquisa feita pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no qual se analisa três perspectivas da violência2. A primeira diz respeito a violência que se expõe fisicamente, como a violência sexual, a lesão corporal, vandalismo e o roubo. A segunda está relacionada com a violência de caráter psicológico no âmbito das incivilidades, tais como as humilhações, as palavras ditas de modo grosseiro e a falta de respeito. Já a terceira concerne à violência institucional, que é obtida nas relações de poder. Com essas três perspectivas que foram expostas, reforça-se que a violência se mostra em um universo mais amplo em relação ao que é comumente associada. Ela se mostra nos crimes, nos roubos, na violência sexual, possuindo ainda um as1 Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra, 2002. 2 Charlot apud Miriam Abramovay, Maria das Graças Rua. Violência nas Escolas. Brasília: Unesco, Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME, 2002.

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pecto institucional representado pela violência inserida nas relações de poder, vindo a atingir também a esfera do psicológico, v.g., pelas humilhações que as pessoas podem sofrer e a falta de respeito. Avalia-se, desse ponto de vista, que a discriminação também poderia se encaixar na violência psicológica, já que se utiliza desses dois elementos mencionados para segregar os indivíduos. Verifica-se então que a violência transcende a lesão corporal e se insere em todos os meios que podem vir a causar danos aos indivíduos. Tem-se que o terceiro conceito foi abordado no Relatório de Desenvolvimento Humano elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)3, no qual é compreendida a importância atribuída ao modo como diversos indivíduos percebem de forma diferente a violência. Segundo ele, uma atitude deve ser considerada violenta de acordo com a consciência cultural e histórica³. Nesse passo, obtém-se o entendimento de que a perspectiva do que vem a se caracterizar como violência muda de acordo com o tempo, de maneira que algo que antigamente era considerado violento, atualmente tem-se uma compreensão de que não é, assim como o que no passado não fazia referência à violência na percepção das pessoas, nos dias de hoje pode ser considerado uma conduta violenta. Ademais, o valor cultural de cada indivíduo também repercute no modo como ele averigua tal ato como violento. Ainda nessa ótica do que vem a ser a violência, pode se aferir no estudo feito no Relatório de Desenvolvimento Humano, a questão de um tipo de violência que é escondida nos lares, que é a violência doméstica. Segundo esse relatório, temse que a violência doméstica é atribuída ao meio familiar, destacando-se a violência contra a mulher, idosos, crianças e adolescentes, assim como entes familiares que portam alguma deficiência. Nesse contexto, analisa-se quatro tipos de violência doméstica, a física, psicológica, sexual, e atitude de negligência ou omissão de responsabilidade4. As características da violência física já foram tratadas anteriormente, assim como a violência que ocasiona danos psicológicos, reforçando-se que a primeira está relacionada aos atos praticados valendo-se da força bruta, vindo a ocasionar 3 PNUD. Valores e Desenvolvimento Humano 2009 – 2010 / Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Brasília, 2010. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2014. 4 Ver Day, Vivian Peres et al. Violência doméstica e suas diferentes manifestações. In: Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul [online]. 2003, v. 25, suppl.1, p. 9-21. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2014.

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lesões corporais internas ou externas, enquanto a segunda é relativa a atos que interferem no psicológico, que pode vir a afetar a autoestima e o desenvolvimento, por exemplo, com humilhações. Quanto a violência sexual, averigua-se que consiste nos atos no qual um indivíduo obriga outro indivíduo a realizar práticas sexuais contra a sua vontade. A violência sexual é praticada utilizando-se a força física, ou até mesmo chantagens emocionais, ameaças de morte e entorpecentes. No âmbito da negligência ou omissão de responsabilidade, tem-se que ela se dá na ausência de cuidado que os familiares deveriam ter com as pessoas que necessitam de atenção, seja por que possuem alguma deficiência física, ou devido à idade. Diante de tudo que foi apresentado referente à definição da violência, pode-se entender, sinteticamente, que ela pode ser caracterizada pelas ocorrências de atos contra si mesmo, contra outro indivíduo ou grupo de indivíduos, indo além da força física e bruta, uma vez que pode se mostrar também nos danos psicológicos que uma pessoa pode vir a sofrer, como as humilhações. Além disso, a noção da violência depende da maneira como cada indivíduo a observa dentro de sua perspectiva de mundo, e de acordo com os aspectos culturais de determinada sociedade, assim como pode variar no decorrer do tempo. Verifica-se, por fim, a presença da violência doméstica nos ambientes familiares. Essas noções de violência destacadas são fundamentais para compreender a publicidade abusiva que incita a violência, já que não se deve apenas analisar as publicidades que influenciam a causar danos à integridade física do indivíduo, mas sim os elementos mencionados, salientando-se tanto a concretização das consequências dos atos violentos, como a possibilidade de se ter como resultado essas consequências. 3 ABUSIVIDADE DA PUBLICIDADE QUE INCITA À VIOLÊNCIA Antes de se enfatizar o que seria uma publicidade que incita a violência, torna-se necessário explicitar psicologicamente o porquê de certos tipos de publicidade serem condenados por instituições como o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e normas estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Durante muito tempo, a publicidade utilizou-se apenas de combinações de palavras para o processo de convencimento do possível consumidor. Porém, essa técnica tornou-se insuficiente para isso e, assim, a publicidade passou a utilizar conceitos da psicologia para aumentar a eficácia desse processo. A psicologia é utilizada 95

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com o intuito de buscar formas de influenciar o comportamento do consumo, seja através de diferentes características da música (v.g., estilo, volume, ritmo), odores e cores5, assim como analisar as variáveis dos consumidores, v.g., crenças, preferências e motivações. Logo, ao se utilizar de características pessoais do próprio consumidor, os publicitários devem ter um maior cuidado ao decidirem veiculá-la, uma vez que, utilizando-se de características culturais, econômicas, entre outras, do próprio consumidor, este, sendo o lado mais vulnerável na relação6, pode acabar não tendo opção de escolher, perdendo o seu livre-arbítrio. O indivíduo perde o poder de escolha e se sente obrigado, constrangido a adquirir aquilo que é oferecido para não contrariar sua própria crença, ou por medo, por exemplo. A partir dessa ideia, a de constrangimento do indivíduo ao utilizar-se de técnicas que violam princípios previstos no Código de Defesa do Consumidor, como o princípio da boa-fé objetiva (art 4o, inciso III, do CDC), surge a ideia de publicidade abusiva. O princípio da boa-fé objetiva é violado uma vez que tudo aquilo que é veiculado em uma publicidade é considerado cláusula de contrato, tal como acentua o art. 30, do CDC. Sendo a boa-fé um princípio proveniente dos Contratos em geral, no que concerne ao art. 422, do Código Civil, ele deve ser utilizado durante a nascença da publicidade, o que não ocorre em sua vertente abusiva. Definindo esse tipo de publicidade, é aquela que é antiética, que fere a vulnerabilidade do consumidor, que fere valores sociais básicos, que fere a própria sociedade como um todo7. Uma das espécies da publicidade abusiva é a que incita à violência. Essa espécie de publicidade caracteriza-se pelo seu conteúdo geralmente forte, envolvendo lutas físicas, guerra etc. Fomenta-se no consumidor um comportamento agressivo ou mesmo a violência exposta acaba sendo uma forma de colocar o indivíduo em uma situação em que ele se sente obrigado a adquirir o produto (havendo, portanto, uma linha tênue entre a publicidade abusiva que incita a violência e a publicidade abusiva que explora o medo e a superstição). Se a publicidade pode induzir alguém a algo além de consumir, isto já pode ser considerado nocivo per si8. Não se enquadram na publicidade abusiva que incita à violência apenas casos 5 GUÉGUEN, Nicolas. Psicologia do Consumidor. São Paulo: Senac, 2010, p. 100. 6 NUNES, Luis Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 178. 7 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor:  O novo regime das relações contratuais, p. 482. 8 FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade Abusiva: incitação à violência. São Paulo: Juarez de Oliveira,1999, p. 72.

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de violência física concretizada (que causa dano à integridade física de uma pessoa), como é o caso de cenas de espancamento, brigas, entre outros, mas também situações que podem gerar casos de violência, sendo incerta a ocorrência do dano, mas o indivíduo que pratica a conduta sabe e assume o risco ao praticar a ação. Exemplifica-se com anúncios publicitários nos quais se mostram cenas de “racha” (forma de corrida ilícita). A publicidade abusiva que incita à violência também pode ser exemplificada, hipoteticamente, por um anúncio referente a armas de fogo, o qual apresentaria notícias verídicas sobre crimes não reprimidos pelo aparato estatal e haveria a promoção da ideia de Justiça pelas próprias mãos9. Esse é um caso no qual não há apenas a sua classificação como publicidade abusiva do tipo que incita à violência, mas também há o enquadramento naquilo que é previsto no art. 345 do Código Penal além da pena correspondente à violência para aquele que fizer Justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a Lei o permite. Deve-se enfatizar que tudo aquilo que é veiculado através da publicidade apresenta um caráter persuasivo e, às vezes, essa persuasão está intrinsecamente ligada à veracidade daquilo que se busca transmitir. A publicidade, ao buscar o convencimento do público, acaba por exercer um papel informativo. Utilizando-se de uma classificação oriunda da língua portuguesa, pode-se dizer que a publicidade apresenta sim, um caráter predominantemente apelativo ou conativo, mas acaba por vincular-se a função referencial ou denotativa, ao utilizar-se de dados concretos, fatos e circunstâncias para justamente, promover o convencimento mais eficaz. Dessa forma, a publicidade acaba contribuindo para a formação da opinião daqueles que por ela são atingidos. O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) dedica à publicidade de armas de fogo uma disciplina detalhada (Anexo S), que pode servir de subsídio à aplicação do CDC10. São vários os requisitos necessários para que se possa veicular uma publicidade de arma de fogo. Um deles diz respeito à vedação ao clima emocional na produção do anúncio (item 02), previsto, o que foi verificado no caso hipotético relatado. A publicidade deve ser sucinta, restringindo-se a apresentação do produto, suas características, preço, além de informar o consumidor da obrigatoriedade de registro pela autoridade competente, nunca a 9 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 359. 10 Ibid., p. 455.

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mencionando como mera formalidade11. A publicidade deve evidenciar o quão necessário é que o seu portador seja alguém com treinamento específico, emocionalmente equilibrado (artigo 4º, inciso III da Lei no 10.826/0312) e que guarde a arma de fogo de forma cautelosa, evitando que outras pessoas, as quais não atendam os requisitos especificados, tenham acesso a essa. Além disso, anúncios publicitários desse tipo não podem ser dirigidos ao público infanto-juvenil, bem como é proibido a veiculação desses antes das 23 horas, (itens 04 e 05). Essa proibição decorre do fato de que as crianças não apresentam capacidade de analisar criticamente os apelos publicitários. Assim, esse público acaba por absorver facilmente os “desvalores” veiculados, acreditando que o objeto daquela publicidade é indispensável, seja para seu crescimento, felicidade ou reconhecimento como indivíduo seja para ele próprio ou perante os outros13. Torna-se necessário evidenciar que um anúncio pode vir a incitar à violência e o produto ou serviço objeto da publicidade não ter relação direta com a violência. Dois casos julgados pelo CONAR exemplificam essa ideia. Em maio de 2010 houve o julgamento da Candide Indústria e Comércio14, empresa vinculada a brinquedos infantis, que se utilizou de expressões como: “você vai precisar de nervos de aço e sangue frio para ganhar esta batalha” e “detone seus adversários” em suas campanhas publicitárias. Essas expressões caracterizariam cenário de conotação violenta. Embora muitos acreditem ser algo muito radical (o que acaba sendo até compreensível, já que se vivencia uma realidade na qual há uma banalização das denúncias feitas ao CONAR, ou seja, tudo é acusado de violar os direitos do consumidor), torna-se importante ressaltar a condição de hipervulnerabilidade da criança. No mesmo período, houve o julgamento de uma campanha publicitária da marca Triton15, a qual fazia apologia à violência contra a mulher (a imagem 11 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 455. 12 Art. 4º. Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: [...] III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei. 13 HENRIQUES, Isabella Henriques. Criança: Alvo fácil da publicidade, p.10-12. 14 Representação n°002/10. Autor: Conar, por iniciativa própria. Anunciante: Candide Indústria e Comércio. Relator: conselheira Fabíola Menezes Ferreiro de Paula. Decisão: Alteração. Fundamentos: Artigo 1°, 3°, 6°, 23, 26, 37 e 50, letra “b” do Código. 15 Representação n°236/09. Autor: Conar, a partir de queixa de consumidor. Anunciante: Triton. Relator: conselheira Cláudia Wagner. Decisão: Alteração. Fundamentos: Artigo 1°, 2°, 6°, 14, 17, 19, 20, 21, 22, 26 e 50, letra “b” do Código.

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mostrava um homem segurando um machado enquanto uma mulher parece acariciá-lo, além de outra imagem em que um rapaz demonstrava sua força bruta sobre a mulher enquanto expressa seu domínio sexual). 4 ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS ENVOLVENDO PUBLICIDADE ABUSIVA QUE INCITA À VIOLÊNCIA

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Para um melhor entendimento da temática que está sendo abordada, fazse mister apresentar alguns exemplos de casos concretos que envolveram a discussão da publicidade abusiva que incita à violência. Tais casos possuíram desdobramentos em decisões, no qual um deles foi a julgamento por meio de denúncias do próprio cidadão que, como consumidor, sentiu-se lesado diante dos anúncios abusivos. Não foram encontradas decisões que tratem do tema especificamente no Superior Tribunal de Justiça, mas em contra partida, existe uma Ação Civil Pública que foi ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo. A dificuldade em se encontrar casos de publicidade que incita à violência decorre justamente da maior perceptibilidade que os anúncios que apresentam esse cunho possuem. Dessa forma, acabam sendo mais repudiadas pela sociedade e, consequentemente, mais fáceis de comprovar a abusividade neles presente. Assim, os publicitários são mais cautelosos nesse aspecto. No entanto, essa dificuldade em localizar decisões a respeito do assunto abordado não significa de imediato que não há sanções para os casos de publicidade abusiva que incita à violência. 4.1 CASO FIAT PALIO: “IMPOSSÍVEL FICAR INDIFERENTE” – NOVEMBRO/2003 Entre os dias 12 e 14 de novembro de 2003 foi levada ao ar a campanha “Novo Palio – Impossível ficar indiferente”, veiculada pela televisão sob a responsabilidade da anunciante FIAT e a criação da agência LEO BURNETT. Porém, foi proposta uma Ação Civil Pública qual seria processada em rito ordinário16, sendo

16 BRASIL. Ministério da Justiça. Processo Administrativo nº 10. Representado: FIAT Automóveis S/A. Representante: Fátima Guedes. Relator: Diretora Substituta do DPDC Juliana Pereira da Silva. São Paulo, SP, 09 de junho de 2008. Diário Oficial da União: Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Brasília.

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fundamentada no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal17; nos artigos 81, parágrafo único, inciso I18, e 82, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/90), e nos artigos 1º, inciso II19 e 5º, caput, da Lei Federal nº 7.347/1985. A Ação teria por objetivo a tutela jurisdicional dos interesses e direitos difusos dos consumidores, ou seja, todos aqueles que foram expostos à publicidade abusiva anunciada pela FIAT. A publicidade mostra a figura de um egresso saindo da prisão, deparandose com o veículo Palio e observando o mesmo. Ato contínuo, a imagem escurece, sobrevindo a frase: “Novo Fiat Palio”. Nesta oportunidade pode-se ouvir o som correspondente a vidro sendo quebrado e ao alarme do veículo. Na sequência, aparecem os dizeres: “Impossível ficar indiferente”20. Essa publicidade apresenta um cunho discriminatório ao transmitir a ideia de que o egresso irá reincidir no crime, denegrindo a imagem do egresso de forma geral, além de incitar à violência, uma vez que, se é “impossível ficar indiferente ao novo Palio”, qualquer pessoa, seja qual for sua índole, ficará tentada à prática criminosa quando vir um veículo Palio nas ruas, o que é inaceitável. Dessa forma, o CONAR recomendou a sustação definitiva da veiculação do anúncio, o qual foi considerado abusivo21. Proteger os consumidores os quais foram atingidos por essa publicidade caracteriza a tutela de interesses ou direitos difusos. O fato de atingir uma quantidade de pessoas que não pode ser calculada justifica o fato de que basta uma única ofensa para que todos os consumidores sejam atingidos e também no sentido de que a satisfação de um deles, pela cessação da publicidade ilegal, beneficia contem-

17 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. 18 Art. 81. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. 19 Art. 1o. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: [...] II – ao consumidor. 20 BRASIL. Ministério da Justiça. Processo Administrativo nº 10. Representado: FIAT Automóveis S/A. Representante: Fátima Guedes. Relator: Diretora Substituta do DPDC Juliana Pereira da Silva. São Paulo, SP, 09 de junho de 2008. Diário Oficial da União: Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Brasília. 21 Ibid.

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poraneamente a todos eles22. Dessa forma, aqueles que se viram diante de anúncio em questão apresentam, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, direito à “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (artigo 6º, inciso VI). 4.2 CASO JEEP CHEROKEE E COMPASS: “A CIDADE É UMA SELVA. SEJA UM PREDADOR” – AGOSTO/2013 O segundo caso é referente a uma publicidade veiculada nas mídias, como revistas e jornais, no Brasil, no ano de 2012. Essa publicidade era da empresa Jeep Cherokee e Compass, que utilizou como divulgação o enunciado “A cidade é uma selva. Seja um predador”. Tal publicidade foi denunciada por um consumidor de São Paulo que considerou que esse título poderia estimular uma atitude agressiva dos motoristas no trânsito. Essa denúncia resultou em processo contra uma das anunciantes da Jeep, a Divena, que foi julgado pelo CONAR, em agosto de 2013. O processo, em primeira instância, implicou em um arquivamento por parte do Conselho de Ética, diante do voto do Relator, que apresentou um posicionamento de que os motoristas não irão infligir as regras no trânsito devido a publicidade em questão. Chrysler, agência responsável pela publicidade, alegou em sua defesa, em nome próprio e dos anunciantes que a atitude do motorista no trânsito não está relacionada com as características do automóvel que são abordadas na publicidade23. Entretanto, posteriormente, o CONAR recorreu e, por meio do recurso extraordinário a Câmara Especial de Recursos, obtendo uma proposta de alteração do anúncio, uma vez que foi argumentado que esse enunciado fere o princípio do cuidado com a segurança e a necessária prudência no trânsito24, que está presente na precaução que deve haver na comunicação comercial. O anunciante e a agência de publicidade recorreram no Plenário do Conselho de Ética, mas, ao final permaneceu a proposta de alteração do anúncio, sobre o argumento de que a expressão “seja um predador” influencia uma atitude de caráter agressivo no consumidor. 22 WATANABE, Kazuo; GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JÚNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9. ed. São Paulo: Forense Universitária, p. 625. 23 Representação n°279/12. Autor: Conar, mediante queixa de consumidor. Anunciantes e agência: Divena e Leo Burnett. Relator: Conselheiros Rafael Davini, Fabrício Amorim e Arthur Amorim. Decisão: Alteração. Fundamentos: Artigo 1°, 3°, 6°, 33 e 50, letra “b” do Código e Anexo O. 24 Ibid.

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Ao analisar-se tal peça publicitária em relação aos veículos motorizados, visualiza-se que não se permite que o anúncio contenha sugestões de utilização do veículo que possam pôr em risco a segurança pessoal do consumidor e de terceiros, como ultrapassagens não permitidas em estradas, excesso de velocidade, não utilização de acessórios de segurança e às normas de trânsito em geral25. Observase que esses comportamentos proibitivos podem ser estimulados nas atitudes dos motoristas, por meio do referente enunciado que coloca que eles devem atuar como predadores, considerando a cidade como selva. Dentro desse contexto, a expressão “seja um predador” pode vir a estimular um comportamento agressivo no trânsito, já que ela faz referência a um modo de se comportar como um predador, que é o animal que caça e ataca os outros, vindo a gerar ocorrências de violência no trânsito. Ademais, ao considerar a cidade como uma selva, observa-se que esse enunciado remete a aspectos de incivilidade do trânsito. Portanto, diante dos aspectos já citados, a publicidade em questão configura-se como abusiva que incita à violência, visto que traz consigo elementos que estão relacionados à violência, tais como a agressividade e a incivilidade, aumentando o risco de ocorrer acidentes no trânsito. 5 CONCLUSÃO Após inúmeras reflexões a cerca da publicidade abusiva que incita à violência e todas as questões inerentes a ela, é possível reconhecer o quão grande é o universo de possibilidades, de casos que podem se enquadrar nesse tipo de publicidade abusiva. Não apenas porque a publicidade, seja ela ou não abusiva que incita à violência, é oriunda do imaginário humano, que, por sua vez é ilimitado, mas também porque o próprio conceito de violência abrange diversas situações, sejam elas de violência física, psicológica, entre outras. Junto a isso, é indiscutível o massivo combate que vem sendo realizado pelo Poder Judiciário brasileiro de maneira a evitar ou, pelo menos, reduzir os efeitos causados nos atingidos pela publicidade abusiva que incita à violência, seja ordenando o ajustamento da publicidade, extirpando suas características que incitam à violência, ou mesmo retirando-a de circulação, promovendo a indenização

25 NUNES, Luis Antonio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 541.

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daqueles que a publicidade abusiva alcançou, junto à circulação de uma publicidade que venha a retificar a abusividade presente na publicidade anterior. Os meios de comunicação têm permitido uma maior aproximação dos órgãos responsáveis pela fiscalização da publicidade (v.g., CONAR, PROCON, Ministério Público) da população em geral, admitindo assim que uma maior quantidade de pessoas tenha conhecimento da existência desses órgãos e, por conseguinte, acesso aos mesmos, ensejando um aumento no número de denúncias. Torna-se necessário enfatizar o quão é importante que essas denúncias sejam realizadas de forma consciente, para que não se torne algo banalizado. Antes de tudo, a publicidade é uma técnica que, em sua essência, não busca causar danos àqueles que a ela estão expostos. Dessa forma, é necessário que haja uma análise de maneira criteriosa, para que assim, os casos levados ao CONAR, aos PROCONs ou ao próprio Poder Judiciário sejam cabíveis.

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REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. ______. Lei Federal no 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 de julho de 1985. 164º da Independência e 97º da República. ______. Lei Federal no 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispões sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 set. 1990. 169o da Independência e 102o da República. ______. Ministério da Justiça. Processo Administrativo nº 10. Representado: FIAT Automóveis S/A. Representante: Fátima Guedes. Relator: Diretora Substituta do DPDC Juliana Pereira da Silva. São Paulo, SP, 09 de junho de 2008. Diário Oficial da União: Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Brasília. CHARLOT apud ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Violência nas Escolas. Brasília: Unesco, Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME, 2002. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. CONAR – CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA. Disponível em < www.conar.org.br>. Acesso em: 15 ago. 2014. DAY, Vivian Peres et al. Violência doméstica e suas diferentes manifestações. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul [online]. 2003, vol.25, suppl.1, p. 9-21. Disponível em . Acesso em: 14 set. 2014. FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação à violência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. 104

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Publicidade abusiva que explora o medo ou a superstição Anny Gabriely Miranda Campos Lukas Darien Dias Feitosa 1 INTRODUÇÃO O modelo capitalista se sustenta a partir da necessidade de um lado e da capacidade de fornecer de outro. O desejo incessante de consumir também é uma característica marcante que faz de nós uma sociedade extremamente consumista. A procura por produtos para o consumo não se resume somente a bens indispensáveis para a subsistência, os dispensáveis e supérfluos também têm bastante circulação no mercado. Entretanto, para saciar o desejo consumidor e garantir a possibilidade de escolha, é necessário que exista um conhecimento prévio sobre quais produtos ou serviços estão no mercado a disposição das pessoas. Incube-se dessa tarefa a publicidade1 A publicidade sempre esteve como um dos principais aspectos das relações comerciais, já que é por meio dela que as empresas apresentam seus produtos aos consumidores, mostrando sua capacidade de suprir suas necessidades e, muitas vezes, criando novas necessidades de consumo. Segundo o Ibope, em 20132, a UNILEVER BRASIL figurou como a principal anunciante do mercado, gastando a cifra de R$4.583.558,00 entre janeiro e dezembro. Os 10 principais anunciantes, ainda segundo o IBOPE, chegaram a gastar mais de 20 milhões de reais em publicidade, o que permite vislumbrar um panorama aproximado do tamanho desse mercado. 1 FERNANDES, Adriana Figueiredo. A publicidade enganosa e abusiva e a responsabilidade dos envolvido. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 2005. 2 IBOPE. Disponível em: . Acesso em: 4 mar. 2015.

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E, diante desse cenário, compreende-se a necessidade da legislação brasileira versar sobre o tema. A importância da publicidade para o Direito é imensa, indo desde as relações contratuais entre publicitários e agencias de publicidade com seus clientes até os litígios concernentes à possíveis ofensas aos consumidores. É válido registrar, contudo, que a publicidade ganhou relevância jurídica em nosso país nos últimos 30 anos, uma vez que, até então, a publicidade era vista como mero convite, não pertencente à fase pré-contratual, o que, evidentemente, está totalmente superado, pois ela vincula a oferta, além de integrar o futuro contrato a ser firmado entre consumidor e fornecedor3. A própria Constituição Federal garante a proteção do consumidor (artigo 5º, inciso XXXII, e artigo 170, inciso V), mas é no Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/1990) onde são estabelecidas as principais disposições normativas de proteção e defesa do consumidor. É no Capítulo V do referido Diploma que a publicidade é tratada com mais detalhes. O artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor determina que “Toda informação ou publicidade, [...], obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”. O CDC determina ainda, no artigo 31, que “A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas [...]”, garantindo que o consumidor esteja suficientemente esclarecido sobre todos os aspectos concernentes ao produto ou serviço ofertado. Finalmente, na Seção III, que trata especificamente da publicidade, fica estabelecido que “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal” (artigo 36) e ainda que “É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva” (artigo 37). No Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) é observado a proibição da útilização de pulicidade que faz uso do medo e da superstição, estabelecendo, nos artigos 24 e 25, que os “anúncios não devem apoiar-se no medo sem que haja motivo socialmente relevante ou razão plausível e não devem explorar qualquer espécie de superstição”. Apesar da clara determinação legal, ainda são corriqueiros exemplos de publicidade abusiva na realidade brasileira. A ideia de tal pesquisa consiste em apresentar alguns desses casos no nosso cenário atual, voltando o enfoque para as 3 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Saraiva, 2009.

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abordagens cujo teor envolve medo e superstição. Mais do que isso, deve-se analisar como as dadas situações devem ser tratadas no ambiente jurídico, ao averiguar qual a tendência das decisões judiciais nesse sentido e refletir se há, de fato, alguma tentativa de aprimoramento da fiscalização, em busca de melhor proteger o consumidor. Ainda que, por vezes, o sentimento de medo seja algo real na sociedade, a sua exacerbação por meio de jogadas de marketing é totalmente ilícita. 2 O USO DO MEDO NA PUBLICIDADE O medo, assim como todos os sentimentos, é bastante subjetivo. Ele é causado por circunstâncias e anseios diferentes, em pessoas distintas. Contudo, a reação é a mesma. Apesar de ser derivado de vários fatores, o sentimento de medo é o mesmo. Partindo disso, o Dicionário Aurélio define tal sensação como sendo um “sentimento de viva inquietação ante a noção de perigo real ou imaginário, de ameaça; pavor, temor.”4 Enquanto o Dicionário Priberam define como “ausência de coragem; estado emocional resultante da consciência de perigo ou ameaça reais, hipotéticos ou imaginários.”5 Koury, analisando a percepção da população paraibana do que é medo observa que, numa classificação própria, as pessoas o definem como “falta de confiança ou receio de errar; falta de segurança pessoal ou familiar; ou falta de fé (pouca ou nenhuma crença no divino)” 6. Emoções negativas são reconhecidas por causar algum grau de desconforto psicológico e são comumente utilizadas como meio de criação de apelo para o consumidor. O medo pode ser categorizado dentro dessas emoções negativas e pode estar relacionado com ameaças que poderiam infligir o seu corpo, a sua estrutura social ou o seu estado psicológico. O estudo australiano realizado recentemente, mostra que o apelo ao medo na publicidade é utilizado frequentemente, fazendo com que o consumidor relacione necessidades de consumo a manutenção do seu conforto físico, mental e social7. 4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio século XXI escolar: o minidicionário da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fonteira, 2000, p. 453. 5 PRIBERAM. Disponível em: . Acesso em: 4 mar. 2015. 6 KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. O que é medo? Um adentrar no imaginário dos habitantes da cidade de João Pessoa, Paraíba. Psicologia & Sociedade, 21 (3): 402-410, 2009. 7 BRENNAN, Linda; BINNEY, Wayne. Fear, guilt and shame appeals in social marketing. Journal Of Bussiness Research, Melborne, v. 63, n. 2, fev. 2010, p. 140-146.

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Entretanto, os referidos autores mostram ainda que anúncios publicitários com apelações negativas são mais propensos a invocar um sentimento de autoproteção e inatividade do que uma resposta positiva e pró-ativa. O medo, apesar de ainda ser utilizado extensivamente na publicidade, não têm como resultado o esperado pelos profissionais da área. A variedade de emoções evocadas pelo uso do medo vai desde a passividade até a raiva descontrolada. Sonia Maria Ferraz fez um estudo analisando a publicidade imobiliária no Rio de Janeiro e em São Paulo no período entre 1991 e 2002, que utilizam apelos diversificados e relacionados, ao mesmo tempo, à representação simbólica da casa, à insegurança e ao medo, trazendo a oferta de proteção e segurança, vendendo até mesmo a idéia do alcance da “liberdade” na vida intramuros dos confinamentos habitacionais8. O trabalho destaca que, desde a década de 90, os “itens de segurança” vem se tornando objeto de destaque desse segmento publicitário, e que cada vez mais são criadas estruturas – itens de lazer; academias; home offices; até mesmo cinemas privativos – intramuros, com o objetivo de expor cada vez menos os clientes aos “perigos” da vida em sociedade. Não se trata de negar a existência e o possível crescimento da violência, mas de suspeitar da exacerbação do medo coletivo com base nos sentidos produzidos pelos discursos publicitários, como as sequências noticiosas, muitas vezes apocalípticas, sobre os “terríveis e incessantes perigos” nas cidades, sistematicamente associados ao crescimento da probreza e da miséria, provocando uma suposta necessidade de proteção e segurança, proporcionadas, por conseguinte, pelos conglomerados residenciais anunciados. Outro exemplo é o anúncio publicitário de um sabonete cuja capacidade seria matar determinados micro-organismos e reduzir em até 75% as doenças nas crianças. Para dar credibilidade à ideia vendida, os anunciantes apontam a existência de uma pesquisa científica vinculada ao produto. Ao informar-se mais profundamente à respeito de tal estudo, foi averiguado que a pesquisa foi desenvolvida na África do Sul e mostra a relação entre a utilização de regras básicas de higiene e o menor aparecimento de patologias. Ou seja, o fato de haver uma diminuição no número de doenças não está diretamente relacionado ao sabonete especificamente, e sim às condutas de higiene de uma maneira geral. Todavia, o anúncio não deixa essa condição clara, levando o consumidor a presumir que só o sabonete pode atingir tal objetivo. 8 FERRAZ, Sonia Maria Taddei. Violência, Medo e Mercado: uma análise da publicidade imobiliária. In: Impulso, Piracicaba, 15(37): 79-88, 2004.

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Somado a isso, é importante destacar o jogo de palavras da publicidade. Ao dizer que reduz “até 75% das doenças”, ela não garante a efetiva diminuição. Pode ser que o produto atinja as expectativas, mas pode ser que isso não ocorra. O fato é: ela é categoricamente um exemplo de publicidade enganosa, pois não trata de inverdades, pois induz o consumidor ao engano. A importância de encorajar o público a, voluntariamente, concordar com algumas necessidades especificas, como o uso de cintos de segurança, não dirigir embriagado, prevenir acidentes domésticos, entre outras questões, constitui um importante componente para se desenvolver uma estratégia de segurança pública e, concomitantemente, de saúde pública. Entretanto é importante pontuar-se que, quando se trata de relações de consumo, tais justificativas de utilizar o medo se dissolvem, sendo o seu emprego, como já explicitado no Código de Defesa do Consumidor, ilegal e que deve ser combatido. 3 PUBLICIDADE DE CHOQUE Em um contexto fora das relações de consumo, o apelo ao medo como estratégia de publicidade não é uma novidade. Ele já foi usado há mais de oitenta anos em táticas para difundir as ideias do nacional-socialismo, por exemplo. Sob o comando de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda e membro do partido nazista, foram desenvolvidas várias formas de como controlar as massas a partir da manipulação dos seus sentimentos, atacando as emoções humanas. Assim, não era incomum encontrar anúncios antissemitas, os quais pervertiam os judeus, equipando-os a ratos ou os categorizavam como indivíduos avarentos e criminosos. O mesmo método era empregado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Projetadas pelo órgão de censura soviético, as propagandas tinham o intuito de criticar o capitalismo, utilizando caricaturas perturbadoras e frases de efeito. Nas duas situações, a ideia era provocar sensação de pavor na população. Muitas vezes, os anunciantes fazem uso de peças publicitárias cuja intenção é provocar um grande impacto momentâneo no consumidor. Ao utilizar imagens polêmicas, com forte apelo sexual, violentas e repugnantes em muitas situações, o anunciante visa afligir seu público-alvo, e o resultado final é o desenvolvimento ou criação de angústias as quais geram um sentimento de insegurança. Tal publicidade rompe com o que era aparentemente normal e busca captar atenção de maneira brusca. É nessa perspectiva que o apelo ao medo mostra-se como um instrumento bastante eficaz para alcançar esse objetivo, uma vez que tal instinto primitivo guia o comportamento humano, criando ansiedade e tensão. Assim, muitas 111

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vezes, para vender um produto, a linguagem da propaganda torna-se extremamente invasiva, perturbadora e violenta. Tal condição leva a crer que diversos anunciantes não medem esforços para vender sua ideia e persuadir usando o emprego do medo de forma manipuladora, inapropriada, antiética e sem o menor senso de responsabilidade social. Esse método não é universalmente aceito e é passível de gerar efeitos negativos nos consumidores9. A opinião do consumidor de que uma peça publicitária específica pratica algo antiético ou imoral pode levar a um número significativo de resultados negativos, que podem ir da indiferença com relação ao produto até ações mais sérias como boicotes ou demandas legais aos órgãos de regulação infragovernamentais10. Problemas com controvérsias em relação a estímulos negativos impactam a atitude para com as marcas bem como em relação às intenções de compra por parte do consumidor11. Uma estratégia como essa ainda pode prejudicar seriamente a credibilidade dos anunciantes e criar medos e preocupações sem fundamento, desenvolvendo efeitos negativos a curto e longo prazo12. Um exemplo intrigante sobre a prática é a nova campanha publicitária desenvolvida pela Workplace Safety and Insurance Board (WSIB), empresa canadense especializada em prestação de seguros para corporações e trabalhadores. No anúncio, uma chefe de cozinha está realizando suas atividades, quando, por desatenção, deixa uma panela com água fervendo cair sobre seu corpo. São exibidas as graves queimaduras, o que eleva ainda mais a carga dramática e choca ao alertar sobre os riscos no trabalho. O intuito do anúncio – de vender o serviço fornecido pela empresa – pode até ser atingido, mas através de métodos agressivos, assustadores e desproporcionais, os quais provocam intenso mal-estar e podem ser substituídos por outros meios para alcançar o mesmo resultado ambicionado. Em outros casos, alguns fornecedores, ao buscar passar uma boa impressão da sua marca, produzem campanhas as quais não envolvem necessariamente um 9 LATOUR, M. S. Don’t Be Afraid to Use Fear Appeals: Experimental Study. In: Journal of Advertising Research, 1996, p. 59-67. 10 TREISE, D. Ethics in Advertising: Ideological Correlates of Consumer Perceptions. Journal of Advertising, 1994, p. 59-69. 11 LATOUR, M. S. Don’t Be Afraid to Use Fear Appeals: Experimental Study. In: Journal of Advertising Research, 1996, p. 59-67. 12 GLASCOFF, D. W. A Meta-Analysis of Fear Appeals: Implications for Effective Public Health Campaigns. Marketing Health Services, 2000, p. 35.

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produto a ser comprado, mas a defesa de uma causa ou questão humanitária em destaque. Dessa maneira, não é incomum a divulgação de anúncios que promovam a preservação ambiental, antiobesidade ou luta contra testes científicos em animais, mirando a vinculação das empresas a tais temas. A mensagem básica passada nesse tipo de estratégia é: “se você não fizer isso (acreditar, comprar, votar), consequências negativas irão ocorrer”. Expõe-se uma série de prejuízos oriundos da não utilização do produto ou do comportamento inseguro. A partir de tal perspectiva, é possível fazer referência à campanha publicitária da Candie’s – marca feminina de roupas e sapatos norte-americana – veiculada em 2001, a qual defendia a seguinte ideia: “Ser sexy: isso não significa que você tem que fazer sexo”. A intenção era evidenciar a pró-abstinência sexual para alertar sobre os perigos da gravidez na adolescência. Fazendo uso de ícones adolescentes como Hilary Duff, Beyoncé e Ashlee Simpson, propõe que as jovens evitem encontros sexuais, instituindo o medo das consequências que podem surgir. A tática não só é medieval, uma vez que há atualmente diversos métodos contraceptivos mais inteligentes, como também demoniza o sexo, abordando-o como algo de caráter maligno e vergonhoso, que não se deve estabelecer contato, afastando, inclusive, os jovens do interesse sobre se informar corretamente acerca do tema. Desse modo, é enquadrada como uma característica forma de publicidade abusiva, a qual apela para o uso medo. Tal técnica é perigosa, e, ainda que chame atenção, precisa ser mais bem regulamentada e fiscalizada, visando da proteção dos consumidores. 4 USO DA SUPERSTIÇÃO NA PUBLICIDADE Na sociedade moderna, superstições são constantemente vistas como resquícios da antiga cultura popular, os quais vieram se propagando ao longo dos anos, mas que, a cada dia, vem perdendo sua força para um discurso mais racional e contemporâneo: o da ciência. Nessa perspectiva superstição seria um conjunto de crenças e práticas sem nenhuma comprovação empírica, cujo intuito almeja buscar explicações para situações cotidianas vivenciadas na sociedade. De acordo com o Aurélio, a sensação seria “sentimento religioso baseado no temor e na ignorância e que induz a admitir falsos deveres, recear coisas fantásticas”13.

13 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio século XXI escolar: o minidicionário da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fonteira, 2000, p. 654.

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A noção pode ser ampliada com o que é exposto por Iona Opie e Moira Tatem, quando abordam a superstição não apenas como meras proposições falaciosas, incompreensões da natureza ou plantas medicinais sem nenhuma mágica, mas como uma série de crenças difundidas em diversas culturas, que tiverem relevância para construção do pensamento dos povos de determinada região.14 A ideia de superstição é compreendida de maneiras distintas quando se move de uma cultura para outra. Em alguns locais, é comum a propagação de que certos números podem trazer sorte ou azar, por exemplo. Aqui no Brasil, cruzar com um gato preto ou passar debaixo de escadas ainda são atitudes que remetem ao revés para um grande número de pessoas. É analisando sob essa esfera, que se evidencia como tais atos de fé raramente são universais. O conceito é amplo e complexo, na medida em que não se dá de forma absoluta e estática, podendo ser sempre passível de transformações e ampliações em busca de seu melhor entendimento. Tais considerações permitem perceber alguns dos motivos responsáveis pela difícil tarefa de formular um conceito adequado para superstição. Assim, por ser uma noção nublada, é bastante complicado promover a regulamentação de anúncios publicitários os quais apelem para o uso de crenças populares. A prática é condenada no artigo 37, §2º do Código de Defesa do Consumidor, caracterizada como uma espécie de publicidade abusiva ou enganosa. Todavia, a jurisprudência ainda mostra-se bastante lacunosa no que diz respeito a esse tema. 5 ANÁLISE DE DECISÕES DO CONAR SOBRE CASOS DE EXPLORAÇÃO DO MEDO E DA SUPERSTIÇÃO NA PUBLICIDADE O tema vem ganhando amplificação e na última década consumidores, juristas e orgãos de controle têm dado maior atenção às irregularidades na publicidade, e isso se reflete, por conseguinte, naquelas que exploram o medo e a superstição de forma abusiva e, portanto, ilegal. Contudo, é possível observar que tal demanda ainda se atêm ao orgão de autocontrole da publicidade, não chegando a serem ajuizadas perante o Poder Judiciário. No Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), por outro lado, verifica-se na última década, um número crescente de apreciações 14 MARTIN, Dale. Inventing Superstition: From the Hippocratics to the Christians. Harvard College, 2004, p. 11 apud OPIE, Iona; TATEM Moira. A Dictionary of Superstition. Oxford: Oxford University Press, 1989.

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de processos sobre o tema, o que demonstra um aumento no cuidado e na atenção sobre o mesmo. Entre as decisões são observadas as mais diversas situações, desde a indução ao consumo pelo uso do medo, a concorrência desleal com instigação de medo nos consumidores sobre o produto ou serviço do concorrente, bem como a mediação do CONAR sobre questões demandadas mas que não se configuram publicidade abusiva, uma importante ação do órgão para evitar situações que venham a ser abusivas para os comerciantes. Só no ano de 2014 podemos é possível encontrar diversas decisões como as mencionadas. A Representação nº 062/14, de Maio de 2014, contra uma seguradora, foi impetrada por um consumidor por achar que havia abuso no uso do medo como instrumento publicitário. O Consumidor, segundo relatório do CONAR, considerou que a mensagem, ilustrada por uma pessoa sob a mira de uma arma, poderia, em detrimento de sua intensão de previnir ações agressivas, acabar por incitar o roubo e a violência, amedrontando as pessoas. Em defesa enviada ao Conar, o anunciante negou tal interpretação, informando ter decidido retirar unilateralmente o anúncio de exibição. Apesar da atitude pró-ativa do anunciante, a Relatora propôs a alteração, pois considerou infringido o artigo 37, §2º do CDC que trata do apelo ao medo como argumento publicitário, tendo seu voto aceito pela unanimidade do Conselho. Essa atitude, foi extremamente importante, mesmo após a retirada do anuncio, pois serve como prevenção a novas infrações por parte de outros anunciantes. Outro caso que chama a atenção é do conflito entre duas empresas, em que uma delas infringiu o Código de Defesa do Consumidor para atingir a concorrente. Em Março de 2014 o CONAR julgou definitivamente a Representação nº 218/13 que tratava de uma peça publicitária da marca Saint Gobain e que, segundo a concorrente Eternit, explorava o medo do consumidor sem que houvesse justificativa para tal. Nas peças publicitárias alvo desta Representação, há ataque à matéria -prima utilizada nos produtos, o amianto. Ocorre que a Eternit e a Saint Gobain foram sócias na exploração de mina de amianto crisotila em Goiás. Recentemente, esta última decidiu deixar o negócio e passou, então, a atacar o uso da matéria-prima, taxando-a de “uma parada do mal”. Em sua defesa, a anunciante negou motivação à denúncia e o caráter denegritório das peças, mencionando veto legal ao uso do produto em vários países 115

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e Estados brasileiros. Considerou que a legislação tolera o uso do amianto só até o momento em que existirem alternativas viáveis. Em primeira instância o CONAR deliberou pela sugestão de alteração da peça publicitária, aceitando os argumentos do denunciante, e manteve a decisão em julgamento de recurso por parte da denunciada argumentando que não cabe ao Conar concluir sobre os efeitos do amianto à saúde, e sim verificar se a publicidade objeto da representação cumpre as recomendações do Código de Defesa do Consumidor. Para o Relator, a peça publicitária da Saint Gobain aponta o amianto como “parada do mal” sem prestar qualquer explicação sobre o assunto. “Não se trata, portanto, de uma campanha de esclarecimento social relevante, apenas mais uma campanha de promoção. E, neste sentido, entendo que o anunciante deve se abster de criar receios nos consumidores”. A ressalva feita pelo Relator quando do julgamento do Recurso, onde se diz que o CONAR deve se ater aos aspectos promocionais e às relações privadas da publicidade, ainda mais quando a peça busca se transvestir de campanha educativa, mas na verdade tem como objetivo principal o anuncio comercial. Recentemente o CONAR decidiu em favor do anunciante, mostrando que uma denuncia de abuso publicitário precisa ser, como qualquer outra, bem embasada e ter procedência. Na Representação 263/13, julgada em abril de 2014, o CONAR recebeu 35 reclamações de consumidores, alguns deles depois que o processo ético já estava aberto, contra filme para a TV da Visa, no qual figura um boneco personagem de filme de terror. Os consumidores consideram que por se utilizar de elemento do universo infantil, o filme inspira medo nas crianças. A isso se soma o comportamento da vendedora, que prefere efetivar a venda a alertar uma senhora de idade que compra um presente para a neta. O Conselho de Ética do CONAR acabou por aceitar os argumentos da denunciada que disse se tratar de um óbvio apelo humorístico da peça e ainda que o filme foi veiculado nos intervalos de programas assistidos majoritariamente por adultos, arquivando a Representação. Acredita-se que a postura do CONAR foi acertada nesse caso, em especial ao colocar em perspectiva o horário de veiculação das peças. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Artigo 74, e a portaria do Ministério da Justiça nº 368 de 2014, ao regulamentarem a classificação indicativa para cada horário específico na televisão, dá segurança, além dos consumidores, aos produtores de que o público atingido não será inadequado, ao transmitir o anúncio em horário específico está estabelecido em Lei. 116

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Nos últimos 10 anos apenas um caso de superstição foi levado a análise do Conselho. Em março de 2013 foi julgada a Representação 036/13 onde cerca de mil consumidores de todo o país escreveram ao Conar, protestando contra campanha da marca de carros Volkswagen em que um gato preto seria associado ao azar. É importante ressaltar que nesse caso a superstição nas denuncias foi posta como pano de fundo, uma vez que a denúncia principal se referia ao estímulo que a publicidade fazia, de forma indireta, a violência contra esse tipo de animal. Entretanto, na apreciação, o CONAR decidiu pela sugestão de mudança da peça publicitária, entendendo que o anunciante desrespeitava os mandamentos do artigo 37, §2º do CDC e do artigo 25 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária que proibem a exploração abusiva de superstição na publicidade. Antes desse julgado encontram-se em 1998 os processos 176-98 e 17798 que tratam do anuncio de serviços de consulta astrológica por telefone. Em ambos os casos a decisão do CONAR foi no sentido de determinar a alteração das peças de modo que elas não se configurem como falsas promessas de resultados que não podem ser comprovados pelos anunciantes. 6 CONCLUSÃO Observa-se com clareza o tamanho e a importância da publicidade para o mercado contemporâneo e, mediante esse cenário, a estrutura legal brasileira – Os Artigos 5º, Inciso XXXII e 170, Inciso V da Constituição Federal; o Código de Defesa do Consumidor, entre outros – se atentou para a regulamentação desse tema, principalmente no que concerne a proteção do consumidor. É fato que, apesar da legislação brasileira tacitamente proibir a utilização de formas abusivas de publicidade, como explicitado no Artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, tais práticas são bastante comuns e muitas vezes veiculadas sem que as devidas sanções sejam aplicadas. No que concerne à publicidade abusiva que explora o medo e a superstição, há ainda certa indefinição jurídica dos próprios conceitos de medo e superstição e, especialmente, do limiar do que seria abusivo nesse contexto. De acordo com a análise dos julgados mais recentes, tais indefinições acabam por serem resolvidas pelos próprios juízes. Ao analisar a jurisprudência bem como as decisões do CONAR, é possível encontrar exemplos de exploração de medo de modo abusivo nas mais diversas 117

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áreas da publicidade – imobiliária higiene e cuidados pessoais, até relacionados a aspectos religiosos – com os órgãos reguladores reiteradamente coibindo os agentes que fazem uso de estratégias de amplificação da sensação de insegurança pessoal em prol do crescimento de seus mercados específicos. Contudo, no que se refere à superstição, o tema ainda não surge como objeto de lide sobre exploração abusiva na publicidade. Essa aparente inutilização da legislação pode ser atribuída à falta de conscientização da população e a dificuldade do próprio conceito. Esse cenário evidencia a necessidade da doutrina se aprofundar sobre a temática para que se possa orientar os consumidores, fornecedores e anunciantes, mas, principalmente, estimular e dar segurança aos tribunais órgãos que atuam na defesa do consumidor na tomada de decisões que coíbam tais práticas. Além disso, o desenvolvimento de estudos na área servirá de base para a evolução da própria legislação e suas interpretações, para prevenir o uso de tais recursos publicitários e coibir os que insistem em burlar a lei. Ressaltamos que mais estudos são necessários para se compreender com mais clareza esse cenário.

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Publicidade abusiva que se aproveita de deficiência de julgamento e experiência da criança Ênnio Ricardo Lima da Silva Marques Norton Makarthu Majela dos Santos

1 INTRODUÇÃO A publicidade, desde seu surgimento, constitui um dos mais importantes meios de contato entre o consumidor e fornecedor no mercado. Sua capacidade de atrair e de prender a atenção configura ferramenta fundamental e tem conquistado resultados significativos para os fornecedores que dela sabem usufruir. Porém, a partir do momento em que se desvirtuou, acarretando transtornos sociais como o consumismo, por exemplo, passou também a ser material que merece o máximo de atenção, sobretudo, no que se refere aos mais desprotegidos, propensos aos riscos decorrentes das armadilhas mercadológicas, como é a publicidade abusiva. Dentro desse quadro de desfavorecimento frente à publicidade, indubitavelmente, encontram-se as crianças, que, por suas próprias características de imaturidade e reduzido senso crítico, estão mais predispostas a sofrer influência da mídia comercial. A formação e o desenvolvimento do mundo globalizado, dinâmico e interconectado, possibilitou que a publicidade se tornasse peça fundamental na comunidade consumerista. Por meio desta ferramenta é que os consumidores em nível mundial tornam-se destinatários da produção em larga escala, que supera barreiras anteriormente intransponíveis, mediante a instigação de seu imaginário, incentivando-os a adquirir produtos por vezes desnecessários. Dessa forma, a publicidade surge como vínculo entre consumidor e mercadoria fundamental para o universo mercadológico. 121

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Contudo, em prejuízo à sadia, importante e necessária relação possibilitada pela publicidade, tal mecanismo ultrapassou os limites do produto ofertado e deu inicio ao processo de criação de realidades fictícias ao seu redor, utilizando-se para isso da passividade ouvinte do consumidor, transformando-se, assim, em outros tipos de publicidade, a exemplo da abusiva e da enganosa. Este trabalho visa estudar tal situação. Busca compreender o motivo que leva os infantes a ser um dos principais alvos da publicidade nos dias atuais, assim como analisar os mecanismos jurídicos de proteção e combate à publicidade abusiva voltada a estes. A metodologia empregada é descritiva e exploratória, uma vez que tem por foco descrever a situação da criança e do adolescente enquanto alvos publicitários, e explorar a normatização ora vigente para indicar sua eficácia e a necessidade ou não de implementação e reformulação. Os dados e informações aqui expostos foram retirados de pesquisas na doutrina especializada, bem como na própria normatização nacional. 2 ABUSIVIDADE DA PUBLICIDADE HIPERVULNERABILIDADE INFANTIL

QUE

EXPLORA

A

A Constituição Federal brasileira trata da proteção ao consumidor em seu artigo 5º, inciso XXXII, o qual, devido à condição de desigualdade intrínseca às relações de consumo, determina que ao Estado cabe proteger o consumidor. Assim, no Brasil, a Constituição Federal eleva o direito do consumidor à condição de direito fundamental e impõe ao Estado a necessidade de instituir políticas públicas que visem promover a defesa dos direitos de tais sujeitos1. No que se refere às crianças, em decorrência de sua especial qualidade de indivíduo em estágio de evolução ou maturação, o Brasil, em seu ordenamento jurídico, acolhe a doutrina conhecida por proteção integral, como consta no artigo 227, caput da Constituição Federal2. Tal dispositivo impõe o dever da família, da sociedade e do Estado de garantir, com caráter absolutamente prioritário, ao indivíduo em desenvolvimento o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao 1 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 676-677. 2 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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lazer, à profissionalização, bem como à cultura, à dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária, e ainda de resguardá-los de todas as formas de discriminação, exploração, negligência, violência, crueldade e opressão. Em verdade, tem a finalidade de responsabilizar a família pela integridade física e psíquica da criança, ao passo que impõe à sociedade o dever de propiciar a convivência harmônica, e ao Estado de incentivar a criação de políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento infantil3. A doutrina da proteção integral fundamenta-se no entendimento de que crianças e adolescentes também são sujeitos de direitos. Distancia-se da concepção segundo a qual estes constituem meros objetos de manifestação no universo adulto, tratando-os como verdadeiros titulares de direitos em geral, como qualquer cidadão, mas também de determinados direitos oriundos da condição particular de indivíduos em processo de desenvolvimento4. A infância e a juventude constituem situações singulares na vida do ser humano, dessa forma, considera-se a criança e o adolescente como seres humanos em condição especial de desenvolvimento5. Sobre o tema da proteção à criança e ao adolescente é inevitável discorrer sobre a Lei Federal nº 8.069/1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente. Em seu artigo 1º, o Estatuto, em conformidade com o dispositivo constitucional, declara expressamente a adoção da doutrina da proteção integral. A opção do legislador pela proteção integral é decorrência da interpretação sistemática de dispositivos constitucionais que ascenderam as normas que fazem referência às crianças e adolescentes aos níveis máximos de eficácia e validade, sendo assim possível apontar que, no Brasil, o reconhecimento jurídico de tais direitos ocorreu em um patamar diverso, de afinidade com os processos emancipatórios e de positivação dos direitos humanos, fazendo-os fundamentais. No que se refere à Lei Federal nº 8.078, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, importante se faz notar a disposição do artigo 2º, que traz a definição de consumidor. Da leitura de tal artigo depreende-se a existência necessária de 3 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da criança e do adolescente comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 76. 4 VILAS-BOAS, Renata Malta. Publicidade direcionada ao Público Infantil: Violência contra a Criança e contra a sua Família. In: IBDFAM, Minas Gerais, out 2011. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2014. 5 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da criança e do adolescente comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 51.

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três elementos para a caracterização de tal qualidade. Para ser consumidor é preciso ser sujeito (pessoa física ou jurídica), é necessário que exista um objeto possível de ser adquirido ou utilizado, tendo em vista determinada finalidade. Analisando este artigo no que se refere ao segundo elemento necessário para a condição de consumidor, verificamos que a criança, a despeito do que dispõe o artigo 166, inciso I, do Código Civil6, que impõe nulidade absoluta ao negócio jurídico realizado por menor de 16 anos, pode se constituir consumidora, vez que utiliza determinados produtos em certas ocasiões, a exemplo de quando frequenta um parque de diversões ou um cinema. Ainda tendo em vista as disposições do Código de Defesa do Consumidor, cumpre atentar para o conteúdo do artigo 29. Segundo este, é alçado à condição de consumidor todo aquele indivíduo que é exposto às práticas previstas no Capítulo V do Código, dentre as quais se encontra a publicidade, tema aqui em estudo. Assim, conclui-se que o simples fato de uma criança ser alvo de publicidade, o que comumente vê-se na TV, por exemplo, já lhe conduz à condição de consumidor por equiparação. 2.1 CRIANÇA COMO INDIVÍDUO HIPERVULNERÁVEL Dentre os princípios adotados pelo Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 4º, merece destaque o da vulnerabilidade, que é inerente a todo consumidor frente ao mercado consumerista. Decorre tal princípio do fato de que o consumidor é o elo mais fraco da relação de consumo, vez que não dispõe do controle sobre a produção da mercadoria, estando, assim, submisso aos poderes dos detentores de tal controle. Surge, então, a necessidade de desenvolvimento de uma política jurídica que vise minimizar a disparidade de tal relação. Divergindo da vulnerabilidade, princípio tido pelo Código de Defesa do Consumidor por próprio de todos os consumidores nas relações comerciais, a hipossuficiência, atualmente compreendida como hipervulnerabilidade, é peculiar a grupos específicos que, por possuírem aspectos sui generis, necessitam de proteção singular7.

6 Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 7 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 134-135.

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Tendo, pois, a criança a condição de indivíduo em desenvolvimento possui diminuída sua capacidade de compreensão, e inevitavelmente se encontra no rol dos indivíduos considerados hipervulneráveis nas relações de consumo. Sabe-se que a criança tem um grau de discernimento e autocontrole reduzido em comparação com o homem adulto. Isso se deve, ao fato de ser a atividade cerebral modulada, simplificadamente, por estímulos internos excitatórios e inibitórios, que se desenvolvem em lapsos temporais distintos, surgindo primeiro aqueles em detrimento dos estímulos inibitórios (responsáveis pelo controle dos impulsos), o que gera um período de predominância excitatória que facilita as escolhas por via de impulso8. Ainda o ápice do desenvolvimento das sinapses excitatórias encontra-se em torno dos 5 anos de idade, prevalecendo, assim, até a adolescência, período em que ocorre o equilíbrio entre excitação e inibição9. É apenas no terceiro período do desenvolvimento (são quatro), denominado Período das Operações Concretas (por volta dos 7 aos 12 anos de idade), que tem início a construção lógica, ou seja, que a criança cria a capacidade de estabelecer relações entre pontos de vistas diferentes. É a partir deste momento que a criança passa a se tornar capaz de coordenar e integrar pontos de vista diversos de maneira lógica e coerente. É, também, somente neste momento que o infante consegue estabelecer relações de causa e efeito. Contudo, é no período posterior, das Operações Formais, que se inicia em torno dos 12 anos, que o indivíduo adquire senso crítico, dominando paulatinamente a potencialidade de abstrair e generalizar, o que decorre de sua capacidade de reflexão, de adiantar e interpretar a experiência10. De tudo isso, é possível perceber que a criança é, de fato, mais impulsiva, o que lhe acarreta a condição de realizar escolhas inadequadas com maior frequência, especialmente quando tem ao seu dispor sugestões apetitivas11. Entende-se, dessa forma, que a criança, enquanto ser em desenvolvimento, merece uma tutela diferenciada, que se contraponha a indivíduos e atitudes que 8 Neste sentido: COSTA, Janderson Costa da. A publicidade e o cérebro da criança. In: PASQUALOTTO, Adalberto; ALVAREZ, Ana Maria Blanco (Org.). Publicidade e proteção da infância. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 17-34. 9 Ibid., p. 20. 10 BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 105. 11 COSTA, J. A publicidade e o cérebro da criança. In: PASQUALOTTO, Adalberto; ALVAREZ, Ana Maria Blanco (Org.). Publicidade e proteção da criança. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 17-34.

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possam lhe ser nocivos. É esse o entendimento adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo do Estatuto da Criança e do Adolescente, que, consagrando o princípio da proteção integral, está incumbido de estabelecer direitos às pessoas em desenvolvimento, impondo obrigações à sociedade, dotando assim às crianças e adolescentes de uma condição jurídica especial. Essa proteção, na verdade, é incumbência de todos, sociedade, família e Estado, que devem assegurar com prioridade o desenvolvimento sadio e harmônico do infante. 2.2 CARACTERIZAÇÃO DA PUBLICIDADE ABUSIVA A publicidade abusiva pode ser definida como a mensagem destinada ao consumidor em dissonância com valores éticos e morais, e que não essencialmente deve enganar ao receptor, mas que toma proveito da hipervulnerabilidade de determinados indivíduos, como idosos e crianças, os incentivado a adquirir determinados produtos12. O Código Defesa do Consumidor, enquanto baluarte do Direito das Relações de Consumo no Brasil, em seu artigo 37, §2º, define a publicidade abusiva13. De sua leitura inferimos que, entre outras formas, considera-se publicidade abusiva aquela que se utiliza da deficiência de julgamento e experiência do infante. Este artigo parece dar pouca importância para o prejuízo pecuniário do comprador, mas, em verdade, adverte sobre os riscos existentes na violação moral e ética de certas peças publicitárias, especialmente no que se refere ao baixo poder de compreensão das crianças. O aproveitamento da hipervulnerabilidade das crianças pode ocorrer de diversas formas, desde a utilização de personagens do universo infantil em escolas para a promoção de produtos e serviços para este público, até práticas abusivas desenvolvidas na Internet, sobretudo no atual momento do desenvolvimento tecnológico mundial, em que as informações fluem de um lugar a outro do planeta em um intervalo de tempo extremamente reduzido.

12 HENRIQUES, Isabela Vieira Machado. Publicidade abusiva dirigida à criança. São Paulo: Juruá, 2006, p. 77. 13 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. §2°. É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

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Entretanto, pelo menos no Brasil, o grande instrumento pelo qual se difundem as práticas abusivas é, sem sombra de dúvidas, o aparelho televisor. A explicação para isso pode se encontrar no fato de que o telespectador encontra-se quase que totalmente inerte em face da TV, que dessa forma se constitui como arma mais eficiente na transmissão publicitária, o que, via de regra, não acontece no uso da Internet. Um levantamento realizado pelo IBOPE constatou que nosso país é aquele em que as crianças passam mais tempo na presença da televisão14. Corroborando com esse dado, um monitoramento feito em conjunto pelo Instituto Alana e pela Universidade Federal do Espírito Santo verificou, ao analisar os comercias pagos que tem por destinatário o público infantil em quinze canais, que 68,6% fazem referência a brinquedos15. Sempre buscando inovar, as campanhas publicitárias no Brasil aumentaram significativamente nos últimos anos. Um bom exemplo (bom apenas enquanto amostra, mas péssimo em sua essência) se encontra nas redes de fast food, que se especializaram em tirar proveito da ingenuidade infantil. Os métodos são diversos, mas a finalidade é sempre tornar os consumidores extremamente fieis às marcas. Neste sentido, compreende-se que quão antes se estabeleça a relação com o consumidor, maior será a possibilidade de fidelização16. Além de abusiva, esse tipo de publicidade é responsável por estimular ao consumo desenfreado de produtos perniciosos17. Outro exemplo de publicidade abusiva que se aproveita da condição da criança pode ser encontrado nos comercias de brinquedos. Nestes, com auxílio da computação gráfica, é possível vislumbrar bonecos, por exemplo, que falam e se movem em cenários extremamente interessantes (que, por sinal, não acompanham 14 DA SILVA, Danielle Vieira. Publicidade infantil na TV: estudo da produção e regulamentação. Disponível em: . Acesso em: 8 mar. 2014. 15 Observatório da Mídia Regional: direitos humanos, política e sistemas. Monitoramento da publicidade de produtos e serviços destinada a crianças – Natal 2011: Relatório de dados consolidados. Vitória, 2012. 16 LINDSTROM, Martin. Brandwashed. São Paulo: HSM, 2013, p. 39. 17 GUEDES, Bárbara Dias Marinho. A publicidade abusiva das redes de fast-food direcionada ao público infantil. 22 p. Disponível em: . Acesso em: 8 abr. 2014.

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o produto). Mais uma vez está evidente o aproveitamento da capacidade psicológica infantil. Em uma última análise, cabe dizer que a criança é incapaz de compreender corretamente a grande maioria, se não todos, os comerciais de que é receptadora. E isso não é atribuição exclusiva das mensagens subliminares, disfarçadas ou clandestinas. A criança está impossibilitada, em verdade, de perceber a mensagem publicitária enquanto atividade de cunho comercial18. De tudo que foi exposto surge uma constatação: a publicidade voltada à criança é por si só abusiva. Como anteriormente dito, a criança está impossibilitada de brecar seus impulsos levando em conta as consequências de sua escolha, vez que tal atribuição só se encontra consolidada na adolescência19. Assim, de maneira alguma, deve-se conceber como aceitável a publicidade e a comunicação mercadológica dirigida ao menor de 12 anos, visto que pesquisas renomadas indicam que estes não são capazes de responder a tais apelos, e nem mesmo de analisá-los criticamente20. O Direito brasileiro é um dos mais avançados no que diz respeito à proteção dos direitos da criança, notadamente pelo que está disposto no artigo 227 da Constituição Federal, na norma específica que é o Estatuto da Criança e do Adolescente, e inclusive no Código de Defesa do Consumidor. Acerca deste último cumpre retomar o exposto em seu artigo 37, §2º, que define a publicidade abusiva. Ora, se é abusiva a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, e estas são características inerentes à condição de indivíduo em desenvolvimento do infante, por um exercício simples de lógica podemos inferir que toda publicidade voltada à criança é abusiva, e, portanto, deve ser combatida. Até aqui se falou em publicidade abusiva direcionada ao público infantil, pelo que se chegou à conclusão de que o simples fato de ter a criança como destinatário final torna a publicidade abusiva, mas há uma questão importante que 18 FERNANDES, Marília Milioli. A publicidade abusiva diante da hipossuficiência da criança: um estudo à luz do princípio da proteção integral. 2012. 66 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade do Extremo Sul Catarinense. Criciúma, 2012, p. 45. 19 ALVAREZ, A. M. B. M.. Publicidade dirigida à criança e regulação do mercado. In: PASQUALOTTO, Adalberto; ALVAREZ, Ana Maria Blanco (Org.). Publicidade e proteção da infância. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 128-146. 20 HENRIQUES, Isabela. O capitalismo, a sociedade de consumo e a importância da restrição da publicidade e da comunicação mercadológicas voltadas ao público infantil. In: PASQUALOTTO, Adalberto; ALVAREZ, Ana Maria Blanco (Org.). Publicidade e proteção da infância. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 112-127.

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também merece ser tratada: a publicidade dirigida ao adolescente também seria abusiva? Para responder a tal indagação é necessário primeiro distinguir essas duas faixas etárias. O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 2º define por criança a pessoa com até 12 anos incompletos, ao passo que o adolescente é aquele que possui entre 12 e 18 anos incompletos21. Note-se que o critério utilizado é simplesmente cronológico, ou seja, a adolescência tem início no dia em que o indivíduo completa 12 anos e fim no dia em que comemora seu décimo oitavo aniversário. Como anteriormente exposto, é na fase da adolescência que o indivíduo passa a ter consolidado seu senso crítico, sua capacidade de autocontrole, muito embora tal momento do desenvolvimento humano possa variar de um indivíduo para outro. Legalmente, o Código de Defesa do Consumidor, ao tratar da publicidade abusiva, em seu artigo 37, §2º, somente faz referência à deficiência de experiência e julgamento da “criança”, sendo omisso em seu conteúdo no que tange ao adolescente. Contudo, cabe ressaltar que o citado dispositivo não trata apenas da publicidade abusiva voltada à criança, mas, em verdade, define a própria publicidade abusiva, discorrendo exemplificativamente sobre o tema, de forma que outras modalidades de tal armadilha mercadológica, que não a voltada ao infante, são expostas. Ressalte-se que tal rol é exemplificativo e não taxativo, não tendo assim como fito esgotar o tema e dando margem, inclusive, para a caracterização de outras formas de publicidade abusiva além das que estão expostas no Código22. Assim, é possível inferir que, apesar de não expressamente declarado no Código de Defesa do Consumidor, o adolescente também pode ser alvo de publicidade abusiva, assim como qualquer indivíduo que seja lesado em valores éticos e morais. 3 CONTROLE DA PUBLICIDADE PÚBLICO INFANTIL

ABUSIVA

DESTINADA

AO

Antes de adentrar nos órgãos e institutos jurídicos propriamente ditos de controle da publicidade abusiva voltada ao público infantil, é basilar compreender como se configura a macroestrutura brasileira de contenção às disparidades publicitárias, isto é, como o nosso ordenamento jurídico se relaciona com as limitações que devem ser impostas à abusividade publicitária direcionada à criança. 21 Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. 22 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 130-131.

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Não há no Brasil, ao contrário da realidade jurídica de alguns países, como Suécia e Noruega, um órgão protecionista que regulamente, fiscalize e puna especificamente a publicidade abusiva destinada ao público menor de 12 anos. A falta de regulamentação estrita dessa matéria – embora apenas recentemente, como veremos, tenha sido publicada a Resolução n. 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, CONANDA – em específico é relativamente suprida pela existência de um sistema de controle difuso, realizado por órgãos como a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) ou Ministério das Comunicações, dentre outros órgãos como o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, os PROCONs estaduais e municipais, o Ministério Público e até mesmo pela autorregulamentação, através do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Pouco tempo antes de este texto ser redigido, a Câmara dos Deputados vivenciou discussões parlamentares acerca do Projeto de Lei n. 5.921/2001, que coloca um fim à questão e proíbe a publicidade voltada ao público infantil, inserindo o Brasil ao seleto rol de países que adotam tal medida – Suécia, Noruega e a província do Quebec, no Canadá –. Em decorrência do lobby industrial e publicitário a matéria tem sido adiada e o Brasil continua com a carência de disposição normativa específica que a regulamente; e o mencionado controle difuso é a alternativa jurídica e extrajurídica que seja possível coibir as práticas abusivas da publicidade voltada ao público infantil. Nesse contexto, considerando que o controle desse tipo de abusividade é fragmentado em alguns órgãos, institutos jurídicos e extrajurídicos, outra consequência não poderia haver a não ser a limitação no controle jurídico-administrativo, a liberdade irresponsável de parte das categorias publicitárias e a inviabilidade de aplicação de multas e outras medidas administrativas que visem coibir tais práticas. Outro problema quando se trata da inexistência de normatização específica para regulamentar à matéria é o próprio dinamismo da atividade publicitária. Uma peça publicitária, embora seja elaborada com o intuito de criar um referencial de memória em longo prazo no consumidor, na prática é rapidamente esquecida. Se agora as mídias sociais e a televisão estão viralizadas com determinada publicidade potencialmente abusiva, em poucas semanas já estarão completamente esquecidas, abrindo espaço para outra campanha igualmente – e potencialmente – abusiva; e é justamente essa uma das causas da impossibilidade de se fiscalizar as práticas abusivas no exato momento em que elas ocorrem, restando as punições adminis-

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trativas apenas para momentos posteriores, quando os danos causados às crianças já se efetivaram23. A própria morosidade dos órgãos competentes para regulamentar e/ou fiscalizar tais práticas, como é o caso dos núcleos especializados em defesa do consumidor e o Ministério Público, catalisa a necessidade de regulamentação específica da matéria. Não obstante todos esses óbices à efetivação do combate às ilegalidades publicitárias voltadas às categorias infantes deve-se compreender que, mesmo com um grande esforço para coibir tal prática, também está na origem do problema a própria estrutura de tais órgãos difusos. Os PROCONs, o Ministério Público e o Poder Judiciário já possuem sob suas responsabilidades inúmeras outras esferas de práticas abusivas contra o consumidor a serem coibidas, e a publicidade não pode ser o único enfoque destes órgãos. Sendo assim, insiste-se na necessidade premente da criação de um núcleo regulamentador e estatal específico para administrar a matéria. Portanto, resta ao ordenamento jurídico brasileiro ser interpretado e aplicado de forma sistemática para a qualificação do combate à publicidade abusiva voltada ao público infante. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a Constituição Federal, as normas éticas do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária etc., devem ser aplicados e interpretados de forma conjunta, sistemática e ordeira para que seja possível efetivar tal controle. Se o Código de Defesa do Consumidor apresenta-se como uma alternativa legal demasiadamente abstrata e incapaz de inibir a publicidade abusiva à criança, são as vias judiciais – representadas através da jurisprudência pátria e da atuação das Delegacias de Defesa do Consumidor – e extrajudiciais – representadas pelo controle administrativo exercido pelos PROCONs, Ministério Público, através dos termos de ajustamento de conduta, e do questionável controle ético exercido pelo CONAR – em que é possível a materialização da inspeção e inibição das publicidades abusivas destinadas às crianças.

23 HENRIQUES, Isabela; VIVARTA, Veet. (Org.) Publicidade de alimentos e crianças: regulação no Brasil e no mundo. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 37.

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3.1 CONTROLE EXTRAJUDICIAL Com uma atuação paralela em relação aos meios judiciais para o controle e a inibição da publicidade abusiva destinada ao público pueril, o controle extrajudicial desse tipo de peça publicitária configura-se como um meio cautelar para que o mercado publicitário contenha a disseminação de práticas abusivas. Dessa forma, é através do controle extrajudicial desempenhado na esfera administrativa, ética e através dos Ministérios Público que se torna possível que as demandas e a fiscalização no combate a tais práticas abusivas passem por um verdadeiro filtro regulador antes de inundarem o Poder Judiciário com práticas de menor potencial ofensivo. Analisar-se-á, a seguir, três órgãos que representam o controle extrajudicial da publicidade infantil: o controle administrativo (PROCONs), o controle exercido pelo Ministério Público através dos TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) e o controle ético, ou autocontrole, desempenhado pelo CONAR. Os PROCONs são órgãos administrativos existentes em diversos Municípios e Unidades Federativas da União e têm como finalidade exercer o papel de promover e executar as políticas de defesa e proteção do consumidor. Como órgãos independentes, mas auxiliares ao Poder Judiciário, são criados com respaldo no art. 105 do CDC, fazendo parte do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) e tendo como principais atribuições coordenar, elaborar e executar a política nacional de proteção ao consumidor, bem como desempenhar a fiscalização e receber as denúncias no que se refere às violações aos direitos consumeristas. A Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, v.g, criou o PROCON-RN através da edição da Lei Ordinária n. 6.972/97, dando origem ao Sistema Estadual de Defesa do Consumidor (SEDC), definindo, entre suas competências, formular as diretrizes e a política estadual de proteção, orientação, defesa e educação do consumidor. Assim, dispôs a legislação potiguar, em seu art. 12, que a Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor, que passa a ser chamada de PROCON, é o órgão executor da política do Governo do Estado para a defesa dos direitos e interesses do consumidor. No mesmo sentido, o art. 13 determinou que à Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor – PROCON compete planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política estadual de proteção ao consumidor. 132

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O PROCON é uma instituição que, embora não possua competência para atribuir sanções jurídicas aos fornecedores que transgridam as normas consumeristas, é capaz de exercer um controle publicitário e mercantil através de processos administrativos. Na páscoa do ano de 2014 o PROCON do Estado do Rio de Janeiro (PROCON-RJ), órgão membro da Secretaria de Estado de Proteção e Defesa do Consumidor (Seprocon) realizou a [sic] Operação Pernalonga24, procedimento através do qual o órgão retirou das prateleiras os ovos de páscoa Bis Xtra + Chocolate, da Lacta. A embalagem do produto notoriamente destinado ao consumidor infantil continha a seguinte mensagem: “personalize a embalagem com adesivos e sacaneie seu amigo”. Após a compra do produto, a criança poderia utilizar os adesivos acoplados ao invólucro do ovo da páscoa para taxar os amigos de “nerd”, “morto de fome”, “nervosinho”. Após inúmeras denúncias de incitação ao bullying e de abusividade da publicidade voltada às crianças, o PROCON-RJ retirou o produto de comércio com fulcro no art. 37, parágrafo 2° do CDC. O Código determina, em seu art. 56, a aplicação de determinadas sanções administrativas, como multa (inciso I) ou apreensão do produto (inciso II). Ou seja, o órgão administrativo entendeu que aquele produto incitava a discriminação entre as crianças e os adolescentes, sobretudo em uma época em que se debate o combate à perseguição psicológica entre crianças fazendo, dessa maneira, subsumir as disposições normativas dos artigos. 37 e 56 àquele fato. Como anteriormente elucidado, na ausência de órgãos e institutos jurídicos específicos que regulem e fiscalizem a matéria, resta ao ordenamento jurídico brasileiro atuar de forma sistemática, como ocorreu na aplicação da Operação Pernalonga: uma atuação conjunta da expressão legislativa e o CDC com órgãos administrativos, partindo de padrões éticos já orientados pelo CONAR. O Ministério Público tem atuado na esfera de proteção ao consumidor tanto na área jurídica, desempenhando suas competências através de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, como ocorre em Unidades Federativas, no Distrito Federal e São Paulo, locais em que já são encontrados registros de Termos 24 PROCON. PROCON Estadual recolhe ovos de páscoa da Lacta que incitam bullying entre crianças e adolescentes. Disponível em: Acesso em: 25 set. 2014.

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de Ajustamento de Conduta, bem como desempenhando um combate extrajudicial contra a publicidade voltada ao público infantil. O principal mecanismo utilizado na seara extrajudicial é o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, mais conhecido como TAC. O artigo 113 do Código de Defesa do Consumidor foi inovador ao regular a matéria, alterando a Lei Federal n. 7.347/85 – Lei que trata sobre a responsabilidade da ação civil pública por danos ao meio ambiente e ao consumidor – para determinar que possuam legitimidade para propor ação principal e ação cautelar determinados institutos, como o litisconsórcio facultativo entre o Ministério Público da União, do Distrito Federal e dos Estados; e que os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. O Ministério Público tem contribuído para a inibição da publicidade abusiva destinada aos infantes não apenas através do TAC, mas, sobretudo por meio de procedimentos investigatórios como, por exemplo, a investigação instaurada pelo MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) para apurar a inserção publicitária “Danoninho Mini Dinos – Poderes da Natureza”25, a qual, segundo o parquet distrital, abusava notoriamente da capacidade de discernimento das crianças ao apresentar excesso de cores, movimentos animados e sensação de aventura. Os termos de ajustamento de conduta têm funcionado como uma forma preventiva de controle da publicidade abusiva infantil. Por serem títulos executivos extrajudiciais, são capazes de antecipar a resolução de problemas que, caso fossem levados para o âmbito do Poder Judiciário poderiam durar meses ou anos, e, por corolário da morosidade do sistema jurídico atual, tornar o controle inócuo em razão do dinamismo da publicidade. Nesse sentido, tome-se como exemplo o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta celebrado entre as empresas Maurício de Souza Produções Ltda., a Panini Brasil Ltda e o Ministério Público do Estado de São Paulo, através do qual o famoso cartunista, após ser denunciado por inserir publicidades extravagantes em seus produtos, se compromete a anexar em cada página publicitária da revista “Turma da Mônica” advertências. Nos termos da primeira cláusula do TAC, os compromissários assumem a obrigação de fazer constar no canto superior 25 MPDFT. Ministério Público investiga publicidade infantil da Danoninho. Disponível em: Acesso em: 24 set. 2014.

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esquerdo de cada página publicitária, título com a seguinte expressão ou equivalente: “INFORME PUBLICITÁRIO”, com caracteres em caixa alta, estabelecendo qual a fonte, o tamanho da letra e as demais edições, em cores que se destaquem daquelas do fundo da página, relativa às revistas em quadrinhos e demais publicações editoriais destinadas ao público infanto-juvenil e que tenham por objeto histórias e conteúdos relacionados aos personagens publicamente conhecidos como integrantes da “Turma da Mônica”26. É crucial notar a fundamentação jurídica e ética utilizada no TAC. Os artigos 3° e 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são evocados para se reafirmar que a criança goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, bem como assegura que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. O Termo de Ajustamento de Conduta é um instrumento capaz mitigar as práticas abusivas, embora possa também estar a serviço da impunidade e do jogo de interesses das corporações de publicidade. Isso decorre justamente do fato de a adesão a um TAC poder ser instrumento das agências publicitárias para evitar que a força normativa de uma lei, em sentido estrito, possa trazer prejuízos econômicos ainda mais severos às empresas. Dessa forma, se o controle extrajudicial que existe atualmente não é suficientemente razoável, em decorrência de os termos de ajustamento poderem representar uma fuga à criação de uma lei mais rigorosa, um sistema de controle mais direto e sem a necessidade de toda a solenidade e exclusividade que envolve um TAC com certeza seria a forma mais eficaz, econômica e correta para se controlar extrajudicialmente a publicidade infantil. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) é um órgão ético que possui uma capacidade de controle da publicidade abusiva. Como demonstrou estudo elaborado pelo Programa de Pós-Graduação de Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), mais de 30% do Conselho de Ética é composto por profissionais e empresários do 26 MP-SP. Maurício de Sousa firma TAC com o MP para disciplinar publicidade em revistas infantis. Disponível em: Acesso em: 28 set. 2014.

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próprio ramo publicitário27, o que, no mínimo, compromete uma equidistância razoável para que esse Conselho possa ter alguma posição mais positiva perante os demais meios de controle extrajudicial da publicidade abusiva. Dessa forma, sendo uma ONG meramente ético-simbólica, o Conar possui como maior título punitivo uma recomendação para que determinada peça publicitária abusiva seja interrompida ou suspensa28. No ano de 2013, porém, o órgão alterou a seção 11 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, dispondo, via recomendação, que não haja merchandisings envolvendo crianças ou outros elementos do universo infante de forma que chame a atenção para o produto de forma a se aproveitar da hipervulnerabilidadedo alvo. Condena o art. 37 do referido Código a ação de merchandising ou publicidade indireta contratada que empregue crianças, elementos do universo infantil ou outros artifícios com a deliberada finalidade de captar a atenção desse público específico, qualquer que seja o veículo utilizado. O mesmo dispositivo também sugere que para a avaliação da conformidade das ações de merchandising ou publicidade indireta contratada ao disposto nesta Seção (Da Publicidade), levar-se-á em consideração que o público-alvo a que elas são dirigidas seja adulto, que o produto não deve ser anunciado com o intuito de ser consumido por crianças e que a linguagem, imagens, sons e outros artifícios nelas presentes sejam destituídos da finalidade de despertar a curiosidade ou a atenção das crianças. Finalmente, atentemos para a Resolução n. 163 de 2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) através da qual se disciplina, com força vinculante própria de ato administrativo, a matéria, não obstante categorias empresariais do mercado ponham em questão o caráter vinculante de tal norma – alegação que veremos, adiante, ser insustentável. As principais inovações da resolução são trazer conceituações oficiais de abusividade mercadológica destinada ao público infantil (art. 1º); bem como instituir uma normativa primária, de acordo com a Constituição Federal (art. 59, VII, CF-88), que não tenha caráter meramente orientador. 27 BARBOSA, A. A criança e o brinquedo-TV: análise sobre o discurso publicitário direcionado para a infância na Rede Globo de Televisão. 2012. 216 f. Dissertação (Pós-graduação em Estudos da Mídia) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012. 28 HENRIQUES, Isabela; VIVARTA, Veet. (Org.) Publicidade de alimentos e crianças: regulação no Brasil e no mundo. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 52.

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Dentre outros, a Resolução n. 163 da CONANDA define que a comunicação mercadológica abusiva (art. 1º, §2º) abrange spots de rádio, banners e páginas de internet, embalagens, comerciais televisivos etc., ao passo em que se utiliza de aspectos como linguagem e trilhas sonoras infantis, representações de crianças, pessoas ou celebridades com apelo infantil, bonecos, similares etc. (art. 2º, caput e incisos). Por se tratar de um tema polêmico, algumas categorias questionam a legitimidade vinculante da resolução, alegando, dentre outros, que a CONANDA seria um órgão consultivo sem capacidade legislativa. Entretanto, por não ser o objetivo deste trabalho uma discussão dentro do Direito Administrativo acerca da natureza jurídica da CONANDA e de suas resoluções, restringimo-nos a apresentar o tema; embora tenhamos a convicção de que, por ser um órgão legitimamente instituído pelo Poder Executivo, possui capacidade normativa própria da função administrativa, qual seja, o poder regulamentar (art. 59, VII, CF-88), sobretudo por apenas disciplinar o que já é determinado pelo art. 37 do CDC. 3.2 CONTROLE JUDICIAL O controle jurídico é, sem sombra de dúvida, o sistema mais impactante no controle das práticas abusivas da publicidade voltada às categorias infantojuvenis. Seja pelo fato de uma sentença judicial produzir os efeitos de precedentes judiciais e, de certa maneira, tornar o controle do Direito – no que se refere a esta matéria – mais delimitado, se comparado à abstração e às sanções paliativas das vias extrajudiciais de controle; ou pelo fato de causarem intimidação direta nos publicitários em decorrência de penas pecuniárias ou até mesmo criminais que podem ser aplicadas. Os Tribunais têm compreendido de maneira diversa o fenômeno da publicidade abusiva destinada às crianças. Em tantos julgados analisados pudemos encontrar tantos quantos julgados divergentes. Porém, apenas o caso in concretu tem sido o fator determinante nos Acórdãos e relatórios das Cortes brasileiras, não obstante, é cabível ressaltar que quase todos possuem como ponto de intersecção o entendimento de que a publicidade infantil deve ser controlada através da interpretação, ou seja, da utilização de dispositivos constitucionais, como o art. 227 da Constituição Federal, o art. 37 do Código de Defesa do Consumidor, os artigos 4°, 5° e 6° do Estatuto da Criança e do Adolescente e, inclusive, o art. 37 do Código de Ética do CONAR. 137

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Em uma Apelação Cível que ingressou no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo29, o Ministério Público requereu seu provimento para que uma determinada empresa do gênero alimentício, Pandurata Alimentos Ltda. fosse condenada por prática de publicidade abusiva ao incorrer em duas atitudes ilícitas, quais fossem, a venda casada de relógios infantis, condicionada à compra de biscoitos da linha “Gulosos” e a campanha a ela referente: “É Hora de Shrek”. O Egrégio Tribunal paulista entendeu que se configurava publicidade abusiva porquanto as normas protetoras da criança proíbem qualquer conduta que se aproveite de sua hipervulnerabilidade para induzi-las a práticas dissonantes do universo infantil. Para o referido Tribunal, ao vender relógios de pulso a crianças, a empresa agia de má-fé publicitária, considerando que sequer esse público sabe consultar tal aparelho e entender o significado dos ponteiros, da mesma forma que a venda casada não passava de um estímulo à ingenuidade e inexperiência daquele público para que os pais se sentissem emocionalmente forçados a comprar mais um relógio, incentivando apenas o espírito de consumo irresponsável nos infantes. Entenderam os Desembargadores que tal campanha, desmascarada a sua essência abusiva, na verdade incitava o público infantil a consumir coisas inúteis que eles pudessem ostentar. Seria então apenas uma maneira de impulsionar até mesmo as diferenças entre as crianças, considerando que a cada quatro biscoitos comprados era adquirido um relógio, fazendo com que aqueles que possuíssem maior poder aquisitivo estivessem em vantagem sobre aqueles com menor. Para dar provimento ao Recurso, o TJSP utilizou-se, além do artigo 37 do CDC e das normas do ECA, ou seja, de dispositivos normativos com força de Lei, o art. 37 do Código de Ética do CONAR, o qual não possui tal equivalência legislativa, tendo sido utilizado com muita perspicácia e sabedoria, e de forma harmônica ao ordenamento jurídico brasileiro, para poder condenar a Apelada ao pagamento de uma indenização no montante de R$ 300.000,00, além de proibir a vinculação de tal campanha publicitária e qualquer outra que condicionasse a venda de produtos a outros de forma que as crianças, destinatárias, fossem compelidas a um espírito de ostentação incompatível com a imaturidade.

29 TJSP – Apelação: APL 03423849020098260000 SP 0342384-90.2009.8.26.0000 . Pandurata Alimentos Ltda. e Ministério Público – SP. Relator: Ramon Mateo Júnior. Data de Julgamento: 08/05/2013. 7ª Câmara de Direito Privado. Data de Publicação: 08/05/2013.

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Noutro julgado30, o mesmo Tribunal decidiu de forma divergente da citada. Tratava-se de um caso no qual a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor – PROCON ingressou em juízo uma Ação Declaratória Negativa de Débito em desfavor da Sadia S/A requerendo que fosse reconhecido o auto de infração, imposto pelo PROCON, no valor de R$ 456.240,00 após a empresa alimentícia inserir, no mercado, peça publicitária denominada “Mascotes da Sadia” através da qual as crianças seriam induzidas, por cores extravagantes e chamadas abusivas, a comprarem mascotes em miniaturas da empresa mediante a aquisição de produtos da Sadia S/A. Entendeu o Tribunal, a priori, que embora o PROCON estivesse legitimado a impor sanções administrativas pecuniárias através de autos de infração, aquela não era uma possibilidade legítima, porquanto o conceito de publicidade abusiva alegado pelo Autor era demasiadamente plástico e abstrato para ser julgado por um órgão meramente administrativo de proteção ao consumidor. Assim, o inteiro teor do Acórdão compreende que o art. 37 do CDC não é preciso o suficiente, ou seja, não é claro e determinado, para que se garanta ao PROCON o direito de preencher um direito indeterminado como o de publicidade abusiva, o qual se diferenciaria de publicidade enganosa. Mas este entendimento é uma mera formalidade que serve apenas para compreender a relação do Poder Judiciário com os demais órgãos protetores consumeristas. O que mais importa aqui é a curiosa assertiva do TJSP ao alegar que não restava possível a existência de publicidade abusiva destinada às crianças porquanto o público infantil não era capaz de ter influência absoluta sobre as decisões dos pais e, portanto, a decisão final de comprar ou não um produto passava pelo crivo da autoridade familiar. Compreendeu o Tribunal paulista, que embora os tempos pós-modernos fossem caracterizados pelo novo fato social através do qual há uma influência das crianças sobre as decisões de consumo da família, esta não era uma influência total, absoluta e inquestionável, sobretudo em famílias estruturadas com crianças bem assistidas. Foi decidido que tais produtos, mesmo permeados e assessorados de campanhas publicitárias hipnotizantes, não eram adquiridos diretamente por crianças e sim pelos responsáveis. Dessa forma, esta foi a tese construída para descaracte30 TJSP. Apelação: APL 251804420098260053. SP 0025180-44.2009.8.26.0053. Relator: Vicente de Abreu Amadei. Data de Julgamento: 27/11/2012. 1ª Câmara de Direito Público. Data de Publicação: 28/11/2012.

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rizar a deficiência de julgamento e experiência das crianças. No entanto, é preciso reconhecer que embora a capacidade de influência da criança sobre os pais não seja absoluta, a tese de que apenas em raras exceções se configura a deficiência de julgamento dos infantes em decorrência da filtragem de decisões dos pais deve ser encarada com cautela, pois não existem dados estatísticos ou estudos que comprovem especificamente isso. É preciso recorrer a uma interpretação teleológica do art. 37 do CDC, bem como a uma hermenêutica sistemática do ordenamento jurídico brasileiro em relação à proteção da criança e do adolescente. A disposição normativa do Código de Defesa do Consumidor determina que é proibida a publicidade enganosa ou abusiva, e define a publicidade abusiva como aquela, dentre outras, que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança. Ou seja, isso significa que a peça publicitária não precisa se utilizar em absoluto da hipervulnerabilidade infantil para alcançar seu objetivo; bastando, para tal, a sua mera influência. Isso é disposto no verbete “que se aproveite”. Essa expressão deixa notória qual é a finalidade da disposição normativa: impedir que a publicidade se aproveite do poder de influência, ainda que esta seja relativa, da criança sobre os pais para adquirir produto. De outro lado, tem-se todo um arcabouço normativo, seja legal ou ético, que subsidia a incontestável finalidade do ordenamento jurídico brasileiro em proteger a criança de qualquer ato que venha a se utilizar da sua incapacidade para alcançar objetivos econômicos ou políticos. 3.3 O PROJETO DE LEI N. 5.291/2001 Em trâmite no Congresso Nacional, o Projeto de Lei n. 5.291 de 2001 altera o artigo 37 do CDC e proíbe a publicidade destinada ao público infantil, colocando uma posição final do Estado brasileiro em relação ao tema. Porém, uma disputa política envolve este projeto. De um lado, o empresariado e o lobby da categoria publicitária que afirma que o mercado brasileiro de publicidade pode sofrer perdas consideráveis, além de que a educação de crianças não deve partir do Estado e sim de casa, dos pais; e de outro, a sociedade civil, que entende que a publicidade destinada à criança possui graves consequências não só para a maturidade financeira e intelectual das mesmas, como também da própria maturidade moral e ética, cabendo ao Estado se posicionar e proibir tais inserções.

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A sociedade civil não tem condições de controlar o esmagador poder de influência que possui uma publicidade sobre as crianças, sobretudo em tempos nos quais a interação social é cada vez mais intensa, em decorrência da internet e suas redes sociais. Não se trata apenas de uma questão mercadológica e econômica, mas da falta de discernimento infantil sendo utilizada como meio para se alcançarem fins privados, em detrimento do sentimento de impotência que os pais e responsáveis se deparam ao saberem que é impossível evitar que as crianças se relacionem com peças publicitárias que não pedem licença para entrar em casa e na mente dos infantes. Com a aprovação ou não do referido Projeto de Lei, o fato é que o ordenamento político brasileiro precisa se posicionar definitivamente quanto ao tema, seja aprovando novos institutos jurídicos, ou criando órgãos específicos e competentes para regulamentar e fiscalizar a matéria, não permitindo que as peças publicitárias abusivas fiquem ao cargo da discricionariedade de instituições, muitas vezes, alheias ao problema real que essas inserções apresentam. 4 CONCLUSÃO Partindo da análise constitucional chegamos à conclusão de que a proteção ao Direito do Consumidor no ordenamento jurídico brasileiro tem caráter de norma fundamental. A criança, por sua vez, ainda na seara constitucional, mas também na normativa específica, é no Direito pátrio objeto de proteção integral. No universo do consumo a criança é elevada à condição de consumidor, vez que é alvo de peças publicitárias e que se utiliza de produtos em ocasiões específicas. Contudo, a criança é um ser hipervulnerável. Isso significa dizer que sua capacidade de dedução, compreensão, visão de mundo e discernimento até mesmo das valorações morais da sociedade estão ainda em fase de desenvolvimento. As crianças passaram a servir instrumentos úteis nessa dinâmica do mercado, e restou (também) ao Direito posicionar-se. O ordenamento jurídico brasileiro tenta de diversas formas, ainda que com feições embrionárias e demasiadamente abstratas, puxar as rédeas da publicidade abusiva destinada ao público infantil. As grandes empresas, visando o aumento contínuo de seus lucros e a fidelização cada vez mais precoce do cliente, passaram a se aproveitar dessa condição de desenvolvimento em que se encontra o infante. O principal meio para isso é indubitavelmente o aparelho de TV. 141

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Por suas próprias características e pela definição de publicidade abusiva é possível constatar que a publicidade voltada para a criança é por inteira abusiva. Quanto ao adolescente, com base no critério cronológico adotado pelo Direito brasileiro, embora haja diferenças individuais, a simples publicidade voltada a ele não é de todo abusiva. Contudo, podem ser alvo desta tal como todo e qualquer consumidor que sejam lesados em seus valores éticos e morais. O controle jurídico da publicidade destinada ao público infantil carece de uma regulamentação ainda mais específica e uma fiscalização exercida por órgãos além dos já existentes, como ANATEL, o Ministério Público ou o CONAR. Esbarrando na resistência das categorias publicitárias a tal controle, a normatização e a fiscalização são feita através de órgãos e institutos jurídicos, como o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente ou o Código de Ética do CONAR. Há um controle extrajudicial que tem exercido um papel fundamental na matéria e na inibição das práticas abusivas que se aproveitem da hipersensibilidade do público infantil, como é o caso dos PROCONs e dos Termos de Compromisso e Ajustamento de Conduta, assinados entre as empresas e o Ministério Público. Entre os Tribunais do país, as decisões e opiniões têm sido divergentes, sobretudo do que tange à definição do que seja a vulnerabilidade infantil ou de quais sejam os limites da prática publicitária para que ela seja considerada abusiva.

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Publicidade abusiva que desrespeita valores ambientais Arthur de Araújo Lucena Carlos Humberto Rios Mendes Júnior 1 INTRODUÇÃO A publicidade abusiva parece ser tão antiga quanto a própria publicidade. Se leva por terra, sob a égide da comunicação social com fins mercadológicos, princípios como respeito a crenças, raça, paz e até segurança, individual ou coletiva. Quando dita publicidade abusiva desrespeita valores ambientais, a questão parece assumir proporções ainda maiores e bastante gravosas, dada a intensa preocupação das últimas décadas com o resguardo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Pior, uma peça publicitária nestes padrões não apenas abusa da vulnerabilidade do consumidor, desrespeitando o direito à informação verdadeira que todo consumidor tem como certo, mas utiliza dito consumidor como instrumento na ofensa ao equilíbrio ambiental tão buscado. Levando-se em consideração, portanto, que o resguardo do meio ambiente ecologicamente equilibrado e a proteção do consumidor são itens de extrema importância para o Estado brasileiro, se faz necessário o estudo desta vertente da publicidade abusiva (antiambiental) para caracterizá-la corretamente, bem como elencar os valores ambientais constitucionalmente protegidos que tal publicidade atinge. O objetivo deste trabalho, desta forma, é estudar a publicidade abusiva que desrespeita valores ambientais, analisando principiologicamente sua infração, bem como revisando alguns casos práticos nos quais ocorrências desta vertente específica de publicidade abusiva tomaram parte.

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2 O DIREITO DE SE INFORMAR, O DEVER DE SER INFORMADO E A PUBLICIDADE ABUSIVA No mundo globalizado a informação é uma commodity. É analisada, negociada, distribuída. Dela se obtém lucros ou prejuízos enormes, e o consumidor parece estar à sua mercê: quando bem informado, pode realizar escolhas conscientes (e portanto melhores); quando mal informado, não. No que pese este conceito “Lex mercatorio” da informação, no que tange ao direito do consumidor, sua distribuição ainda é, ao mesmo tempo, um direito e um dever. Todo consumidor tem o direito de se informar e assim poder gerir melhor os bens e serviços que contrata. Para tanto, todavia, a informação precisa existir, estar disponível, sendo sua disponibilização uma obrigação do fornecedor, um dever inerente à sua atuação no mercado1. A publicidade constitui uma das formas de disponibilização de informação que possui o fornecedor. É, assim, um meio constitucionalmente guarnecido (artigo 5º, IX e X, e artigo 220, caput, da Constituição Federal) através do qual dito fornecedor aproxima seus produtos ou serviços do consumidor, difundindo-os2. A publicidade, quando lícita, é benéfica a ambos os lados, fornecedor e consumidor, e, quando bem feita, responde com um só ato àquele direito de se informar e aquele dever de ser informado do qual aqui se trata. Quando realizada de maneira ilícita, contudo, fere a proteção ao consumidor e aduz uma má utilização da hipersuficiência que possui, via de regra, o fornecedor. Defesa no artigo 37, §2º do Código de Defesa do Consumidor, a publicidade abusiva é toda aquela que, entre outras (perceba-se que o tipo é aberto, de maneira a não restringir seu conceito) incita a violência, explore o medo ou superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais ou que seja capaz de induzir o consumidor a se portar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. A abusividade da publicidade leva em consideração os efeitos da mesma sobre o consumidor, não sendo necessário que um dano real venha a ocorrer, e nem tampouco que haja relação direta com o produto ou serviço oferecido3. Ou seja, o que se busca resguardar é a integridade formal do consumidor como parte exposta a 1 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 97. 2 Ibid., p. 106. 3 Ibid., p. 565.

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uma informação potencialmente nociva trazida pelo fornecedor, independente dos efeitos, consequências ou danos para além da psique do indivíduo, bem como da relação com o produto ou serviço sobre o qual dita publicidade se refira. O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitári4, criado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR, organização da sociedade civil responsável pela autorregulação do setor, criada especificamente para evitar que a publicidade enganosa ou abusiva traga constrangimento ao consumidor, também trata deste modelo de publicidade ilícita de maneira pulverizada dentro de seu Capítulo II, “Princípios Gerais”, quando dispõe sobre a vedação à publicidade que descumpra a respeitabilidade (Seção 1), que utilize de medo, superstição e violência (Seção 4), que vá de encontro a preocupações ambientais (Seção 10), entre outros. 3 VALORES AMBIENTAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Do ponto de vista jurídico, sempre houve disposições normativas jurídicas com foco na tutela da natureza. Elas se transfiguravam em normas de Direito Privado voltadas para relações de vizinhança, ou ainda tratavam do uso de elementos naturais de maneira nociva, ou realizado com incômodos ou prejuízos a terceiros. Com o agravamento da crise ambiental percebido especialmente do final do século passado para o período atual, contudo, os caminhos mais ortodoxos que dividem o Direito em Público e Privado não parecem mais suficientes para lidar e responder à realidade5. O Direito Ambiental surge então como um Direito de caráter transversal6, cuja finalidade é regular a apropriação econômica dos bens ambientais de maneira sustentável, voltada para o desenvolvimento econômico e social, garantindo participação das partes nos rumos e diretrizes adotados7. O Direito Ambiental não 4 CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA – CONAR (São Paulo). Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 1980. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2014. 5 PHILIPPI JÚNIOR, Arlindo; RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Uma Introdução ao Direito Ambiental: Conceitos e Princípios. In: PHILIPPI JUNIOR, Arlindo; ALVES, Alaôr Caffé (Ed.). Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Manole, 2005, p. 9. 6 Assim como o Direito das Relações de Consumo, ressalve-se. 7 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental: Aspectos Fundamentais. In: FARIAS, Talden; COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega (Org.). Direito Ambiental: O meio ambiente e os desafios da contemporaneidade. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 168.

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pode ser examinado de maneira rígida, sendo dotado de flexibilidade e maleabilidade8, eis que não apenas se comunica com outros ramos do direito, mas se adapta tanto às alterações nestes como às do próprio meio social, devendo ser encarado sempre como em constante evolução. A Constituição Federal de 1988 trouxe à proteção jurídica do meio ambiente avanços consideráveis. Não apenas foi a proteção ambiental elevada a direito fundamental (artigo 225, caput), mas, se passou a tratar o meio ambiente como uma preocupação inerente a qualquer atuação ambientalmente impactante, seja ela realizada por qualquer parte, incluindo particulares, empresas ou associações. Definiu-se ainda a própria atuação do Estado, eis que é mandamento constitucional que a preocupação ambiental deve constar e influenciar o processo legiferante, as atuações administrativas e toda e qualquer política do Estado que possa vir a impactar o meio ambiente (artigo 225, caput,e seu §1º, ambos da Constituição Federal). Desta forma, o Direito Ambiental viu-se positivamente pulverizado pelo texto constitucional, imbuindo desde a interpretação da função social da propriedade, que abarca o uso consciente e ecologicamente responsável mesmo da exploração da propriedade privada (artigo 225, §2º) até a atuação estatal (artigo 225, caput). Antes da promulgação da Constituição Federal, era a Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 que regia a proteção ambiental no Brasil, dispondo sobre a Política e o Sistema Nacional do Meio Ambiente. Havia, ainda, o Código Florestal, o Código de Caça, o Código das Águas, o Código de Mineração e diversas outras leis esparsas9. Os institutos recepcionados pela Constituição Federal permaneceram, mas agora com proteção da mesma. Os benefícios da chamada constitucionalização do ambiente são vários. Tem-se o estabelecimento de um dever constitucional genérico de não degradar no caput do artigo 225 da Constituição Federal, que funciona como contraponto ao direito de propriedade na medida em que aplica à função social um viés ecológico deveras bem- vindo10; supera-se o paradigma da legalidade ambiental substituindo-o pela constitucionalidade, de maneira a reforçar as normas ambien8 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental: Aspectos Fundamentais. In: FARIAS, Talden; COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega (Org.). Direito Ambiental: O meio ambiente e os desafios da contemporaneidade. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 169. 9 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 66. 10 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 89.

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tais infraconstitucionais, dando-lhes proteção da Constituição Federal11; reduz-se a discricionariedade administrativa12, na medida em que se cria o dever da tutela ambiental inerente a todos os órgãos governamentais no artigo 225, caput e §1º da Constituição Federal; por fim, eleva-se a proteção ambiental ao título de direito fundamental13. Nesse contexto, permeou-se ainda diversos princípios ambientais no texto constitucional, os quais se passa a analisar. Os princípios são extraídos do ordenamento jurídico, podendo ser explícitos ou implícitos, e servem para guiar a análise de todo o restante do corpo normativo, balizando o procedimento do legislador, do magistrado e dos operadores de Direito em geral14. Os princípios exercem as funções integradora (ao preencherem as lacunas que a Lei invariavelmente possuirá), interpretativa (ao servirem de condão orientador para o intérprete legislativo, seja ele quem for), delimitadora (ao conduzirem a atuação legiferante, judicial e negocial) e fundante (ao fundamentarem o ordenamento jurídico)15. A proteção ambiental e a necessidade do desenvolvimento baseado em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, fez surgir princípios de caráter ambiental que não se restringem a nenhum país em particular, mas possuem escopo global. Tais princípios da chamada Política Global do Meio Ambiente, foram formulados na Conferência de Estocolmo de 1972 e ampliados na ECO-92. Em contrapartida, a chamada Política Nacional do Meio Ambiente é a forma através do qual ditos princípios globais são aplicados em caráter local, se adaptando à realidade social de cada país16.

11 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 99. 12 Ibid., p. 95. 13 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 93. 14 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 100. 15 Ibid., p.102. 16 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 27.

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A Constituição Federal de 1988 trouxe, em seu artigo 22517, princípios fundamentais relativos ao Direito Ambiental que condizem com aqueles relacionados na chamada Política Global do Meio Ambiente (formada pela Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano18 e atualizada pela Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento19) destacando-se a menção ao princípio do desenvolvimento sustentável, ao princípio da ubiquidade, ao princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao princípio da intervenção estatal e ao princípio da prevenção, todos previstos no caput do mencionado dispositivo constitucional. O princípio do desenvolvimento sustentável, primeiro princípio a ser percebido como imbuído no artigo 225, caput da Constituição Federal é fruto da evolução do conceito de desenvolvimento, onde se percebeu que, dado o fato de serem os recursos naturais esgotáveis, não podem mais as atividades econômicas agir de maneira ambientalmente estanque, ou seja, o desenvolvimento, anteriormente assimilado na concepção liberal, pode ocorrer, mas deve sê-lo de maneira planejada, sustentável, dentro de uma concepção hodierna, que leva em consideração as consequências ambientais das escolhas realizadas20. Há quem entenda, inclusive, que não mais é possível se falar em dicotomia desenvolvimento/preservação ambiental, mas sim em uma completa influência da questão ambiental como parte integrante de todo o escopo de decisões, sejam elas tomadas pelo Estado, pelo particular ou pela empresa, de maneira a transfigurar o viés ambiental em todas as grandes ações humanas, eis que podem de alguma forma possuir impacto ecológico21. Este é o princípio da ubiquidade. Essa ideia, de que toda ação humana deve levar em consideração o impacto ambiental, se encontra transfigurada na Constituição Federal também através 17 Art. 225, caput. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. 18 UNEP - United Nations Environment Programme. Declaration of the United Nations Conference on the Human Environment. 1972. Disponível em: . Acesso em: 28 dez. 2014. 19 UNITED NATIONS. Rio Declaration on Environment and Development. 1992. Disponível em: . Acesso em: 28 dez. 2014. 20 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 28. 21 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 105.

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do artigo 170, inciso VI, o qual consagrou a defesa do meio ambiente como princípio geral da ordem econômica. Por sua vez, o princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado, como transcrito ainda no artigo 225, caput da Constituição Federal, destila-se na colocação de que tal equilíbrio ambiental é fator essencial à sadia qualidade de vida22. Assim, o meio ambiente equilibrado não apenas é expressamente definido como patrimônio de todos (presentes e futuras gerações), bem como tal condição é entrelaçada à própria dignidade da pessoa humana. Por fim, na medida em que a Constituição Federal determina ser responsabilidade do Poder Público e da coletividade o resguardo e o apreço pelo equilíbrio ambiental (artigo 225, caput), percebe-se a incidência do princípio da participação, que basicamente reza pela atuação ambiental conjunta entre todas as partes, seja o Estado, os indivíduos, as organizações de proteção ambiental, as empresas, a agricultura, enfim, todos23. Isto, lembre-se, não como faculdade mas como dever, pois a falha em dita participação por uma das partes resulta em um dano a ser suportado por todas elas. No que tange especificamente à participação do Estado, destila-se ainda o princípio da intervenção estatal, também corolário da defesa do meio ambiente ao prezar pela atuação ativa do Poder Estatal na proteção ambiental. Também são vertentes do princípio da participação tanto a educação ambiental como a informação ambiental. Aquela preza pela instrução da população para o agir ambientalmente correto, fixando a ideia de consciência ecológica ao mesmo tempo em que reduz os custos ambientais, pois haverá um aumento na participação ativa do indivíduo na defesa ambiental24. Já a informação ambiental diz respeito à limitação ao direito de informar que o prisma ambiental exige, ou seja, o dever de que a comunicação social leve em consideração os princípios norteadores de um Estado cuja preocupação ambiental faz parte de seus objetivos principais. Em outras palavras, a comunicação social é livre, mas deve respeitar as

22 CARVALHO, Antônio Cesar Leite de; SANTANA, José Lima. Direito Ambiental Brasileiro em Perspectiva. Curitiba: Juruá, 2009, p. 186. 23 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 56. 24 Ibid., p. 58.

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circunscrições da proteção ambiental e do meio ambiente ecologicamente equilibrado25. Ao se estudar a publicidade abusiva que desrespeita valores ambientais, se está estudando o desrespeito à informação ambiental. 4 REGULAMENTAÇÃO E ANÁLISE DE DECISÕES ENVOLVENDO A PUBLICIDADE QUE DESRESPEITA VALORES AMBIENTAIS No Estado contemporâneo, tornou-se um grande dilema a tarefa de conciliar consumo e preservação ambiental, uma vez que predomina na sociedade uma massificação da informação direcionada ao consumo, mais voltada para o lucro, do que para preservação ambiental. Consumir primeiro para depois cuidar da natureza tornou-se uma regra inconscientemente aceita26. No artigo 37, §2° do Código de Defesa do Consumidor, encontra-se a proibição da publicidade abusiva que desrespeita valores ambientais, cujo teor procura resguardar valores éticos e princípios constitucionais fundamentais, entre eles, a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225, caput da Constituição Federal). É considerada abusiva qualquer forma de anúncio publicitário que desrespeita valores ambientais, isto é, não podendo estimular, por exemplo, a poluição, depredação e desperdício. Assim sendo, está proibido qualquer anúncio que direta ou indiretamente estimule: a poluição do ar, das águas, das matas, dos demais recursos naturais, bem como, do meio ambiente urbano; a depredação da fauna, da flora e dos demais recursos naturais; a poluição visual dos campos e das cidades; a poluição sonora; e o desperdício de recursos naturais27. Nesse sentido, é estabelecida a proteção ambiental na seara publicitária pelo artigo 36 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária28, o qual reflete as preocupações de toda humanidade com os problemas relacionados com o meio ambiente e a qualidade de vida. 25 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 58. 26 BARROS, Lucivaldo Vasconcelos. O direito à informação socioambiental na sociedade do consumo. In: FARIAS, Talden; COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega. Direito ambiental: o meio ambiente e os desafios da contemporaneidade. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 265. 27 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 508. 28 Art. 36. A publicidade deverá refletir as preocupações de toda a humanidade com os problemas relacionados com a qualidade de vida e a proteção do meio ambiente; assim, serão vigorosamente

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Por oportuno, passa-se a analisar alguns precedentes judiciais e administrativos acerca do tema. Foi interposta pela Companhia Brasileira de Bebidas e Carillo Patore Euro Rscg Comunicações L1 uma Ação objetivando a desconstituição de auto de infração emitida pelo Procon/SP que considerou abusiva por desrespeito a valores ambientais peça publicitária de divulgação do guaraná Brahma, ensejando uma imposição de multa no valor de R$ 727. 099,00 (setecentos e vinte e sete mil e noventa e nove reais). Nela, uma família degusta um refrigerante em frente a uma jaula onde está um macaco. O filho pede ao pai que entregue a lata do refrigerante ao macaco como se estivesse oferecendo a bebida ao animal. Entretanto, tal embalagem encontra-se vazia e quando este percebe que não há bebida, joga de volta a lata. Para o Juízo de 1ª instância houve efetivamente desrespeito a valores ambientais, isto é, a alimentação de animais em cativeiro e, assim, julgou improcedente a pretensão autoral29. Contudo, no entendimento da 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o que pretendeu o referido anúncio publicitário foi demonstrar de uma maneira irônica o fato de que o macaco é bem mais inteligente que os humanos imaginam. Assim, o acórdão do Tribunal reformou a sentença, desconsiderando a abusividade da publicidade, dando provimento ao Recurso, julgando procedente a pretensão autoral30. Ainda no entendimento do referido Tribunal, não houve desrespeito a valores ambientais, incentivo em alimentar os animais, danos ambientais ou outras ações que pudessem implicar na subsunção ao disposto no artigo 37, §2° do Código de Defesa do Consumidor, mas sim, e tão somente, a criatividade dos publicitários brasileiros. Além disso, acatar a tese defendida pelo recorrido acabaria por dar uma interpretação excessivamente extensiva ao disposto no 37, §2° do Código de Defesa do Consumidor, a ponto de limitar sobremaneira a criatividade na publicidade31. combatidos os anúncios que, direta ou indiretamente, estimulem: 1) a poluição do ar, das águas, das matas e dos demais recursos naturais; 2) a poluição do meio ambiente urbano; 3) a depredação da fauna, da flora e dos demais recursos naturais; 4) a poluição visual dos campos e das cidades; 5) a poluição sonora; 6) o desperdício de recursos naturais. CONAR. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, de 05 de outubro de 1980. Disponível em< http://www.conar.org.br/codigo/codigo. php> Acesso em: 18 out. 2014. 29 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. 11ª Vara da Fazenda Pública – Foro Central. Ação de Desconstituição de Auto de Infração e Multa (Processo n° 0000939-50.2002.8.26.0053). 30 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. 7ª Camarâ de Direito Público. Apelação Com Revisão 5580855000. Relator: Nogueira Diefenthaler. Data do julgamento: 10/03/2008. 31 Ementa: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PROPAGANDA ABUSIVA. MULTA.

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O exame feito pela sentença e pelo acordão da intenção dos publicitários no referido anúncio mostra-se como irrelevante. Uma vez que a responsabilidade no caso é objetiva, deveria ter sido usado como parâmetro apenas a existência ou não da abusividade na peça publicitária, ou seja, deveria ter sido examinado apenas o desrepeito aos valores ambientais, estabelecidos pelo artigo 36 do Código Brasiliero de Autorregulamentação Publicitária. Com efeito, nesse caso concreto, deve-se entender como abusivo sim o anúncio publicitário ora sob análise, uma vez que incita os frequentadores de zoológicos a entregarem alimentos inadequados aos animais silvestres, podendo-lhes causar graves danos, prática, essa, combatida pelo artigo 36 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, ao não permitir anúncios publicitários que estimulem a depredação da fauna Dessa maneira, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deveria ter decidido no sentido de combater uma peça publicitária abusiva que poderia acarretar danos ao meio ambiente, criando ainda um precedente que poderá permitir a agências publicitárias de perpetuarem anúncios que desrespeitem valores ambientais. Um outro exemplo de anúncio publicitário que poderia ser considerado abusivo por violar valores ambientais, e não foi, trata-se do caso da denúncia feita no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) referente a peça publicitária do Fiat Palio Adventure. Um comercial para TV do referido modelo da Fiat mostra o carro trafegando pela faixa de areia de uma praia. Consumidores de Natal (RN), Porto Alegre (RS) e Rio de Janeiro (RJ) escreveram ao CONAR, suscitando que a cena insinuava um desrespeito ao meio ambiente, e em desacordo com as disposições normativas envolvendo apelos de sustentabilidade na publicidade. Em primeira instância no Conselho de Ética do CONAR, prevaleceu a recomendação de arquivamento da denúncia. Houve Recurso Ordinário contra a PROPORCIONALIDADE. Autuação e imposição de multa em razão de propaganda considerada abusiva, que, nos termos do art. 37, §2° do Código de Defesa do Consumidor é “a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança” Descaracterização. Peça publicitária que procurou explorar de forma jocosa determinada situação, não cabendo subsunção ao citado disposto legal Recurso provido. (TJSP, Apelação Com Revisão 5580855000, Relator:Nogueira Diefenthaler, 7ª Câmara de Direito Público, data do julgamento: 10/03/2008).

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decisão, mas ela foi reafirmada. Para a Relatora do caso, a decisão inicial foi acertada pois a publicidade apresentou o produto dentro de um contexto razoável, em cenário autorizado pelo Poder Público, entendendo que a divulgação do produto não constituiu uma violação das regras éticas de responsabilidade ambiental32. Dessa forma, mais uma vez um caso de anúncio publicitário de flagrante desrespeito aos valores ambientais, que caracterizava claramente publicidade abusiva, não foi considerado como tal. Pois, a partir do momento em que o anúncio mostra um automóvel trafegando pela areia da praia, tem-se um estímulo a uma ação que danifica a fauna, a flora e os recursos naturais provenientes do meio ambiente da praia, e assim sendo, uma afronta aos valores ambientais previstos no artigo 37, §2° do CDC, os quais são explicitados pelo artigo 36 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Em contrapartida a esses dois últimos casos, tem-se um outro exemplo de publicidade abusiva por desrespeitar valores ambientais e que foi confirmado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Uma Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina visava considerar abusiva publicidade vinculada pela empresa de energia elétrica Celesc Distribuição S.A, cujo teor deixava entender que a promoção de queimadas para limpar terrenos era medida normal, desde que se tomasse o cuidado de abrir valas ao redor dos postes de madeira para proteção da rede elétrica33. O Juízo de primeiro grau acatou a pretensão autoral, condenando a empresa ré à suspensão definitiva do anúncio publicitário abusivo e à obrigação de fazer contrapropaganda34 explicativa no sentido de que realizar queimadas sem con32 CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA. Representação n° 187/12. Mês/ano de julgamento: março/2013. Relator(a): Conselheiras Jessica Arlan e Daniela Gio Rios. Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2014. 33 A empresa de energia elétrica divulgava o anúncio publicitário com o seguinte texto: “Fazer queimadas em áreas próximas à rede elétrica é um ato irresponsável e da maior gravidade. além de provocar sérios danos ao patrimônio público, pode comprometer o fornecimento de energia, tanto para quem mora na cidade quanto para quem mora no campo. Seja inteligente! Quando for limpar o terreno para a lavoura, abra uma vala ao redor dos postes de madeira. Assim, o fogo permanece longe da rede elétrica.” Disponível em Acesso em: 18 out. 2014. 34 A imposição da contrapropaganda é medida que se impõe de forma judicial ou administrativa, como meio de efetiva prevenção e reparação dos danos causados aos consumidores, nos termos do inciso VI do artigo 6º do CDC. Assim sendo, não se trata de medida para denegrir a imagem do fornecedor ou de seu produto, mas sim apagar os reflexos negativos no comportamento do consumidor criados pela publicidade veiculada.

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trole e licença do órgão ambiental é medida ambientalmente incorreta.35 A empresa demandada interpôs recurso de Apelação Cível e, no entanto, a 2ª Câmara de Direito Público do TJ/SC manteve a sentença inalterada, afirmando que a sanção imposta pelo Juízo de primeiro grau estava correta, pois ocorreu veiculação de informe publicitário potencialmente afrontoso a valores ambientais36. Assim sendo, no referido anúncio publicitário, entende-se como acertada a sua configuração como publicidade abusiva por despeitar valores ambientais, pois a partir do momento em que ela estimulava a realização de queimadas para limpar terrenos, tem-se com isso uma uma peça publicitária que incentiva a depredação da fauna, da flora e de demais recursos naturais, o que é combatido pelo artigo 37, §2° do CDC e artigo 36 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 6 PUBLICIDADE VERDE E “ECOPROPAGANDA” Cada vez mais os consumidores estão conscientes do problema do desmatamento e dos danos ambientais provenientes do capital privado, favorecendo as marcas e empresas que possam demonstrar um vínculo claro com fontes sustentáveis. Assim, várias empresas estão se autodenominando empresas “ambientalmente sustentáveis”, utilizando-se da “ecopropaganda” ou publicidade verde para se beneficiar com a venda de produtos e serviços, de modo a se autopromover no mercado de consumo, fenômeno esse denominado como a “moda sustentável”37. No entanto, nota-se que o fornecedor, através de artimanhas, utiliza a publicidade verde para impor ao consumidor, parte mais frágil da relação, práticas abusivas com o objetivo de obter lucros, através da apresentação de inverdades em relação aos produtos ecologicamente corretos ou da alegação de preocupação ambiental não existente na corporação38.

35 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. 2ª Vara Cível da Comarca de Curitibanos. Ação Civil Pública (Processo n° 0000705-40.2010.8.24.0022) Data de Julgamento: 22/07/2010. 36 TJSC, Apelação Cível n. 2011.008325-9, de Curitibanos, Rel. Des. João Henrique Blasi, j. 2310-2012. 37 MORTARI, Ana Lucia; AGOSTINHO, Luis Otávio Vincenzi de. Os contornos da publicidade ambiental e prática do greenwashing. Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2014. p. 20. 38 ALCÂNTARA, Maria Isabel Esteves de; BALBINO, Michele Lucas Cardoso. A publicidade verde e os direitos do consumidor.  Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2014.

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Com efeito, apesar de um tema ainda pouco explorável no cenário jurídico, conforme determinação do artigo 36 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) estabeleceu parâmetros para que a publicidade verde possa ser utilizada. Dessa forma, a publicidade verde deve apresentar as informações ambientais de seus produtos através de dados legítimos, garantindo as informações técnicas e científicas apresentadas. Assim, aquela publicidade verde, que não apresenta os dados acerca das condições ambientais da empresa ou omite qualquer dado em relação à possível degradação ambiental, pode ser caracterizada como enganosa e abusiva, uma vez que induz o consumidor ao erro quanto à sua natureza e características e desrespeita valores ambientais, induzindo o consumidor a se comportar de forma prejudicial ao meio ambiente. Contudo, o que se tem é uma dificuldade no acesso às informações prestadas pelas empresas, bem como um alto grau de complexidade de seu conteúdo, quando acessíveis. Uma vez que certa empresa se apresente como sustentável, alegando algum motivo ou não, torna-se quase impossível afirmar que tal informação não condiz com a realidade de suas práticas. Nesses termos, quem é sustentável por um pequeno motivo pode alcançar a simpatia dos consumidores, sem necessariamente o ser39. 7 CONCLUSÃO O estudo da publicidade abusiva que desrespeita valores ambientais permite a demonstração crucial do amálgama entre matérias diferentes do Direito e a comprovação de que limitações formais são pouco práticas quando aplicadas à realidade. Assim, embora tenha-se evoluído bastante no quesito transversalidade de direitos, como facilmente observável pela maneira como ambos, Direito Ambiental e das Relações de Consumo parecem ser hodiernamente encarados, a pletora de casos reais onde a publicidade abusiva que desrespeita valores ambientais ocorreu mostra que a busca pelo bem estar coletivo em todas as suas vertentes ainda não faz parte da realidade brasileira. 39 MORTARI, Ana Lucia; AGOSTINHO, Luis Otávio Vincenzi de. Os contornos da publicidade ambiental e prática do greenwashing. Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2014. p. 23.

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A análise realizada no presente trabalho de decisões judiciais e administrativas acerca do tema mostrou uma certa dificuldade dos julgadores nos casos estudados de reconhecer nos anúncios publicitários a afronta aos valores ambientais previstos no artigo 37, §2° do CDC e artigo 36 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Não se deve analisar de forma subjetiva se a peça publicitária teve ou não a intenção de provocar uma afronta aos valores ambientais, mas, sim, de forma objetiva, se ela incentiva uma degradação ao meio ambiente. Tais decisões criam precedentes e estimulam a criação de novas peças publicitárias que vão de encontro à defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Importante ter em mente que esse tipo de publicidade abusiva se torna duplamente mais grave na medida em que se utiliza da comunicação social para estimular o consumidor, parte tradicionalmente hipossuficiente, a desconsiderar a proteção e resguardo do meio ambiente. Com uma só ação se desrespeita o direito básico daquele de uma informação verdadeira e honesta e se estimula a degradação desse. Levando isso em consideração, a intervenção direta do Estado e a atuação conjunta da sociedade civil, através da adoção de políticas públicas e programas de ação indutores de um desenvolvimento justo e equilibrado são cruciais para que tais abusos sejam dirimidos, como forma de resguardar não apenas os consumidores atuais, mas de evitar danos aos consumidores futuros, que encontrarão, muito provavelmente, uma realidade ambiental bem mais grave que a atual. Por fim, entende-se como necessária a melhoria da regulamentação do irregular uso da publicidade verde ou “ecopropaganda” feita por muitas empresas, tendo em vista ser uma prática publicitária ainda pouco combatida e de difícil configuração.

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REFERÊNCIAS ALCÂNTARA, Maria Isabel Esteves de; BALBINO, Michele Lucas Cardoso. A publicidade verde e os direitos do consumidor. Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2014. ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental: Aspectos Fundamentais. In: FARIAS, Talden; COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega (Org.). Direito Ambiental: O meio ambiente e os desafios da contemporaneidade. Belo Horizonte: Fórum, 2010. BARROS, Lucivaldo Vasconcelos. O direito à informação socioambiental na sociedade do consumo. In: FARIAS, Talden; COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega.Direito ambiental: o meio ambiente e os desafios da contemporaneidade. Belo Horizonte: Fórum, 2010. BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. ______. Lei Federal n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. ______. Lei Federal n° 9. 294 de 15 de julho de 1996. Dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal. CARVALHO, Antônio Cesar Leite de; SANTANA, José Lima. Direito Ambiental Brasileiro em Perspectiva. Curitiba: Juruá, 2009. 161

CAVALERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2012. CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA - CONAR (São Paulo). Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 1980. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2014. ______. Representação n° 187/12. Mês/ano de julgamento: março/2013. Relator(a): Conselheiras Jessica Arlan e Daniela Gio Rios. Disponível em: . Acesso em 18 out. 2014. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MORTARI, Ana Lucia; AGOSTINHO, Luis Otávio Vincenzi de. Os contornos da publicidade ambiental e prática do greenwashing. Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2014. NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. PHILIPPI JÚNIOR, Arlindo; RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Uma Introdução ao Direito Ambiental: Conceitos e Princípios. In: PHILIPPI JUNIOR, Arlindo; ALVES, Alaôr Caffé (Ed.). Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Barueri: Manole, 2005. SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. UNEP - United Nations Environment Programme. Declaration of the United Nations Conference on the Human Environment. 1972. Disponível em: . Acesso em: 28 dez. 2014. UNITED NATIONS. Rio Declaration on Environment and Development. 1992. Disponível em: . Acesso em: 28 dez. 2014. 162

Publicidade abusiva capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança Fernando Wallace Ferreira Pinto Samuel Filipe Silveira Aguiar 1 INTRODUÇÃO A publicidade, como instrumento de comunicação comercial e prática de marketing, é hoje um dos meios determinantes na vinculação entre o fornecedor e o consumidor, exercendo a capacidade de alterar significativamente as decisões de seus destinatários quanto aos produtos e serviços por meio dela ofertados. Em virtude de seu caráter comercial-veiculador a publicidade distinguese da produção da agência publicitária1 por servir como instrumento divulgador da matéria-prima realizada por agência ou publicitário1. Isso implica na vinculação do objeto da publicidade à atividade originária do fornecedor, a qual, por ter sua exploração e caráter primário legal e rigorosamente delimitados como agente de produção, exige, por extensão, o respectivo controle da atividade exercida. Apesar de ao agente publicitário serem asseguradas a liberdade de expressão de atividades artísticas e intelectuais e a liberdade profissional, respaldadas no artigo 5º da Constituição Federal, em seus incisos IX e XIII, não há de se confundir com a garantia de plena criação do artista, visto que realiza atividade meio para a divulgação de produtos e serviços do fornecedor, subordinando sua atividade criadora e expressiva aos imperativos éticos, alicerces da legislação consumerista2. 1 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 501. 2 Ibid., p. 583.

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O artista, em contraste, goza de liberdade semelhante à licença poética do literata, desfrutando de maior autonomia criativa, sem a necessária vinculação ao caráter econômico e comercial que requer a produção publicitária. Assim, no intuito de alcançar maior difusão de suas mercadorias ou serviços, muitos fornecedores recorrem às ferramentas e estratégias publicitárias, nem sempre respeitando a licitude do objeto e da forma como o tal é veiculado, incorrendo em patentes abusos contra direitos e prerrogativas do consumidor, polo de notável condição de vulnerabilidade perante a relação com o fornecedor. A publicidade abusiva tem assento jurídico no §2º do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor3, diploma jurídico que a evidencia como uma de suas importantes inovações, o que se denota até mesmo em parâmetros internacionais4. O referido Código é responsável por assegurar a necessária proteção ao consumidor em sua fase pré-contratual e instituir a distinção entre a publicidade enganosa e a abusiva, até então desconhecida em seu aspecto jurídico. Ao participarem da veiculação da publicidade de forma ilícita, tanto fornecedor como o publicitário cometem crimes enquadrados no Título II do próprio Código de Defesa do Consumidor5. Além disso, deve-se ressaltar a iniciativa pioneira do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR, em elaborar o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), resultado da mobilização dos profissionais publicitários. É importante inicialmente esclarecer, por interpretação extensiva do dispositivo jurídico, que abusiva é aquela publicidade eivada de vícios gerias ou parciais, capaz de desvirtuar o consumidor a partir da ofensa à princípios e valores ético-normativos sedimentados socialmente, causando algum mal ou

3 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. §2º. É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. 4 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 287. 5 Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.

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constrangimento. Para se aferir o caráter abusivo é bastante a potencialidade de ofensa, dano real ou violação, não se exigindo a concretização material do abuso6. Dentre as incontáveis modalidades de publicidade abusiva legalmente previstas ressalta-se a da publicidade abusiva capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma perigosa ou prejudicial à sua saúde ou segurança, que será objeto de análise no presente texto. Tal espécie de publicidade abusiva é pródiga em exemplos práticos, como os dos anúncios destinados a crianças e idosos; fumígenos, bebidas alcoólicas; veículos automotores etc., todos na condição de potencialmente capazes de desvirtuar o consumidor ou constrangê-lo, ofendendo princípios e valores éticonormativos, o que implica no cerne da ilegalidade da publicidade abusiva, da qual deriva a publicidade abusiva capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma perigosa ou prejudicial à sua saúde ou segurança. Assim, o estudo da publicidade abusiva indutora de insegurança, como também é conhecida, é imprescindível para suprir a enorme lacuna que resta nesta área de pesquisa, para tanto, reafirmando a conexidade com os outros tipos de publicidade abusiva, intrínsecos à afronta dos valores éticos e sociais, e contribuindo para a consolidação dos direitos e garantias consumeristas, tão arduamente conquistados pelo CDC, na efetivação dos princípios e garantias constitucionais dos cidadãos. 2 FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DA PROTEÇÃO DA SAÚDE E SEGURANÇA DO CONSUMIDOR A proteção constitucional da saúde, nos mesmos moldes que a respectiva proteção ao consumidor, também é um direito fundamental. Está atualmente expressa no artigo 1967 e seguintes da Constituição Federal, normatizando as disposições basilares acerca do direito à saúde. Seu conceito, entretanto, fica vinculado à perspectiva principiológica vigorante no sistema jurídico brasileiro.

6 RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 573-574. 7 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

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Teleologicamente, tem-se que a saúde, a partir do diploma constitutivo da Organização Mundial da Saúde8 como conceito é uma abstração, ou seja, o conceito de saúde transcende à ausência de doenças e afecções, buscando-se precipuamente o bem estar do indivíduo em todas as esferas de sua vivência. A abstração é também presente no conceito de segurança, o qual possui diversos significados na esfera jurídica e fora dela. A acepção do conceito de segurança que interessa o presente estudo é consubstanciada a partir de algumas significações de ordem semântica para o termo, sobretudo as conceituações que atribuem segurança como algo que se acha seguro, protegido, livre do perigo9. Nesse sentido, a garantia constitucional da segurança, promulgada pela Constituição Federal é dada como direito fundamental em seu artigo 5º, inciso XXXII10, além de ser também instituída como princípio da ordem econômica (artigo 17011). A primeira relevante iniciativa em defesa do direito à saúde na sociedade contemporânea e em âmbito internacional ocorreu na cidade de Nova Iorque, precisamente em 22 de julho de 1946, com a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO), por meio de um instrumento constitutivo, realizado em forma de conferência internacional entre diversos Estados. Esse instrumento, em um único exemplar, foi lavrado em diversas línguas, a saber: chinês, espanhol, francês, inglês e russo. Todos os textos possuíam igual conteúdo, sendo depositados nos arquivos da Organização das Nações Unidas (ONU). Daí porque a ONU possui fulcral importância no que se refere ao impulso e fomento da OMS. Na data de 7 de abril de 1948, quando foi ratificada pelo 26º Estado membro, sua constituição formal entrou em vigor, sendo designada, na ocasião a data como sendo o primeiro dia mundial da saúde. Atualmente, a OMS é composta por 194 membros (dados atuais encontrados no sítio da OMS/WHO12; dos quais o Brasil faz parte e, mais do que 8 Diploma constitutivo da OMS. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2015. 9 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 269. 10 Art. 5º, XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. 11 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor. 12 Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2015.

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isso, na suscitada conferência internacional de Nova Iorque, o Brasil, através de seus delegados, foi um dos que propugnaram pela elaboração de um organismo internacional de saúde pública de alcance mundial13 Os Estados Membros da Constituição da OMS declararam, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, alguns princípios considerados basilares para a felicidade dos povos, para as suas relações harmoniosas e para a sua segurança, que se encontram situados no preâmbulo do diploma constitutivo da OMS e serão expostos na sequência. O conceito de saúde, a partir do suscitado preâmbulo da constituição da OMS (WHO), é dado como sendo um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Assim sendo, foi também pactuado, na já suscitada cidade de Nova Iorque, em 22 de julho de 1946, no instrumento constitutivo da Organização Mundial da Saúde, precisamente em seu preâmbulo, que gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir, constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social. Dessa maneira, a saúde de todos os povos é essencial para conseguir a paz e a segurança e depende da mais estreita cooperação dos indivíduos e dos Estados. É nesse pórtico que se faz necessário tecer alguns comentários acerca do âmbito de proteção estatuído por essa organização, em seu diploma constitutivo, precisamente preâmbulo; o melhor estado de saúde foi classificado como direito fundamental de todo ser humano, a cooperação entre Estados e indivíduos se configura como norma de cunho principiológico ou direcionador (Direito maleável). Restou avençado também, no preâmbulo do diploma constitutivo da OMS, que os governos têm responsabilidade pela saúde dos seus povos, a qual só pode ser assumida pelo estabelecimento de medidas sanitárias e sociais adequadas; os resultados conseguidos por cada Estado na promoção e proteção da saúde seriam de valor para todos, bem como o desigual desenvolvimento em diferentes países no que respeita à promoção de saúde e combate às doenças, especialmente contagiosas, constituiria um perigo comum. 13 Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2015.

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Por fim, o Tratado Constitutivo da OMS, assevera a vinculação, a título de direito rígido, a partir do princípio geral do direito internacional pacta sunt servanda, dispondo que, aceitando os princípios estabelecidos com o fim de cooperar entre si e com os outros para promover e proteger a saúde de todos os povos, as partes contratantes concordam com a presente Constituição e estabelecem a Organização Mundial da Saúde como um organismo especializado, nos termos do artigo 5714 da Carta das Nações Unidas15.   3 ABUSIVIDADE DA CAPACIDADE DE INDUÇÃO AO COMPORTAMENTO PREJUDICIAL À SAÚDE OU SEGURANÇA A compreensão acerca da publicidade abusiva perpassa pela necessária distinção entre a abusividade da simples capacidade de indução ao comportamento prejudicial e a efetiva indução ao comportamento prejudicial propriamente dita. Para um ponto de partida adequado, tendo como dogma do enunciado normativo contido no Código de Defesa do Consumidor, especificamente em seu artigo 37, §2º16, tem-se que a publicidade abusiva se caracteriza por ser condenada pelo ordenamento jurídico brasileiro vigente, através de um instrumento disciplinador, qual seja, o microssistema de relações de consumo, materializado principalmente pelos princípios e regras contidas no Código de Defesa do Consumidor17.

14 Artigo 57 do Decreto nº 19.841 de 22 de outubro de 1945, dispõe o seguinte conteúdo: as várias entidades especializadas, criadas por acordos intergovernamentais e com amplas responsabilidades internacionais, definidas em seus instrumentos básicos, nos campos econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos, serão vinculadas às Nações Unidas, de conformidade com as disposições do Artigo 63. O artigo 63, a seu turno, preconiza:o conselho Econômico e Social poderá estabelecer acordos com qualquer das entidades a que se refere o Artigo 57, a fim de determinar as condições em que a entidade interessada será vinculada às Nações Unidas. Tais acordos serão submetidos à aprovação da Assembleia Geral. 15 A  Carta das Nações Unidas, ou Carta de São Francisco é um tratado que forma e estabelece a Organização das Nações Unidas (ONU); no Brasil, foi promulgada por meio do Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945. 16 Artigo 37, §2°. É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. 17 Nesse sentido, ver: FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

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A abusividade da capacidade de indução ao comportamento prejudicial, portanto, pode ser definida como uma construção, por parte do publicitário, com objetivo de induzir o consumidor ao comportamento prejudicial, tendo como lastro a potência de ganhos em pecúnia, por força das vendas advindas dessa pressão psicológica. Nesse sentido, por meio de uma construção volitiva do anunciante a publicidade abusiva capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança se distingue da indução ao comportamento prejudicial em si, haja vista que o último é entendido ou percebido pelos seus resultados. Dessa maneira a indução ao comportamento prejudicial se configura a partir do resultado de seus efeitos, que podem ou não serem decorrentes de uma construção volitiva (e nesse caso seria o abuso da capacidade indutora). A indução ao comportamento prejudicial pode decorrer de um resultado não pretendido, não previsto e efetivado por fatores diversos, como circunstâncias sociais voláteis e outros que podem dar corpo ou significação a algo não quisto. Portanto, o abuso da capacidade de indução ao comportamento prejudicial é necessariamente mais gravoso que a indução propriamente dita, porquanto se configura como articulação orquestrada, prévia e não meramente casual do comportamento danoso. Nesse sentido que o ordenamento jurídico deve ser articulado para coibir as suscitadas práticas abusivas; a coerção jurídica deve ter por base esse elemento mais gravoso, decorrente de uma vontade de uma parte (publicitário) que possui um objetivo meramente pecuniário, sem preocupação com os princípios internacionais de saúde e segurança, notadamente encartados em nossa constituição e conformados por meio do Código de Defesa do Consumidor.18 Acerca do CDC, necessário o registro das disposições de caráter notadamente coercitivo, a saber: primeiramente o artigo 7º, com disposição a tornar eficazes as normas pactuadas no âmbito internacional, bem como outras normas de Direito interno e princípios gerais do direito; o artigo 14, que trata da obrigação do fornecedor de serviços em sede de responsabilidade objetiva, pela reparação dos danos causados por defeitos relativos a prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos; o artigo 63, 18 RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 573 e 574.

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que comina pena de detenção, de seis meses a dois anos e multa, para infrações atinentes a omissão de informações atreladas à sua periculosidade; o artigo 64, que preconiza a omissão de informação sobre produtos a autoridade competente, em hipótese superveniente a sua colocação no mercado. Registre-se ainda o artigo 6º do mesmo Código, em seu inciso I, dispõe acerca dos direitos básicos do consumidor, precipuamente classificando a proteção a vida, saúde e segurança como sendo direitos de ordem subjetiva pública, ou seja, qualquer pessoa que se enquadre como consumidor em uma dada relação consumerista, constitui direito de ordem subjetiva a proteção dos suscitados. O direito público subjetivo consiste em instituto que põe o seu titular em situação dotada de determinadas faculdades jurídicas que são garantidas através de normas, segundo inteligência do postulado de Miguel Reale e Tércio Sampaio Ferraz Júnior, atinente ao assunto19. Ante todo exposto, percebe-se que o ordenamento jurídico brasileiro possui amplo rol de ferramentas para exercer o controle normativo atinente a matéria consumerista, , seja por meio da tutela jurisdicional ou por meio da eficácia horizontal20 dos direitos fundamentais21, notadamente no plano executivo administrativo das relações de consumo, ou seja, no cotidiano consumerista, configurado por órgãos fiscalizadores da administração(delegacias de direito do consumidor) e os particulares (consumidor e fornecedor). 19 Nesse sentido, ver FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. e CELLA, José Renato Gaziero. Teoria Tridimensional do Direito. Curitiba: Juruá, 2001. 20 A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também chamada de eficácia dos direitos fundamentais entre terceiros ou de eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, decorre do reconhecimento de que as desigualdades não se situam apenas na relação Estado/particular, como também entre os próprios particulares, nas relações privadas. DANIEL SARMENTO, in SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 323. diz que: “O Estado e o Direito assuem novas funções promocionais e se consolida o entendimento de que os direitos fundamentais não devem limitar o seu raio de ação às relações políticas, entre governantes e governados, incidindo também em outros campos, como o mercado, as relações de trabalho e a família. 21 Segundo Canotilho, o conceito de direitos fundamentais pode ser definido nos seguintes termos: [...] os direitos fundamentais em sentido próprio são, essencialmente direitos ao homem individual, livre e, por certo, direito que ele tem frente ao Estado, decorrendo o caráter absoluto da pretensão, cujo o exercício não depende de previsão em legislação infraconstitucional, cercando-se o direito de diversas garantias com força constitucional, objetivando-se sua imutabilidade jurídica e política. [...] direitos do particular perante o Estado, essencialmente direito de autonomia e direitos de defesa

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4 ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS A partir dos tópicos anteriores foi possível a compreensão do caráter da publicidade abusiva capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma perigosa ou prejudicial à sua saúde ou segurança na legislação consumerista nacional, condição necessária para a relevante exemplificação dos casos concretos que se seguem. A maioria deles foi analisada e julgada pelo CONAR – entidade destituída do poder de polícia inerente às autoridades legalmente competentes22 – com fundamento no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP); além dos casos que alcançaram o Poder Judiciário, especificamente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). É interessante observar que boa parte dos casos julgados não só pelo CONAR mas também pelo Poder Judiciário envolvem anúncios de bebidas alcoólicas, cigarro, e outras drogas lícitas e cujo consumo é atual e amplamente regulado pela Lei Federal 9.294, de 15 de julho de 1996, além do próprio Código de Defesa do Consumidor. O primeiro caso analisado é o da Representação nº: 330/1223, de autoria do CONAR, mediante reclamação de consumidora de São José dos Campos, relacionado à publicidade “Coca-Cola – Beba sem parar”, anunciada pela empresa Coca-Cola. A consumidora dirigiu queixa ao referido Órgão ao constatar o anúncio em banners nos pontos de venda, considerando indução ao consumo exagerado do refrigerante. Houve concessão de medida liminar até a conclusão do julgamento. A empresa defendeu-se alegando que a frase não tem o condão de incentivar o consumo irresponsável. Tratar-se-ia de ordinário apelo ao consumidor em trânsito, justificado pela imagem de um homem transeunte. Remeteu o ocorrido às expressões de outros anúncios publicitários da empresa, desenvolvidos com a mesma finalidade, como “Coloque sabor no seu caminho” e “Pare aqui, beba por aí”. Disso, a defesa concluiu ser inadmissível ver comprometida sua liberdade publicitária em virtude de uma vertente interpretativa. Por unanimidade, o relator assentiu em reconhecer infração ao § 2º do artigo 37 do Código de Defesa do Cosumidor, assim como ao Código Ético22 RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 587. 23 Representação nº:330/12. Autor(a): Conar, mediante queixa de consumidor Anunciante: CocaCola. Conselheiro Mário Oscar Chaves de Oliveira. Terceira Câmara. Decisão: Sustação. Fundamentos: Artigos 1º, 2º, 3º, 6º, 37 e 50, letra “b” do Código e seu Anexo H. Disponível em: . Acesso em: 18 fev. 2015.

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publicitário, mantendo a sustação com fundamento nos artigos 1º, 2º, 3º, 6º, 37 e 50, letra “b” do Código e seu Anexo H. Trata-se de típico caso de publicidade abusiva capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança, por meio do recurso à ambiguidade publicitária na categoria de produtos alimentícios. O consumidor a ela submetido torna-se vítima do recurso publicitário à instigação psicológica via enunciado imperativo, divulgando produto de teor alimentício capaz de desencadear danos à saúde em decorrência de seu uso compulsório, implicando até em posterior dependência física e psicológica. O segundo caso em relevo é o da Representação nº: 251/1324, também de autoria do CONAR, decorrente de queixa de consumidor de Goiânia (GO), referente a uma peça publicitária que oferecia como brinde para a compra de um carro “um ano de Skol grátis na sua casa”, em anúncio automotivo veiculado pela CIAASA, concessionária Ford, e a Companhia de Bebidas das Américas (AMBEV), implicando em associação perigosa à saúde e segurança do consumidor. No caso em questão, a defesa alegou, por meio da AMBEV, que a marca foi utilizada sem permissão. A concessionária, por sua vez, negou a acusação de instigação ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas, também recusando qualquer vínculo com a indução à condução alcoolizada de automóveis. O Relator eximiu a AMBEV de responsabilidade pela peça publicitária, contudo, recomendando a alteração da campanha e a advertência à concessionária da Ford, em virtude da associação publicitária perigosa à saúde ou segurança do consumidor. No caso em questão, o Relator, em seu voto, procedeu coerentemente com o sistema consumerista, condenando a campanha da concessionária por associar a promessa de cortesia de bebida alcoólica à aquisição de veículos do seu domínio, implicando em evidente risco à saúde e, sobretudo, à segurança do condutor, potencial consumidor do produto anunciado. O terceiro e último caso é o da decisão proferida pelo STJ em virtude de ação ajuizada contra a indústria tabagista Souza Cruz pela família de homem

24 Representação nº: 251/13. Autor: Conar mediante queixa de consumidor. Anunciante: Ciaasa Ford e Ambev. Relatora: Conselheiro Cesar Augusto Massaioli. Câmara: Segunda Câmara. Decisão: Alteração e advertência. Fundamentos: Artigos 1º, 3º, 32, letras “a” e “e”, e 50, letra “b” do Código. Disponível em: < http://www.conar.org.br/>. Acesso em: 18 fev. 2015.

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falecido, vítima de câncer, pelo uso contínuo e prolongado dos cigarros de uma de suas marcas comerciais25. Segundo a família, a vítima fumava cigarro desde a adolescência, iludido por publicidades fraudulentas, exibindo pessoas de porte atlético, ostentando veículos luxuosos, em belas paisagens; desde então tornou-se dependente do fumo. Os familiares, então, ajuizaram ação pedindo reparação por danos morais contra a fabricante Souza Cruz, alegando que esta dolosamente teria omitido informações sobre o caráter danoso do cigarro, promovendo publicidade enganosa e abusiva, a qual teria aliciado o consumidor, condicionando-o a agir consumindo produto prejudicial à sua saúde. A quarta turma do STJ decidiu pela impossibilidade indenizatória. O Ministro Relator justificou que não havia comprovação do nexo de causalidade entre o fumo e a doença, geradora do respectivo dever de indenizar. Observou que o cigarro não é considerado produto defeituoso pelo CDC, nem de alto grau de nocividade, perante sua comercialidade autorizada. Também a cerca do dever de informação inerente ao fabricante, o Relator frisou que inexistia tal obrigação legal em décadas passadas, anteriormente ao CDC e às legislações anti-fumo. Historicamente o STJ não tem reconhecido ações de indenização por danos morais provenientes do consumo de cigarros26. Geralmente o Relator não tem atribuído o nexo causal entre as doenças diagnosticadas e o uso do fumo, além de afastar as alegações acerca da ignorância dos malefícios, e afirmar o suposto livrearbítrio das vítimas, mesmo expostas à publicidade enganosa e abusiva27. 5 CONCLUSÃO Ao negligenciarem o respectivo dever de cuidado atinente às relações pré-contratuais que devem assumir com a saúde e integridade física e moral dos seus destinatários, o fornecedor-anunciante incorre em infrações não só ao Código de Defesa do Consumidor, mas, sobretudo, aos princípios, direitos e garantias constitucionais, alicerces da Lei reguladora das relações de consumo; além do 25 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.113.804 – RS. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Julgado em 27 de abril de 2010; Publicado em 24 de junho de 2010. 26 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 1.009.591 – RS. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Julgado e Publicado em 13 de abril de 2010. 27 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 886.347 – RS. Relator: Ministro Honildo Amaral de Mello. Julgado e Publicado em 25 de maio de 2010.

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próprio Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e seus anexos, que regem as atividades intrínsecas à categoria profissional dos publicitários. Destaca-se, dentre as práticas infratoras às prerrogativas consumeristas, a publicidade abusiva, caracterizada como ofensiva à valores ético-normativos, residualmente à publicidade enganosa, requerendo, para tanto, juízo in abstracto entre prática publicitária e prejuízos diretos aos consumidores em geral. Como espécie da publicidade abusiva, a publicidade capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança, não obstante o precedente regulatório do CBAP, só no CDC, contudo, foi expressamente vedada, em seu artigo 37, §2º, inovando no ordenamento jurídico pátrio. Da espécie publicitária abusiva em análise decorreu a necessidade de exposição dos conceitos de saúde e segurança, termos nucleares imprescindíveis para a extração do sentido e alcance pretendido pelo legislador ao incluir a espécie no rol das publicidades abusivas. Para tanto, recorreu-se à Constituição e ao Diploma Constitutivo da OMS, de cujo tratado original o Brasil é signatário, observando compromissos que foram mais recentemente conglobados pela legislação consumerista, configurando a proteção da saúde e segurança do consumidor. A saúde, como um direito fundamental, é amparada tanto constitucionalmente, em seu artigo 196, como um direito de todos e dever do Estado, assim como na Constituição da OMS, segundo a qual é prerrogativa de todo ser humano gozar do melhor estado de saúde, o que envolve o bem-estar físico, mental e social. A segurança, por outro lado, igualmente assegurada como direito humano fundamental, está constitucionalmente garantida em seu artigo 5º, inciso XXXII, além de ser também instituída como princípio da ordem econômica (artigo 170). Igualmente necessária para a compreensão da elevada importância da vedação à tal espécie publicitária, a conceituação da abusividade da capacidade de indução ao comportamento prejudicial à saúde ou segurança é revelada necessária, a medida em que a previsão legal do efeito deletério da publicidade anunciada não requer a efetiva produção de lesões ao consumidor induzido, mas a simples capacidade de lhe prejudicar seja no âmbito da saúde, seja no da segurança. O estudo dos casos concretos, em definitivo, revelou-se importante meio de constatação fática da materialização da publicidade abusiva capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma perigosa ou prejudicial à sua saúde ou 174

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segurança, comprovando a indispensável e necessária intervenção judicial ou extrajudicial na penalização dos transgressores, como nos casos julgados pelo STJ e CONAR, respectivamente. É então por meio dessa abordagem que se pretendeu esclarecer e explorar o palpitante tema no contexto de intensas relações consumeristas travadas na sociedade contemporânea, se exigindo postura cada vez mais robusta e incisiva dos operadores do Direito no combate às inovadores e crescentes práticas abusivas na seara do Direito das Relações de Consumo.

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REFERÊNCIAS ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulamentação publicitária. Natal: Eil, 2013. BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. BRASIL. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária de 05 de maio de 1980. Disponível em: < http://www.conar.org.br/> Acesso em: 16 mar. 2014. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Acesso em: 11 mar. 2014. ______. Lei Federal n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Proteção e Defesa do Consumidor. 3. ed. Brasília: Senado Federal, 2009. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002. CELLA, José Renato Gaziero. Teoria Tridimensional do Direito. Curitiba: Juruá, 2001. GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 323. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. 176

Merchandising ou Product Placement Albert Barcessat Gabbay Letícia Fernandes Pimenta Campos Silva 1 INTRODUÇÃO No atual contexto do mundo globalizado, a disputa de espaço no mercado está cada vez mais ganhando maiores proporções em razão da quantidade sempre crescente de mercadorias, bem como a ampliação de alternativas de escolha para os consumidores. Neste viés, o consumidor passa a ser disputado entre as empresas e, como ente fragilizado, muitas vezes não chega sequer a perceber que está sendo ludibriado pelos fornecedores. Diante deste cenário de disputa de mercado, surge a necessidade de adotar estratégias inovadoras e criativas para ganhar espaço no mundo dos negócios, sendo necessário investimento em novas técnicas publicitárias a fim de se obter maior probabilidade de êxito. Dentre as técnicas de publicidade, uma que vem ganhando destaque nos últimos tempos é o product placement – como também é conhecido o merchandising. Esta técnica, muito comum de ser observada em filmes e novelas, acaba por relacionar um produto a um personagem, de forma que amplie o rol de consumidores. Ademais, em situações como essa, muitas vezes o consumidor não está ciente que a comunicação a qual está sendo exposto se trata de uma publicidade. Nesse contexto, o surgimento do Código de Defesa do Consumidor deu um passo importante na tentativa de reduzir a disseminação de publicidades clandestinas, a qual se caracteriza pela utilização de técnicas que dificultem a capacidade de discernimento do destinatário consumidor, o qual muitas vezes sequer percebe que está exposto a uma mensagem de caráter publicitário. 177

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Contudo, a despeito das previsões constantes do Código de Defesa do Consumidor no intuito de prevenir e combater a veiculação de publicidades enganosas e abusivas, não se pode concluir pela suficiência de elementos para efetivar o resguardo do consumidor da grande quantidade de publicidades ilícitas com as quais se depara no dia a dia. Diante destas considerações, o presente trabalho busca estudar a proteção do consumidor quando exposto ao merchandising (product placement), analisandose inicialmente determinados elementos conceituais, para em seguida realizar um estudo acerca da regulamentação do referido instituto no Direito Consumerista brasileiro, analisando-se, inclusive, a influência do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), que desempenha um controle de natureza ética da atividade publicitária. 2 CONCEITO E INFLUÊNCIA DO MERCHANDISING (PRODUCT PLACEMENT) NO MERCADO DE CONSUMO No cenário capitalista de grandes relações de consumo, em que o mercado visa sempre maiores lucros, os casos de desrespeito aos direitos do consumidor vêm sendo cada vez mais frequentes. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/90) a proteção ao consumidor foi ampliada, abarcando inclusive os momentos anteriores à contratação, em que sequer há efetivamente a aquisição de produtos ou serviços, mas apenas a oferta e a veiculação de mensagens publicitárias nos meios de comunicação. A publicidade é a pratica comercial de marketing, através da qual o fornecedor oferece bens ou serviços, informa sobre qualidades ou propriedades do produto, desperta interesses, propaga marcas e nomes etc., incitando ao consumo, direta ou indiretamente1. Não há sociedade de consumo sem publicidade. Como decorrência de sua importância no mercado, surge a necessidade de que o fenômeno publicitário passe a ser regrado pelo ordenamento jurídico pátrio, principalmente no que diz respeito à proteção ao consumidor, ente vulnerável da relação jurídica de consumo2. 1 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Codigo de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 615. 2 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIM, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 240.

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Conforme consta no artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, a publicidade ao ser veiculada deve ser feita de forma a ser identificada clara e facilmente pelo consumidor, ou seja, há uma proibição legal implícita à transmissão de informações veiculadas sob o manto da clandestinidade. A publicidade clandestina, por sua vez, conceitua-se como qualquer espécie de comunicação publicitária que seja elaborada com a finalidade de ludibriar o consumidor mediante a utilização de técnicas que possam dificultar ou até mesmo anular a capacidade de discernimento deste a respeito de sua condição de estar ou não exposto a uma mensagem de conteúdo publicitário3. Nesse tipo de prática, a enganosidade apresenta-se implícita na própria conduta do anunciante, fazendo crer que na verdade se trata apenas da veiculação de uma mera opinião ou reportagem informativa, com uma aparente neutralidade na veiculação da comunicação, ocultando-se, portanto, o interesse mercantil da mensagem veiculada4. Destarte, escondendo seu signo de anúncio, são divulgadas mensagens às escondidas, cerceando o direito de escolha do consumidor, porquanto este atribui, em potencial, maior credibilidade a mensagens recebidas sem caráter publicitário5. Ademais, o Código de Defesa do Consumidor veda aquela publicidade que se vale do subconsciente do consumidor para nele incutir o desejo de consumo de produtos ou serviços, em seu artigo 36, caput, ao prever que “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”. Atualmente a forma mais comum de publicidade clandestina é o merchandising, especialmente praticada em programas e filmes. Nela, se visa veicular produtos e serviços de forma indireta, por diversas vezes sequer chegando a ser identificada pelo consumidor como comunicação de conteúdo publicitário, o qual apenas associa o objeto da publicidade com determinado personagem do programa televisivo, fazendo com que cada vez mais telespectadores se interessem em comprá-lo, mesmo que de maneira involuntária. Entende-se, portanto, que tal publicidade constitui uma forma de patrocínio indireto de produto ou serviço que 3 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 103. 4 MASSO, Fabiano Del. Direito do consumidor e publicidade clandestina: uma análise jurídica da linguagem publicitária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 77. 5 Ibid., 2009.

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acaba por iludir o consumidor sobre o verdadeiro objetivo da reportagem e/ou cena do programa televisivo6. Ainda, esta prática pode ser, concomitantemente, enganosa e abusiva, ao se enquadrar na descrição legal de ambos os conceitos, quando, avaliando-se o caso concreto, ela seja, respectivamente, discriminatória de qualquer natureza, incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite de valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança; bem como seja inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão – quando deixar de informar sobre dado essencial –, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços, tal qual aduzem os parágrafos 1º a 3º do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor7. No merchandising, há a inserção de uma situação de uso ou consumo de um produto ou serviço – durante alguma transmissão audiovisual, por exemplo – de forma a induzir a identificação do expectador com determinadas marcas ou estilos de vida. Assim, a publicidade é feita de modo sutil, que associa o produto às situações/circunstâncias positivas transmitidas8, v.g., quando um personagem de uma novela de grande audiência entra em um bar e compra um determinado refrigerante, o telespectador por muitas vezes não é capaz de distinguir se aquela conduta constitui ou não uma mensagem publicitária patrocinada pela empresa fornecedora do produto apresentado. Neste cenário, o consumidor, não tendo plena consciência de estar submetido a uma comunicação de natureza publicitária, não pode realizar juízos de valor mais aguçados a respeito do que lhe está sendo apresentado, e pode acabar assim por confundir a ficção com a realidade, o que prejudica tanto o seu senso crítico e a sua capacidade de escolha. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor não trouxe uma proibição expressa ao merchandising porém, acredita-se que quando não seja empregado de modo a propiciar ao consumidor a devida percepção acerca da comunicação de 6 COELHO, Fábio Ulhoa. A Publicidade Enganosa no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, out./dez. 1993, p. 70-71. 7 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 488. 8 GOMES, Daniela Vasconcellos. Sobre a publicidade no Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2014.

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cunho publicitário deve ser considerado ilícito9. Dessa forma, o merchandising é lícito desde que empregado de modo facilmente constatável pelos espectadores10. Dessa maneira, importa analisar a proteção conferida pelo Estado aos direitos dos consumidores, ao promover intervenções nessas relações de âmbito privado no intuito de garantir a existência e gozo dos direitos fundamentais preconizados constitucionalmente, em especial o previsto no inciso XXXII, do art. 5º, da Constituição Federal. 3 FUNDAMENTOS E POSSIBILIDADES DE REGULAÇÃO DO MERCHANDISING NO DIREITO BRASILEIRO Inicialmente cumpre destacar que o Estado Democrático de Direito brasileiro, em sua Constituição Federal de 1988, instituiu enquanto direito fundamental o dever insculpido em seu artigo 5º, inciso XXXII, pelo qual cabe ao Estado promover, na forma da Lei, a defesa do consumidor. A Constituição Federal consagrou, ainda, este mesmo direito fundamental como um dos princípios norteadores da ordem econômica, como aduz o seu artigo 170, inciso V. Não obstante, no âmbito do merchandising, constata-se uma omissão do legislador infraconstitucional com referência a um regramento específico. Entretanto, tal lacuna normativa não pode ser encarada como permissiva para que anúncios publicitários que se utilizem dessa técnica sejam diariamente veiculados no seio social, provocando danos aos consumidores, em descumprimento à proteção garantida constitucionalmente. Deve-se, portanto, buscar amparo no microssistema consumerista, mediante uma interpretação conforme a Constituição, já que, diante a ausência de previsão legislativa especial, a norma geral deve regular suas formas e limitações. De acordo com a Lei Federal nº 8.078/90, constitui direito básico do consumidor a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (artigo 6º, inciso IV). Dessa forma, em atenção ao artigo 4º, inciso I, do mesmo Diploma Legal, percebe-se que a interpretação do texto do Código de Defesa do Consumidor abarca a proteção da parte hipossuficiente da relação jurídica contra os métodos de publicidade 9 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 105. 10 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 320.

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clandestina, dentre os quais se insere o chamado product placement ou merchandising, quando configurem práticas desleais ou abusivas. Nesse sentido, ainda que por analogia ou interpretação extensiva, há princípios e dispositivos do microssistema consumerista aplicáveis ao instituto do merchandising, devendo ser, portanto, observados pelos fornecedores, sob pena de sanções penais, civis e administrativas, inclusive em virtude do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, consagrado no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, o qual determina que a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Assim, a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor fácil e imediatamente a identifique como tal. É o que preza o artigo 36, caput, do Código de Defesa do Consumidor. Com fulcro em tal dispositivo, contudo, não se veda por completo o instituto do merchandising. O que se pretende é que o consumidor não seja inconscientemente levado a adquirir certo produto ou serviço simplesmente em virtude, v.g., de eventual filme ou novela em que seu personagem preferido também o utilize. A publicidade, portanto, deve ser precisa e ostensiva, a ponto de ser claramente identificada como tal, como por exemplo, nos casos da apresentação de um produto durante a transmissão de um jogo de futebol ou no decurso de um programa de auditório. Entretanto, tal método de publicidade se reveste de clandestinidade ao utilizar técnicas de ocultação que prejudicam a avaliação crítica do consumidor e sua capacidade de escolha, sendo inconscientemente induzidos a adquirir o objeto da publicidade, v.g., quando uma personagem de novela televisiva utiliza celulares, computadores ou carros de determinada marca, sem a devida clareza de que se trata de publicidade, apenas atrelando o programa ao produto, induzindo inconscientemente o telespectador à sua compra. Deste modo, através do qual se mitiga o senso crítico do consumidor, há violação ao princípio da identificação da publicidade, adotado pelo microssistema consumerista brasileiro, objetivando a defesa do hipossuficiente contra técnicas subliminares, ocultas, clandestinas ou dissimuladas, calcado no já explicitado artigo 36 da Lei Federal nº 8.078/90. Por outro lado, cumpre observar que nem todo merchandising é proibido, mas apenas aquele que se reveste de clandestinidade ou adota métodos subliminares de propagação de mensagens.

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Não obstante as previsões constitucionais previamente analisadas, o seu artigo 220, caput consagra também o princípio da liberdade no tocante à comunicação social, abrangendo a manifestação de pensamento, criação, expressão e informação, sob qualquer forma, processo ou veículo. De acordo com o referido dispositivo, tal liberdade não poderá sofrer qualquer restrição, salvo as previstas no próprio texto da própria Constituição. Nesse âmbito, pode-se inferir a citada limitação decorrente da proteção do consumidor, prevista no artigo 5º da Constituição Federal como legítima para justificar a possível interferência do Estado na liberdade da atividade publicitária dos fornecedores. A publicidade deve ser veiculada de maneira que o consumidor tenha condições de avaliá-la criticamente, conscientemente e completamente informado, respeitando-se também o princípio da boa-fé objetiva, norteador da Política Nacional das Relações de Consumo, conforme prevê o artigo 4º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor. Nesse desiderato propõe-se que se adote a veiculação de “créditos”, ou informações antecipadas comunicando que se utilizará, daquele filme, novela ou programa, para o merchandising de determinados produtos, listando-os, de maneira a alertar o consumidor que será alvo da publicidade, para que este possa identificá-la quando transmitida, e assim, a prática não se constitua em ilícito ou má-fé11. Dessa maneira, se estaria observando o princípio da identificação da publicidade, insculpido no artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, e tornando o consumidor consciente de que é destinatário de uma mensagem patrocinada por um fornecedor, no intuito de promover-lhe um produto, serviço, marca ou empresa. Ademais, deve-se destacar a possibilidade de medidas judicias preventivas e repressivas contra a veiculação de determinada publicidade ilícita, sendo cabível sanções tanto nas esferas civil e administrativa, quanto na penal. Dessa forma,

11 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 333.

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sentindo-se lesado o consumidor pode representar diretamente ao Poder Judiciário, ao CONAR, assim como à Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor12. Neste contexto importa analisar brevemente o papel exercido pelo CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária –, o qual possui a função de zelar pela liberdade de expressão comercial, defendendo a eticidade na transparência das relações de consumo envolvendo a publicidade, sem tomar partido, em tese, por nenhum dos polos envolvidos. Ao vislumbrar alguma prática ilegal no que tange ao mercado publicitário, o CONAR pode instaurar processos éticos e conciliatórios para que se busque alcançar o máximo possível dos interesses de todas as partes envolvidas na relação de consumo. Em outras palavras, este Conselho objetiva ser capaz de assimilar as evoluções da sociedade, refletindo-lhe os avanços atinentes à publicidade13. Ao mesmo tempo em que visa promover a liberdade de expressão publicitária, o CONAR fornece diretrizes a serem seguidas pelo mercado publicitário de forma a evitar maiores problemas com o material divulgado, uma vez que o mesmo não exerce fiscalização prévia. No que diz respeito à atuação prática do mencionado órgão quanto à publicidade, pode-se destacar a atual restrição operada no âmbito infantil. Tal medida consiste na proibição da participação de crianças menores de 12 (doze) anos em merchandising, bem como da limitação do objeto veiculado nessa espécie de publicidade, o qual não pode ser dirigido a público-alvo desta mesma idade. Dessa forma, quando se tratar de conteúdos destinados a crianças, a publicidade deve ficar restrita aos intervalos e espaços comerciais da mídia utilizada14. Isto se dá em decorrência da vulnerabilidade da criança e de sua consequente dificuldade em identificar a publicidade durante a programação, assim como se justifica em virtude das consequências que podem advir da admiração de uma criança por determinado personagem.

12 FERNANDES NETO, Guilherme.  Merchandising e a defesa do consumidor.  Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2014. 13 CONAR – CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA. Contra a censura na publicidade. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2014. 14 G1. Conar proíbe merchandising com participação de crianças. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2014.

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Do ponto de vista jurídico, o CONAR pode ser considerado comparativamente como uma variante dos tribunais arbitrais: existe em decorrência da autonomia das partes; é gerido com base em normas criadas pelos particulares e, via de regra, substitui uma função que é exercida pelo Estado15, tendo como diferença a possibilidade de contestação judicial das decisões, fato que não é admitido em caso de arbitragem comum. O CONAR atua principalmente com fundamento nas disposições normativas instituídas pelo Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária (CBAP), o qual apresenta como principal objetivo, de acordo com seu artigo 8º, promovera regulamentação das normas éticas aplicáveis à publicidade e propaganda, assim entendidas como atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou ideias, abrangendo, assim, as práticas publicitárias controladas também pelo Código de Defesa do Consumidor. No que atine especificamente ao merchandising, o CBAP prevê em seu artigo 10º: “A publicidade indireta ou “merchandising” submeter-se-á igualmente a todas as normas dispostas neste Código, em especial os princípios de ostensividade (artigo 9º) e identificação publicitária (artigo 28).” Com fulcro nos artigos 9º e 28 do CBAP conclui-se que qualquer mensagem publicitária deverá sempre ser ostensiva, fazendo alusão à marca do produto ou serviço, razão social do anunciante ou emprego de elementos reconhecidamente a ele associados, bem como que o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação. Os infratores dessas normas previstas no CBAP ficam sujeitos a diversas penalidades previstas no artigo 50 desse mesmo compêndio normativo, quais sejam advertência; recomendação de alteração ou correção do anúncio; recomendação aos veículos no sentido de que sustem a divulgação do anúncio; divulgação da posição do CONAR com relação ao anunciante, à agência e ao veículo, através de veículos de comunicação, em face do não acatamento das medidas e providências preconizadas. Não obstante, apesar das diversas regulamentações emitidas pelo CONAR acerca do merchandising, verifica-se um frequente desrespeito a estas regras pelas empresas, mormente pela falta de conhecimento da população sobre 15 RIBEIRO, Renato Janine. O afeto autoritário: Televisão, Ética e Democracia. São Paulo: Ateliê, 2005, p. 57.

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o funcionamento deste Órgão, o que contribui para o baixo número de denúncias formuladas diretamente pelos consumidores prejudicados. Um fato interessante a comprovar tal tese é que a grande maioria dos casos julgados pelo Conselho é motivada pelo constrangimento entre empresas, em que uma visa atacar a outra, por ser sua concorrente16. As regras do CBAP são suficientes para a repressão ética dos anunciantes que realizam anúncios clandestinos em qualquer tipo de mídia, a problemática que surge, portanto, quanto a este aspecto constitui-se no escasso conhecimento pela sociedade destas medidas coercitivas. Daí a necessidade de divulgação das técnicas e dos efeitos dos anúncios clandestinos, para que cada vez mais tais práticas sejam prevenidas, repreendidas e extirpadas do seio social. Outro fator que também contribui para a restrita atividade do CONAR neste âmbito é a sua composição, quase que constituída exclusivamente de publicitários, o que ocasiona a redução de confiabilidade de suas decisões, bem como a ausência de força legal do caráter normativo de suas disposições. 3.1 A RESPONSABILIDADE JURÍDICA DECORRENTE DA PRÁTICA DO MERCHANDISING CLANDESTINO Após a explanação acerca da prática do merchandising, suas hipóteses de licitude e ilicitude, conclui-se que, quando clandestina, a publicidade deve ser extirpada do mercado e, de alguma forma, repreendida. Cumpre, portanto, analisar as possibilidades de responsabilização do veículo de comunicação do produto ou serviço objeto da publicidade ilícita nos âmbitos civil, administrativo e penal, já que o ordenamento jurídico brasileiro admite a imputação de todas em decorrência do mesmo fato, observando-se sempre sua suficiência e necessidade. Além da possibilidade do ajuizamento individual de ações contra o fornecedor responsável pela publicidade, há também previsão legal no sentido de se propor ações coletivas na defesa de direitos do consumidor em juízo, como a Ação Civil Pública, regida pela Lei Federal nº 7.347/85. De acordo com o artigo 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, a defesa coletiva será exercida quando se tratar de interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos do mencionado 16 BESSA, Ana Claudia. Publicidade infantil: Conar não é lei. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2014.

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Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Nesse conceito se pode inferir a proteção dos consumidores contra a prática do merchandising, haja vista ser esta uma técnica de publicidade, a qual, de acordo com o artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor, atinge todas as pessoas determináveis ou não, que sejam expostas ao seu conteúdo. Ademais, devese averiguar a viabilidade da mensagem veiculada ser capaz de induzir em erro o consumidor, acerca de seu próprio caráter publicitário17. Certamente, apenas no caso concreto poderá ser aferida esta potencialidade de iludir. Caracterizada tal hipótese, reclama-se no caso sub examine, a incidência do art. 18 do CDC, mediante o qual também se aplica o princípio da solidariedade no âmbito do merchandising, sendo garantido ao consumidor o direito de acionar judicialmente o fornecedor que ele desejar, independente de culpa e sendo vedada denunciação a lide, porém cabível ação regressiva, como prevê o artigo 88 do mesmo diploma legal. A referida Ação, de acordo com o artigo 5º da Lei Federal nº 7.347/85, pode ser proposta legitimamente pelo Ministério Público, Defensoria Pública, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista, bem como associação que esteja constituída há pelo menos um ano nos termos da Lei civil, e inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao consumidor. Prevê ainda, o mesmo Diploma Legal, em seu artigo 6º, que qualquer pessoa poderá e o servidor público poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da Ação Civil e indicando-lhe os elementos de convicção. Outrossim, na Ação Civil Pública se pode discutir a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados, com a respectiva condenação em dinheiro ou em cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, tal qual aduz o artigo 3º da Lei Federal nº 7.347/85. Passando ao mérito da referida proteção, um dos aspectos a serem analisados é a responsabilidade civil, a qual constitui a aplicação de medidas que objetivam a reparação de danos sofridos pelo consumidor, em virtude do inadimplemento de um dever contratual ou extracontratual, bem como de violação de norma jurídica que vincula o agente à respectiva reparação, no intuito de desfazer tanto quanto possível os efeitos da lesão, restituindo o prejudicado ao statu quo 17 COELHO, Fábio Ulhoa. A Publicidade Enganosa no Código de Defesa do Consumidor. In: Revista de Direito do Consumidor, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 1, out./dez. 1993. p. 72.

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ante ou compensando seu sofrimento18. Tal instituto apresenta, portanto, funções ressarcitória, punitiva e preventiva, visto que promove a reparação e compensação do dano causado, punindo o lesante e desestimulando a prática de novos atos lesivos19. Para o microssistema de proteção e defesa do consumidor, a responsabilidade dos fornecedores é objetiva, com fulcro no artigo 927 do Código Civil e no artigo 12 do CDC, de forma que se baseia na teoria do risco da atividade profissional exercida, com notável potencialidade danosa, permitindo ao lesado, ante a dificuldade de provar a culpabilidade do agente, obter deste a reparação integral de seu dano, independentemente de culpa20, já que a responsabilização do fornecedor é imposta por Lei, no parágrafo único do artigo 7º da Lei Federal nº 8.078/9021. Tratando-se de merchandising, tal responsabilização não surge somente após a ocorrência efetiva de dano, porquanto a indução ao erro, de modo que dificulte ao consumidor o discernimento se aquele ato faz parte do programa ou se trata apenas de uma publicidade, é apreciada potencial e objetivamente, sendo desnecessário o exame da má-fé, dolo ou culpa do fornecedor, bem como dispensada a prova da enganosidade real, sendo esta considerada um mero exaurimento do ato. Assim, para que determinado anúncio seja considerado como publicidade clandestina, basta ter sido veiculado, sendo potencialmente capaz de induzir em erro o consumidor acerca de sua natureza publicitária – mesmo quando inexista qualquer intenção –, e ainda que não o tenha atingido em concreto22, mormente por desrespeito ao artigo 36, caput23, do Código de Defesa do Consumidor. Nestes casos o dano moral é difuso, porquanto transindividual, atingindo uma coletividade de pessoas indeterminadas ou indetermináveis, cuja prova é efetivada pela presença de prejuízo ao direito dos consumidores coletivamente 18 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 7, p. 40. 19 Ibid., p. 9. 20 Ibid., p. 55. 21 Art. 7º. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. 22 MATTOS, Analice Castor de. Aspectos Relevantes dos Contratos de Consumo Eletrônico. Curitiba: Juruá, 2012, p. 73. 23 “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.”

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considerados, prescindindo da comprovação de dor, sofrimento e abalo psicológico, por serem fatores inaplicáveis aos interesses difusos e coletivos24. À evidência, condutas antijurídicas, como é o caso do merchandising, além de poderem ocasionar lesão a bens materiais, também atingem interesses extrapatrimoniais inerentes à coletividade, uma vez que esta possui valores morais e um patrimônio ideal que merece proteção, assim reconhecido pelo sistema jurídico no objetivo de atender à sua destinação social, em compasso com as características, os desafios e as necessidades do mundo contemporâneo25. Registre-se que a indenização fixada deve ser destinada a um fundo de proteção ou até mesmo a uma instituição de caridade, a critério do Juiz. Ademais, em caso de veiculação de publicidade ilícita podem-se tomar medidas administrativas, como a suspensão de sua veiculação26, ou ainda a aplicação do artigo 56 caput, assim como do seu inciso XII, do Código de Defesa do Consumidor, de acordo com o qual as infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, a sanções administrativas, como a imposição de contrapropaganda, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas. Tal medida de contrapropaganda deve ser imposta aos fornecedores responsáveis pela publicidade ilícita, de maneira que a nova mensagem seja veiculada às expensas dos infratores, bem como divulgada em semelhante forma, frequência e dimensão, no mesmo veículo, local, espaço e horário nos termos do artigo 60 caput e parágrafo primeiro do CDC27, de maneira capaz de desfazer o malefício da enganosidade, anulando o resultado ou ao menos desmentindo o conteúdo anteriormente apresentado. Além disso, há possibilidade de enquadramento da veiculação de publicidade clandestina em delitos publicitários previstos no microssistema consumerista. Dessa forma, entende-se que a inexistência de regramento específico 24 STJ. REsp. 1057274/RS. Rel. Min. Eliana Calmon. DJ. 01/12/2009. Publicação 26/02/2010. 25 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: Ltr, 2004, p. 134. 26 A suspensão de veiculação como sanção administrativa encontra-se prevista no artigo 56, VII do CDC. 27 Art. 60. A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.  §1º A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva.

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no que tange ao merchandising não significa que se autorize a propagação de condutas típicas de atividades criminosas. Aqui, diferentemente do exposto anteriormente, faz-se necessária a apuração da culpabilidade do agente, com a aferição de dolo ou culpa, para condenação, com fulcro no artigo 78 do Código de Defesa do Consumidor28, bem como para a imposição cumulativa ou alternativa da interdição temporária de direitos, da publicação em órgão de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação, e da prestação de serviços à comunidade, nos termos dos incisos I29,II30 e III31 do referido artigo. Tem-se, para fins penais, que as referidas técnicas se amoldam à publicidade clandestina, descrita no artigo 37do Código de Defesa do Consumidor32, e podem ser punidas pelo crime tipificado no artigo 67 do mesmo Diploma Legal, in verbis: “Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa”. Isso porque tais mensagens violam direitos e valores básicos da sociedade, como a incolumidade moral e psíquica, devendo, portanto, ser coibidas. Além deste, também pode haver condenação penal pelo crime previsto no artigo 19, parágrafo único, alínea b, do Decreto nº 2.181/97, pelo qual “Incide também nas penas deste artigo o fornecedor que veicular publicidade de forma que o consumidor não possa, fácil e imediatamente, identificá-la como tal”. Todavia, embora seja possível vislumbrar no ordenamento jurídico brasileiro diversas formas de proteção ao consumidor no tocante à publicidade clandestina, em especial ao merchandising, ainda é bem restrito o número de ações levadas ao Poder Judiciário pátrio no intento de combater tais práticas. Como já exposto, caso haja violação ao princípio da identificação da publicidade insculpido no artigo 36 do CDC, a respectiva mensagem publicitária deve ser proibida de circular nos meios de comunicação social, devendo-se 28 Art. 78. Além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser impostas, cumulativa ou alternadamente, observado o disposto nos arts. 44 a 47, do Código Penal. 29 Art. 78. I – a interdição temporária de direitos. 30   Art. 78. II – a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação. 31  Art. 78. III – a prestação de serviços à comunidade. 32 TICIANELLI, Marcos Daniel Veltrini. Delitos Publicitários no Código de Defesa do Consumidor e na Lei 8.137/90. Curitiba: Juruá, 2007, p. 85.

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responsabilizar os respectivos fornecedores civil, penal e administrativamente, no que couber e for necessário e suficiente. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela exclusão da responsabilidade da rede de televisão que teve em seu programa de palco a apresentação de merchandising. Tal decisão sobre a responsabilidade da emissora, embora tenha levado em consideração o fato desta se utilizar de seu prestígio e credibilidade para garantir a lisura do produto ofertado pela anunciante, resolveu por sua não responsabilização. Neste sentido, em seu voto, o Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior enfatizou que a responsabilização pelo produto ou serviço anunciado é daquele que o confecciona ou presta, não se estendendo à emissora de televisão, jornal ou rádio que o divulga33. Entretanto, deve-se compreender que, a partir do momento em que a publicidade é realizada através da técnica de merchandising em um programa televisivo que dá lucro à rede em que circula, deve também esta se responsabilizar de forma solidária, já que por si só, também cria no espectador/consumidor um estímulo ao consumo. Dessa maneira, a emissora de televisão se enquadraria no conceito constante do artigo 3º, caput do Código de Defesa do Consumidor, de acordo com o qual fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, sendo critério caracterizador o desenvolvimento destas atividades tipicamente profissionais de forma habitual34. Isto porque presta serviços públicos habitualmente, e, consoante o artigo 220, §3º, inciso II da Constituição Federal, compete à Lei Federal estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no artigo 221, o qual consagra o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família na produção e programação das emissoras de rádio e televisão.

33 STJ - REsp: 1157228 RS 2009/0188460-8, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 03/02/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2011. 34 BENJAMIN, Antônio Herman V. MARQUES, Claudia Lima. MIRAGEM, BRUNO. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 159.

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Tal Lei Federal, neste caso, é a Lei Federal nº 8.078/90, e, com fulcro em seu artigo 7º, parágrafo único35, a respectiva emissora de televisão também deveria responder pela publicidade clandestina. Tendo em vista que a emissora de televisão também se beneficia do uso do merchandising nos seus programas, tem-se por adequado e necessário que também responda, solidariamente, pela reparação dos danos aos consumidores. Afinal, não seria justo que a emissora ficasse apenas com os bônus da veiculação da publicidade através do merchandising, devendo a mesma, também se responsabilizar por eventuais ônus que venham decorrer de tal prática. Diante do exposto, verifica-se que a legislação garante ampla proteção ao consumidor, da qual se extrai analogicamente a regulamentação do merchandising, no entanto, tais construções não se apresentam estáveis no ordenamento jurídico pátrio, sendo ainda objeto de discussão e amadurecimento doutrinário e jurisprudencial. 4 CONCLUSÃO Atualmente a publicidade, além de sua função primária de informar acerca de determinado produto ou serviço, exerce uma segunda função, qual seja, a de influenciar consideravelmente a mentalidade do consumidor, podendo até chegar à manipulação dos comportamentos individuais e/ou coletivos. Nesse sentido, considerando a imposição constitucional de proteção aos direitos fundamentais dos consumidores (artigo 5, XXXII, CF) – reconhecendose sua vulnerabilidade –, o legislador vem se preocupando com a regulamentação também dos momentos pré-contratuais nas relações de consumo, que abarcam principalmente a oferta e publicidade. Não obstante a falta de legislação específica que regulamente todos os métodos publicitários deve-se sempre buscar uma interpretação das normas jurídicas existentes conforme a Constituição Federal. Destarte, o Código de Defesa do Consumidor enquanto norma geral contém regras e princípios que objetivam coibir a veiculação de publicidades ilícitas, abusivas, enganosas, desleais, dentre outras, nas quais devem constar todos os métodos clandestinos de marketing. Ademais, prevê o Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária, aplicado no país pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária 35 Artigo 7, parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

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(CONAR), diversas normas de diretrizes éticas norteadoras de qualquer publicidade e propaganda, devendo ser seguidas, inclusive, no merchandising. Importante observar que o Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária possui normas exclusivamente voltadas ao merchandising, como é o caso da sua Seção 6, por exemplo, a qual trata do princípio geral da identificação publicitária. Assim, em prol da defesa da sociedade de consumo, que diariamente é alvo de publicidades revestidas de má-fé, de uma forma geral, a mensagem publicitária apenas deve ser veiculada caso o consumidor possa claramente identificá-la como tal, conforme disposto no caput do artigo 36 do CDC, sob pena de responsabilização civil, administrativa e penal. De acordo com o artigo 7º, parágrafo único, ainda, tal responsabilidade é solidária, uma vez que, a partir do momento em que a publicidade é realizada através da técnica de merchandising, em um programa televisivo que dá lucro à rede em que circula, deve também esta se responsabilizar tendo em vista que cria no espectador/consumidor um estímulo ao consumo. No caso do merchandising, como a publicidade em si está de certa forma dissolvida no decorrer de, por exemplo, determinado filme ou novela, deve-se alertar preferencialmente no início do programa que em seu conteúdo haverá veiculação de anúncios publicitários de determinados produtos e serviços, listando-os para que o consumidor possa identificá-los claramente e formar seu juízo de valor no momento da exposição. Não obstante a importância de se proteger os direitos do consumidor consagrados constitucionalmente, ainda há pouco posicionamento sobre o assunto por parte dos Tribunais pátrios. Isto porque o conceito de merchandisng (product placement) ainda estão em construção, além do que o merchandising não se constitui uma prática publicitária de fácil percepção, para que assim possa ser constatada pelo consumidor, denunciada e levada à discussão nos Tribunais.

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Mensagem subliminar José Cassiano Silva Almeida Rogério de Souza Alves Sobrinho 1 INTRODUÇÃO O indivíduo, diante da atual ordem capitalista, só se realiza enquanto tal por meio do consumo. E, para vencer a batalha com seus concorrentes, as empresas utilizam-se dos mais diversos meios para atrair tais sujeitos. Alguns métodos são aceitáveis, outros condenáveis. Entre estes últimos está a utilização de mensagens subliminares através da publicidade. Desta maneira, torna-se de grande importância o estudo do fenômeno subliminar em sua realização com o Direito do Consumidor, fator que motiva a realização deste trabalho. Posto isto, tem-se como objetivo do presente estudo demonstrar como se dá a utilização das mensagens subliminares no campo da publicidade, bem como explicitar de que forma tal prática viola as normativas consumeristas. Para tanto, utiliza-se do que melhor oferece a doutrina especializada, analisa-se decisões de tribunais e investiga-se as normas referentes ao tema presentes no ordenamento jurídico. Neste enfoque, tem papel central o princípio da identificação da publicidade, disposto no artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, e grande norteador da proteção ao consumidor em relação à publicidade subliminar. Faz-se, então, a abordagem do assunto, passando, em um primeiro momento, pela conceituação e pelas diversas técnicas utilizadas na aplicação prática do fenômeno subliminar.

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Em uma segunda parte, são estabelecidos os delineamentos dados pelo ordenamento jurídico brasileiro ao assunto, através da análise das normativas protetivas ao consumidor, condizentes com o princípio da identificação da publicidade. Por fim, demonstra-se o tratamento dado por diversos órgãos jurídicos ao tema, através da análise de decisões tomadas diante de casos concretos de utilização de mensagens subliminares na publicidade brasileira. 2 CONCEITO DE MENSAGEM SUBLIMINAR Valendo-se do apoio de diversas ciências, pode-se evidenciar alguns dos subsídios necessários para um entendimento adequado do fenômeno subliminar. Sob a perspectiva da Psicologia, a atividade subliminar pode ser entendida como aquela na qual é produzido qualquer estímulo abaixo do limiar da consciência. Também como parte do conceito, tem-se que tal estímulo produz efeitos na atividade psíquica inconsciente, o que estabelece um importante contraponto à ideia de um inconsciente “inteligente”, que vem sendo afastada, segundo pesquisas recentes1. A Psicanálise, por sua vez, contribuiu para o estudo das mensagens subliminares quando considerou a consciência como uma espécie de holofote que se direciona a uma área de interesse, relegando à sombra da subliminaridade aquilo que não foi focado por ela. Tais informações “sombrias”, entretanto, não estariam destinadas ao esquecimento, mas, pelo contrário, permaneceriam vivas, em estado latente, em um horizonte subliminar além da memória e da consciência. Aduziase ainda que as mensagens subliminares poderiam a qualquer momento ascender espontaneamente, alimentando a intuição, o que, por sua vez, influenciava em muitas das decisões humanas2. A informação subliminar foi considerada, sob esta ótica, um elemento de grande importância na formação das escolhas perpetradas pelo homem. Era, em outros termos, uma forma de persuasão inconsciente3. Sob uma perspectiva mais fisiológica, concluiu-se que a visão periférica era a responsável pelo registro visual das informações subliminares, enquanto a fóvea capturaria a figura consciente. O olho teria um papel fundamental, portan1 MAYER, Brigit; MERCKELBACH, Harald. Unconscious processes, subliminal stimulation, and anxiety. In: Clinical psychology review, Maastricht University, v. 19, n. 5, 1999, p. 571. 2 CALAZANS, Flávio. Propaganda subliminar multimídia. São Paulo: Summus, 1992, p. 26. 3 Ibid., p. 27.

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to, no mecanismo da percepção subliminar4. Tal descoberta revelou a amplitude da aquisição de mensagens subliminares por via ocular e destacou as partes do olho humano responsáveis por este processo. Posto isso, pode-se dizer que as mensagens subliminares são consideradas sob dois ângulos, um mais amplo e outro mais restrito. Em sentido amplo, as mensagens podem ser traduzidas como sendo qualquer estímulo inconsciente, independentemente do motivo, mesmo se mascarado pelo emissor, desde que a comunicação seja transmitida de forma indeliberada para o receptor. De modo restrito, pode-se entender as mensagens subliminares por estímulos que estão abaixo do limite sensorial5. Dentro do espectro jurídico de proteção e defesa do consumidor, é adotada a perspectiva ampla de mensagem subliminar, de modo que esta é entendida como o estímulo imperceptível em nível consciente, que impede o consumidor de detectar que ele é o destinatário de uma informação fornecida por um determinado emissor, ao mesmo tempo em que o estimula a adquirir certo produto ou serviço6. 2.1 PERCEPÇÃO SUBLIMINAR A percepção subliminar pode ser conceituada como a percepção de estímulos por parte do homem, sem que este tenha consciência do ocorrido7. Esta tática, embora viole a capacidade de interpretação e assimilação do receptor da mensagem, é bastante comum na publicidade, de uma forma geral, haja vista que atualmente o consumidor não atenta mais com a mesma intensidade aos anúncios convencionais, não internalizando os estímulos por eles suscitados. Deste modo, os publicitários, em uma espécie de contra-ataque, introduzem nos anúncios publicitários ou mesmo em programas de TV, mensagens subliminares. É o que se denomina de banalização dos estímulos8. 4 CALAZANS, Flávio. Propaganda subliminar multimídia. São Paulo: Summus, 1992, p. 29. 5 FERRÉS, Joan. Televisão subliminar: socializando através de comunicações despercebidas. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 14. 6 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 529. 7 GIGLIO, Ernesto. O comportamento do consumidor e a gerência de marketing. 1. ed. São Paulo: Pioneira, 1996, p. 36. 8 SILVA, Marcus Vinícius Fernandes Andrade da. O direito do consumidor e a publicidade. São Paulo: MP, 2008, p. 67.

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Neste sentido, é válido afirmar que a percepção subliminar deve ser analisada de forma subjetiva, pois, nem tudo o que vemos é o que realmente está acontecendo. A percepção pode ser entendida como uma imperativa seleção de informações, já que não é possível à nossa mente processar conscientemente todos os estímulos enviados9. Verifica-se, desta maneira, a difícil tarefa de ser telespectador, uma vez que vive-se em uma época na qual os meios de informação são manipulados de acordo com determinados interesses, tornando muitas vezes impossível a tarefa de analisar conscientemente as mensagens que são enviadas no dia a dia, o que promove impactos diretos nas relações de consumo. 2.2 A PERSUASÃO SUBLIMINAR Ao emissor das mensagens subliminares, não interessa apenas que o receptor capte as informações recebidas, mas também e, principalmente, que estas produzam efeitos sobre ele. São estes efeitos que determinam a persuasão subliminar. Desta forma, pode-se conceituar a persuasão subliminar como a capacidade que uma mensagem tem de influenciar o receptor a realizar algo, sem que este tenha consciência do processo mental que culminou em tal ato. A otimização da atuação da mensagem subliminar sobre o receptor se dá com uma maior quantidade de informação em um menor tempo de exposição. Deste modo, o excesso de informações é assimilado passivamente pelo inconsciente ou pelo subconsciente, uma vez que a saturação subliminar não dá tempo para se refletir sobre o que foi recebido10. As mensagens subliminares atingem níveis de persuasão que podem se verificar mediata ou imediatamente, desde uma simples vontade de beber ou comer algo, até uma alteração de comportamento a longo prazo11. A persuasão subliminar pode ser vista como uma forma de sedução, a partir da qual, em vez de utilizar-se da via racional, o sedutor/emissor da mensagem faz uso da via emotiva. A sedução subliminar torna-se manifestação do domínio da 9 FERRÉS, Joan. Televisão subliminar: socializando através de comunicações despercebidas. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 27. 10 CALAZANS, Flávio. Propaganda subliminar multimídia. São Paulo: Summus, 1992, p. 30. 11 BREVIGLIERI, Etiene Maria B.; FERNANDES, Bárbara Rossi; OLIVEIRA, Lúcia Lisbôa. A mensagem subliminar e seu uso na publicidade: aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Revista Linhas Jurídicas, Votuporanga, v. 1, n. 1, nov. 2009, p. 169.

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emoção sobre a razão, em que se tenta mascarar a verdade das coisas. Desta maneira, o sedutor/emissor, centraliza a atenção do seduzido/receptor em alguns pontos mais importantes da informação, focando tal atenção em lugares mais específicos, isolados de sua personalidade, camuflando outras dimensões perceptíveis que poderiam ser prejudiciais aos seus interesses12. Percebe-se, a partir disso, que a publicidade algumas vezes busca seu objetivo a todo custo, tendo por finalidade vender um produto, uma marca, uma ideia; enfim, visando a persuadir um público alvo a praticar atos que vão de encontro aos seus interesses, mesmo que para tanto tenha de se utilizar de meios que atentem contra o sistema de proteção e defesa do consumidor. 2.3. ALGUMAS TÉCNICAS UTILIZADAS NA VEICULAÇÃO DE MENSAGENS SUBLIMINARES Para efetivar sua necessidade de induzir o receptor a consumir seus produtos e/ou serviços, os emissores de mensagens subliminares costumam se valer de técnicas variadas. A primeira técnica utilizada para a produção de mensagens subliminares foi a da imagem sobreposta, que consistia na projeção de uma imagem através de um aparelho chamado taquicoscópio, capaz de projetar um slide na velocidade de 1/3000 segundos. Tal artifício foi supostamente utilizado pela primeira vez em 1956, por Jim Vicary, durante as exibições do filme “Picnic”. Em algumas das cenas do filme, teriam sido projetadas várias vezes e muito rapidamente as frases “drink Coke” e “eat pop corn”, o que as tornava imperceptíveis em nível consciente. Como resultado das experiências de Vicary, teria sido detectado um aumento de 57,7% das vendas de Coca-Cola e de 18,1% das vendas de pipoca durante as sessões13, o que revelou a influência exercida pelas frases subliminares no comportamento dos consumidores. Entretanto, tempos depois, o próprio Vicary alegou ser falsa a experiência e forjados os resultados. Outra técnica utilizada na transmissão de mensagens subliminares é a sua colocação em fotos, imagens ou cenários. Esta modalidade de mensagem sublimi12 FERRÉS, Televisão subliminar: socializando através de comunicações despercebidas. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 65. 13 LISBOA, André Gustavo. Publicidade Subliminar e o Código de Defesa do Consumidor. p. 40. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2014.

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nar é muito encontrada na mídia impressa em geral, com um destaque específico para o caso das histórias em quadrinhos. Durante a leitura destas últimas, a curiosidade faz com que o leitor procure rapidamente o próximo balão, focando-se quase que inteiramente no texto verbal e apenas tendo uma visão periférica dos desenhos, o que os torna, assim, subliminares em relação ao leitor. As mensagens subliminares também se revelam através do chamado merchandising, sendo esta talvez sua mais comum ocorrência no mercado. No merchandising, as empresas tentam emitir os mais variados estímulos a fim de provocar a reação do espectador (consumidor). Através da mensagem subliminar, sua finalidade torna-se mais facilitada, uma vez que a informação é percebida pelo receptor sem passar pelo crivo da consciência, o que pode levá-lo a, inconscientemente, sentir a necessidade de consumir o produto ou serviço da empresa em questão. Não há, no entanto, que se confundir a mensagem subliminar com o merchandising, uma vez que aquela, diferentemente deste, não é sequer recepcionada pelos consumidores como uma espécie de comunicação publicitária, por mais atentos que estes possam estar14. Por fim, as mensagens subliminares podem ainda ser formuladas através de cores e sons. No primeiro caso, busca-se, através da utilização de determinadas cores, modificar os sentidos do receptor, de forma a manipular a opinião deste. Tal manipulação se dá, graças à associação que o ser humano faz entre determinadas cores e determinadas sensações. Por estarem mais ligadas a sentimentos alegres, muitas empresas buscam, em certos casos, colocar cores vivas nas embalagens de seus produtos, as quais, além do mais, chamam a atenção dos possíveis clientes. Tal tática é muito usada, por exemplo, na publicidade de produtos ligados ao público infantil. Já quanto ao segundo caso, tem-se que a utilização de determinados sons, associados a certas experiências sensoriais, podem levar, inconscientemente, o receptor da mensagem a consumir determinado produto ou serviço. São, aliás, cada vez mais notáveis as frequências de imagem, sons e cores que visam não retratar algo convencional, ao mesmo tempo em que produzem estímulos à percepção dos consumidores. Da mesma maneira, os programas televisivos se utilizam cada vez mais de imagens fortes, de notícias sensacionalistas, enfim, dos 14 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 107.

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mais diversos meios para alcançar bons índices de Ibope. É a isto que se refere, de forma ampla, aquilo que se chamou de banalização dos estímulos15. 3 REGULAMENTAÇÃO DA MENSAGEM ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

SUBLIMINAR

NO

As mensagens subliminares constituem um elemento relativamente recente no que se refere ao enfoque jurídico. É talvez por isso que o Direito brasileiro não se encontra ainda bem desenvolvido no que tange à regulação da publicidade clandestina na forma subliminar. Não há no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma disposição normativa que proíba expressamente qualquer modalidade de publicidade subliminar, o que torna dificultoso, na maioria das vezes, o trabalho do aplicador do Direito ao se deparar com um caso concreto desta categoria. Apesar disso, o Código de Defesa do Consumidor traz em seu artigo 36, caput , o princípio da identificação da publicidade, segundo o qual a publicidade deve ser fácil e imediatamente compreendida como tal por parte do consumidor. O artigo em apreço se refere ao direito do consumidor de apreender conscientemente a mensagem presente na peça publicitária17, tornando ilícitas algumas técnicas de marketing, a exemplo da publicidade subliminar. 16

A necessidade de tal garantia se deve ao fato de, como já visto anteriormente, muitas das informações publicitárias serem revestidas de elementos imperceptíveis à consciência, mas que são capturadas pelo inconsciente e podem exercer uma influência fortemente persuasiva no que diz respeito à aquisição de um determinado produto ou serviço. Deste modo, há uma clara violação à livre escolha, à escolha consciente do consumidor em relação àquilo que ele pretende adquirir ou utilizar. Não obstante seja prescrita a ilicitude da publicidade clandestina, inclusive na sua forma subliminar, o legislador se omitiu no que se refere ao estabelecimento de punições contra o anunciante que a promove. O projeto inicial do 15 SILVA, Marcus Vinícius Fernandes Andrade da. O direito do consumidor e a publicidade. São Paulo: MP, 2008, p. 67. 16 Artigo 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. 17 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano; MATOS, Yolando Alves Pinto Serrano de. Código de Defesa do Consumidor Interpretado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 160-161.

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Código de Defesa do Consumidor aprovado pelo legislativo definia tal conduta como crime; contudo, houve, infelizmente, veto presidencial a esta disposição, de modo que inexiste no ordenamento jurídico brasileiro norma penal tipificando a utilização de mensagens subliminares18. O princípio da identificação da publicidade faz-se presente também no Código de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), estando consubstanciado em seus artigos 9º, caput19 e 2820. Esta codificação traz ainda em seu artigo 2921 o repúdio por qualquer modalidade de prática publicitária realizada com o intuito de produzir efeitos subliminares, embora se abstenha de regular o assunto sob o argumento de que tal técnica nunca foi comprovada ou detectada de forma juridicamente incontroversa22. A aplicação de tais normativas se dá através do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), uma sociedade civil sem fins lucrativos, concebida com o intuito de moralizar a atividade publicitária. Sua atuação pode ocorrer através de denúncias realizadas por consumidores, autoridades, associados e mesmo pela sua diretoria. Caso comprovada a procedência da denúncia e verificada a infração ao disposto no código, o CONAR poderá cominar as seguintes sanções: advertência, sugestão de alteração ou correção do anúncio, suspensão da veiculação e divulgação pública de sua reprovação relativamente ao anúncio denunciado23. O grau da sanção varia de acordo com a gravidade da infração. Apesar disso, tais sanções se mostram ainda muito brandas, comprometendo a eficácia das normas autorregulamentadoras, de modo que não se consegue estabelecer uma obediência obrigatória em relação aos praticantes da atividade publicitária.

18 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 394. 19 Artigo 9º. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. 20 Artigo 28. O anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação. 21 Artigo 29. Este Código não se ocupa da chamada “propaganda subliminar”, por não se tratar de técnica comprovada, jamais detectada de forma juridicamente inconteste. São condenadas, no entanto, quaisquer tentativas destinadas a produzir efeitos “subliminares” em publicidade ou propaganda. 22 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 107-108. 23 Ibid., p. 233.

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4 ANÁLISE DE CASOS E DECISÕES Embora não sejam recorrentes no cotidiano jurídico brasileiro, pode-se citar alguns casos em que a utilização de mensagens subliminares na publicidade chegou a ser objeto de decisão pelo Poder Judiciário. 4.1 O CASO MTV Um dos mais famosos casos de mensagem subliminar já vistos no Brasil foi o veiculado pela emissora de televisão Music Television (MTV). Em uma vinheta exibida pelo canal no ano de 2002, delineavam-se, por trás das imagens exibidas em primeiro plano na publicidade, cenas que envolviam pedofilia e sadomasoquismo. Como as mudanças das imagens de primeiro plano na vinheta se davam rapidamente, apenas um observador atento conseguiria detectar a mensagem subliminar. Diante disso, após o vídeo gravado ter sido submetido à perícia pelo Instituto de Criminalística de São Paulo, o Ministério Público afirmou ter encontrado fundamento material no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Criança e do Adolescente para sublevar-se contra a vinheta exibida pela referida emissora. Nessa mensagem transmitida aos telespectadores, afirmou o Órgão, as cenas de conteúdo adulto teriam sido veiculadas de forma subliminar e em horário não permitido. O Ministério Público entendeu por ser defeso à emissora veicular o clipe, levando em conta seus respectivos teores. Nos pedidos em que constavam da Petição Inicial impetrada pelo Ministério Público – SP24, tinha-se a obrigação de não fazer, que consistia na proibição de veicular qualquer programa televisivo ou publicidade clandestina e subliminar que violassem os direitos da criança e do adolescente e, principalmente, do consumidor de um modo geral, estando, dessa forma, sujeita a MTV à suspensão de sua programação. Fora este pedido, consistente numa obrigação de não fazer, o Ministério Público pediu que a MTV fosse obrigada a pagar todos os consumidores que tiveram seus direitos difusos violados, numa quantia ao mês não inferior a R$ 1, 00 (um real), a cada um dos 7, 4 milhões de espectadores/mês que teriam sido submetidos

24 12 Vara Cível – TJSP. Ação Civil Pública. Juiz Fernando José Cúnico. Processo nº 000.02.2016899. DJ 27/02/2003.

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à exibição do “clip”, valor este que deveria ser recolhido ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos, de acordo com o art. 13 da Lei Federal nº 7.347/85. Por fim, o caso, que constituiu uma das mais evidentes demonstrações de mensagem subliminar, já verificadas na mídia nacional, redundou num acordo firmado pela MTV e o Juiz da 12ª Vara Cível de São Paulo, com fundamento no artigo 269, inciso III do CPC25. 4.2 O CASO CIGARRO FREE Neste episódio, foi veiculado na televisão um anúncio publicitário do Cigarro Free que tinha por nome “Artista Plástico II”, o qual consistia basicamente em um monólogo de um artista plástico seguido por uma música de fundo. A perícia realizada pelo Instituto Médico Legal (IML) do Distrito Federal, no entanto, observou o vídeo de 45 segundos de duração e detectou que as frases ditas pelo personagem da publicidade estimulavam condutas inconsequentes por parte de crianças e adolescentes26. O laudo ainda detectou a presença de imagens sobrepostas do protagonista e de outras pessoas fumando, caracterizando assim a inserção de mensagem subliminar com o intuito de estimular o consumo do cigarro. Para o Ministério Público do Estado de São Paulo, os fatos que fundamentaram a ilicitude da publicidade foram os seguintes: a veiculação em horário proibido; abusividade da publicidade por afronta a valores éticos e sociais, da pessoa e da família; proveito em face da inexperiência da criança; violação à função social da publicidade, ao princípio da identificação da publicidade, ao Código de Autorregulamentação Publicitária e ao Código de Ética dos Publicitários. Nesta peça inicial foi possível perceber que o Ministério Público baseou sua pretensão de ilicitude da publicidade em diversos fundamentos, entre eles, a utilização da mensagem subliminar como violadora do princípio da identificação da publicidade. 25 12 Vara Cível – TJSP. Ação Civil Pública. Juiz Fernando José Cúnico. Processo nº 000.02.2016899. DJ 27/02/2003. 26 O monólogo possuía o seguinte texto: “Meu nome é Daniel Zanage. Eu trabalho com luz, computador, arte, filmes, sombra, letras, imagens, pessoas. Vejo as coisas assim: certo ou errado, só vou saber depois que eu fiz. Eu não vou passar pela vida sem um arranhão. Eu vou deixar a minha marca”. Tribunal de Justiça do Estado e dos Territórios - TJDFT. Processo nº 2004011102028-0. Rel. Vera Andrighi. Data de Julgamento 14/03/2007. Data de publicação: 10/05/2007.

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A sentença proferida pela quarta turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios27, acatou a perícia do IML e o laudo do Ministério Público e trouxe a mensagem subliminar como um dos fundamentos para concluir pela ilicitude da publicidade, baseando-se, para tanto, em dispositivos da Constituição Federal, do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, do Código de Defesa do Consumidor e da Lei Federal nº 9.294/96. No caso em tela, a Souza Cruz S/A, Standart Ogilvy & Mather Ltda e Conspiração Filmes Entretenimento S/A, foram condenadas a pagar, de forma solidária, uma indenização punitiva correspondente a R$ 4.000.000,00 (quatro milhões), mais os juros de mora de 1% a.m. a partir da citação das rés28. 4.3 O CASO CLOSE-UP Existem casos que não chegam a ser discutidos no âmbito do Poder Judiciário, vindo a serem analisados em outras esferas de poder, como é o caso do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária), organização não governamental constituída por publicitários e profissionais de outras áreas. Sua missão principal é impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas, buscando defender a liberdade de expressão comercial. Nesse sentido, o referido Órgão foi atuante quando julgou a Representação de nº 128/03 na data de 10 de julho de 2003, a partir da denúncia de um consumidor, em um caso envolvendo a anunciante Unilever e a Agência J. Walter Thompson. Neste caso, o consumidor queixou-se de filme para TV do antisséptico bucal Close-up no qual, em alguns fotogramas, encontrou-se reprodução de palavras de baixo calão embaralhadas a símbolos como os usados em histórias em quadrinhos para simular palavrões. Em defesa, a anunciante e a agência publicitária afirmaram que a versão do filme sob denúncia foi substituída e descartaram o uso de publicidade subliminar. Para a 2ª Câmara do Conselho de Ética do CONAR, o filme da Close-up violou os artigos 1º, 3º, 19, 27, par. 6º e 50, alínea b do Código Brasileiro de 27 Tribunal de Justiça do Estado e dos Territórios - TJDFT. Processo nº 2004011102028-0. Rel. Vera Andrighi. Data de Julgamento 14/03/2007. Data de publicação: 10/05/2007. 28 Ibid.

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Autorregulamentação Publicitária. Em sua decisão por maioria, deliberou pela alteração do filme29. 5 CONCLUSÃO Embora seja fruto de inúmeras controvérsias até mesmo quanto à sua existência, a temática das mensagens subliminares é capaz de estimular um debate de grande importância no âmbito do Direito das Relações de Consumo. Sua abordagem conceitual mostra-se multidisciplinar, de modo que podem ser verificadas contribuições da Psicologia, da Psicanálise e mesmo da fisiologia na definição de seu conteúdo. Para fins jurídicos, é adotada a noção de que a mensagem subliminar é um estímulo imperceptível em nível consciente e que produz efeitos sobre aquele que a recebe. Visualizando neste artifício uma possibilidade de indução inconsciente ao consumo, empresas dos mais diversos ramos passaram a desenvolver técnicas de otimização do recebimento inconsciente de estímulos (percepção subliminar) a fim de que isto despertasse no receptor a vontade de consumir o produto ou serviço subliminarmente sugerido (persuasão subliminar). Diante da clara violação à liberdade de escolha do consumidor proporcionada pela utilização desta tática, o Código de Defesa do Consumidor, através do seu artigo 36, que consagra o princípio da identificação da publicidade, passou a regular, embora não especificamente, o tema, ao colocar que a publicidade deve ser facilmente identificada como tal pelo consumidor. Além da proteção oferecida pela aludida codificação, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária também traz normativas referentes ao assunto, as quais são aplicadas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o CONAR. Entretanto, a regulamentação oferecida por este microssistema de proteção ao consumidor revela-se relativamente genérica e insuficiente, enquanto a jurisprudência, embora inovadora, ainda é parca, de modo que, apesar de constituir uma prática de publicidade clandestina e lesiva aos direitos do consumidor, o fenômeno subliminar ainda se mostra presente em informes publicitários ou em outros modos de comunicação de massa, como se pôde ver diante dos casos expostos.

29 CONAR. Conselho Nacional de Autorregularização Publicitária. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2014.

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Desta feita, para uma promoção efetiva da defesa do consumidor no tocante à publicidade clandestina, faz-se necessária uma melhoria quantitativa e qualitativa na fiscalização dos meios destinados à comercialização de produtos e serviços. Isto pode ser feito mediante atuações isoladas ou conjuntas de órgãos judiciais e extrajudiciais, assumindo papel fundamental nesta conjuntura o CONAR, que possui uma grande importância no processo de moralização da publicidade brasileira

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REFERÊNCIAS ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. BRASIL. Lei Federal nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. BREVIGLIERI, Etiene Maria B.; FERNANDES, Bárbara Rossi; OLIVEIRA, Lúcia Lisbôa. A mensagem subliminar e seu uso na publicidade: aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC). In: Revista Linhas Jurídicas, Votuporanga, v. 1, n. 1, p. 169. nov. 2009. CALAZANS, Flávio. Propaganda subliminar multimídia. São Paulo: Summus, 1992. Código de Ética dos Profissionais da Propaganda. Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2014. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. CONAR. Conselho Nacional de Autorregularização Publicitária. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2014. FERRÉS, Joan. Televisão subliminar: socializando através de comunicações despercebidas. Porto Alegre: Artmed, 1998. GIGLIO, Ernesto. O comportamento do consumidor e a gerência de marketing. 1. ed. São Paulo: Pioneira, 1996. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. 210

LISBOA, André Gustavo. Publicidade Subliminar e o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2014. MAYER, Brigit; MERCKELBACH, Harald. Unconscious processes, subliminal stimulation, and anxiety. In: Clinical psychology review, Maastricht University, v. 19, n. 5, p. 571. 1999. MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano; MATOS, Yolando Alves Pinto Serrano de. Código de Defesa do Consumidor Interpretado. São Paulo: Saraiva, 2009. SILVA, Marcus Vinícius Fernandes Andrade. O direito do consumidor e a publicidade. São Paulo: MP, 2008.

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Publicidade comparativa Lucas Cabral da Silveira Marcos Felipe Arcoverde Pinto 1 INTRODUÇÃO O Código de Defesa do Consumidor (CDC) não instituiu conceitos expressos para os diversos tipos de publicidade existentes, proibindo apenas de forma genérica a publicidade enganosa e abusiva (artigo, 37, caput). Não obstante isso, as técnicas publicitárias são inúmeras e com a massificação dos meios de comunicação o consumidor é bombardeado a todo o momento por campanhas publicitarias diversas que tentam convencê-lo a tomar determinada decisão em meio a tantas outras. A simples tentativa de convencimento por uma técnica lícita é um meio correto a ser utilizado pelo fornecedor. Todavia, muitas vezes ocorrem distorções que induzem o consumidor em erro sobre vários aspectos diferentes relacionados a determinado produto, serviço, marca ou empresa frente às concorrentes. Nesse cenário de acirrada competitividade é importante identificar as técnicas publicitárias utilizadas e delinear os devidos contornos jurídicos a fim de garantir a máxima proteção do consumidor, do mercado de consumo em geral e dos próprios fornecedores concorrentes. Em que pese essa competitividade, o mercado interno brasileiro ainda é restrito a poucos grupos controlando certos setores, e o uso de uma peça publicitária que possa atrair ilicitamente mais consumidores para um determinado produto ou serviço desequilibra ainda mais o sistema, de maneira que o maior prejudicado poderá ser o consumidor individual ou coletivamente considerado, desprotegido perante uma avalanche de informações. Importante por isso o estudo da publicidade e, nesse momento, em especial a comparativa buscando contribuir para a regulação efetiva desse tipo de prática. Embora seja uma técnica de marketing corriqueira não foi ainda tipificada 213

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expressamente na legislação consumerista, mas necessita de estudos especializados para condicionar o alcance da sua licitude ou ilicitude. Como forma de suprir e complementar o estudo as fontes utilizadas serão amplas, tais como o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP); julgados diversos que versem sobre a publicidade tratando-a como publicidade comparativa, ainda que sendo tratada de forma diversa tenha uma situação de fato semelhante e aplicável nos conceitos; decisões proferidas pelo Conselho de Autorregulamentação Publicitária (CONAR); a doutrina consumerista que vem se debruçando sobre o assunto; além de disposições normativas de outros ordenamentos jurídicos. 2 CONCEITO DE PUBLICIDADE COMPARATIVA O Código de Defesa do Consumidor não proibiu a publicidade comparativa, mas também não a regulou de forma especifica, sendo limitada pelo referido Código apenas quando possa incidir no que tange aos critérios de enganosidade e abusividade (para todas as formas de publicidade) e aos princípios que são aplicáveis à atividade publicitária em geral. O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, por sua vez, expressamente permitiu o uso desta técnica aludindo às tendências de mercado mundial1, no entanto estabeleceu alguns critérios para se aferir a licitude dessa ferramenta publicitária. A doutrina majoritária, mesmo não tendo se posicionado de forma concludente sobre o assunto parece aceitar esse tipo de publicidade2. O tema está repleto de imbricações, seja quanto possibilidade de utilização da publicidade comparativa de forma explicita, implícita ou indireta, os benefícios ou malefícios gerados para os consumidores e fornecedores, os critérios que definem a licitude ou enganosidade desse tipo de publicidade, ou ainda em relação ao choque entre os direitos de propriedade industrial e as formas publicitárias. Antes de adentrar nesses tópicos específicos é importante tentar construir uma conceituação ou delineamento geral do que é a publicidade comparativa, já que não há disposição legal conceitual no ordenamento jurídico brasileiro a respeito da mesma. Publicidade comparativa é a técnica de marketing que visa comparar 1 Artigo 32. Tendo em vista as modernas tendências mundiais e atendidas as normas pertinentes do Código da Propriedade Industrial, a publicidade comparativa será aceita, contanto que respeite os seguintes princípios e limites. 2 Nesse mesmo sentido, o TJSP é favorável à publicidade comparativa que faz menção à “propaganda comparativa” e a reiterada aceitação do CONAR desse tipo de publicidade, não havendo motivo para a jurisprudência proibir esse tipo de técnica já que, seguindo determinados critérios, não é conduta antiética das empresas. TJSP, Ap.Civ 313.198-4/4-00, 8ª Câm. Dir Priv. DJ 20.12.2006, Rel. Des. Salles Rossi.

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empresas, marcas, produtos ou serviços do anunciante com concorrentes, utilizando-se de dados objetivos para averiguar benefícios maiores ou menores em relação a terceiros. É a tentativa de fazer uma relação/confrontação com dados comprováveis para que o consumidor se sinta convencido de que determinado produto ou serviço é melhor do que os da(s) concorrente(s). As empresas e marcas também podem ser comparadas entre si. Assim, em uma publicidade comparativa o fornecedor irá enaltecer as suas próprias qualidades em detrimento das dos outros fornecedores. Fato importante é que o fornecedor ao realizar esse tipo de publicidade não pode meramente exaltar os seus produtos ou serviços prejudicando os de outrem, sem pontuar um dado objetivo e verificável, por isso ressalta-se a necessidade da objetividade na comparação, uma vez que dados subjetivos advindos de uma valoração personalíssima adentram em outro tipo publicitário, a testemunhal, sobre a qual incide outra ótica de análise divergente da abordada na publicidade comparativa. Ou ainda, podem ser classificadas como publicidade de tom excludente ou exagero publicitário. Isto porque, a mera citação da marca de outrem sem ter dados que comprovem uma determinada afirmação é caso de uso indevido de marca, concorrência desleal. Veda-se, portanto, o fornecedor “caroneiro” que tenta associar sua marca à de um ou mais concorrentes para utilizar-se do prestígio ou renome, ou ainda desviar concorrência de forma ilícita. Realizando, em sentido contrário, uma publicidade comparativa, a apresentação de dados objetivos e comprováveis jurídica e faticamente, afasta a incidência dos crimes previstos na lei de propriedade industrial (detalhadamente, infra) e a ocorrência de publicidade enganosa. É imprescindível também esclarecer que não há a necessidade de comparação com produtos diferentes, e sim, de fornecedores diferentes. É o caso comum de pessoas jurídicas do gênero alimentício ou de grandes lojas fornecedoras de diversas marcas em diversos setores (eletrodomésticos, vestuário verbi gratia) nesses casos, essas empresas detêm inúmeros bens de consumo, muitos adquiridos de outro fornecedor produtor. Poderá ocorrer assim a situação de um idêntico bem ou serviço estar sendo vendido por duas pessoas jurídicas diferentes, uma vez que o fornecedor-produtor pode repassar o direito à comercialização para diversos outros fornecedores. A comercialização entre fornecedores propicia, desta forma, outro tipo de comparação: as dos vendedores finais que buscam enaltecer a sua própria loja ou marca de vendas, adquirindo e vendendo mercadorias produzidas por outrem. Quanto a estas, pode haver comparação, mas serão restritas a determinados fatores como: preço, condições de venda/parcelamento, garantia contratual, estoque, facilidades burocráticas, benefícios diversos oferecidos etc. Em outras palavras, um mesmo bem pode ser alvo de publicidade comparativa, desde que ofertado por 215

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empresas diversas e não elencando características inerentes ao produto em si (v.g., qualidade, características, composição, funcionalidades, já que nesse ponto serão idênticos), porém aludindo a outros dados, obedecendo sempre a objetividade inerente a esse tipo publicitário. Desta análise breve do conceito duas características são nucleares: a comparação e a objetividade. Por mais claro que possa parecer o critério da comparação nem sempre é abarcado para definir a publicidade comparativa3. Todavia, vem sendo considerado como essencial para a caracterização, até mesmo se considerarmos a terminologia “publicidade comparativa”. Assim, não pode o fornecedor meramente aludir a fornecedores para, por exemplo, utilizar marca de renome e galgar atenção à sua própria marca ou simplesmente realizar críticas com objetivo de macular a imagem dos concorrentes sem efetivamente comprovar um dado comparativo. A falta desse requisito desnatura a característica de publicidade comparativa, por isso mostra-se imprescindível a comparação entre empresas, marcas, bens ou serviços. O outro critério essencial para a configuração da publicidade comparativa é a objetividade nas comparações. Os dados têm de ser auferíveis empiricamente/cientificamente4 seja em uma confrontação de preços ou qualquer outro dado essencial de comparação entre os produtos5, não sendo suficiente a utilização 3 A Diretiva 2006/114/CE do Parlamento europeu, por exemplo, em seu artigo 2°, c) conceitua a publicidade comparativa como a “publicidade que identifica, explicita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente” sem explicitar que “identificar” precisa necessariamente “comparar” sob pena de não ser uma publicidade comparativa podendo migrar para um uso indevido da marca, a depender do caso concreto. Todavia, em diversas outras passagens essa mesma Diretiva inclui a comparatividade quando trata desse tipo de publicidade no Preâmbulo, consideração 8, e determina que “a publicidade comparativa, quando compara características essenciais, pertinentes comprováveis e representativas não é enganosa”, bem como no artigo 4° da mesma Diretiva. 4 Representação nº 084/2014 do CONAR: “A Faber-Castell vem ao Conar contestar afirmação contida em anúncio em mídia impressa, internet e embalagem da Summit. Ao divulgar lápis da marca Wopex, ela informa: ‘escreve 2x mais’. Esta afirmação é negada por laudo técnico trazido à representação pela Faber-Castell. Pelo contrário, o produto anunciado teria desgaste maior do que o vendido pela denunciante”. A empresa Faber-Castell, nesse caso, obteve decisão favorável, já que conseguiu comprovar a inverdade da alegação da concorrente, por ausência de objetividade, sem dados técnicos e científicos para comprovar a alegação de maior eficiência – “escreve 2x mais”. Disponível em: Acesso em: 20 set. 2014. 5 A contraposição pode acontecer, num rol exemplificativo, em relação a: preço, modo de pagamento, condição de fornecimentos, estoques, validade, durabilidade, forma de prestação do serviço, características dos bens (composição, quantidade, natureza, modo de fabricação, resultados esperados da fruição do bem ou serviço, os testes realizados previamente ou durante a colocação no mercado,

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de critérios puramente subjetivos como relatos de pessoas “acharem melhor” determinados bens ou serviços, ou contrastar características subjetivas, como sabor, cheiro6, entre outras, dado que relatos puramente subjetivos não analíticos são em sua maioria testemunhos, figurando outra forma publicitária, a testemunhal, que diverge da comparativa,  principalmente pela forte presença de critérios subjetivos, não quantificados ou sob uma ótica analítica estabelecida que não a opinião personalíssima dos testemunhos. E se a subjetividade da comparação não estiver acompanhada de testemunhos, será caso de publicidade comparativa ilícita porque é imprescindível a presença da objetividade. Exemplificativamente não pode uma empresa fazer menção a outras e intitular-se “a melhor do mercado” tendo utilizado do nome das concorrentes de forma ilícita e nem realizado comparação alguma, porque tal afirmação carece de qualquer fundamentação. Poderia sim, genericamente, sem fazer menção a outros fornecedores do mesmo ramo dizer: “Somos o melhor do mercado” porque isso seria exagero publicitário, atualmente aceito como publicidade promocional/institucional e com dados não sujeitos à prova nem a confrontação/comparação indireta com outras marcas. A publicidade quando subjetiva normalmente apresenta o produto como “o mais saboroso”, “gosto indiscutível”, “é uma delícia” ou o perfume/sabonete/desodorante/pós-barba que atrai determinados tipos de interesses, entre outros. Esse tipo de afirmação pode variar a depender da pessoa. Não existe, a princípio como provar qual o melhor gosto ou se determinado cheiro induz ações em todas as pessoas. A empresa pode considerar os seus bens os melhores, entretanto, não deve alegar isso como um fato absoluto como se houvesse um dado comprobatório que a considere a única ou melhor do mercado naquele sentido, e sim, como um mero juízo de valor. Em outras palavras, os dados elencados devem ser suscetíveis de prova sob pena de não ser publicidade comparativa ou configurar a publicidade comparativa ilícita (a que não atende aos critérios desse tipo), publicidade enganosa.

disponibilidade, origem geográfica). Note que em todas essas características, e outras, um dado objetivo deverá ser levantado, ilustrativamente, qual seria efetivamente o benefício de um produto importado para um nacional? O anunciante deverá demonstrar objetivamente, com dados, pesquisas, uma superioridade de um desses critérios. Para um rol exemplificativo deformas de comparação vide, entre outros: art. 6° III do CDC e art. 3° Res/2006/114/CE. 6 O TJSP proferiu acórdão no sentido de possibilitar a realização de teste-cego em publicidade de cerveja, desconsiderando as alegações de concorrência desleal e denegrimento de marca alheia. Todavia, não analisou a questão sob a ótica da publicidade comparativa e sob a subjetividade dos testes realizados, deixando o tema em aberto. TJSP, Ap. 0217920-82.2009.8.26.0100, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Beretta da Silveira. Julgado em: 15/01/2013.

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Indo mais a fundo, existe necessidade de que os produtos estejam em paridade de qualidade e condições de oferta (v.g., preço, composição, resultado esperado do uso) de forma a serem compatíveis para comparação, estando em concorrência direta no mercado de consumo. O CONAR possui diversas decisões sobre “propaganda” comparativa em que são levantadas questões acerca da objetividade da publicidade tanto pela parte prejudicada quanto pela decisão do Órgão. Exemplificativamente, apreciou a alegação da grande diferença de preços/ espectro de águas sanitárias como forma de distinguir a paridade dos produtos alvos de comparação, não sendo possível uma comparação entre produtos que, embora recebam o mesmo nome “água sanitária” possuam diferenças substanciais de qualidade, funcionalidade e preço, não sendo correta a confrontação de produtos com características tão diferentes. Ou seja, a tentativa de demonstrar a concorrência direta entre os produtos, a real igualdade de disputa entre fornecedores por um determinado tipo de consumidor. Além disso, a questão da objetividade é levantada pelo segundo viés no depoimento da consumidora, uma vez que a maior eficiência e as impressões pessoais daquela usuária poderiam não ser gerais e comprováveis por testes objetivos. O depoimento da consumidora, muito embora verídico para ela, não é necessariamente verdade para todos, cientificamente verdadeiro. 7. Esse requisito da objetividade não é exclusividade da publicidade comparativa, e sim, aplicável a diversos institutos publicitários, possuindo fundamentação também no artigo 36, parágrafo único do CDC que prestigia os princípios da veracidade/informação no âmbito da publicidade. Nem sempre a publicidade comparativa foi aceita pelos ordenamentos jurídicos dos países em geral8, sofrendo inicialmente severas limitações pelo Direito Marcário, o qual regulamenta a interação entre marcas, considerando-a à priori como concorrência desleal ou extremamente prejudicial aos direitos do fornece7 Representação nº 211/2013: “A autora [indústria Anhembi] representa contra comercial em TV da concorrente, promovendo Vanish Crystal White, com depoimento de uma consumidora chamada Cândida. Entende a Anhembi que a peça publicitária desmerece as águas sanitárias, ao afirmar que elas amarelam as roupas e deixam cheiro desagradável. Considera indevida a afirmação de superioridade de desempenho de Vanish no branqueamento das peças lavadas. Menciona ainda a grande diferença de preço entre um e outro produto e o largo espectro de utilização das águas sanitárias. [...] A anunciante recorreu da decisão, porém ela foi confirmada por unanimidade pela câmara revisora, seguindo proposta da relatora do recurso.” Disponível em: Acesso em: 21 set. 2014. 8 A união europeia, exemplificativamente, só veio a traçar uma norma especifica para o assunto em 2006, conforme diretiva já mencionada alhures, ademais, outros países também tem ou tiveram restrições, como se verá na nota de rodapé infra.

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dor9. O Direito das Relações de Consumo no Brasil, é extremamente recente, talvez por isso a questão da publicidade ainda não foi explorada de maneira suficiente. Ross D. Petty10, jurista norte-americano, em 1997 fez um apanhado da situação da publicidade comparativa na Europa e Estados Unidos, demonstrando como a maioria dos Estados ainda era bastante refratária à comparação muitas vezes mesmo com fundamento legal (este sendo contrário, portanto). Nesse período, a legislação da comunidade europeia ainda estava se desenvolvendo, e os países divergiam bastante no posicionamento em relação ao tema. Recentemente, a publicidade comparativa parece estar sendo mais aceita no ocidente quando segue critérios de licitude e não enganosidade e abusividade, no Brasil, na Europa (principalmente devido à Edição de diretivas em busca de unificar o tema) e nos Estados Unidos. A interpretação, para dar legalidade e legitimidade a essa técnica, portanto, deve ter sempre critérios mínimos e essenciais, conforme vistos acima, sendo a objetividade, a comparação e o atendimento às normas consumeristas e da lei de propriedade industrial essenciais.11 9 Acerca da regulamentação sobre a propriedade industrial no Brasil, veja tópicos infra. A publicidade só será considerada licita se não violar tanto as normas consumeristas como os dispositivos da Lei Federal nº 9.279/1996 (propriedade industrial) Art. 195, a título ilustrativo. 10 O Reino Unido e Irlanda possuem leis similares àquelas dos Estados Unidos. Elas permitem publicidade comparativa verídica que não é confusa ou depreciativa. [...] Em contraposição, a tradição legal dos países continentais da Europa é de condenar ou regular estritamente esse tipo de publicidade como denegritória [...] Portanto, para a maioria da Europa, publicidade comparativa é publicidade desleal [...] A Holanda, no entanto, aderindo ao Benelux Uniform Trademark Act é um pouco mais permissiva e não proíbe especificamente a publicidade comparativa. [...] Na Itália, comparações denegritórias não são permitidas, mas comparações indiretas (sem nome) são aceitas se relevantes e objetivas e ainda defensivas ou requisitadas pelos consumidores. [...] Em 1992, a França adotou uma nova lei de proteção do consumidor que permite publicidade comparativa com notificação prévia do alvo rival e desde que justa e objetiva, com dados essenciais e relevantes e características verificáveis dos produtos e serviços. [...] Similarmente, leis na Grécia e Espanha permitiram comparações verificáveis e verídicas que involvam propriedades relevantes e comparáveis dos produtos e serviços. As leis Portuguesas e Dinamarquesas são, forçosamente, parecidas com os exemplos anteriores, assim como a lei Suiça, exceto que a publicidade comparativa não é aceita por meio de publicidade televisiva. (Bodewig 1994; Kirmani 1996; Maxeiner and Schotthofer 1992)” Ross D. Petty. Advertising Law in the United States and European Union. Journal of Public Policy & Marketing. v. 16, No. 1, International Issues in Law. 11 “É aceita a publicidade comparativa, isto é, aquela em que o anúncio mostra seu produto ou serviço na relação com o de seu(s) concorrente(s)” e logo em seguida estabelece critérios para a veiculação dessa publicidade baseados no art. 36 do CBAP. NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 462. Ainda nessa linha Regina Beatriz da Silva e Carlos Eduardo Poletto ao trazerem as definições literais da legislação francesa no article L 121-8, da portuguesa e espanhola, além de colacionar a construção sobre o tema a partir de um autor estrangeiro, porém sem

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Importante é frisar que existe a necessidade da comparação no mercado e também da objetividade nos dados apresentados nesse processo. Não resta dúvida de que a publicidade comparativa está sujeita a determinadas regras e princípios para que seja considerada uma atividade lícita. 3 PUBLICIDADE COMPARATIVA DIRETA, IMPLÍCITA E INDIRETA A publicidade comparativa pode ser denominada diferentemente a depender de como foi realizada a comunicação publicitária. É chamada modalidade comparativa direta ou explicita quando um fornecedor alude especificamente a um concorrente ou vários, realizando comparações entre empresas, produtos ou serviços com outrem que está sendo citado e o consumidor inequivocamente sabe de qual ou quais concorrentes o fornecedor está falando porque o nome fantasia ou produto foi mostrado sem nenhum tipo de dificuldade para a identificação. O fornecedor pura e simplesmente mostra contra quem está se comparando. A modalidade implícita ocorre quando o fornecedor não diz com quais fornecedores está se comparando, porém o consumidor pelas circunstâncias da mensagem publicitária sabe dizer inequivocamente quais comparações estão sendo realizadas. Em ambos os casos, perceba, a comunicação é inequívoca: O consumidor no primeiro caso (direta) é informado pelo próprio fornecedor com qual empresa ele deve perceber aquelas comparações realizadas; No modo implícito, o fornecedor opta por não dizer com todas as letras o concorrente, mas não dificulta para o público-alvo da publicidade que pela análise do contexto sabe a quem foi feita a alusão. O caráter distintivo é, portanto, em relação à explicitação dos concorrentes: se tiver de ser realizada pelo consumidor é implícita, se pelo próprio fornecedor, direta. A publicidade comparativa implícita não é aquela genérica realizada contra todo o mercado de consumo, todos os fornecedores. O concorrente tem de ser identificável. A publicidade comparativa explicita é aquela em que há identificação esclarecer com maior profundidade os requisitos. Logo em seguida, também analisam o artigo 32 do CBAP. POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo; SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Responsabilidade civil: responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 408. E ainda “a publicidade comparativa é uma técnica publicitária desenvolvida mediante confrontações realizadas entre produtos e/ou serviços de diferentes marcas ou empresas, ou ainda entre as próprias marcas ou empresas entre si, com a finalidade de demonstrar que um dos objetos do anúncio se encontra em posição sobressalente em relação ao outro” não há referência ao critério da objetividade na comparação ALVES, Fabrício Germano. Proteção Constitucional do Consumidor no Âmbito da Regulação Publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 115.

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clara do competidor, seja pelo nome empresarial, marca, signos distintivos, lema da empresa, algo bastante específico do concorrente, representado através de imagens, gráficos, números qualquer forma de individualização12. Por outro lado, a implícita leva em consideração circunstancias de mercado tais como: extrema similitude de um bem apresentado pelo patrocinador da mensagem publicitária com o de um competidor; a existência de um único concorrente; as coincidências temporais ou de mercado que permitem identificar uma peça publicitária seguinte como contra mensagem publicitária a uma outra anteriormente veiculada; o contexto da mensagem, se logo em seguida há uma outra semelhante, com jingle, gráficos, temas semelhantes. Nesse último tipo, o conhecimento do consumidor acerca daquele ramo de negócio e do mercado de consumo naquela região será decisivo para a efetividade da mensagem publicitária. Nessa modalidade é bem provável que um consumidor de outra região ou ramo não consiga identificá-la por não estar ciente do substrato fático específico. O mesmo se diga de anúncios publicitários mais antigos, com menção a fatos ou características de empresas não mais utilizadas atualmente. A publicidade comparativa indireta é a comparação genérica remetendo a todas as empresas, produtos, ou serviços de um determinado setor de forma indistinta, e, claro, ressaltando uma característica do fornecedor da mensagem. Por exemplo, ao comparar produtos próprios contra todos os demais ou realizar slogans do tipo “cobrimos qualquer oferta”, “as melhores condições” e “única no mercado”. Concernente a este ponto, o fornecedor deve ter cuidado em não induzir o consumidor em erro, veiculando publicidade enganosa (definida no artigo 37, parágrafo 1º do CDC). Característica essencial da publicidade comparativa como um todo é a objetividade da comparação, e de qualquer maneira é preciso atender aos princípios da publicidade em geral, dentre eles a vinculação da oferta publicitária (artigo 30, CDC), veracidade (artigos 6º, III e IV, 31 e 37, CDC), e do ônus da prova a cargo do fornecedor anunciante (artigo 38, CDC). Dessa maneira, ao realizar esse tipo de afirmação o fornecedor deverá garantir o cumprimento da oferta, quando não a realizar de forma exagerada levando o consumidor a enxergar como uma mera brincadeira, desconfigurando assim a publicidade comparativa e tornando-a hipótese de exagero publicitário, “exceção” em parte ao princípio da veracidade já que nem toda mensagem será verídica. Não há proibição à hipérbole no meio consumerista, desde que seja impossível enganar o consumidor com aquela exorbitância. 12 MASSAGUER, José. La publicidade comparativa: IE Working Paper Derecho. Espanha, p. 10. 2005, p. 10.

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A jurisprudência pátria já analisou caso de publicidade comparativa indireta (sem, no entanto a qualificar de tal forma). Trata-se de um caso no qual uma empresa do ramo de supermercado comprometeu-se a “cobrir” ofertas dos concorrentes, contudo negava a realização da oferta aos clientes que detinham informações de preços mais baixos advindos da concorrente. A empresa foi condenada pelo descumprimento da oferta pública, e a indenizar danos morais ao consumidor. No mesmo sentido, empresa com slogan “cobrimos qualquer oferta ou você leva agora este produto de graça” foi obrigada a realizar a obrigação especifica de dar o produto de graça pelo fundamento da vinculação da oferta14. O suposto exagero, por conseguinte, deve ser evidente15, sob pena de caracterizar enganosidade, fugindo aos critérios de licitude da publicidade comparativa. 13

Existe ainda outra modalidade de publicidade comparativa denominada autocomparação. Nesse caso, a pessoa jurídica compara o seu status atual de fornecedor com o antigo, mostrando uma melhora em determinado serviço, bem ou atividade. O fornecedor pode, nesse caso, fazer menção a qualquer característica pessoal na qual houve melhoria, a exemplo de querer abarcar novos consumidores desenvolvendo técnicas de proteção ambiental, aplicando novas tecnologias, exprimindo melhora em característica e qualidade em produtos ou prestação de serviços. Trata-se de publicidade institucional/promocional uma vez que o objetivo pode ser simplesmente a divulgação da imagem da empresa. Essa espécie publicitária está igualmente sujeita às regras do CDC relativas à veracidade e enganosidade, todavia, ao entender dos autores do presente texto, não se configura publicidade comparativa stricto sensu, devendo ser analisada fora dos critérios específicos dessa modalidade (v.g., confronto entre marcas, objetividade etc.). Existe um gênero denominado “publicidade alusiva” 16 sendo este qualquer tipo de publicidade em que se faça menção a terceiros, podendo ainda com13 TJ-SP - APL: 01094592620088260011 SP 0109459-26.2008.8.26.0011, Relator: Christine Santini, Data de Julgamento: 05/08/2014, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/08/2014. 14 TJ-RJ - RI: 00209717520088190210 RJ 0020971-75.2008.8.19.0210, Relator: Marcello de Sa Baptista, Quarta Turma Recursal, Data de Publicação: 02/06/2009. 15 Turma do TJDF considerou interpretação exagerada (meramente gramatical) a vinculação à oferta de um carro novo 0 km com prestações mensais de apenas R$ 99,00 mensais. O consumidor médio não poderia acreditar na aquisição de um carro por tal valor ínfimo pura e simplesmente, pelo conhecimento e diligência normais. Cf. TJ-DF - APC 0124377-35.2004.8.07.0001. Relator: João Egmont. Data de julgamento: 05/07/2006. 3ª Câmara de direito privado. Data de Publicação: 21/11/2006. 16 HUAPAYA, Alex Sosa. Apuntes sobre la publicidade comercial alusiva. In: Actualidad Jurídica. v. 223, 2012, p. 349.

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parar produtos, serviços e atividades. Dentro desse gênero são encontradas três subespécies: publicidade comparativa, publicidade adesiva (publicidade comparativa sem comparação17) e publicidade denegritória. A adesiva equipara os fornecedores sem necessariamente realizar uma comparação, apenas aproveitando-se do renome ou com a expectativa de perpassar ao consumidor a ideia de possuir as mesmas características do concorrente, sem demonstrar uma comparação específica, ou um confronto de ofertas. A denegritória teria o objetivo de menosprezar qualquer característica do fornecedor alvo da publicidade. São situações próximas, contudo com um pouco de diferença. A publicidade comparativa seria a única espécie de publicidade alusiva a terceiros com maior solidez e seriedade. A simples utilização de marca alheia para autopromoção é uma alusão possivelmente enganosa, como será estudado em tópico adiante. E denegrir a imagem de um fornecedor concorrente sem nenhuma comprovação pode ser considerado prática de concorrência desleal. Contudo, no caso de existir veracidade na denegrição ou adesão, poderá ser afastada a concorrência desleal. A autocomparação não é caso de publicidade comparativa uma vez que não faz menção a um terceiro. Essa técnica é de publicidade promocional/institucional, assim em não havendo alusão a concorrente, resta desconfigurada a incidência das normas relativas à publicidade comparativa. Desta forma, o fornecedor possui maior discricionariedade ao realizar uma autocomparação (v.g., uma evolução histórica da empresa mostrando melhorias, todavia sem fazer menção a uma oferta específica), precisando ter menos cuidado do que quando faz menção à marca alheia e a ofertas bem designadas. Não faltando com a verdade em se autocomparar (cumprimento das normas básicas do CDC relativas à publicidade), a princípio não haverá ilícito. 4 CRITÉRIOS PARA REGULAÇÃO DA PUBLICIDADE COMPARATIVA Inicialmente, faz-se mister apresentar a orientação do ordenamento jurídico brasileiro no que tange à regulamentação publicitária em geral. A começar pela Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 220, §3º, inciso I, determina a competência federal para elaboração das leis regentes da “propaganda”18 de pro-

17 Termo também utilizado por MASSAGUER, José. La publicidade comparativa: IE Working Paper Derecho. Espanha, 2005, p. 10. 18 A própria Constituição Federal utiliza a terminologia propaganda equivocadamente, referindo-se à publicidade no mencionado dispositivo.

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dutos, serviços e práticas que possam ser nocivos à família e ao meio ambiente19, o que já demonstra o interesse do Constituinte em ver a sociedade resguardada contra as formas danosas de publicidade. Desta forma, foi sancionada a Lei Federal nº 8.078/90, denominada de Código de Defesa do Consumidor (CDC), objetivando regrar as relações consumeristas a fim de proteger não somente os consumidores, mas também os fornecedores e produtores. Atinente à temática, o CDC trás em seu artigo 6º, incisos III e IV20, a garantia da proteção do consumidor contra as publicidades enganosas e/ ou abusivas, definindo-as no artigo 37, §2º e §3º21. Contudo, como já foi expresso anteriormente, o legislador optou por uma classificação generalista, que não abarca as numerosas técnicas publicitárias existentes, dentre as quais se encontra a publicidade comparativa. Apesar do hiato legislativo com relação à comparação publicitária admitir a prática da referida atividade, isso não implica que esta pode ser exercida sem qualquer limite, pois o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), que atua com base no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), o qual, embora não constitua Lei de fato, é incorporado ao ordenamento como fonte subsidiária de Direito conforme o seu próprio artigo 36

19 Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não serão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. §3º – Compete à lei federal: II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. 20 Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. 21 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. §1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. §2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

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prevê22, e também dispõe sobre a prática da publicidade comparativa, destacada em seu artigo 32, permitindo-a desde que seja condizente com os limites e princípios elencados nesse mesmo artigo e ainda respeitando os princípios dispostos no CDC. Assim sendo, a publicidade comparativa fica vinculada a determinados critérios para que possa ser veiculada sem causar demasiados prejuízos, tanto ao consumidor como aos fornecedores concorrentes. Dentre esses critérios destaca-se a objetividade e o objeto a ser comparado. No que tange ao objeto alvo da comparação há a necessidade desse ser pertencente à mesma categoria do comparador a respeito da finalidade e ambos os produtos e serviços devem comtemplar os mesmos objetivos. Por exemplo, não há de se comparar uma banheira com um elevador, por que a finalidade de ambos os produtos são distintas, o que não se aplica a comparação de um sabonete em barra e um sabonete líquido. Há ainda observância do objetivo do produto comparado, de maneira que ao comprar, v.g., um iPhone 6 (celular de luxo da companhia Apple) o faça com um de objetivo de funcionalidade semelhante, por exemplo o Galaxy S5 (celular de luxo da companhia Samsung) e não com um Galaxy Gran Duo (celular de desempenho limitado da companhia Samsung), nesse sentido já se manifesta legislações como a da União Europeia23. Quando se aborda a objetividade, o marketing comparativo deve se ater aos fatos comprováveis acerca do objeto da publicidade em questão para atender os critérios de licitude. Ou seja, ao comparar produtos ou serviços, a publicidade deve estar focada em comparar os pontos essenciais de cada um dos objetos com escopo de demonstrar vantagens frente aos concorrentes, e o fazer de maneira que as informações utilizadas sejam oriundas de uma análise objetiva e que possam ser comprovada, tal como já prevê o CDC24. 22 Artigo 16. Embora concebido essencialmente como instrumento de autodisciplina da atividade publicitária, este Código é também destinado ao uso das autoridades e Tribunais como documento de referência e fonte subsidiária no contexto da legislação da propaganda e de outras leis, decretos, portarias, normas ou instruções que direta ou indiretamente afetem ou sejam afetadas pelo anúncio. 23 A União Europeia em sua Directiva 2006/114/CE, que trata da publicidade enganosa e comparativa, em seu artigo 4º, alínea “b”, trás o critério referente à correspondência do objeto da comparação. Artigo 4º, b) Comparar bens ou serviços que respondem às mesmas necessidades ou têm os mesmos fins. 24 O CDC em seu artigo 36, paragrafo único obriga o fornecedor a manter todas as informações que tem do produto para serem apresentadas ao consumidor caso necessário. Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para

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Existem ainda critérios a serem observados para a caracterização da licitude da publicidade comparativa que dizem respeito a “requisitos negativos”25, os quais representam as vedações genéricas impostas à publicidade em seu contexto geral, assim como as vedações específicas da publicidade comparativa. O engano, o denegrimento, a exploração indevida da reputação alheia e os atos de confusão. Ao veicular uma publicidade o anunciante corre o risco de, em não cumprindo os critérios da objetividade e comparação, difundir uma mensagem enganosa. Além disso, está limitado por outras restrições impostas pela Lei de propriedade industrial, que serão especificadas adiante. Toda publicidade comparativa é inerentemente dotada de certa diminuição do concorrente e valoração do fornecedor anunciante, todavia existem situações em que há uma exasperação nesse descrédito do concorrente. Não se pode, por exemplo, ao veicular um anúncio publicitário que contenha uma efetiva comparação objetiva, atacar critérios ou características pessoais do outro fornecedor, as quais não apresentem uma relação com a atividade desenvolvida pelo mesmo. O uso de caricaturas ou imagens, muito embora inicialmente lícito, não pode ter o único objetivo de macular a imagem alheia, devendo manter-se preso à comparação, sem deturpar os produtos ou serviços do concorrente de forma ilícita. Igualmente, quando ao invés de realizar uma comparação o anunciante apenas ressalta características negativas da concorrente como se implicitamente estivesse alegando o seu melhor status frente a este e não realiza efetivamente uma comparação, tornar-se-á ilícita a mensagem. A utilização de qualquer mensagem falsa sobre terceiro já descaracteriza a legalidade da publicidade comparativa. É possível se concluir assim a partir da interpretação do artigo 195, incisos I, II e III da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279 de maio de 1996). Não deve o fornecedor utilizar-se da reputação construída por terceiro para indevidamente dar mais reputação à sua marca ou empresa em detrimento do uso indevido de outra. Isso ocorre nas publicidades alusivas ou “comparativas sem comparação”, como foi esclarecido anteriormente. Ao arredio de comparar, existe apenas uma tentativa de aproximar os produtos de outrem aos seus, sem dizer o porquê de eles serem tão próximos, sem nem mesmo fazer menção a dados. O fornecedor pode se comparar positivamente a outrem, tentar se aproximar ou informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem. 25 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhaes. Publicidade e Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 269.

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alegar que seus produtos possuem qualidade e respeitabilidade de igual tamanho, contanto que prove isso através de dados objetivos ou conjecturas fáticas. Só não pode simplesmente fazer menção ou falar sobre características benéficas de outro fornecedor sem um objetivo honesto, de forma a induzir o consumidor a acreditar que seus produtos ou serviços são realmente semelhantes ou melhores. Por fim, para não violar os direitos de propriedade, o fornecedor ao veicular uma publicidade comparativa não pode realizar atos de confusão. Essas são aquelas situações em que os objetos, músicas, lemas, formas de aparecer de um determinado fornecedor claramente (ou disfarçadamente) copiam o de outrem, seja para novamente aproveitar-se da reputação de outra marca26 ou até mesmo para denegri-la. Não pode, portanto, apropriar-se do conjunto imagem de um terceiro, gerando confusão no consumidor e podendo gerar desvio de clientela. Sobre a relação entre a Lei de propriedade industrial e a publicidade comparativa Fábio Ulhoa Coelho realiza interessante resumo onde explicita a licitude de tal atividade contanto que não seja enganosa, desleal, confusa ou falsa: a publicidade comparativa, portanto, é permitida. Se, contudo, a comparação for enganosa (no sentido de possibilitar a indução em erro dos consumidores e destinatários da mensagem), ela transgride a legislação tutelar dos consumidores; se, por outro lado, a comparação veicular informação falsa em detrimento do concorrente, caracteriza concorrência desleal; se não distinguir de modo claro as marcas exibidas, dando ensejo à confusão entre os destinatários da mensagem, ou contribuir para a denegrescência da marca notória, há lesão a direito industrial de concorrente27O autor termina dizendo que a objetividade é requisito meramente ético, porque só está presente apenas nas disposições do CONAR, discordamos dessa posição até pela aplicação supletiva da norma e por ser inerente à publicidade comparativa o sentido da objetividade e não mera faculdade ética. Mantém-se importante ressaltar que para uma publicidade comparativa estar devidamente munida de licitude ela tem que respeitar os critérios positivos e negativos, de maneira que ambos venham a ser contemplados. 26 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhaes. Publicidade e Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 269, aduz que os atos de confusão, que se manifestam tanto na oferta e apresentação de produtos quanto na publicidade, são conhecidos na doutrina inglesa por ‘passing off’ e se traduzem no ato fraudulento de passar a mercadoria própria como alheia. Quer significar, segundo brocardo inglês, que “ninguém tem o poder de colher onde não plantou’. Ou seja, ninguém pode se aproveitar da reputação, do nome ou do prestígio de terceiros. 27 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 449.

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5 ANÁLISE DE CASOS PRÁTICOS Ao adentrar no âmbito da análise jurisprudencial acerca da publicidade comparativa verifica-se que os Tribunais não possuem uma jurisprudência significativa sobre o tema, não o abordando de forma direta, o que diverge da situação do CONAR28, que até 2013 teve cerca de 10% de suas decisões relacionadas à temática e em 2014 segue proferindo decisões a respeito do tema mensalmente29, configurando a relevância que este modelo publicitário tem para o mercado, e a importância de uma regulamentação específica. Em vista disso, se estabelece a necessidade de analisar as decisões proferidas pelo CONAR no escopo de mostrar a orientação que os órgãos julgadores vem seguindo no que diz respeito à comparação publicitária. Na Representação nº 060/1430, julgada em julho de 2014, a Unilever acionou o CONAR para pronunciar-se acerca da publicidade comparativa da Flora, anunciante do produto Minuano com a seguinte frase, “Minuano, melhor de verdade”, ação esta que culminou na alteração da publicidade aludida, inclusive em sede de recurso, uma vez que a superioridade ao se comparar com as demais marcas, representada na frase citada, carecia de justificação. Ou seja, a publicidade comparativa utilizada pela Flora se colocava em superioridade sem comprovação, o que é vetado pelo Artigo 32, C e F do CBAP31. Neste caso, ocorreu uma comparação implícita por parte da Flora com os demais concorrentes de mercado. Ao afirmar “Minuano, melhor de verdade” ela induz os consumidores ao entendimento que os outros são inferiores, ou não são “melhores de verdade”, de maneira que essa comparação genérica leva o consumi28 O CONAR é uma sociedade civil sem fins lucrativos e não detém “poder de polícia”. Ele tem como função a auto regulação ética e moral da publicidade, e atua apenas quando provocado por autoridades, por um consumidor, por integrantes da diretoria, ou associados, e suas principais funções são a recomendação da alteração dos anúncios ou suspenção da veiculação do anúncio. Apesar de não deter “poder de polícia” as entidades que compõe o órgão são estruturadas de maneira similar a um tribunal arbitrário, e vislumbram coibir a publicidade abusiva e enganosa, buscando sempre cumprir o determinado nas decisões do órgão, entretanto suas decisões ainda podem ser questionadas judicialmente. 29 Informação retirada da página de estatísticas de decisões do site do CONAR, referentes a 2013, a partir do site Acesso em: 10 out. 2014. 30 Representação nº 060/14 feita ao CONAR. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2014. 31 Artigo 32 do CBAP: C. a comparação alegada ou realizada seja passível de comprovação; F. não se caracterize concorrência desleal, denegrimento à imagem do produto ou à marca de outra empresa.

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dor a associar a suposta superioridade em relação aos concorrentes de mercado mais próximos32. Baseado nessa ilicitude o CONAR recomendou a alteração dessa peça publicitária específica. Outro julgado do CONAR que expressa a realidade jurisprudencial brasileira acerca da publicidade comparativa é a Representação nº 036/1433, acerca da Airfryer Phillips Walita, através da qual a M.K. Eletrodomésticos Mondial provocou o CONAR a manifestar-se sobre o comercial televisivo da Polimport, no qual era exposto o produto da representante, inclusive com a logomarca explícita, concomitantemente com a frase “não entrega o que promete”, juntamente com outros dizeres que ultrapassavam o âmbito de licitude da publicidade comparativa e passavam a atacar abertamente a imagem e o produto da concorrente. Constatouse uma violação do inciso “f ” do artigo 32 da CPAP que terminou por embasar uma medida liminar de suspenção da publicidade, assim como a recomendação de alteração do marketing pelo CONAR. Também é significativa a Representação nº 362/1034, julgada em 2011, em que a Reckitt Benckiser acionou o CONAR contra a publicidade veiculada pela Unilever, na qual o produto OMO teve suas características e efeitos anunciados em detrimento de um produto que supostamente teria as mesmas cores do produto Vanish da representante. Neste caso, o CONAR por unanimidade decidiu arquivar a Representação, pois a Unilever apresentou todos os resultados positivos dos testes da eficácia enunciada de seu produto, assim como o Vanish, apesar de ter cores semelhantes às do produto subjugado pelo OMO, não foi representado pelo mesmo, pois a marca não pode se apropriar das cores sem que tenha registro delas, e nesse caso, ele não os tinha. Diante dos casos apresentados evidencia-se o posicionamento do CONAR por coibir a publicidade comparativa quando dotada de elementos ilícitos, e mesmo assim, sugestionando alterações quando o dano é pequeno ou remediável, optando por sugestionar a sustação da veiculação publicitária somente em casos de maior gravidade do dano. Contudo, como se verifica no último caso apresentado, 32 PLAZA, Anxo Tato. La publicidad ilícita em la jurisprudencia y em la doctrina del jurado de la publicidad, In: Base de Datos sobre Regulacion Publicitária da Asociacíon para la Autorregulacíon de la Communicacíon Comercial (Autocontrol). Espanha, janeiro de 1999, p. 26. 33 Representação nº 036/14 feita ao CONAR. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2014. 34 Representação nº 362/10 feita ao CONAR. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2014.

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quando os elementos comparativos são unicamente lícitos, e, portanto a concorrência fica protegida e o consumidor pode exercer seu poder de escolha sem ser induzido ao erro, o CONAR reconhece a regularidade da peça publicitária comparativa. 6 CONCLUSÃO A publicidade comparativa constitui elemento de marketing, uma ferramenta fundamental na sociedade comercial hodierna, para a divulgação de serviços e produtos por parte dos fornecedores a partir da comparação de características entre os objetos. A prática da publicidade em questão é considerada uma atividade benéfica tanto do ponto de vista do mercado, pois ao confrontar produtos dinamiza-se o setor, estimulando as empresas a estarem sempre implementando seus produtos e serviços a fim de superar as qualidades da concorrência, assim como do ponto de vista do consumidor. Este ao observar a comparação pode averiguar qual objeto tem aspectos positivos mais convenientes aos seus interesses. Os tipos de publicidade comparativa mais comuns são: a explicita, a implícita e a indireta. A primeira o fornecedor anuncia o alvo de suas comparações, o que não ocorre na segunda, que fica a critério do interlocutor concluir o alvo da comparação. Enquanto o ultimo remete a todo o mercado, sem especificar um fornecedor concorrente como alvo da comparação. A comparação publicitária é uma prática considerada legal, visto que o ordenamento jurídico não a veda expressamente e ao mesmo tempo o CBAP em seu artigo 32, caput reitera a tendência mundial em aceitá-la. Existe uma necessidade de regulamentação específica para a publicidade comparativa, uma vez que sua forma essencialmente agressiva tem um elemento nocivo mínimo inerente à maneira pela qual se manifesta a comparação. Desta maneira, são estabelecidos critérios de licitude através dos quais pode ser mitigado o dano potencial a ser causado, tanto ao fornecedor rival, como ao consumidor, isto está refletido nos incisos do artigo 32 da CBAP. A publicidade comparativa constitui um potente mecanismo de marketing, que precisa ter seus limites bem delineados pelo sistema regulamentar, mas ainda é uma matéria bastante aberta na questão da regulamentação, tendo recebido pouco estudo, tanto do ponto de vista doutrinário como jurisprudencial, e carece de uma atenção maior devido ao impacto que tem em todos as nuances que contempla. 230

REFERÊNCIAS ALVES, Fabrício Germano. Proteção Constitucional do Consumidor no Âmbito da Regulação Publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013. BENJAMIN, Antônio Herman; MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 1. CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 1980. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2014. DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhaes. Publicidade e Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. HUAPAYA, Alex Sosa. Apuntes sobre la publicidade comercial alusiva. Actualidad Jurídica. v. 223, 2012. Disponível em: . Acesso em: 5 dez. 2014. MASSAGUER, José. La publicidade comparativa: IE Working Paper Derecho. Espanha, 2005, p. 10. NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. PLAZA, Anxo Tato. La publicidad ilícita em la jurisprudencia y em la doctrina del jurado de la publicidad, In: Base de Datos sobre Regulacion Publicitária da Asociacíon para la Autorregulacíon de la Communicacíon Comercial (Autocontrol). Espanha, janeiro de 1999, p. 26. PETTY, Ross David. Advertising Law in the United States and European Union. In: Journal of Public Policy & Marketing. v. 16, n. 1, International Issues in Law and Public Policy, 1997, p. 2-13. Disponível em: Acesso em: 2 out. 2014.

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POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo; SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Responsabilidade civil: responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Saraiva, 2009. UNIÃO EUROPEIA. Diretiva nº 114, de 12 de dezembro de 2006. Diretiva 2006/114/CE do Parlamento e Conselho Europeu. Disponível em: Acesso em: 2 out. 2014.

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Publicidade testemunhal Camilla de Amorim Macedo Rocha Fellipe de Amorim Macedo Rocha 1 INTRODUÇÃO Com o constante advento de novas tecnologias modernizadoras dos produtos e dos serviços prestados à uma sociedade cada vez mais consumista, seletiva e rigorosa; vê-se, em um meio técnico-científico-informacional vivido no século XXI, uma preeminente necessidade de se enfatizar as características que mais se sobressaem dos produtos e serviços colocados a disposição de seus respectivos destinatários finais. Desta forma, tem-se no testemunho de pessoas – tanto anônimas, quanto de reconhecimento público e notório – uma via proveitosa e bastante benéfica aos movimentados mercados atuais. Em meio a esse contexto, verifica-se a propagação de uma publicidade totalmente distinta das apresentadas nas décadas passadas, a qual possui diversos meios alternativos à sua veiculação, controladas por diferentes entidades publicitárias. Consequentemente, essa publicidade hodierna perpassa diversos meios de comunicação social e atinge destoantes grupos étnico-culturais, diferentemente do que ocorrera outrora, quando tinha-se uma sociedade de consumo altamente restrita e com reduzidos poderes de compra, em uma conjuntura econômica que não privilegiava a livre iniciativa e uma economia de livre mercado. Pode-se dizer que toda essa modernidade informacional influencia diretamente no modo de se fazer publicidade. Os anseios sociais devem ser refletidos nos produtos, cujas diretrizes de funcionamento devem abranger padrões de qualidade específicos que promovam e conciliem as relações de interesse dos dois polos consumeristas: o fornecedor e o consumidor. À vista disso, diversas melhorias nas relações de consumo foram alcançadas, instituindo-se inúmeras políticas governa233

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mentais que visam à redução do abismo existente entre o poderio de um estabelecimento comercial e a real hipossuficiência de um consumidor refém dos contratos de adesão em massa. Em busca dessa correlação entre fazer uma publicidade viável, que possa angariar lucros cada vez maiores, e que, concomitantemente, traga uma resposta às ânsias da sociedade, as instituições publicitárias utilizam-se dos discursos pessoais como uma fonte bastante rentável e persuasiva para o oferecimento de qualquer atividade fornecida ao mercado de consumo. Dessa forma, o testemunhal publicitário torna-se um aliado para que se consigam lucros exorbitantes, muitas vezes fundado em opiniões e ideais até divergentes daqueles que a promovem, mas que, no momento, são patrocinados por organizações cujo interesse perpassa estritamente o viés econômico-financeiro. Em virtude disso, são notáveis os investimentos em insinuosos discursos dialéticos como forma de promoção dos bens produzidos a serem comercializados. É bem verdade que uma notável exposição metódica sobre determinado assunto, atrelada a uma argumentação convincente, induz e influencia diretamente o subconsciente do público alvo, fazendo com que algo que não fosse dado como preferência dessa parcela da população torne-se objetivo precípuo de vida e meio de promoção social. Deste modo, tem-se nas distintas formas de se evidenciar a linguagem, um elo entre o objeto produzido pelo fornecedor e os possíveis interesses dos consumidores, de modo reflexo à sua finalidade existencial. Ademais, muitos dos testemunhos apresentados não são embasados em pesquisas científicas verídicas, nas quais foram esgotados todos os seus possíveis meios metodológicos, em discordância com todas as disposições e normas técnicas a ela inerentes. Sendo assim, os patrocinadores das comunicações publicitárias utilizam-se, frequentemente, de conhecimentos e dados esparsos carentes de orientações extremamente importantes à sua veiculação, produzindo campanhas publicitárias massificantes que aliciam e alienam os consumidores induzindo-os a erros gravíssimos, até mesmo algumas vezes prejudiciais à sua própria saúde ou segurança. Desta forma, o indivíduo colocado para representar determinada marca termina endossando informações impertinentes e falaciosas, quando, na verdade, deveria apresentar dados fidedignos e essenciais ao conhecimento do público alvo. Frente a esse uso cada vez mais constante de testemunhos em peças publicitárias e a ausência de normatização jurídica que defina os limites e responsabilidades decorrentes de possíveis abusividades e enganosidades nos depoimentos, endossos ou atestados de pessoas ou entidades a respeito de produtos ou serviços, 234

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faz-se necessária uma análise acerca da abrangência da publicidade testemunhal, bem como a proposta de critérios para regulamentação de tal modelo publicitário no mundo do Direito e as consequências jurídicas atreladas a possíveis desrespeito ao consumidor. 2 CONCEITO E ABRANGÊNCIA DA PUBLICIDADE TESTEMUNHAL O Código de Defesa do Consumidor (CDC)1, trouxe disposições pertinentes às modalidades da oferta e da publicidade em seus artigos 29 a 38. Portanto, para que determinada veiculação seja considerada jurídico-legal, deve-se obedecer aos requisitos estipulados pelos mencionados dispositivos legais, cuja função precípua é permitir uma conexão transparente entre as partes. Neste liame, o CDC prevê, em seu artigo 37º, parágrafo 1º e 2º, respectivamente, duas proibições quanto ao fato de se veicular toda e qualquer publicidade, são elas: enganosa e abusiva. Essa em sua literalidade afirma ser abusiva toda forma de publicidade que promova discriminação, fomente a violência, medo ou superstição, agredindo valores da sociedade ao passo que explora a hipossuficiência técnica, jurídica ou intelectual, de maneira a induzir essas pessoas a proceder prejudicialmente ou perigosamente à saúde ou segurança. Por outro lado, aquela explica ser enganosa a modalidade de informação ou comunicação publicitária que é repassada de forma pouca clara, incompleta, ambígua, sendo inteiramente ou parcialmente falsa, sendo capaz de induzir o consumidor a erro quanto as especificidades que definem um produto ou serviço. Faz-se mister destacar a conceituação de publicidade – quanto ao seu uso linguístico, segundo o qual se considera tal expressão como sendo um sinônimo do vocábulo propaganda, tendo em vista que ambas promovem o sentido de propagar informações buscadas pelo anunciante2. A própria Constituição Federal também não faz distinção desses vocábulos em seu tratamento tanto na esfera consumerista quanto em relação a de todos os indivíduos. Muito embora, cumpre elucidar sobre a real distinção entre publicidade e propaganda dada pelo microssistema de proteção do consumidor. Enquanto que a propaganda não possui caráter comercial, evidenciando o seu conceito informacional, dispondo, tão somente, de ideais palpados em alguma orientação política, 1 Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. 2 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 109-110.

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filosófica, econômica ou social, daquele que subsidia interesses próprios ou de terceiros. Vê-se, por outro lado, na publicidade o objetivo precípuo de aferir lucro, destacando-se a essência do financiamento de interesses públicos e privados para a promoção de produtos ou serviços em prol de sua exploração econômica. Revelando-se, estritamente, a difusão de interesses econômicos embasados no estímulo ao consumo por meio da comunicação publicitária. Destarte, devem-se analisar, separadamente, sob a ótica da construção semântica dos vocábulos publicidade e testemunhal, para que se inicialize o entendimento dessa expressão. O termo publicidade tem como função geral ser uma divulgação na qual se “relacionam interesses de uma empresa”3, já o verbete testemunhal – no que tange a assimilação do seu sentido à publicidade – significa “uma campanha ou anúncio que utiliza depoimento favorável de alguém que, supostamente, conhece e/ou experimentou produto ou serviço anunciado”4. Em síntese, abstrai-se dessa expressão amplamente difundida nos meios publicitários, mas pouco desenvolvida no âmbito jurídico, um sentido genérico acerca de uma possível qualificação legal. Portanto, procede-se tal publicidade testemunhal, como: todo anúncio publicitário que desfruta de depoimentos pessoal, com caráter informacional, que vem a atestar sua natureza, características, qualidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre estes produtos e serviços, nela veiculados, de um dito fornecedor, cujo patrocínio pode ser dado tanto por entes personalizados quanto por entes despersonalizados – bem como versa o artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor5. A publicidade testemunhal pode ser veiculada através de quatro tipos de agentes diferentes, são eles: pessoa famosa, especialista ou perito, atestado ou endosso de uma empresa, ou ainda o depoimento de uma pessoa comum ou consumidor qualquer.6

3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1664. 4 Ibid., p. 1953. 5 Art. 3°. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. 6 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulamentação publicitária 1. ed. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 112.

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Desta forma, constata-se, corriqueiramente, uma promoção e difusão dessa modalidade pela mídia com o intuito de conceder aos produtos ou serviços uma credibilidade que muitas vezes relaciona-se com o agente que a promove. Assim sendo, é bastante comum, por exemplo, que jogadores de futebol renomados, famosos e admirados por uma parcela considerável da população, apresentem em anúncios publicitários materiais esportivos que deles se utilizam, a título de dar confiança a tal marca. Neste liame, dá-se ao produto ou serviço uma maior credibilidade de mercado, em virtude desse caráter notório o qual tem a pessoa famosa. De outro modo, tem-se como meio bastante persuasivo, o depoimento do especialista ou perito associado ao objeto da publicidade. Nessa categoria, um indivíduo com capacidades, graduações e aptidões mais elevadas do que as da população no geral, apresenta determinadas atribuições técnicas do produto que só poderiam ser coletadas através de estudos exaustivos e detalhados – seguindo determinadas normas técnicas –, desta forma, este se encarrega de exercer a publicidade das características e qualidades técnicas mediante sua veiculação midiática. Sob outro viés, tem-se a modalidade do testemunho embasado em atestado ou endosso. Nesse caso, o interlocutor demonstra algum documento, certificado, certidão ou diploma que acrescente maior validade ao seu discurso. Tais documentos devem apresentar informações fidedignas e que objetivam atestar ao consumidor que ele estará, provavelmente, fazendo o negócio certo, com base nos supostos certificados autênticos desse serviço fornecido. No que concerne ao depoimento de uma pessoa comum ou consumidor qualquer, talvez seja essa a modalidade persuasiva que, diante das outras, demonstre uma menor eficácia de induzimento. Muito embora, seja bastante utilizada em diversas campanhas publicitárias, sendo dirigidas a todo e qualquer tipo de consumidor. Essa determinada espécie, efetiva-se por meio da exposição, de um encarregado anônimo sem conhecimento da população patrocinado pela empresa, de motivos pelos quais o levou a adquirir aquele produto ou serviço cuja exposição está sendo enaltecida. Tal modalidade é bastante empregada em circunstancia do seu caráter financeiro, no geral, menos elevado. Outrossim, de acordo com o demonstrado, verifica-se que O Código de Defesa do Consumidor a margem da legislação e a cargo da doutrina e jurisprudência algumas situações reais geradoras de ações comissivas e omissivas de abusos praticados contra os consumidores.

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No que concerne ao testemunho publicitário, individualmente, nenhuma disposição normativa nacional de natureza jurídica aborda esse meio de se transmitir dados fáticos, técnicos e científicos do produto. Muito embora, existe uma regulamentação, extra legem, do Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária – CONAR – que procura promover uma autorregulamentação relacionada, tão somente, com os anunciantes, as agências e veículos publicitários, vinculando suas disposições a essas instituições correlacionadas. Esse órgão foi criado em meados dos anos 707, do século passado, e teve como objetivo precípuo desburocratizar possíveis disposições normativas que estavam para ser criadas naquela época, as quais visavam instituir censuras às propagandas estritamente discricionárias do Governo, com disposições acerca de encargos e restrições evidentes ao direito à liberdade de expressão. No entanto, apesar de o CONAR ter um caráter autorregulador – que constitui uma sociedade civil sem fins lucrativos – as decisões do referido órgão não seguem sequer a sistemática das decisões proferidas pelas Agências Reguladoras, cuja instituição se dá por meio de Autarquia sob regime especial. Nestas, tem-se um caráter autêntico de se autoadministrar, no que tange àquelas matérias que lhe foram dadas competências, desde que seguidas suas determinações, mediante execução do seu poder de tutela de seus fins institucionais. Em razão do caráter do Conselho de Publicidade, não é conferido nem ao menos autorização para exercer seu próprio controle administrativo, dentro dos limites da Lei, para com suas instituições vinculadas, da forma que ocorre no caso nas autarquias. Além disso não é possível o estabelecimento de penalidades em caráter judicial decorrente de possíveis irregularidades referentes ao teor da regulamentação do CONAR. Além de tudo, faz-se mister destacar que o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP)8, estipulado pelo Órgão mencionado, apresenta elucidações quanto às modalidades de publicidade testemunhal. Diante dos seus Anexos que dispõem sobre Categorias Especiais de Anúncios, traz tal modalidade em seu Anexo “Q”, cujas tratativas referem-se à abrangência de cada espécie intrínsecas ao testemunho publicitário, as quais se dão por: Testemunhal de especialista/

7 Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2014. 8 Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2014

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perito9; testemunhal de pessoa famosa10; Testemunhal de pessoa comum ou Consumidor11; Atestado ou endosso12. Mesmo considerando recente a legislação consumerista brasileira, haja vista que foi a partir da resolução n. 39/248 de 10 de abril de 1985, da Organização das Nações Unidas (ONU), que o Brasil e muitos outros países passaram a discutir questões relacionadas com a proteção e os direitos do consumidor, considera-se hoje o Brasil um dos países que apresenta das mais avançadas leis no âmbito consumerista.13 Contudo, apesar desse reconhecimento, observa-se que o arcabouço legislativo brasileiro não trata do tema publicidade testemunhal com as devidas atenções, não só deixando lacunas sobre essa modalidade publicitária mediante um discurso realizado por um agente, mas como também de diversas outras que vem a ser utilizadas e divulgadas.

9 Testemunhal de especialista/perito: “1.1. O anúncio deverá sempre nomear o depoente e apresentar com fidelidade a sua qualificação profissional ou técnica. 1.2. O produto anunciado deverá ter estrita correlação com a especialidade do depoente. 1.3. O anúncio que se apoiar em testemunho isolado de especialista ou perito não deverá causar a impressão de que ele reflita o consenso da categoria profissional, da entidade ou da associação a que, eventualmente, pertença. 1.4. O testemunho prestado por profissional estará limitado pelas normas legais e éticas que disciplinam a respectiva categoria.” 10 Testemunhal de pessoa famosa: “2.1. O anúncio que abrigar o depoimento de pessoa famosa deverá, mais do que qualquer outro, observar rigorosamente as recomendações do Código. 2.2. O anúncio apoiado em testemunhal de pessoa famosa não deverá ser estruturado de forma a inibir o senso crítico do Consumidor em relação ao produto. 2.3. Não será aceito o anúncio que atribuir o sucesso ou fama da testemunha ao uso do produto, a menos que isso possa ser comprovado. 2.4. O Anunciante que recorrer ao testemunhal de pessoa famosa deverá, sob pena de ver-se privado da presunção de boa-fé, ter presente a sua responsabilidade para com o público”. 11 Testemunhal de pessoa comum ou Consumidor: “3.1. Sempre que um consumidor for identificado, seu nome e sobrenome devem ser verdadeiros. 3.2. Os modelos profissionais, os empregados do Anunciante ou das Agências de Propaganda não deverão se fazer passar por Consumidor comum. 3.3. O testemunho de Consumidor ficará limitado à experiência pessoal com o produto, não podendo alcançar assuntos de natureza técnica ou científica a respeito dos quais não possua capacitação ou habilitação profissional compatível”. 12 Atestado ou endosso: “4.1. O atestado ou endosso emitido por pessoa jurídica deverá refletir a sua posição oficial a respeito do assunto. 4.2. Aplicam-se ao atestado ou endosso as recomendações deste Anexo, em especial as atinentes ao testemunhal de especialistas/peritos”. 13 ABREU, Paula Santos de. A proteção do consumidor no âmbito dos tratados da União Europeia, Nafta e Mercosul. Disponível em: . Acesso em: 1 dez. 2014.

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No cenário internacional, no que se refere à regulamentação de modalidades específicas de publicidades, não se percebe uma conjuntura tão distinta, ao passo que dificilmente se encontra disposições normativas instituída no intuito de promover uma disseminação de peças publicitárias testemunhais mais justas, igualitárias e que respeitem os limites de cada participante da relação de consumo, com as quais, de modo reflexo, propicia-se o fomento do desenvolvimento econômico dos entes que desempenham essa atividade produtiva. Quanto a essa problemática, visualiza-se no Código da Publicidade de Portugal14 uma tentativa de se regulamentar maneiras com as quais se possam fazer publicidades dotadas e amparadas pela legislação vigente. Nele, buscou-se trazer, inicialmente um conceito de publicidade formal segundo o qual assim é considerada toda manifestação comunicativa patrocinada por uma empresa ou até mesmo pela Administração Pública, com a qual se objetiva angariar lucros de modo comercial sob produtos, serviços ou, tão somente, difundir princípios norteadores das atividades daquele ente patrocinador15. Tendo em vista tal conceituação, pôde-se, ao decorrer daquela disposição normativa portuguesa mencionada, determinar tanto o regime geral de veiculação de informações, quanto discorrer acerca de restrições às suas matérias. Neste liame, no que concerne à publicidade testemunhal em seu artigo 15º16, tal Código inovou ao dispor sobre necessidades básicas inerentes a essa modalidade, elevando 14 PORTUGAL. Decreto-lei, n.º 330, de 23 de outubro de 1990. Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2014. 15 Conceito de Publicidade: “1 - Considera-se publicidade, para efeitos do presente diploma, qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública e privada, no âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de: a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços. b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições. 2 - Considera-se, também, publicidade qualquer forma de comunicação da Administração Pública, não prevista no número anterior, que tenha por objectivo, directo ou indirecto, promover o fornecimento de bens ou serviços. 3 - Para efeitos do presente diploma, não se considera publicidade a propaganda política. 4 - A denominada «publicidade de Estado ou oficial», em qualquer das suas formas, é equiparada a publicidade para efeitos de sujeição ao disposto no presente diploma. 5 - Para efeitos de presente diploma, considera-se publicidade de Estado ou oficial toda aquela que é feita por organismos e serviços da administração central e regional, bem como por institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos”. 16 Artigo 15º. Publicidade Testemunhal: A publicidade testemunhal deve integrar depoimentos personalizados, genuínos e comprováveis, ligados à experiência do depoente ou de quem ele represente, sendo admitido o depoimento despersonalizado, desde que não seja atribuído a uma testemunha especialmente qualificada, designadamente em razão do uso de uniformes, fardas ou vestimentas características de determinada profissão.

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as exigências de caráter verídico de suas proposituras e suas pormenorizações personalíssimas. Em suma, as sugestões do Código português no tocante a publicidade testemunhal se concentram a na ideia de que o testemunhal deve contar com depoimento personalizados, de forma que esses sejam passíveis de comprovação, relacionados com uma experiência pessoal do depoente ou de quem ele esteja representando. Os casos de depoimento despersonalizados, são possíveis nos casos em que não houver uma especificação da testemunha.17 3 CRITÉRIOS TESTEMUNHAL

PARA

A

REGULAÇÃO

DA

PUBLICIDADE

Conforme demonstrado, embora existam exaustivas proibições pertinentes a publicidade enganosa e abusiva, e exista regulamentação extra legem do CONAR referente a publicidade dos testemunhos, não se tem na legislação nacional uma definição específica referente à publicidade testemunhal, nem tão pouco normatização jurídica. Em casos como esse de carência normativa (referentes a questões em relação às quais houver lacunas), o aplicador do Direito não pode – de modo algum – escusar-se de solucionar o litígio, uma vez que cabe a ele promover a segurança jurídica dos jurisdicionados, impulsionando-a mediante decisões judiciais jurídico -integradoras18. Isto posto, é evidente que saídas mais viáveis a essas determinadas situações de necessidade de preenchimento dessas omissões e em busca da solução do caso concreto, relacionasse ao fato de que se devem desfrutar da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do Direito previstos no artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro19. Observa-se que no tocante a publicidade testemunhal, em virtude de tal eminente carência normativa relacionando possíveis normatizações atinentes às campanhas publicitárias que firmam suas diretrizes em depoimentos pessoais, munidos muitas vezes de retóricas extremamente persuasivas e aliciantes, situações concretas são levadas a serem solucionadas através das mencionadas bases principiológicas genéricas que alicerçam todo ordenamento jurídico, principalmente o 17 LEITÃO, Adelaide Menezes. Publicidade e tutela do consumidor. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2014 18 DINIZ, Maria Helena. As lacunas do direito. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 70. 19 Decreto-lei nº 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

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ordenamento jurídico consumerista. Até porque, foi sob o enfoque de intensas bases principiológicas e à sombra do amparo da Constituição Federal, cuja busca pela defesa do consumidor é disposta a guisa de um sustentáculo no qual se promove uma ordem econômica nacional articuladora de uma coexistência digna, bem como positivado em seu artigo 170, inciso V20, que foi criado o Código de Defesa de Consumidor. Neste liame, essa Legislação Ordinária tem como pretexto a garantia de uma função social que não pode ser renunciada a cargo dos contratantes e deve seguir vigorosos preceitos em suas estruturas. Em face disso, inúmeras bases norteadoras são vislumbradas para que se possam ser feitos anúncios publicitários que não perpassem os limites preestabelecidos de abusividades ou enganosidade. É bem verdade que a normatização, seja ela constitucional ou infraconstitucional, não obriga os fornecedores a anunciar seus produtos ou interesses, muito embora, quando o fizerem, deve-se atentar a diversos critérios sob pena de ser responsabilizados pelos danos decorrentes dos atos omissivos ou comissivos. Dentre os princípios da publicidade que se caracterizam como critérios para a regulamentação da publicidade testemunhal, podem-se visualizar inúmeros no mencionado Código consumerista, refletindo eminentemente o caráter de Lei principiológica. Dentre eles pode-se destacar: princípio da boa-fé; princípio do dever de informar aliado ao da transparência; princípio da identificação da publicidade; princípio da vinculação contratual da publicidade; princípio da veracidade. Considera-se a boa-fé objetiva dos partícipes da relação de consumo um objeto essencial ao seu estabelecimento. Com ela, pode-se proporcionar uma formação sólida que dê maior segurança aos envolvidos, uma vez que se espera para além das vontades individuais, ações materiais alicerçadas em condutas éticas que promovam toda a coletividade. Neste Liame, restou positivado esse fundamento na Lei consumerista em seu artigo 4º, inciso III21.

20 Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor. 21 Artigo 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III – Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se

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A persuasão para o consumo em campanha publicitária, com uso de discurso testemunhal, é alcançada em maiores proporções em razão da credibilidade do testemunho e da influência da pessoa que o emite. O consumidor, enquanto destinatário final da oferta, em seu imaginário constrói uma noção de qualidade dos produtos e serviços a partir das percepções pessoais de cada indivíduo sob a confiabilidade transmitida pela oratória do interlocutor. Por exemplo, o uso da linguagem técnica dos profissionais da área odontológica, em anúncios publicitários de produtos de higiene e saúde bucal, promovem nos ouvintes a sensação de segurança da informação a partir de uma concepção comum de que os graduados detém conhecimentos específicos da área. Além disso, é notória a impossibilidade da comprovação de todos os benefícios e eficiência de um produto ou serviço no limitado tempo ou dimensão de um anúncio publicitário. Diante disso, o atestado de um testemunho – técnico, de conhecimento de causa, em razão de fama ou renome – insere-se nesse contexto como meio de convencimento rápido e eficaz, devendo, portanto, ser possível a confirmação desses testemunhos, conforme previsto no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Isto posto, mostra-se de suma importância considerar o testemunhal, além do fornecedor e consumidor, como partícipe da relação de consumo, haja vista que ele é responsável direto pela finalidade precípua da publicidade na relação consumerista: a persuasão e o consequente estimulo à compra. Se uma relação de consumo tem como sujeitos aquele que adquire um produto ou serviço e aquele que o fornece, no âmbito da publicidade deve também reconhecer o testemunhal como sujeito, em razão das funções e influencias que esse promove. Assim, cabe exigir ao testemunho uma conduta alicerçada na boa-fé objetiva, sob pena de responsabilização pessoal pelo uso da sua influência e relevância na sociedade no convencimento dos consumidores, seja em face da sua popularidade ou tecnicidade. O dever de informar consiste em prerrogativa obrigatória que, por sua vez, necessita estar presente antes mesmo de se iniciar a relação de consumo entre o fornecedor e consumidores, tendo em vista a obrigação daquele em passar todas as características inerentes ao produto ou serviço ofertado a estes. Determinado

funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

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dever é nitidamente visualizado no seu artigo 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor. Além do exposto, vislumbra-se o princípio da transparência, no qual se consta a exigência em trazer peculiaridades do objeto da oferta de contrato proposta. Desta feita, não pode o contratado escusar-se de passar informações essenciais à adesão dos acordos, assim como tem que dotá-los exaustivamente de dados e referências essenciais ao consumidor, sem ocultar informações inerentes e conhecidas a seu respeito. Para tanto, tal base mencionada está concretizado no artigo 4º, caput22, do Código consumerista. Em uma peça publicitária com testemunho de pessoa notória, faz-se necessário comparecer no discurso da mesma as principais noções que se tem sobre o produto, de forma transparente e verídica, independentemente do conhecimento técnico do testemunhador acerca do produto ou serviço. Neste sentido, as informações devem conter: todos os eventuais riscos à saúde e a segurança dos consumidores sob seus aspectos composicionais; a origem de sua produção – nacional ou importado –; quais matérias compõem esse produto; suas inúmeras possiblidades de anuência e as principais e relevantes intenções que o fornecedor tem ao colocar o produto no mercado. Tais previsões estão em consonância com as estabelecidas no artigo 27, §2º do CBAP23. No que se refere ao princípio da identificação da publicidade, verifica-se que este advém das próprias disposições do CDC, em seu artigo 36º, parágrafo único24. Desta forma, constata-se que o dispositivo legal sugere a proibição de mensagens subliminares em diversas veiculações, em todos os tipos de mídias, as 22 Artigo 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios. 23 Artigo 27. O anúncio deve conter uma apresentação verdadeira do produto oferecido, conforme disposto nos artigos seguintes desta Seção, onde estão enumerados alguns aspectos que merecem especial atenção §2 – O anúncio não deverá conter informação de texto ou apresentação visual que direta ou indiretamente, por implicação, omissão, exagero ou ambiguidade, leve o Consumidor a engano quanto ao produto anunciado, quanto ao Anunciante ou seus concorrentes, nem tampouco quanto à: a. natureza do produto (natural ou artificial); b. procedência (nacional ou estrangeira); c. composição; d. finalidade. 24 Artigo 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. Parágrafo Único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem

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quais, muitas vezes, mascaram as reais características de um produto ou serviço, repassando assim identificações controvertidas de forma a induzir o consumidor a erro, oferecer benefícios somente aos fornecedores, através de retornos financeiros proveitosos. Ocorre ainda a promoção de publicidades simuladas25, através da inserção de uma edição ou de anúncios em forma de matérias, em jornais e periódicos, que na verdade não as representam, mas que, tão somente, possuem os aspectos dessas modalidades informativas, contribuindo para a não identificação da publicidade. De modo análogo ao dispositivo consumerista, dispõe o CBAP em seu artigo 2826, abordando uma proeminente necessidade em serem trazidas peças publicitárias facilmente discriminadas pelos seus diversos públicos alvos, independentemente do meio de divulgação através do qual se promova. Por isso, as peças publicitárias em que os testemunhos dos agentes sejam norteados por informações de interesse empresarial, com os quais se objetivem angariar lucros e/ou propagação dos seus interesses, não podem se apresentar de modo confuso levando os consumidores a erro quanto à essência eminentemente publicitária das veiculações. Atinente ao princípio da vinculação da publicidade entende-se que a oferta lançada pelo fornecedor consiste em uma obrigação pré-contratual. A oferta vincula o fornecedor que a fizer veicular, devendo ser cumprido os termos da publicidade em sua integralidade, ou ainda, a partir de uma interpretação mais benéfica ao consumidor. Considerando a força persuasiva que um testemunho pode apresentar, no âmbito da publicidade, revela-se esse de suma importância. Nesse sentido, tem-se que a peça publicitária vincula em todas as suas disposições suficientemente precisas, independentemente, de quem a tenha testemunhado, se foi pessoa famosa, especialista ou perito, atestado ou endosso de uma empresa, depoimento de uma pessoa comum ou um consumidor qualquer. O artigo 30 do CDC disciplina que toda essa informação suficientemente precisa vincula o fornecedor em contratos posteriormente celebrados, sendo direito do consumido exigir o cumprimento dos que foi veiculado, sendo inteira responsabilidade do fornecedor o cumprimento da oferta. O Código do Consumidor chega a disciplinar inclusive as consequências jurídicas do não cumprimento da informação difundida, através do artigo 35, reconhecendo do direito, alternativamente à livre 25 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. Direito de Empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 103. 26 Artigo 28. O anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de Veiculação.

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escolha do consumidor, de exigir o cumprimento forçado da obrigação nos termos da publicidade, a aceitação de outro produto ou prestação de serviço equivalente, ou ainda a rescisão contratual. No que tange ao princípio da veracidade, que tem fulcro no artigo 37, §1º da Lei consumerista27, já houve decisão judicial no sentido de que dele se retira a obrigatoriedade que possuem todas as formas de divulgação de produtos ou serviços mediante testemunhal publicitário, conter somente informações que apontem fatos verídicos. Deste modo, é exigível a autenticidade e certificação dos fatos alegados em todos os depoimentos, e, além disso, sempre que, por algum motivo, algum terceiro interessado solicitar tal comprovação, não pode a empresa abster-se de prestar tais esclarecimentos. Ademais, tal princípio encontra abrigo no princípio da boa-fé, de forma que veicular informação inverídica em todo ou em parte, configura a má-fé. No mesmo sentido encontra-se o artigo 27, §1º do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que institui a exigência de alegações exaurientes quanto à nítida veracidade de todas as qualidades, aferições e estimativas feitas em relação ao produto ou serviço difundido. 4 CONCLUSÃO Em face da atual conjuntura consumerista, percebe-se a disputa constante pela conquista de um mercado cada vez mais global e exigente, para isso, busca-se incessantemente técnicas capazes de incentivar e induzir o consumo. Nesse contexto, as peças publicitárias apresentam-se como um meio capaz de influenciar o comportamento dos consumidores, ao passo que promove a divulgação de produtos e serviços através de diversas técnicas persuasivas. A retórica do testemunho, sob as formas de depoimento, endosso, atestado ou perícia, apresenta-se na realidade factual como uma das técnicas mais comuns e eficientes na formação da confiabilidade e qualidade de determinado produto ou serviço, em razão da credibilidade social que a pessoa promovente do testemunho traspassa aos indivíduos. 27 Artigo 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. §1º. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

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O fato de celebridades, pessoas notórias, peritos ou especialistas participarem de anúncios publicitários confere validade, credibilidade ou ainda tecnicidade ao discurso sobre um produto ou serviço, promovendo de forma positiva o direito à informação verídica, garantido aos consumidores pelo código consumerista. Por outro lado, sob o ponto de vista dos fornecedores, a informação, desde que passada de boa-fé, assegura à própria empresa uma avaliação favorável perante os seus destinatários finais, ocasionando retornos financeiros vantajosos na dinâmica do consumo. Ocorre que, nem sempre a publicidade testemunhal acrescenta ao consumidor informações verossímeis, capazes de ajudar na identificação do produto ou serviço. Diante da ocorrência de um testemunho que promova enganosidade ou abusividade temos uma publicidade ilícita, e por isso, a necessidade de regulamentação dos efeitos no âmbito da responsabilidade civil. Contudo, apesar dos inúmeros direitos consumeristas já normatizados, observa-se uma lacuna normativa no que concerne a publicidade testemunhal. Conforme já mencionado, não há regulamentação jurídica específica que discipline os limites desse modelo publicitário, existindo apenas a regulamentação administrativa do CONAR. Frente a função precípua dos princípios constitucionais e consumeristas na elaboração das normas gerais do direito do consumidor, entende-se coerente a utilização dos mesmos para nortear as condutas testemunhais em anúncios publicitários, bem como para estabelecer as regras e critérios relativos a responsabilidade civil da pessoa do depoente, atestador, endossador, perito ou especialista. Tal responsabilidade se dá a partir do momento em que se considera o testemunhal como partícipe da relação de consumo, tendo em vista que esse interlocutor é responsável direto pela concretização da finalidade da publicidade: a persuasão, e o seu consequente estímulo ao consumo. O Código de Defesa do Consumidor, conforme exposto, já atribui a vinculação do fornecedor à oferta, bem como atribui também ao fornecedor a responsabilidade, nos casos de ocorrência de eventuais danos materiais ou morais que venham a acometer o consumidor. No âmbito da publicidade testemunhal, o fornecedor responderá civilmente, de igual forma e nas mesmas proporções, nos casos em que ocorra lesão ao consumidor da mesma maneira como ocorre nas demais formas de publicidade. Todavia, no que tange o discursivo do interlocutor do testemunho não há a aplicação dessa regra geral. 247

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Parece razoável e proporcional dentro da conjuntura principiológica de defesa ao consumidor hipossuficiente atribuir também responsabilidade às pessoas que ofertam a sua imagem para a promoção da credibilidade e convencimento do produto ou serviço, até porque, os testemunhais depõem, atestam, endossam produtos e serviços mediante voluptuosas remunerações. Assim, para que realmente se promova um discurso verdadeiro, transparente, no qual se possibilite a fácil identificação da publicidade é preciso vincular o discurso publicitário à imagem do testemunhal, de forma a relacionar interlocutor e mensagem por meio de um conhecimento científico, técnico, ou ao menos, um conhecimento de causa cotidiana. A partir desse requisito, temos a possibilidade de atribuir a responsabilidade subjetiva ao testemunhal, mediante a comprovação de dolo ou culpa. Tal comprovação de culpa ou dolo se daria mediante certificação do conhecimento prévio do testemunhal acerca das especificidades, do produto ou serviço, e das intenções de enganosidade ou abusividade por parte do fornecedor. No momento em que o testemunhal repassa informação falsa, com a ciência de que havia interesse do fornecedor em executar práticas abusivas ou enganosas mediante a publicidade, em prol do locupletamento ilícito do fornecedor, subentende-se que tal pessoa ou empresa tem a mesma intenção do fornecedor em violar os direitos e garantias do consumidor, portanto, deve responder solidariamente com aquele. Isso porque, está previsto na legislação consumerista que na existência de mais de um autor a ofensa, devem todos esses responderem solidariamente de forma a reparar os danos causados aos consumidores. O testemunhal tem relação direta com a publicidade enganosa ou abusiva, ao passo que propaga a mensagem, logo, é também autor da ofensa. No caso de testemunhal de pessoa famosa, comumente, verifica-se a culpa, haja vista que as celebridades acabam por transmitir informação enganosa em razão da ignorância acerca do produto ou serviço ou negligência, ao passo que não buscam informações técnicas antes de veicular o discurso preparado pelas agências publicitárias. Outrora, os peritos e especialistas contam com o conhecimento técnico acerca das especificidades do produto ou serviço, tendo o dever de informar apenas a verdade, por isso, normalmente, recairiam na modalidade dolosa da responsabilidade. Em linhas gerais, a regulamentação da responsabilidade do depoente, atestador, perito ou endossador faz-se é imprescindível frente a um contexto cada 248

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vez mais comum de publicidades testemunhais. Uma pessoa não pode veicular mensagem publicitária enganosa ou abusiva, de forma a transmitir credibilidade e confiabilidade, em decorrência do seu conhecimento ou fama, simplesmente com intenções econômicas, promovendo retornos financeiros ao fornecedor, sem se preocupar com o consumidor e os princípios e normas consumeristas já vigentes.

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REFERÊNCIAS ABREU, Paula Santos de. A proteção do consumidor no âmbito dos tratados da União Européia, Nafta e Mercosul. Disponível em: . Acesso em: 1 dez. 2014. ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulamentação publicitária 1. ed. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988. ______. Decreto-lei nº 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. ______. Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. Direito de Empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. CONAR. Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2014. DINIZ, Maria Helena. As lacunas do direito. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. LEITÃO, Adelaide Menezes. Publicidade e tutela do consumidor. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2014. NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) nº 39/248, de 16 de abril de 1985. Disponível em: < http:// www.un.org/documents/ga/res/39/a39r248.htm>. Acesso em: 20 out. 2014. PORTUGAL. Decreto-Lei nº 330/90, de 23 de Outubro de 1990. Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2014.

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Publicidade de produtos fumígenos e bebidas alcoólicas Mariana Rocha Sousa Severino Pablo Ronney Barbosa de Queiroz Mortimer 1 INTRODUÇÃO O presente capítulo pretende analisar o quadro da regulação publicitária no âmbito de produtos fumígenos, tais como cigarro, fumo, tabaco, narguilé entre outros tipos de itens que enquadrem-se neste gênero, e também produtos com teor alcoólico, com o objetivo de averiguar a necessidade e efetividade da regulação da publicidade das referidas categorias de produtos. É de importância este tema por tratarem-se especificamente de produtos que trazem malefícios e problemas de saúde coletiva quando seu uso passa a ser excessivo. Esses produtos são considerados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como os fatores contribuintes para a segunda e terceira maiores causas de morte no mundo. Daí sua elevada importância quanto a uma análise de proteção da saúde e segurança do consumidor, como preconiza o Código de Defesa do Consumidor (artigo 6°, inciso I), assim como a própria Constituição Federal (artigo 5°, inciso XXXII; artigo 220 §4°.). Inicialmente será feita uma análise histórica do consumo de fumo e bebidas alcoólicas, fazendo um paralelo entre o crescimento de seu consumo e os malefícios advindos do consumo excessivo. Ao lado disso, apresentam-se dados científicos e a própria evolução das pesquisas científicas como um importante fator para a conscientização coletiva acerca dos malefícios do consumo excessivo desses produtos. A análise destes dados científicos possibilita uma maior participação do Poder Legislativo na regulamentação e criação de políticas que visassem a 253

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diminuição do consumo desses produtos nocivos. Na segunda parte, encontra-se a base legislativa nacional acerca do controle e regulação da publicidade de tais produtos. Por último, na terceira parte, faz-se a análise de dados científicos em confrontação com a normatização em vigor e assim se obtêm dados e conclusões acerca da efetividade das disposições normativas. Em outras palavras, observar-se-á se as Leis existentes garantem a função que busca o Direito das Relações de Consumo, que em primeira mão é a proteção do consumidor, nesse caso especificamente me relação à saúde. 2 FUNDAMENTOS DO CONTROLE ESPECIAL DA COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA VOLTADA PARA A DIVULGAÇÃO DE PRODUTOS FUMÍGENOS E BEBIDAS ALCOÓLICAS A proteção do consumidor através da regulação do mercado publicitário tem como uma das áreas de maior relevância aquela que é destinada ao controle da publicidade dos produtos fumígenos e bebidas alcoólicas. Nos últimos anos a necessidade de proteger o consumidor em relação às referidas espécies de publicidade se acentuou principalmente em virtude das descobertas científicas dentro da área da saúde. É histórico e notório o uso de produtos de característica fumígena e alcoólica pelos seres humanos. Entretanto, esse uso nos tempos atuais é combatido e tem adquirido certo carácter social, a ação de repreender o uso de fumo e a ingestão de bebidas alcoólicas, ou pelo menos a sua diminuição e o equilíbrio em sua utilização devido aos problemas de saúde que tem representado. No que concerne ao pensamento para uma maior rejeição da sociedade atual quanto a tais produtos, tem fundamental relevância são as descobertas científicas dos problemas que estes podem causar a saúde do homem, seja no nível físico e até mesmo no nível psicológico e emocional. Como características advindas do consumo excessivo do fumo e do álcool, primeiro temos problemas desenvolvidos pelo comprometimento do conjunto de sistema respiratório, sanguíneo e excretor do homem, desenvolvendo a possibilidade de doenças como câncer dos órgãos que compõem principalmente o sistema respiratório humano1. Quanto aos produtos 1 Relatório da carga do tabagismo no Brasil. Associação de Controle do Tabagismo. São Paulo., p. 10-12. Disponível em: . Acesso em: 4 out. 2014.

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alcoólicos, tem-se o desenvolvimento de problemas no trato digestivo e do sistema excretor humano2. Além disso, ambos os produtos podem causar dependência física e psicológica para aqueles que os consomem em excesso. Tornam-se dessa forma itens que trazem problemas em grande escala quando vistos e tratados sob a ótica da questão da saúde pública. Além disso, o álcool é fator da causa da maioria dos acidentes automobilísticos no mundo e também em território brasileiro por comprometer a funcionalidade psicomotora do consumidor3. 2.1 A ANÁLISE DOS PROBLEMAS CAUSADOS PELO CONSUMO DE FUMÍGENOS Apesar de ter se tornado comum o consumo de produtos fumígenos nos tempos atuais, os produtos fumígenos tiveram um grande crescimento em seu uso após a descoberta do chamado Novo Mundo ou América no século XV e XVI, onde foi encontrado o hábito do fumo por seus habitantes autóctones, os indígenas americanos. De fato, houve uma forte absorção pelo padrão cultural europeu do costume de outros povos, pois não somente dos americanos é que se deu essa absorção, tal consumo já era de grande escala nos países asiáticos, na China e Índia4. A grande escalada do consumo do tabaco se deu a partir do século XIX, com o advento da grande produção deste produto em países africanos, asiáticos e principalmente da América do Sul, dentre eles o Brasil. O consumo de cigarro cresceu no final do século mencionado. Jordan Goodman, autor da obra Tabaco na História5, relata a evolução do consumo a partir das indústrias de processamento de tabaco criadas pelo americano James Buchanan Duke. Segundo o autor, enquanto cada funcionário enrolava cerca de 200 cigarros por dia, as máquinas desenvolvidas para processamento produziam 120 mil cigarros por dia. Tal produção equivalia a um quinto do consumo americano. Durante a época procurou-se investir no 2 Global status report on alcohol and health – 2014 ed. World Health Organization. Tradução Livre. p. 12. Disponível em: . Acesso em: 6 out. 2014. 3 MARTINS RHG, RIBEIRO CBH, FRACALOSSI T, DIAS NH. A Lei Seca cumpriu sua meta em reduzir acidentes relacionados à ingestão de álcool?. Col Bras Cir. 2013;40(6), p. 442. Disponível em: . Acesso em: 10 Out 2014. 4 FERRÃO, José Eduardo Mendes. A aventura das plantas e os descobrimentos portugueses. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1993, p. 10-15. 5 GOODMAN, Jordan. Tobacco in history: the cultures of dependence. Londres: Taylor & Francis e-Library, 2005, p. 76.

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marketing, à época, cerca de US$ 800 mil dólares, o que equivaleria em dias atuais a US$ 25 milhões de dólares, um montante assustador até mesmo para o mercado atual que investe maciçamente na publicidade. Neste contexto, percebe-se a grande importância que teve a publicidade dentro do desenvolvimento mercadológico do cigarro. Entre os fatores que tem alertado sobre o consumo de tabaco e tem contribuído para a diminuição do mesmo estão as pesquisas científicas que relacionam o consumo de cigarro e a origem de certas doenças. Uma analise por meio de pesquisa através do PubMed6, percebe-se que o número de publicações e estudos científicos sobre os problemas do cigarro tiveram um crescimento ao longo do tempo, isso foi um importante fator para conscientização dos malefícios do cigarro. Verifica-se que em um dos principais focos de estudos científicos e médicos do mundo, Estados Unidos da América, só iniciou os estudos com maior relevância a partir da década de 60 do século XX. Até o início da década de 70 eram quase que inexpressíveis estes trabalhos, contando na década anterior aos anos 70 com apenas um total de 4.543. Considerado um número ainda pequeno em níveis acadêmicos. Nos últimos dez anos, 2004 a 2013 houve um total de 101.284 publicações acerca do tema e dos problemas ocasionados pelo consumo de produtos fumígenos. Isso atesta como a medicina tem dado importância ao tema da pesquisa e da divulgação dos problemas relacionados aos males causados por este consumo, é sem igual uma grande atenção voltada para um problema que afeta a maioria da população mundial como uma das maiores causas de morte e de causa de doenças. Segundo um estudo realizado por médicos brasileiros e publicado na Revista de Saúde Pública, o consumo de produtos fumígenos é responsável por “por 71% dos casos de câncer de pulmão, 42% dos casos de doença respiratória crônica e quase 10% dos casos de doenças cardiovasculares”7.

6 PUBMED.GOV. US National Library of Medicine National Institute of Health. Pesquisa sobre artigos contendo a palavra smoking. Disponível em: . Acesso em: 2 out. 2014. O Pubmed é um recurso online que cataloga artigos e trabalhos científicos registrados na Biblioteca Nacional do Instituto Nacional de Medicina da Saúde dos Estados Unidos, um dos principais locais onde existem estudos acerca dos efeitos do fumo no corpo humano. 7 DUNCAN, Barthlow Bruce et al. Doenças Crônicas não Transmissíveis no Brasil: prioridade para enfrentamento e investigação. Revista de Saúde Pública. v. 46. São Paulo, 2012, p. 126.

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Em um importante estudo de casos de pacientes portadores de câncer de pulmão, laringe e esôfago, realizado com amostras dos anos de 1999 a 2000 por médicos do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, e publicado através da Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP)8, comprovou-se que nos casos de pacientes que tinham câncer de pulmão, cerca de 34,4% deles eram ex-fumantes e 61,5 eram fumantes ativos, apenas uma taxa menor do que 5% não eram fumantes e tinham a doença, neste caso, cerca de 95% dos casos de câncer de pulmão estavam relacionados ao consumo do fumo. Quanto ao câncer de laringe, os ex-fumantes compunham uma massa de 28% dos pacientes portadores de câncer e os fumantes ativos compunham 66%, um total de 94% dos pacientes. No câncer de esôfago esse número era 26,5 e 57,1 para ex-fumantes e fumantes ativos respectivamente. Neste estudo publicado pela Revista de Saúde Pública da USP9, comprovou-se uma extensa relação entre o uso de produtos fumígenos ou mesmo a exposição ao fumo como fator de alto risco para o desenvolvimento de doenças ligadas ao sistema respiratório. O sistema circulatório sanguíneo do homem, por ter uma íntima relação com o sistema respiratório também apresenta casos de doenças provocadas pelo fumo, como entupimento das vias circulatórias, tromboses pelo acúmulo de substâncias nocivas nas vias mencionadas (causa de acidentes vascular cerebral – AVC), problemas de cognição mental devido a ineficiente circulação sanguínea e consequente oxigenação do cérebro e impotência sexual devido ao entupimento dos vasos sanguíneos do órgão reprodutor masculino. No Brasil, o próprio Ministério da Saúde, por meio de seus órgãos de vigilância, obriga a divulgação de informações de advertência nas embalagens dos produtos fumígenos, principalmente carteiras de cigarro, como podemos entender por meio do artigo 3°, §2° e seguintes da Lei Federal n° 9.294/9610. 8 MENEZES, Ana MB et al. Risco de câncer de pulmão, laringe e esôfago atribuível ao fumo Rev. Saúde Pública v. 36 n. 2 São Paulo abr. 2002, p. 129. 9 Ibid., p. 129. 10 Art. 3o. §2o. A propaganda conterá, nos meios de comunicação e em função de suas características, advertência, sempre que possível falada e escrita, sobre os malefícios do fumo, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, segundo frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde, usadas sequencialmente, de forma simultânea ou rotativa. §3o. As embalagens e os maços de produtos fumígenos, com exceção dos destinados à exportação, e o material de propaganda referido no caput deste artigo conterão a advertência mencionada no § 2o acompanhada de imagens ou figuras que ilustrem o sentido da mensagem. [...] § 5º. Nas embalagens de produtos fumígenos vendidas

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O relatório da Associação de Controle do Tabagismo (ACT)11, que utilizou como parâmetro o relatório da Organização Mundial de Saúde12, informa claramente que o cigarro é considerado como a segunda maior causa de mortes do mundo, estimando-se em 5,8 milhões de pessoas no mundo, número que se estima que aumente para cerca de 8 milhões anuais, devido ao crescimento populacional dos países emergentes, tais como Brasil, que contribuem com 80% dos casos de mortes por cigarro no mundo13. Segundo outro relatório da ACT14, enfocando as mortes ocorridas em 2008, estima-se que no Brasil, cerca de 130.000 pessoas morreram por doenças ligadas ao uso de tabaco. Neste mesmo estudo da ACT, foi demonstrado que o valor gasto pelo Estado brasileiro no combate a doenças ligadas ao fumo foi de cerca de 21 bilhões de reais15. Por tais fatores, o grande risco do cigarro no comprometimento da saúde humana e os elevados gastos que o Estado tem com o tratamento de doenças ocasionadas pelo tabagismo, o próprio Estado precisa criar mecanismos de combate contra o excessivo consumo de tais produtos.

diretamente ao consumidor, as cláusulas de advertência a que se refere o § 2o deste artigo serão sequencialmente usadas, de forma simultânea ou rotativa, nesta última hipótese devendo variar no máximo a cada 5 (cinco) meses, inseridas, de forma legível e ostensivamente destacada, em 100% (cem por cento) de sua face posterior e de uma de suas laterais. 11 OMS lança novo relatório: um bilhão de mortes no século 21 por causa do tabagismo, 80% nos países em desenvolvimento. Relatório disponível no sítio da Associação de Controle do Tabagismo, ACT. Disponível em: . Acesso em: 4 out. 2014. 12 World Health Organization report on the global tobacco epidemic 2013. O relatório está disponível em: . Acesso em: 4 out. 2014 13 Ibid. 14 O custo total atribuível ao tabagismo para o sistema de saúde no Brasil para ambos os sexos foi de R$ 20.685.377.897,00. O maior montante de custo foi observado para as doenças cardíacas (R$ 7.219.651.548,00), seguido pela DPOC (R$ 6.773.192.770,00), câncer de pulmão (R$ 1.596.815.061,00) e AVC (R$ 1.557.995.266,00). Essas doenças foram responsáveis por 83% do total de custos atribuíveis ao tabagismo no Brasil. Relatório da carga do tabagismo no Brasil. Associação de Controle do Tabagismo. Relatório. P. 18. Disponível em: . Acesso em: 4 out. 2014. 15 Relatório da carga do tabagismo no Brasil. Associação de Controle do Tabagismo. Relatório. p. 18. Disponível em: . Acesso em: 4 out. 2014.

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2.2 A ANÁLISE DOS PROBLEMAS CAUSADOS PELO CONSUMO DE ÁLCOOL Os problemas causados pelo álcool não são tão perceptíveis na questão de saúde como aqueles causados pelo fumo, entretanto seu risco é evidente. O álcool tem como grande problema o seu uso imoderadamente. Tal uso diminui a capacidade físico-motora do consumidor, prejudicando suas reações16. O álcool é uma das grandes causas e fatores contribuintes para o número de acidentes automobilísticos no Brasil17 e no mundo18. O álcool, sendo utilizado em excesso, é responsável pelo desenvolvimento de doenças do no trato digestório, tais como hepatite, pancreatite, cirrose hepática, gastroenterite, além de dependência química e psicológica19. Segundo um importante Relatório da Organização Mundial de Saúde publicado em 2014, acerca do consumo de álcool no mundo, o uso prejudicial e excessivo do mesmo causa aproximadamente 3,3 milhões de mortes todo ano, sendo um total de quase 6% das mortes no mundo20. Conforme o mesmo Relatório, o álcool está presente em grande quantidade de doenças como um agente pernicioso para o seu desenvolvimento. É causa de todas as mortes geradas pela síndrome fetal alcoólica na qual o consumo de álcool durante a gestação traz problemas físicos e psicológicos para a criança. Está presente em 50% das mortes causadas por cirrose alcoólica, em 30% dos portadores de câncer de faringe e boca, em 25% dos portadores de pancreatite, em 23 % de câncer de laringe, em 22% dos portadores de câncer de esôfago, e em 8% da causa de doenças hipertensivas21. Além disso, pode-se dizer que cerca de 4% a 25% das causas dos cânceres especificados são ocasionadas pelo consumo de bebidas alcoólicas. Dentre as 3,3 milhões de mortes relatadas anualmente em decorrência do consumo de álcool, conforme a OMS, a divisão de doenças se faz em 12,5% 16 MARTINS RHG, RIBEIRO CBH, FRACALOSSI T, DIAS NH. A Lei Seca cumpriu sua meta em reduzir acidentes relacionados à ingestão de álcool, p. 442. 17 Ibid., p. 440. 18 Global status report on alcohol and health – 2014 ed. World Health Organization. p. 47. Disponível em: . Acesso em: 6 out. 2014. 19 Ibid., p. 12. 20 Ibid., p. VII. 21 Ibid., p. 47.

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delas como câncer, 8,7% por danos ocasionados decorrentes as alterações emocionais e de humor, principalmente neste caso a violência após o consumo, 4% são desordens neuropsicológicas como a epilepsia, 8% de doenças infecciosas que são causadas pelo abuso de álcool. 16% dessas mortes causadas pela ingestão excessiva de álcool estão as doenças gastrointestinais, tais como as citadas: cirrose, gastroenterites, pancreatites e hepatite. No segundo maior índice, cerca de 18%, estão as mortes “não intencionais” ocasionadas pelo álcool, que em sua grande parcela são acidentes automobilísticos. Esse índice representa cerca de 600 mil mortes anuais. Por último, as mortes pelo consumo de álcool, em sua maioria (cerca de 33%) são causadas por problemas cardiovasculares e diabetes. Os argumentos apresentados apenas por esse estudo correspondem aos registros oficializados pelos governos das nações integrantes da ONU. Em uma projeção, a Organização Mundial de Saúde ainda prevê que 25% das doenças e consumo não estão relatadas por fazerem parte de dados que estariam relacionados ao consumo ilegal, ao contrabando e fora dos controles oficiais22. Outro fator de risco da bebida alcoólica é o seu impacto nas mortes ocorridas por acidentes automobilísticos. Segundo estudo feito entre 2001 e 2002 no Estado do Rio de Janeiro, o álcool estava presente em concentrações acima de 1,0 g/l, ou um grama por litro de sangue, em cerca de 35,5% dos condutores envolvidos em acidentes naquele período23. Nos dois citados anos, houve taxa de 30.524 e 32.753 mortes respectivamente em cada ano. Em 2013, a taxa de morte registrada constatadas através dos requerimentos do seguro DPVAT foi de 54.767, um aumento de mais de 60% na totalidade de acidentes. Entretanto, vale salientar que o total de acidentes no ano de 2001, registrados pelo mencionado seguro foi de 94.604, enquanto que em 2013, este número subiu para 633.845 acidentes registrados24. Para explicação deste contexto, tem-se novamente uma análise sobre o relatório da OMS acerca dos impactos do consumo de álcool. Conforme o relatório, a média de álcool puro consumida por brasileiros na década de 1980 era de 5

22 Global status report on alcohol and health – 2014 ed. World Health Organization. p. 47. Disponível em: . Acesso em: 6 out. 2014, p. XIII. 23 ABREU, A.M.M et al. O IMPACTO DO ÁLCOOL NA MORTALIDADE EM ACIDENTES DE TRÂNSITO: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem. Rio de Janeiro. 2006 abr; 10 (1): 87-94. 24 Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2014.

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litros, atualmente é de 9,8 litros per capita consumidos no Brasil anualmente25. No mesmo relatório é estimado que 52,5 homens em uma razão de 100 mil morrem em acidentes por influência de álcool e 11,3 mulheres sobre o mesmo número. Isso representa que no primeiro caso, 18% das mortes em todos acidentes automobilísticos são ligadas ao álcool, enquanto que as mortes sofridas por pessoas do sexo feminino são cerca de 6%26. 3 A REGULAMENTAÇÃOESPECÍFICA PRODUTOS FUMÍGENOS

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De acordo com os dados coletados pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), o tabagismo é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a principal causa de morte evitável no mundo. Há uma estimativa de que cerca de um terço da população adulta mundial (em torno de 1 bilhão e 200 milhões de pessoas) utilizem-se de produtos fumígenos. As mortes advindas da consequência do seu uso correspondem a 6 milhões anuais, o que significa que por dia morrem mais de 10 mil pessoas pelo uso do tabaco27. Em âmbito brasileiro, a estimativa gira em torno de 200.000 mortes por ano pela utilização destes produtos, incluindo-se as mortes por câncer de pulmão que estão associados aos hábitos de fumar28. Verifica-se que uma das grandes causas que levam ao uso do cigarro e os mais diversos produtos fumígenos advém da publicidade empregada nestes itens, objetivando incitar, por meio das mais diversas técnicas de manipulação psicológica, uma aceitação do uso desses produtos, buscando torná-los de uso comum. Sendo assim, buscando-se evitar a utilização exacerbada da publicidade voltada ao estímulo de tais hábitos de consumo, houve uma preocupação por parte do legislador em tutelar e regulamentar de modo mais severo produtos que possam interferir e prejudicar a vida, saúde e segurança dos consumidores. Através da tutela dos valores sociais, previstos na Constituição Federal, por meio do artigo 5º, caput, 25 Global status report on alcohol and health – 2014 ed. World Health Organization., p. 143. Disponível em: . Acesso em: 6 out. 2014 26 Ibid., p. 143. 27 BRASIL. Inca. Ministério da Saúde (Comp.). Tabagismo mata um milhão de pessoas no continente americano por ano, alerta relatório da OMS. 2014. Disponível em: . Acesso em: 1 mar. 2014. 28 Ibid.

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inciso XXXII e artigo 6º, visou-se restringir a publicidade dos produtos fumígenos, sendo importante forma para auxiliar na redução do consumo29. Diante disso, encontram-se em sede Constitucional, critérios que auxiliam no controle da regulamentação específica da publicidade, através do reflexo de certos princípios e valores insculpidos ao longo do texto constitucional. No âmbito da Constituição Federal, importa inicialmente considerar a questão atinente à dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa, dispostos no artigo 1º, incisos III e IV. Somados a tais dispositivos, verifica-se também o artigo 5º, caput, inciso XXXII e artigo 6º, os quais abordam os direitos e deveres individuais e coletivos, a inviolabilidade do direito à vida, saúde e segurança, respectivamente. Tais fragmentos retirados da Constituição Federal possuem relação direta com a possibilidade de controle da atividade publicitária, tendo em vista a correlação que sofrem quanto aos tipos de publicidade que necessitam de uma regulamentação mais rígida e bem fiscalizada, por se tratarem de produtos que podem causar danos à vida, saúde e segurança dos consumidores, quais sejam, no caso específico, os produtos fumígenos e as bebidas alcoólicas. A livre iniciativa é submissa frente aos valores sociais, os quais trazem em seu bojo as questões atinentes à segurança, vida, saúde e dignidade da pessoa humana. Ou seja, diante de tais valores, a livre iniciativa possuirá limitações que o legislador achar pertinente para proteger o consumidor, como parte vulnerável da relação de consumo. Portanto, é dever do Estado realizar sempre a defesa do consumidor perante a livre iniciativa, principalmente quando se tratar de situações em que a mesma se mostre abusiva ou irregular. Diante da existência de produtos que possam gerar algum dano àqueles que venham a utilizá-los, a Constituição Federal, por meio do seu artigo 220, §4º, objetivou proteger os consumidores em geral quanto aos produtos tidos como nocivos, como os fumígenos e as bebidas com teor alcoólico, de modo que a publicidade voltada para tais itens seja restrita, exigindo que a população seja advertida das consequências do uso, assim como também seja alertada sobre os problemas advindos da sua utilização. 29 BARRIOS, Juliana Pereira Matos. A publicidade e a propaganda à luz dos princípios constitucionais. 2005. 130 f. Monografia (Especialização). Curso de Direito, Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, Presidente Prudente, 2005. Disponível em: . Acesso em: 1 mar. 2014.

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Quanto à publicidade dos produtos fumígenos, observa-se que os mesmos se enquadram na chamada publicidade controlada. Por se tratar de itens que, através do seu uso, podem trazer problemas à saúde, segurança e vida das pessoas, a Constituição Federal trouxe em seu bojo a limitação da publicidade desses produtos. O artigo 220, §4º da Constituição Federal preconiza que a publicidade atrelada aos produtos fumígenos possui restrição legal, como forma de evitar a prática que afete a saúde e meio ambiente, devendo, além disso, conter advertências sobre os malefícios advindos do uso dos mesmos. É importante destacar que não se tratam de itens proibidos para consumo pela legislação. Contudo, por serem legalizados e de fácil acesso, houve preocupação por parte do legislador em realizar um controle mais incisivo perante a publicidade que os envolvem, por serem prejudiciais aos consumidores. Sendo assim, torna-se imprescindível o alerta à população em geral sobre o uso, contínuo ou imoderado, de tabaco, os malefícios e os possíveis problemas que possam ser decorrentes da sua utilização. Portanto, toda publicidade que venha veicular algum desses produtos, deve seguir irrestritamente o que dispõe a legislação. Além da Constituição Federal, o próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC) traz disposições gerais sobre produtos que ponham em risco à saúde, vida e segurança dos consumidores. Por meio do reconhecimento da vulnerabilidade dos mesmos, conforme dispõe o artigo 4º, inciso I, caberá a Política Nacional das Relações de Consumo resguardar a dignidade, a vida, a saúde e segurança de todos, buscando sempre a qualidade de vida de todos. Traz ainda como direito básico do consumidor, a proteção da vida, segurança e saúde contra os riscos advindos das práticas de fornecimento de produtos e serviços que possam ser nocivos ou perigosos, consoante artigo 6º, inciso I do CDC. Segundo artigo 8º, caput, do referido Código compreende-se que nenhum produto ou serviço o qual venha acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores pode ser colocado no mercado de consumo, com a exceção dos que acarretam riscos previsíveis e considerados normais, situação que obriga os fornecedores a informarem tudo que for preciso a respeito desses produtos, de maneira adequada e ostensiva quanto à nocividade ou periculosidade que se acarreta com o uso dos mesmos, conforme artigo 9º do CDC. 263

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Por fim, ainda em sede do Código de Defesa do Consumidor, de acordo com o artigo 68, incorre em infração penal aquele que promove publicidade que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de maneira que prejudique a sua saúde ou segurança. Esta é uma situação que se observa muito frequentemente, tendo em vista o descumprimento por parte dos fornecedores em oferecer a informação correta e coerente sobre os produtos, acabando por incitar o consumo sem a devida observância dos perigos atinentes ao uso frequente ou imoderado dos produtos fumígenos. Em se tratando da Lei Federal nº 9.294/96, em consonância com as disposições do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), observa-se uma estrita regulamentação dos produtos fumígenos, existindo uma preocupação em proibir o uso da publicidade, no sentido de evitar a sugestão do consumo exagerado ou irresponsável, proibindo que haja a incitação da utilização do tabaco como forma de alcançar certo bem estar, atribuindo características como um item que traga calma, aliviando stress, fadiga etc. Restou proibida por meio da Lei Federal nº 9.294/96, em seu artigo 3º, §1º, inciso III a publicidade sobre estes produtos que remeta certa imagem de êxito na sexualidade, que insinue virilidade ou feminilidade, não podendo ser utilizado imperativos que levem ao consumo direto. Houve preocupação também quanto a associação do cigarro com a prática de esportes olímpicos, a proibição do uso de crianças ou adolescentes em publicidades desses produtos, principalmente pelo fato de ser destinado a maiores de 18 anos, sendo totalmente vedado a menores de idade, conforme dispõe o inciso IV, §1º da Lei Federal nº 9.294/96. Apesar de visível e comprovadamente prejudiciais à saúde, os produtos fumígenos são legalizados para adultos. Contudo, como forma de alertar o uso, as consequências e problemas decorrentes do uso contínuo do tabaco, a Lei Federal nº 9.294/96, em seu artigo 3º, §3º também estipulou a inserção de advertências, acompanhadas de ilustrações no verso das embalagens desses produtos identificando os malefícios trazidos com a utilização. A Lei Federal nº 10.167/00, conhecida como “Lei Antifumo”, adveio com o objetivo de proibir a publicidade de derivados do fumo em locais descritos pela Lei, bem como, a proibição de distribuição de qualquer tipo de brinde ou amostra grátis que trate sobre algum desses produtos. Além dessa Lei, foi estabele-

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cida pela Lei Federal nº 10.702/03 alterações na Lei Federal nº 9.294/96 e na Lei Antifumo sobre as advertências obrigatórias quanto aos produtos fumígenos. Dessa maneira, é de fácil percepção que existe um rol extensivo de restrições por meio das regulamentações advindas da Lei Federal nº 9.294/96, Lei Federal nº 10.167/00 e Lei Federal nº 10.702/03 que buscam garantir uma proteção dos consumidores perante a publicidade dos produtos considerados nocivos, contudo, de comercialização lícita no país. Significa dizer que, apesar de serem regularizados, houve uma preocupação por parte do legislador em buscar uma diminuição no uso de produtos fumígenos, devido a possibilidade da supremacia da tutela do Estado quanto aos valores sociais da dignidade humana, saúde, vida e segurança dos consumidores. Buscou-se desse modo, evitar que a parte vulnerável da relação de consumo, fosse incitada a utilização em demasia desses itens, sem, contudo, possuir a informação clara, acessível, adequada e necessária dos malefícios e problemas que podem ser acarretados pelo uso abusivo, exagerado dos produtos fumígenos. Observa-se que todas as regulamentações existentes sobre tais produtos compreendem a necessidade de tornar explícita as informações sobre estes, de modo a resguardar a saúde e integridade dos cidadãos, que estão de toda forma sujeitos a qualquer tipo de publicidade impactante, que visa gerar a necessidade psicológica do uso de produtos nocivos à saúde, incitando o consumo, sendo este o objetivo primordial de toda publicidade empregada. Nas hipóteses em que não são observadas as regulamentações trazidas por todas essas disposições normativas, constitucionais, infraconstitucionais, através do CDC, e Leis Federais, está prevista a incidência de multa, além da possibilidade de enquadramento em infração penal, conforme visto anteriormente no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 63, quando verificado e constatado que houve abuso por parte dos fornecedores quanto à publicidade de produtos fumígenos, visto que, tratam-se de produtos nocivos à saúde e segurança dos consumidores. 4 A REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA PUBLICIDADE DE BEBIDAS ALCOÓLICAS Segundo o último levantamento realizado em 2012, o Levantamento Nacional da Álcool e Drogas – LENAD, por meio do Instituto Nacional de Políti265

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cas Públicas do Álcool e outras Drogas (INPAD), há indicadores que apontam que 64% dos homens e 39% das mulheres relataram consumirem álcool regularmente, o que implica em uma proporção de pelo menos uma vez na semana. Em torno de 4,9% dos consumidores afirmam ter perdido emprego devido ao uso do álcool. Cerca de 9% relatam e admitem que a substância já prejudicou de alguma maneira os seus relacionamentos30. De acordo com os dados retirados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), 68,7% dos brasileiros já foram ou são usuários desta droga, sendo dependentes crônicos, 11,4%31. Levantamentos como estes realizados trazem à tona a realidade da utilização de bebidas alcoólicas em âmbito nacional. Verifica-se que há um crescente uso do produto, o que o torna mais comum e mais rotineiro. Essas situações são preocupantes, pois, à medida que há um aumento no consumo, pode-se gerar problemas sérios de saúde aos consumidores ativos. Sendo assim, a problemática passa a tomar maiores proporções, envolvendo e pondo em risco à vida, segurança e saúde de toda população, gerando necessidade de maior atenção por parte do Poder Público nas questões atinentes a regulamentação da publicidade das bebidas alcoólicas. Em âmbito constitucional, assim como os dispositivos tratados ao se abordar a regulamentação dos produtos fumígenos, também serão aplicados em sede dos produtos alcoólicos, a proteção ao consumidor através da tutela dos valores sociais, previstos na Constituição Federal, por meio do artigo 5º, caput, inciso XXXII e artigo 6º, quanto à inviolabilidade do direito à vida, saúde e segurança, valendo também destacar a necessidade e importância da publicidade controlada perante esses itens, conforme dispõe o art. 220, §4º. Visando a proteção da dignidade humana, da saúde, vida e segurança dos consumidores, a publicidade que aborde bebidas de teor alcoólico possui restrições regulamentadas na Constituição Federal, no Código de Defesa do Consumidor (CDC), CBAP e Lei Federal nº 9.294/96 devendo ser respeitados os limites impostos normativamente, além da necessidade das informações claras e visíveis sobre os possíveis problemas gerados pelo uso contínuo, imoderado ou frequente do álcool. 30 SESI (Paraná). Dados sobre o uso de álcool e outras drogas no Brasil. 2013. Disponível em: . Acesso em: 1 mar. 2014. 31 Ibid.

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Ao analisar o Código de Defesa do Consumidor, observa-se que existe a busca contínua de resguardar o consumidor, a sua saúde, vida e segurança, de modo que exista uma procura de maior qualidade de vida para a população, evitando o estímulo ao uso de produtos que venham a prejudicar e trazer malefícios. Para realizar tal amparo, a regulamentação dos produtos tidos como controlados se faz importante, somado a necessidade de informação ostensiva, clara e objetiva aos consumidores sobre os riscos inerentes à utilização de bebidas alcoólicas. Deve-se atentar que, é por meio da própria publicidade que se objetiva diminuir ou alertar aos usuários sobre o uso do álcool, de modo que, através da informação direcionada de maneira correta e coerente possa a mesma atingir o consumidor ao ponto de desestimulá-lo a dar continuidade ao uso. Contudo, o que se verifica é o total descumprimento por parte dos fornecedores quanto as regras atinentes na Constituição Federal e Leis infraconstitucionais no que diz respeito à publicidade de bebidas alcoólicas. Segundo a Lei Federal nº 9.294/96, em seu artigo 4º, §1º, devem ser observados critérios quanto a publicidade referente ao álcool, de modo que não pode incitar erotismo, ingestão imoderada, consumo abusivo e irresponsável, tampouco atribuir o uso a menores de idade, tendo em vista ser o produto permitido apenas para pessoas acima de 18 anos de idade, não podendo ser aliado à prática de esportes. Conforme dispõe o §2º do artigo 4º da Lei Federal n° 9.294/96, existe ainda o dever por parte dos fornecedores em apresentar informações claras e necessárias quanto a utilização de bebidas alcoólicas, os efeitos gerados pelo excesso, contendo a publicidade cláusulas de advertência sobre o uso abusivo de álcool. Quanto à regulamentação destinada aos produtos alcoólicos, observa-se que há uma incoerência contida na Lei Federal nº 9.294/96, quanto à veiculação da publicidade de tais itens. A Lei define horários para que a publicidade seja apresentada perante os consumidores, no intuito de evitar o acesso mais fácil de crianças e adolescentes a esse tipo de informação. Dessa maneira, foi estipulado pelo artigo 4º, caput da referida Lei, que a publicidade somente será permitida nas emissoras de rádio e televisão das 21h às 6h. Contudo, o que se verifica cotidianamente são as publicidades voltadas para as bebidas alcoólicas em horários matutinos, disponibilizadas a todo momento pelos meios de comunicação em massa, o que seria caracterizado como total descumprimento do que dispõe a normativa. 267

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Mas a incoerência é facilmente detectada ao se deparar com o artigo 1º, parágrafo único da mesma Lei, a qual considera bebida alcoólica apenas aquelas com teor alcoólico superior a treze graus Gay-Lussac, medida utilizada para estipular a graduação alcoólica das bebidas. Significa dizer, que, a priori, produtos alcoólicos que possuam graduação alcoólica abaixo do que estipula a normativa estariam dentro da legalidade para serem objeto de publicidade em qualquer horário. Importa considerar que, abaixo do valor apresentado pela Lei, estão bebidas como a cerveja e muitos vinhos, itens estes muito populares entre os consumidores brasileiros. Sendo assim, acaba-se por tornar livre a publicidade das bebidas mais populares no mercado consumerista brasileiro, podendo estas serem expostas em todos os horários. Dessa forma, gera-se a indagação se tais bebidas seriam ou não consideradas alcoólicas, tendo em vista o artigo 1º, parágrafo único tratar expressamente o que seriam bebidas com teor alcoólico, excluindo aquelas com graduação inferior a treze graus Gay-Lussac32. Portanto, por meio da omissão da Lei Federal nº 9.294/96, as bebidas que possuem teor de álcool inferior ao estipulado pela legislação mencionada estão regulamentadas de maneira específica pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Públicitária (CBAP), por meio dos seus anexos A, P e T. Porém, parece que por possuir caráter voluntário, esta disposição normativa não aparenta ter eficácia em evitar os abusos das publicidades envolvendo bebidas alcoólicas33. Existem inúmeros projetos de Lei tramitando com algumas disposições atinentes a publicidade de produtos alcoólicos, quanto às advertências que devem vir nos rótulos, proibição de venda de produtos que induzam crianças ao uso do álcool, merecendo destaque ao Projeto, apensado ao PL 6869/10 que criminaliza a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, sendo ele o PL 4860/12, o qual visa proibir a publicidade de bebidas alcoólicas em meios eletrônicos, objetivando 32 Certamente, para os bafômetros cerveja é sim bebida alcoólica. Então, se todo mundo sabe que para ser bebida alcoólica, basta ter algum teor alcoólico, como pode uma lei dizer que não? Daí, se pode concluir que, segundo os fabricantes de cerveja, sua bebida é alcoólica. Porém, para a Lei Federal não é. Os fabricantes querem proteger os menores, mas fazem anúncios publicitários massivos nos horários em que os menores assistem televisão. NUNES, Rizzato. Afinal, cerveja é ou não é bebida alcoólica? 2013. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2014. 33 MOREIRA JÚNIOR, Sebastião. Regulação da Publicidade das Bebidas Alcóolicas. 2005. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2014.

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restringir a publicidade voltada para estes produtos como forma de evitar a incitação ao consumo, por serem produtos que podem causar dependência química, colocando em risco a vida dos que os utilizam e de terceiros34. Há também Projeto no Senado sobre a redução do limite de teor alcoólico trazido pela Lei Federal nº 9.294/96, a PLS 307/11, buscando alterar o dispositivo que trata da graduação das bebidas, passando a ser considerada bebida alcoólica aquela que tiver teor de álcool igual ou acima de 0,5 graus Gay-Lussac, e, ainda que possuam valor inferior ao proposto, estarão submetidas à restrição legal35. Sendo assim, a publicidade voltada para as bebidas alcoólicas estaria limitada e se enquadraria sem nenhuma incoerência ao que dispõe o artigo 4º da Lei Federal nº 9.294/96, como forma de evitar a promoção da marca. Não restam dúvidas de que é de elevada importância a alteração da legislação, tendo em vista ser uma questão que envolve a vida, saúde e segurança dos consumidores em geral, não somente dos usuários diretos, evitando-se assim que cada vez menos exista um estímulo ao uso desses itens, que podem trazer consequências gravíssimas, além da própria dependência química. Diante da realidade apresentada, através da visível incoerência da atual disposição normativa, há uma inobservância ou preocupação por parte dos fornecedores em cumprir o que dispõe a Lei, tendo em vista que a mesma dá margem para as empresas não incorrerem em violações. Sendo assim, além da urgente alteração, proposta no Senado Federal, é necessário um maior rigor quanto à fiscalização da publicidade envolvendo esses produtos, bem como a efetiva punição e enquadramento como infração penal e aplicação de multas aos que desrespeitam a legislação. Aparentemente, afigura-se que todas as recomendações, vedações e proibições são ignoradas pelas empresas, que, diante da falta de impunidade e rigor na aplicação das disposições normativas, se utilizam de todos os meios de comunica-

34 NOTÍCIAS, Agência Câmara. Projeto proíbe propaganda de bebida alcóolica. 2013. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2014. 35 AMARAL, Liana Silva do. Aspectos éticos sociais e legais da publicidade abusiva de bebidas alcoólicas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 104, set 2012. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2014.

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ção em massa para influenciar e adquirir novos consumidores de seus produtos, pouco importando se são nocivos à saúde e segurança da população. 5 ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA LIMITAÇÃO LEGAL DA PUBLICIDADE DE PRODUTOS FUMÍGENOS E BEBIDAS ALCOÓLICAS Como ponto fundamental para o entendimento das consequências da legislação diante da demanda de controlar o consumo de produtos fumígenos e bebidas alcoólicas, cabe analisar a sua efetividade ao longo do tempo. Ao lado disso, analisa-se a efetividade da legislação no controle e diminuição do consumo destes produtos. 5.1. A EFETIVIDADE DA LEGISLAÇÃO PUBLICITÁRIA SOBRE O CONTROLE E REDUÇÃO DE PRODUTOS FUMÍGENOS Verificou-se que o crescimento de estudos acerca dos perigos do cigarro influenciou na edição de normas que visassem a diminuição ou restrição do seu consumo. De outro lado, o constante aumento de doenças relacionadas ao cigarro e o grande desgaste dos recursos públicos para o combate de tais doenças (cerca de 0,5 do PIB)36 fortaleceram mais ainda a necessidade da criação de uma legislação que limitasse o uso de cigarro e que o mesmo fosse utilizado em anúncios publicitários nos quais se apresentasse vantagem ou prazer para o usuário de produtos fumígenos, ou esses fossem mostradas como produtos benéficos. Após a edição do Código de Defesa do Consumidor em 1990, prevendo em seu teor a necessidade de proteger o consumidor de produtos que trouxessem riscos a sua saúde e segurança ao reconhecer sua vulnerabilidade (artigo 4°, I, CDC), junto a necessidade de controle do próprio Estado em relação a produtos nocivos e possivelmente nocivos a saúde (artigo 6°, I, CDC). Por fim, com vistas a proteção do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor preconiza por meio de seu artigo 9°, o objetivo de informar devidamente os riscos de produtos específicos. Desta forma, leis posteriores ao Código foram criadas para produtos específicos, dentre elas, os produtos fumígenos.

36 Relatório da carga do tabagismo no Brasil. Associação de Controle do Tabagismo. São Paulo. p. 19. Disponível em: . Acesso em: 4 out. 2014.

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No que concerne aos produtos fumígenos, com a Lei Federal nº 9.294/96, tem-se presente em seu artigo 2° (com redação dada pela Lei Federal nº 12.546/2011), a proibição do uso de cigarro em ambientes públicos fechados, sejam hospitais, restaurantes, devendo os ambientes privados dotar de espaço próprio para este consumo. Ficou vedado a publicidade de cigarro em meios eletrônicos e televisivos, conforme os incisos III e VII do artigo 3° – A da mencionada Lei. Os anúncios publicitários limitar-se-ão apenas aos recintos de comercialização destes produtos, conforme artigo 3° da Lei Federal nº 9.294/96. Outro importante fator para a diminuição do consumo do cigarro foi a sua proibição em determinados locais, distribuição e brinde, venda por internet, publicidade em cartazes e fixas, além de patrocínio de esportes. Tal proibição encontra-se no artigo 3-A da Lei Federal nº 9.294/96. Um importante fator que contribuiu para a conscientização dos problemas apresentados em estudo para o público consumidor, foi a criação da Anvisa37 em 1999, esta, denominada Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ligada ao Governo Federal e subordinada ao Ministério da Saúde. Esta autarquia federal, tornou-se um importante órgão contribuinte para medidas de conscientização do consumo de cigarro por ter em suas funções o dever de fiscalizar os produtos fumígenos, devido ao fato destes produtos serem prejudiciais à saúde, por isso a necessidade de sua regulação por uma agência sanitária38. A atuação de fiscalização do órgão passou a ter mais ênfase após a vigência da Lei Federal nº 12.546/2011, onde fica estabelecido a necessidade de informações de advertência organizadas pelo Ministério da Saúde através da atuação da Anvisa39. Tais informações de advertência devem ser publicadas, sob pena de multa do fabricante de fumígenos que não a cumprir. Conforme o artigo 49 da Lei Federal nº 12.546, em seu §6°, deve conter em 30% da lateral inversa a frontal da caixa do produto, informações acerca dos riscos do seu uso. Além disso, o artigo 5° da mesma Lei determina que deve conter em 100% de uma das laterais da caixa do produto as restrições sobre o uso em locais fechados públicos ou privados.

37 A Agência Nacional de Vigilância Sanitária foi implementada pela Lei Federal nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. 38 Art. 8º  Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública: X – cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco. 39 Ver artigos 2o e 3o da Lei Federal no 9.294, de 15 de julho de 1996.

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A Lei Federal n° 12.546, apesar de ter sido aprovada em 2011, a sua regulamentação entrou em vigência a partir de 3 de dezembro de 201440. A partir desta data, os espaços reservados em restaurantes e bares para fumantes passou a ser proibido, ou seja, ambientes de uso público mesmo que privados passaram a ter essa proibição. Isso abarca inclusive condomínios. Um dos poucos ambientes privados e de uso público permitido para o consumo de fumígenos são os ambientes estritamente destinados para essa prática, como as tabacarias. Permaneceram permitidos apenas os ambientes privados de uso próprio, como a casa, e ambientes públicos abertos como parques e praças. Vê-se por esta Lei, que existe certa dificuldade em classificar onde pode e não pode ser utilizado o fumo, principalmente nas áreas públicas de espaço aberto, onde quer queira ou não, podem apresentar uma concentração de pessoas não fumantes, que são aquelas a qual a lei visa proteger que por sua vez são fumantes passivos. Estão incluídas nessas informações de alerta de riscos, as advertências dispostas no § 2° do art. 3°-B da Lei Federal nº 9.294/9641. Em um estudo feito pelo Instituo Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras drogas (INPAD), em parceria com a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD) junto a Universidade Federal de São Paulo, denominado II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, foi apresentado o consumo de tabaco pela população brasileira em percentuais. A análise se deu a partir de dados obtidos entre os anos de 2006 a 2012. Os resultados das amostras comprovaram que a redução de fumantes nestes anos foi de 20%, passando de uma taxa de 19,3% da população nacional para 15,6%, considerando brasileiros a partir dos 14 anos de idade. A principal redução foi entre adolescentes, que na pesquisa consideraram como os menores de 18 anos,

40 Observa-se a partir da leitura do artigo 50 da Lei Federal n° 12.546/2011 que a regulamentação disposta no artigo 49 será feita pelo poder executivo, o que veio a ocorrer e vigorar a partir de 3 de dezembro de 2014. “Art. 50.  O Poder Executivo regulamentará o disposto nos artigos 1o a 3o, 7o a 10, 14 a 20, 46 e 49 desta Lei”. 41 “I – “fumar causa mau hálito, perda de dentes e câncer de boca”; II – “fumar causa câncer de pulmão”; III – “fumar causa infarto do coração”; IV – “fumar na gravidez prejudica o bebê”; V – “em gestantes, o cigarro provoca partos prematuros, o nascimento de crianças com peso abaixo do normal e facilidade de contrair asma”; VI – “crianças começam a fumar ao verem os adultos fumando”; VII – “a nicotina é droga e causa dependência”; e VIII – “fumar causa impotência sexual”.(Artigo 3°-B, §2°, Lei Federal 9.294/96, incluído pela Lei nº 10.702, de 14.7.2003).

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neste quesito a redução foi de 6,2 para 3,4 do total de fumantes, um número que corresponde a uma redução de 45%42. A diminuição destes índices deve-se a limitação feita pela legislação, ao regulamentar a publicidade nos pontos de venda e o seu uso a locais restritos. A proibição de venda aos menores, apesar de ser fato antigo, tem se tornado importante fator contribuinte para a diminuição do índice de fumantes, como bem comprova o mencionado estudo. Apesar da facilidade com que muitos jovens ainda têm de adquirir cigarros, um crescimento de questões morais e a limitação dos pontos de venda têm contribuído de certa forma para essa diminuição. Além disso, a limitação publicitária, bem como a contraparte de publicação dos malefícios do cigarro tem provocado uma mudança quanto à forma de tratar o consumo de cigarro. Na mesma pesquisa, no ano de 2012, os fumantes entrevistados afirmaram em uma maioria de 90% que desejariam parar de fumar, enquanto no ano de 2006 esse número era de 81%. Trata-se de um avanço inexpressivo, entretanto, uma maioria de 63% afirma já ter tentado uma forma de parar o consumo. Entre a causa preponderante desta motivação, é a importância dada a saúde e a conscientização sobre os problemas de saúde ocasionados pelo cigarro43. Quanto à questão de fiscalização da venda de cigarro esta ainda é precária. Os jovens de 14 a 18 anos que participaram da pesquisa, fazendo parte de um universo de 3% dos fumantes, disseram em 60% dos casos que não tiveram dificuldade alguma para a compra de cigarro, sendo a maioria destas compras realizadas em bares, correspondendo a 55% das compras e em shoppings ou supermercados, sendo 15% das compras. Visto isto, tem-se uma clara diminuição do consumo de produtos fumígenos no Brasil após a edição de Leis limitativas da publicidade e aos pontos de venda. Deve-se tratar como positiva a intervenção legislativa na diminuição do consumo destes produtos, seja pela conscientização provocada pela divulgação de informações sobre os riscos do consumo nas próprias embalagens, como também pela limitação de publicidade abusiva que compara o uso de um produto nocivo ao bem estar e a saúde, quando ao contrário é comprovado que pode trazer grandes malefícios. 42 II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas. UNIFESP. São Paulo, p. 4. 2013. Disponível em: . Acesso em: 8 out. 2014. 43 UNIFESP. São Paulo, 2013, p. 8.

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A despeito dessa limitação de venda e publicidade, ainda existe certa facilidade de a compra para um grupo proibido de consumidores, os jovens, os menores de 18 anos. Neste caso, ainda se faz necessário o fortalecimento de agentes fiscais e ações repressoras quanto aos fornecedores que claramente burlam a legislação. 5.2 A EFETIVIDADE DA LEGISLAÇÃO SOBRE A PUBLICIDADE DE BEBIDAS ALCOÓLICAS No que concerne, por sua vez, aos efeitos e efetividade de regulação das bebidas alcoólicas, vê-se uma clara diferença entre estas e cigarros produtos fumígenos, até mesmo na própria Lei Federal nº 9.294/96, na qual é dada uma maior importância ao controle da publicidade de produtos fumígenos, enquanto a das bebidas alcoólicas é pouco regulamentada. Dentro desta abertura, percebe-se primeiramente a limitação de publicidade destinada apenas bebidas com teor de álcool superior a 13° Gay-Lussac. Sob essa medida não entram as bebidas como vinho e cerveja. Entretanto, conforme o relatório acerca do consumo de álcool no mundo publicado pela OMS, a cerveja é tida no Brasil como bebida mais consumida, representando uma parcela de 60% de todas as bebidas consumidas, e conjuntamente ao vinho, representaria um total de 64% dentre as bebidas consumidas44. O artigo 4° da Lei Federal nº 9.294/96 não exige tantos requisitos como os que são observados nas embalagens de cigarro. Em relação às bebidas alcoólicas, requer-se apenas a aplicação de frases nos rótulos, que muitas vezes não tem expressividade diante dos olhos do consumidor, apesar de inúmeras frases que devem ser apresentadas, a única que consta na Lei Federal n° 9.294/96 é “Evite o Consumo Excessivo de Álcool”45. Ao lado dessa advertência, encontramos no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR)46. Além disso, a simples frase para 44 Global status report on alcohol and health – 2014 ed. World Health Organization. p. 143. 45 O artigo 4°, §2° da Lei Federal n° 9.294/96 que trata acerca da advertência para bebidas alcóolicas apenas a seguinte redação: §2° Os rótulos das embalagens de bebidas alcoólicas conterão advertência nos seguintes termos: Evite o Consumo Excessivo de Álcool. 46 Anexo A. A “cláusula de advertência” prevista no item 5 do Anexo “A” conterá uma das seguintes frases: – “Beba com moderação” – “A venda e o consumo de bebida alcoólica são proibidos para menores” – “Este produto é destinado a adultos” – “Evite o consumo excessivo de álcool” – “Não exagere no consumo” – “Quem bebe menos, se diverte mais” – “Se for dirigir não beba” – “Servir bebida alcoólica a menor de 18 é crime”.

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evitar o consumo de bebidas alcoólicas não é suficiente para informar dos problemas advindos pelo uso de álcool. Por este abrandamento da Lei, a efetividade da regulação da publicidade sobre bebidas alcoólicas é inexpressiva. Saliente-se novamente que as bebidas abaixo do teor de 13° Gay-Lussac como cerveja e vinho, são as mais consumidas no país, até mesmo por uma questão de facilidade da compra bem como devido à carga publicitária demasiadamente utilizada sobre estes produtos. Veja-se que não é vedada a veiculação de publicidade televisiva para estes produtos por seu teor alcoólico não ser superior ao que está definido na Lei47. Apenas o uso de frases como “beba com moderação” ou “evite o consumo excessivo de álcool” não são capazes de trazer a conscientização necessária acerca das doenças provocadas pelo consumo alcoólico. Além do mais, os anúncios publicitários fixos e móveis não são proibidos, como no caso de cigarro, são abertos e muitas vezes fazem uma associação com bem estar, sensualidade, poder, satisfação, riqueza e muitas vezes saúde e saciedade apesar da associação com sensualidade ser proibido pela Lei Federal n° 9.294/9648. Diante da regulamentação publicitária sobre bebidas alcoólicas, que possibilita a propagação de publicidade de bebidas como cerveja, além de que tais publicidades apresentam um teor erótico para atrair os consumidores, as indústrias cervejeiras têm ganhado. Enquanto, por outro lado, a sociedade tem perdido pelo aumento de problemas ligados ao consumo, o que acarreta parte das doenças e acidentes provocados como restou claro. Conforme o Relatório sobre consumo de álcool da Organização Mundial de Saúde percebe-se que o consumo cresceu ao longo dos anos49. Nos últimos anos a taxa de consumo per capita de álcool tem crescido. Atingiu segundo a OMS, em 2010, uma taxa de cerca de 9,5 litros de puro álcool para cada pessoa no Brasil. Não foram publicados dados até o ano de 2014, mas a tendência é de que este número tenha superado, estimado atualmente em uma taxa 47 Artigo 1°, Parágrafo único. Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay-Lussac. 48 Conforme a leitura do artigo 4°, § 1°, vemos claramente a proibição da associação entre álcool e sensualidade que, entretanto, ainda é comum nas publicidades ligadas a cerveja. Artigo 4° § 1° A propaganda de que trata este artigo não poderá associar o produto ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou idéias de maior êxito ou sexualidade das pessoas. 49 Global status report on alcohol and health – 2014 ed. World Health Organization. p. 143.

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de 13,5 litros, conforme a própria OMS50, apesar de falta de estudo comparativo. O único dado positivo é a diminuição do consumo de bebidas destiladas a partir do fim da década de 9051, quando fortaleceram-se as restrições quanto à publicidade destas bebidas. Tendo em vista essa falta de uma regulamentação mais incisiva da publicidade, além da facilidade de compra da bebida por jovens, sem a devida fiscalização, somados a facilidade de publicidade, além do afrouxamento legislativo quanto aos limites publicitários, verifica-se uma fraca influência da regulação publicitária no que tange ao mercado de bebidas alcoólicas. A Lei Federal n° 9.294/96, ao mencionar como bebida alcoólica apenas aquelas acima de 13° Gay-Lussac, deu oportunidade para que as empresas produtoras de bebidas com teor abaixo de 13% beneficiassem-se com a possibilidade de fazer publicidade de seus produtos. Dentre os principais interessados estão as já mencionadas indústrias cervejeiras. A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por meio de uma Apelação Civil de Ação Civil Pública do Ministério Público Federal, decidiu por unanimidade pela proibição da publicidade de bebidas alcoólicas, principalmente a cerveja, no horário que não correspondesse das 21 horas às 6 horas, conforme o artigo 4° da Lei Federal n° 9.294/9652. O entendimento da 4ª Turma foi baseado por considerar um conflito de normas entre a definição do que é bebida alcoólica entre o parágrafo único do artigo 1° da Lei Federal n° 9.294/9653 e artigo 6° da Lei Federal n° 11.705/2008 que alterou a definição de bebida alcoólica no Código de Trânsito Brasileiro54.

50 Global status report on alcohol and health – 2014 ed. World Health Organization. p. 143. 51 Ibid. p. 143. 52 Artigo 4° Somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras de rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas. 53 Parágrafo único. Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay-Lussac. 54 Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos dessa Lei, as bebidas potáveis que contenham álcool em sua composição, com grau de concentração igual ou superior a meio grau Gay-Lussac.

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Pelo entendimento do Tribunal Regional Federal, existe uma revogação tácita pela Lei posterior, a qual deve se adequar a interpretação sistemática do Direito55. Com esta decisão, a bebida alcoólica, inclusive para interpretação e consideração dentro da Lei Federal n° 9.294/96 passou a ter a interpretação da Lei Federal n° 11.705/2008, ou seja, bebida alcoólica é toda bebida que possua igual ou acima de 0,5° Gay-Lussac de álcool em seu conteúdo. Esta importante decisão proíbe a publicidade de bebidas alcoólicas tais como cerveja e vinho, que anteriormente encontravam-se afastadas. Conforme o próprio acordão, as empresas do ramo e entidades publicitárias terão o prazo de 180 dias para se adequarem a esta decisão. Esta importante decisão limita a publicidade da cerveja, como já demonstrado, a bebida alcoólica mais consumida em território nacional. Ainda assim se fazem necessárias políticas para uma publicidade de advertência quanto aos males de saúde provocados por este produto. 6 CONCLUSÃO A importância e necessidade da existência de regulamentação da publicidade quanto aos produtos fumígenos e bebidas alcoólicas advém da fácil disponibilidade e livre circulação dessas mercadorias perante o comércio. Somado a estes quesitos, tem-se a forte atuação dos fornecedores em estimular incessantemente o uso e a compra dos mesmos, por meio de publicidades que possam atingir a sociedade consumerista. No entanto, verifica-se facilmente que existem problemas decorrentes das práticas realizadas no âmbito publicitário desses produtos, momento em que se percebe que não há uma estrita observância e alerta dos perigos inerentes à utilização dos mesmos, deixando-se de lado questões como a vulnerabilidade dos incapazes, podendo ser um público atingido, ainda que a comercialização para tais seja proibida; bem como o próprio estímulo a estes produtos, nocivos à saúde. Apesar da legalização da venda de produtos fumígenos e bebidas alcoólicas, não há dúvidas da necessidade de uma melhor regulamentação sobre estes, 55 “Existe incompatibilidade total (revogação tácita) entre os conceitos de bebida alcoólica contidos em ambas as leis. Não podem coexistir no ordenamento jurídico dois conceitos distintos de bebida alcoólica; um, para fins de propaganda, e outro, para fins de proteção ao trânsito”. TRF-4 - Apelação Civel: 2008.70.00.013135-1/PR. Relator Des. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle. Data de Julgamento 11/12/2014. Data de Publicação 21/01/2014.

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como forma de evitar abusos por parte das empresas em estimular o uso, bem como da importância em alertar a sociedade sobre os riscos para a vida, saúde e segurança daqueles que venham a utilizá-los. Há previsão constitucional e infraconstitucional, em sede do Código de Defesa do Consumidor, Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e Leis infraconstitucionais voltadas especificamente para regulamentar a publicidade dos produtos fumígenos e bebidas alcoólicas. Há de fato, uma busca de restringir a publicidade desses produtos, de modo a limitar o conteúdo que seja associado ao seu uso, bem como servir de alerta de maneira visível e objetiva, para que todos possam ter acesso às informações necessárias sobre a utilização dos mesmos. De maneira positiva, verifica-se que em relação aos produtos fumígenos houve uma redução significativa de usuários, de modo que todo o arcabouço legislativo deve continuar sendo cumprido, como forma de garantir a todos o acesso à informação sobre os riscos advindos do uso, como a própria dependência química, além de doenças que podem causar o óbito do consumidor. Por outro lado, quanto às bebidas alcoólicas, não se pode constatar a mesma eficácia diante da regulamentação da sua publicidade, principalmente pelo fato da legislação proibir em parte a publicidade, permitindo a publicidade de bebidas como cerveja, um dos grandes consumos nacionais, conforme a Organização Mundial de Saúde. Além do mais, as publicidades de cerveja possuem um apelo erótico e que liga o consumidor a prazer, bem estar e saúde, ao contrário do que prevê a legislação. Quanto aos fumígenos, esta proibição teve uma real efetividade para o fim deste tipo de publicidade. Com a existência do confronto da legislação sobre os produtos que não se enquadram no que dispõe a Lei, espera-se que através dos Projetos de Lei que estão tramitando atualmente, possa ser alterado a classificação da bebida alcoólica quanto à medida que está disposta na Lei em vigor, passando a se enquadrar todos os tipos de bebida com teor alcoólico, até aquelas com menos que treze graus (13° Gay-Lussac). A partir dessa alteração proposta, não há razão para que exista a veiculação da publicidade de bebidas alcoólicas em qualquer horário nos meios de comunicação, como é atualmente, só podendo ser veiculada em horários designados. Apesar da significativa melhora quanto ao uso de produtos fumígenos e a não efetividade da regulamentação quanto às bebidas alcoólicas, importa conside278

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rar em ambos os aspectos a necessidade de fiscalização sobre a publicidade e venda desses produtos. Deve existir punição severa às empresas e fornecedores que utilizam das mais variadas técnicas de publicidade que objetivam desviar o consumidor dos riscos do álcool e incitam o consumo, aliando fatores psicológicos aos produtos e serviços, sem ter o devido cuidado, em grande maioria, quanto aos possíveis problemas gerados a partir do uso. Averígua-se a necessidade de uma real e efetiva fiscalização, com aplicação de multas e punições severas, pois a falta destas abre margem para a continuidade da exploração da publicidade em prol do consumismo, deixando de observar o que de fato é importante: a saúde, vida e segurança dos consumidores. Sendo assim, unindo-se a legislação existente, devem ser realizadas as devidas alterações, aliando-se a uma maior fiscalização, bem como aplicação de penas mais severas perante aqueles que descumprem as disposições normativas que tratam da publicidade. Assim, talvez o cenário existente no mercado de consumo se torne cada vez melhor, ao existir de fato uma atuação direta e efetiva do Estado perante a livre iniciativa, o que acarretaria o respeito concreto aos valores sociais e a própria dignidade da pessoa humana dentro do âmbito da valorização da saúde individual e coletiva.

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Publicidade de defensivos agrícolas, medicamentos e terapias Anna Beatriz do Nascimento Granjeiro Laurentino Henrique Eduardo Gonçalves de Farias Filho 1 INTRODUÇÃO O aumento da complexidade das relações sociais humanas ao longo do tempo sempre desafiou o Direito a ampliar seu âmbito de atuação e, constantemente, inovar-se e recriar-se com o intuito de não cair na obsolescência e de amparar os novos aspectos de direitos e deveres que os cidadãos passam a ter. Isso decorre do fato de o Direito estar em todo lugar. Uma posição nobre, mas desafiadora. Tal adaptação às necessidades sociais não podia estar desassociada das relações consumeristas e a influência que estas sofrem do meio publicitário e, em um âmbito mais geral, com o papel controverso do estímulo ao consumo que a publicidade exerce sobre a sociedade. A comunicação publicitária tem como função precípua apresentar um produto ou serviço ao mercado, de modo a estimular o seu consumo. Tal papel surgiu e evoluiu acompanhando o refinamento das relações comerciais. Enquanto na antiguidade era praticada para se conhecer os produtos destinados ao escambo, hoje, na sociedade pós-industrial, ela é uma peça fundamental na lógica capitalista do consumo em massa, fazendo com que por meio do comercial e de outras formas de divulgação do produto, seja incitada no consumidor a vontade de comprar o que se está anunciando. Para efeito de localização temporal, a publicidade como se conhece hoje surgiu com a comunicação social, nos anos 40 (quarenta), com o advento da televisão e do rádio. A partir da expansão desenfreada dos meios de comunicação de massa, acentuaram-se fortemente os embates entre fornecedores e consumidores, na medida em que ambos acreditavam que seus direitos estavam sendo cerceados. O Di283

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reito, em sua função de conciliador máximo das relações sociais, iniciou um exponencial processo normativo no tocante a regulamentação do mercado de consumo. Nos casos mais danosos, a legislação específica impôs certas restrições, o que acarretou, no meio prático e acadêmico, diversas indagações acerca de sua viabilidade e do grau de intensidade dessas restrições. O presente trabalho pretende, portanto, esclarecer essas questões quanto à publicidade restringida de defensivos agrícolas, medicamentos e terapias, à luz da legislação específica, do Código de Defesa do Consumidor e dos princípios estruturantes do Estado Constitucional de Direito presentes na Constituição Federal, e também traçando comparativos com outras realidades que adotam uma legislação semelhante ou diferente da brasileira. Apesar de ser um conceito amplo e bastante popularizado, a palavra publicidade possui uma etimologia bem definida, advinda do latim publicus que significa “dar ao público, expor ao público”1. Tal conceito nos apresenta a semelhança existente, portanto, com a noção geral cotidiana que se abstrai da publicidade em massa a qual os consumidores são submetidos, a de tornar público um produto ou serviço. Esta função intrínseca da publicidade constitui, então, a fase pré-contratual do contrato de consumo, imputando ao fornecedor certas responsabilidades decorrentes do vínculo que passa a existir entre o consumidor e o conteúdo anunciado. Na lógica consumerista, é importante observar que a publicidade exerce sua influência sob um ponto específico, a relação jurídica do consumo, para incitar o aumento da demanda por parte do consumidor. É também inegável que a comunicação publicitária potencializa o poder de venda do seu patrocinador, por meio do estímulo ao consumo sobre o seu destinatário. O Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/1990) define consumidor como todo aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (artigo 2º, CDC). Neste, também é afirmado que fornecedor é “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados”, que produz, fabrica, comercializa produtos ou presta serviços (artigo 3º, CDC). Entretanto, ao mesmo tempo, tal diploma de normas estabelece, de forma mais ampla, um conceito de consumidor equiparado, o qual engloba todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais e também no âmbito da proteção contratual (artigo 29, CDC). A partir disso, tem-se que na relação jurídica de consumo existe uma desigualdade implícita por traz da posição de vul1 SILVA, Regina Beatriz Tavares da; POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo. Responsabilidade Civil pela Publicidade. In: SILVA, Regina Tavares da et al (Coord.). Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 388.

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nerabilidade que o consumidor se encontra frente ao poder de persuasão e algumas vezes da má intenção do fornecedor seguidor da lógica capitalista de consumo exacerbado e compulsório. Esta situação põe o consumidor em um patamar de vulnerabilidade que merece especial atenção parte da legislação. Com esse intuito, o da tutela de direitos relativos ao conteúdo publicitário frente ao reconhecimento da vulnerabilidade da figura do consumidor, iniciou-se o controle jurídico da publicidade propiciado pela produção legislativa. No Brasil, após uma longa fase de anormatividade, em 1980 positivou-se o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), editado pelo Conselho de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), órgão privado, mas competente à regulamentação ética da profissão. No entanto, o que de fato revolucionou a produção legislativa de limitação publicitária foi a aprovação da Lei Federal nº 8078 de 1990, que criou o Código de Defesa do Consumidor (CDC), pautado na cláusula geral da boa-fé e lealdade, princípios estes orientadores da construção jurídica do texto normativo. A instituição desse Diploma assumiu uma posição absolutamente primordial em relação à legislação do CBAP, relegando-a a um papel de fonte subsidiária, ou seja, um norteador principiológico interpretativo. Influenciado pela noção do ser humano como fim, fonte e fundamento do ordenamento jurídico, a grande novidade do CDC foi a mudança de foco da regulamentação trabalhista para a salvaguarda dos direitos do consumidor enquanto individuo detentor de direitos fundamentais, como justifica o artigo 4º desta codificação. Portanto, fica claro que os artigos da legislação consumerista se fundamentam nos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, artigo 5º, XXXII, que institui a obrigação de proteção ao consumidor, e na lógica da constitucionalização do Direito Privado dada pela interpretação atual de tal Diploma, em um perceptível exemplo de Diálogo de Fontes2, estratégia essa justificadora da abordagem dada pelo CDC ao consumidor de proteção contra, entre diversos outros, abusos no que tange à publicidade. Guiando-se por este princípio pró-consumidor, é possível classificar a publicidade de acordo com o microssistema consumerista como lícita, ilícita e restringida. A não absoluta proibição, porém também não completa permissividade advém do potencial nocivo de tais produtos ante a sociedade e, por vezes, ao meio 2 BITTENCOURT, Luciana Gomes. Os limites jurídicos da publicidade nas relações de consumo brasileiras: as manipulações do desejo nas relações pré-contratuais consumeristas. 2012. 60 f. Monografia (Especialização) – Curso de Direito, Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasília, 2012, p. 24.

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ambiente. Neste sentido, a disposição contida no artigo 220 da Constituição Federal prevê a sujeição dos produtos seguintes às restrições legais (§4º). São classificados como produtos de publicidade restringida: produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, defensivos agrícolas, medicamentos e terapias (Lei Federal nº 9.294/96, artigo 1º). Todavia, pautando-se em um enfoque teleológico, há a possibilidade de analisar de forma mais específica o aspecto restritivo. O consumo de produtos fumígeros e de bebidas alcoólicas, sob o ponto de vista estatal, são atos volitivos que devem ser desestimulados ao máximo possível, pois, deixando de lado o segmento econômico – que, por si só, é indissolúvel de qualquer relação de consumo –, não traz benefícios ao consumidor ou à sociedade. Já quanto ao uso de defensivos agrícolas, medicamentos e terapias, o objetivo não é a desestimulação total, mas sim o consumo consciente. É estritamente necessário ter um produto capaz de proteger plantações contra pestes, de intensificar a produção de alimentos e, também, de propiciar ao consumidor a desnecessidade de ir ao médico para tratar de cada resfriado cotidiano. 3 REGULAMENTAÇÃO AGRÍCOLAS

DA

PUBLICIDADE

DE

DEFENSIVOS

O conceito, ou melhor, a utilização do termo “defensivos agrícolas” é uma matéria bastante controversa no uso comum. Algumas vezes empregado como sinônimo para agrotóxico, por outras não, tal utilização está intimamente relacionada aos malefícios decorrentes de seu uso (propriedades tóxicas). Em sentido estrito, defensivos agrícolas são substâncias utilizadas na proteção de plantações, enquanto agrotóxicos são todo e qualquer produto que vise uma consequência positiva na produtividade (Lei Federal nº 7.802/1989). Logo, defensivos agrícolas deveriam ser tratados como um tipo específico de agrotóxicos. No entanto, de acordo com a disposição normativa contida no artigo 61 do Decreto Federal nº 4.0743, não haverá diferenças entre os dois termos quanto à regulamentação publicitária, sendo possível tratá-los como sinônimos. Assim como a normatização das relações consumeristas, os estudos acerca das consequências danosas dos agrotóxicos também são um fenômeno extrema3 Art. 61. Será aplicado o disposto na Lei Federal n° 9.294, de 15 de julho de 1996, e no Decreto n° 2018, de 1° de outubro de 1996, para a propaganda comercial de agrotóxicos, seus componentes e afins.

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mente atual. Eles são, sobretudo, consequência do grande aumento de produção no século XX, mais especificamente a partir da década de cinquenta, com o advento da chamada Revolução Verde4. Esta consiste no uso da tecnologia das mais diversas formas, visando o aumento significativo da produtividade. No entanto, não se teve o cuidado devido ao analisar as mazelas que delas podem decorrer, fazendo-se assim necessário uma regulamentação adequada. 3.1 FUNDAMENTAÇÃO NORMATIVA DA RESTRIÇÃO Em um primeiro momento, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) já começou a dispor acerca do tema de forma incisiva, compelindo o publicitário a apresentar expressamente a toxicidade do produto, os cuidados e indicações específicas, além de combater incessantemente anúncios que estimulem a poluição, a depredação do meio ambiente ou o desperdício de recursos naturais (Anexo “R”, CBAP). Compreendendo a necessária cautela ao se tratar do tema em questão, bem como sua importância, a Constituição Federal previu restrições especiais ao uso de publicidade no que tange aos defensivos agrícolas (artigo 220, §4º), que se concretizaram apenas em 1996, mediante a Lei Federal nº 9.294/96. Esta, em seu artigo 8º, afirma que todo e qualquer defensivo agrícola que possuir efeitos tóxicos – ao levar em consideração que apenas estes, em maior ou menor grau, alcançam a eficácia almejada, é possível tratar do assunto de forma generalizada – deve ser direcionado unicamente aos profissionais competentes (agricultores e pecuaristas)5, também se tornando obrigatório pôr advertências sobre os males causados pelo produto. Desta forma, foi possível minimizar o uso por cidadãos que não compreendiam sua periculosidade. Apesar de não tratar explicitamente de defensivos agrícolas, o Código de Defesa do Consumidor conceitua como publicidade abusiva, dentre muitas outras, aquela que desrespeita valores ambientais (artigo 37, §2º). Ademais, também dispõe como crime a omissão de “dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou 4 Expressão cunhada em 1966, após conferência realizada em Washington. Diz respeito ao conjunto de práticas que objetivavam o crescimento da produção agrícola, como a mecanização, monoculturas, uso intensivo de insumos industriais, alteração genética de sementes etc. 5 Portanto, é vedada a veiculação de mensagens publicitárias referentes a defensivos agrícolas em trajes esportivos, inclusive em competições olímpicas. ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. 1. ed. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 219.

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periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade” (artigo 63). Portanto, por meio da interpretação dos referidos dispositivos, é possível utilizá-los em casos concretos desta temática. 3.2 DIÁLOGO ENTRE A PUBLICIDADE RESTRINGIDA TOXICIDADE DOS DEFENSIVOS AGRÍCOLAS

E

A

Quando uma Lei, lato sensu, é formulada, ela sempre possui uma finalidade específica. No caso destas regulamentações não foi diferente. Atualmente, já é de conhecimento geral a ação contaminadora dos agrotóxicos, capaz de atingir o meio ambiente e, por meio deste, também afetar a saúde humana. Além disso, há vários estudos que comprovam os danos causados por alimentos com alta quantidade de agrotóxicos, assim como a necessidade de prudência na utilização e transporte desses produtos – pode ser citado, a título de referência, o livro “Silent Spring”, de Rachel Carlson, o qual apresentou à sociedade norte-americana e posteriormente ao mundo o risco decorrente da utilização abusiva e sem o devido controle de qualidade destes insumos6. Ainda que se conheça a capacidade prejudicial dos agrotóxicos, é difícil delimitar quão perigosos eles são. Os estudos que versam acerca as consequências negativas dos defensivos agrícolas são incipientes, pois se intensificaram apenas na segunda metade do século XX, o que acarretou em uma quantia insuficiente de informações acerca do assunto. Pouco é conhecido sobre os seus efeitos em longo prazo, e também ainda não há precisão quanto ao curto-médio. Destarte, além de ter como objetivo prevenir os males conhecidos, também há a necessidade de se evitar danos potenciais. Isto, em essência, são os princípios de prevenção e precaução do Direito Ambiental7. Assim, faz-se justificada a restrição rigorosa referente à publicidade deste tipo de produto. A obrigatoriedade de alertas acerca dos malefícios, do texto “consulte um agrônomo” e do direcionamento único aos pecuaristas e agricultores (Anexo “R”, CBAP e artigo 8°, da Lei 9.294/96, respectivamente) acarreta uma otimização do consumo, sendo feito por pessoas que realmente necessitam e conhecem o produto. Por fim, não será por meio de um controle mais severo do microssistema consumerista que se atingirá uma diminuição dos danos acarretados 6 BELTRÃO, Antônio Figueiredo Guerra. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p. 184-186. 7 Ibid., p. 35-40.

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pelos agrotóxicos, mas sim por uma fiscalização mais rígida no que diz respeito à toxicidade – no entanto, este não é o objeto de estudo do presente trabalho. 4 REGULAMENTAÇÃO DA PUBLICIDADE DE MEDICAMENTOS E TERAPIAS As normas que regulam a publicidade de medicamentos e terapias ainda são um assunto bem debatido, e que possui forte subjetivismo. Na sequência, serão apresentados os pormenores legais, bem como uma análise crítica e, também, as possíveis consequências de modificações nas disposições normativas acerca da publicidade de medicamentos. 4.1 FUNDAMENTAÇÃO NORMATIVA DA RESTRIÇÃO De forma mais geral, observa-se, tanto na Constituição Federal, como no Código de Defesa do Consumidor, a presença do direito fundamental à saúde (artigos 196 a 200 e 4°, 6°, 8°, 10, entre outros, respectivamente). Dessa forma, além da previsão constitucional referente de forma exclusiva à publicidade de medicamentos, que será vista posteriormente, também existem outros dispositivos que versam acerca do direito à saúde, e, portanto, incidem de forma indireta no que se refere à publicidade. O primeiro documento a legislar sobre este tema (Decreto nº 70.591/72) tratava da proibição de promoção, mediante distribuição de prêmios com medicamentos de qualquer gênero. Anteriormente, não havia uma única disposição normativa que regulasse essa esfera do Direito das Relações de Consumo. Poucos anos depois, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária também tratou do tema medicamentos e tratamentos clínicos e cirúrgicos. Neste documento, já existe a divisão entre produtos farmacêuticos isentos de prescrição médica dos demais (Anexo “G” e Anexo “I”), o que, sem dúvida, influenciou a legislação seguinte. Os primeiros cuidados começaram a ser tomados, como a necessidade de comprovação científica ante qualquer efeito e tratamento, de registro no órgão competente, de descrições claras dos medicamentos e uma punição àqueles que induzirem o uso indiscriminado, seja por explorar a deficiência do julgamento da criança ou por incutir o medo ou a superstição da possibilidade do espectador ter certa doença (Anexo “G” e Anexo “I”, CBAP).

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De forma direta, a única passagem do Código de Defesa do Consumidor relacionada especificamente a medicamentos faz-se quando tipifica qualquer conduta relacionada a estes como um agravante na esfera penal (artigo 76, inciso V, CDC). Contudo, do mesmo modo que foi explicitado ao tratar de defensivos agrícolas, é possível fazer uso da interpretação extensiva em casos específicos, já que o documento classifica como publicidade abusiva, também, aquela que induz o consumidor a se comportar de forma perigosa ou prejudicial a sua saúde (artigo 37, § 2º). No mesmo sentido, também se pode interpretar a disposição do artigo 62, o qual positiva como crime a omissão do caráter nocivo ou periculoso dos produtos nos meios publicitários. A Constituição Federal instituiu a necessidade de criação de uma legislação que restringisse a publicidade de medicamentos e terapias (artigo 220, §4º), que se deu na forma da Lei Federal nº 9.294/96. Além de reiterar a necessidade de comprovação científica, a principal medida adotada pela referida Lei foi a restrição deste tipo de publicidade apenas às “publicações especializadas dirigidas direta e especificamente a profissionais (médicos, dentistas, médicos veterinários e farmacêuticos) e instituições de saúde” (artigo 7°, caput)8. No entanto, também foi previsto como exceção a possibilidade do anúncio comercial de medicamentos anódinos ou de venda livre (artigo 7°, §1°), desde que com as advertências necessárias, o que incitou fervorosos debates acerca da total extinção ou da completa liberação desse tipo de publicidade. Entretanto, estas propagandas deverão conter somente afirmações passíveis de comprovação científica, assim como utilizar apenas depoimentos de profissionais que sejam legalmente qualificados para fazê-los (artigo 7°, §2°). Outra exceção, prevista no §4° do mesmo artigo, permite a veiculação da publicidade de medicamentos genéricos patrocinadas pelo Ministério da Saúde e também nos estabelecimentos autorizados a vendê-los ou distribuí-los, quando for apresentada a indicação do medicamento de referência. Como forma de conscientizar o consumidor, passou a ser necessária a frase “ao persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado” em qualquer tipo de publicidade medicamentosa (artigo 7°, §5°). Além disso, no ano de 2008, a ANVISA editou uma Resolução com o propósito de regular toda a publicidade referente aos medicamentos (RDC n° 96). 8 No mesmo sentido da aplicação quanto aos defensivos agrícolas, é vedada a veiculação de mensagens publicitárias referentes a terapias e medicamentos em trajes esportivos, inclusive em competições olímpicas. ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. 1. ed. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 223.

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Com o intuito de reiterar o que já foi positivado em Lei específica (Lei Federal n° 9.294/96), como a diferenciação entre medicamentos isentos de prescrição médica e aqueles que desta necessitam; este diploma também positiva algumas recomendações feitas pelo CONAR, transformando-as em diretrizes obrigatórias; e, sobretudo, pormenorizações de diversos temas envolvendo a publicidade de medicamentos, trazendo, assim, detalhes necessários para nortear o julgamento do aplicador do Direito. Pode-se destacar, entre os diversos artigos, a obrigatoriedade na publicidade de medicamentos do nome comercial do medicamento, de sua substância alternativa, segundo os dados da Denominação Comum Brasileira (DCB) ou da Denominação Comum Internacional (DCI), do seu número de registro na ANVISA, das indicações e contraindicações, da posologia, dos cuidados e advertências, da classificação do medicamento em relação à prescrição e dispensação e da data de impressão das peças publicitárias impressas (artigo 27). Percebe-se, também, uma preocupação com a publicidade veiculada por meio da internet, que por características intrínsecas é de difícil fiscalização, como a necessidade de advertências serem veiculadas permanentemente e de forma visível (artigo 24, inciso III). 4.2 RELAÇÃO DA PUBLICIDADE COM A AUTOMEDICAÇÃO E A BANALIZAÇÃO DO USO DE MEDICAMENTOS Graças à primeira exceção descrita, muitos comerciais, normalmente com jingles bem-humorados, são transmitidos todos os dias. Esses mecanismos, mesmo que também utilizados na publicidade de outros produtos, estimulam a compra de medicamentos sem necessidade, podendo acarretar até mesmo na banalização de certos compostos, como o paracetamol. Seguindo com este exemplo, já foi comprovado que seu uso excessivo acarreta problemas hepáticos, inclusive overdose, assim como muitas outras mazelas sérias podem ser ocasionadas pelo uso indiscriminado dos medicamentos de venda livre9. Portanto, mesmo os medicamentos considerados anódinos pelo Ministério da Saúde não podem ser considerados completamente seguros, sobretudo em longo prazo. Novamente, faz-se necessário não apenas prevenir danos que já são conhecidos, mas antecipar aqueles que são considerados possíveis. Dados da 9 RODRIGUES, Marcos Antônio. Os efeitos colaterais da venda livre de medicamentos. Dol, São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 4 mar. 2014, não paginado.

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Agência Nacional de Vigilância Sanitária demonstram que medicamentos são os principais agentes causadores de intoxicação em seres humanos10 e pelo menos metade do consumo de medicamentos de venda livre é feito de forma desnecessária, pela dosagem ou pela própria utilização11; sabe-se também que boa parte destas estatísticas advém da automedicação incitada pela publicidade12. A legislação vigente, extremamente semelhante à portuguesa, é razoável e bem desenvolvida, até mesmo quando comparada ao resto do globo13. É possível, entretanto, promover uma maior transparência, sobretudo ao exigir um maior detalhamento das advertências quanto ao abuso (artigo 7°, §1°, Lei Federal nº 9.294/96), e também uma maior rigidez para que se possam classificar medicamentos como anódinos ou de venda livre. Além disso, falta um maior investimento na fiscalização, pois as normas que versam acerca da publicidade de medicamentos, em geral, são ineficazes. Dados do próprio Governo revelam que cerca de 50% dos comerciais de medicamentos de venda livre apresentam irregularidades14. Este número, por si só, já é expressivo o suficiente para justificar uma fiscalização mais rígida. Além disso, é perceptível a maior dificuldade em supervisionar a publicidade focada nos profissionais de saúde, por ser específica e de menor alcance, como aquela realizada na internet, pela falta de normatização específica que regule a publicidade neste tão importante meio da vida contemporânea, bem como a maior facilidade em apresentar e incitar o consumidor a comprar produtos fraudulentos ou de forma recorrente, por meio de spams15. Nestes casos, deve-se ter uma cautela ainda maior, além do desenvolvimento de ferramentas que ocasionem a efetivação do controle deste tipo de publicidade. 10 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Encontro discute propaganda e uso racional de medicamentos. Noticias ANVISA: Brasília, 9 de dezembro de 2005. Disponível em: . Acesso em: 6 set. 2014, não paginado. 11 Ibid., não paginado. 12 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Promoción del uso racional de medicamentos: componentes centrales. Perspectivas políticas sobre medicamentos. Genebra, 2002. 13 SILVA, Regina Beatriz Tavares da; POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo. Responsabilidade Civil pela Publicidade. In: SILVA, Regina Tavares da et al. (Coord.). Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 433. 14 USP, Agência. Propagandas de medicamentos têm irregularidades. Disponível em: . Acesso em: 4 jan. 2015, não paginado. 15 “Spam: [Informática] Tipo de mensagem de correio eletrônico, geralmente com intuito publicitário ou fraudulento, enviada para grande número de destinatários que não forneceram seu e-mail para esse fim (Dicionário Priberam).”

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4.3 O OBSTÁCULO ENTRE A PUBLICIDADE E TERAPIAS Segundo o dicionário Priberam, terapia diz respeito às técnicas de tratar doenças e aplicar os medicamentos. Normalmente, ao pensar em terapias, logo há a relação com o tratamento particular, sobretudo relacionado às psicoterapias. Quanto à importância no que tange à restrição publicitária de terapias, deve-se retornar à fundamentação dada para que estes produtos possuam restrições no que se refere à publicidade: apesar de terem certo valor social, devem ser utilizados com cautela, e não de forma a se estimular indiscriminadamente sua utilização, pois isto pode acarretar em diversos problemas ao consumidor e à sociedade como um todo. No ordenamento jurídico norte-americano, por exemplo, a grande indústria farmacêutica (Big Pharma) vale-se dos instrumentos de informação para induzir o seu consumidor a certos tipos de medicamentos em suas psicoterapias16. Muitas vezes são produtos novos, testados em uma quantia insuficiente para adquirir os dados necessários, mas que ultrapassaram os testes e chegaram às prateleiras. Buscando um retorno após longos anos de pesquisa17 – e, consequentemente, de custo –, investe-se em comerciais com, por exemplo, pessoas alegres ao apresentar um novo antidepressivo. Normalmente, esse tipo de investimento leva a um retorno bem-sucedido, pois os acometidos pela doença estão incapacitados de fazer um julgamento coerente graças a sua complexa situação18. O profissional, ao ser indagado sobre o novo produto, não deve ter problemas para prescrevê-lo, e uma maior quantia de pessoas pode ser atingido por uma reação adversa ainda não descoberta. Além disso, há a possibilidade, não remota, de um indivíduo que não necessitar de um medicamento tão forte ou até mesmo do próprio medicamento se convencer do contrário19. Em síntese, a pu-

16 AZIZE, Rogério Lopes. Uma neuro-weltanschauung? Fisicalismo e subjetividade na divulgação de doenças e medicamentos do cérebro. Mana. Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, apr. 2008, p. 21. 17 HIGA, Felipe Massahiro. Pesquisas de medicamentos no Brasil ainda têm forte atraso. Disponível em: . Acesso em: 4 jan. 2015, não paginado. 18 AZIZE, Rogério Lopes. Uma neuro-weltanschauung? Fisicalismo e subjetividade na divulgação de doenças e medicamentos do cérebro. Mana. Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, apr. 2008, p. 21. 19 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resultados parciais da I Etapa do Projeto de Monitoração de Medicamentos. Brasília: ANVISA, 2004. Disponível em: . Acesso em: 6 set. 2014, não paginado.

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blicidade das terapias e de seus medicamentos utilizados deve ser restringida aos profissionais da área por ser extremamente perigosa. 4.4 CONTROLE DA PUBLICIDADE TERAPIAS NA JURISPRUDÊNCIA

DE

MEDICAMENTOS

E

De modo diverso ao que ocorre com as outras espécies de publicidade restringida da Lei Federal n° 9.294/96 (produtos fumígeros e bebidas alcoólicas), poucos são os casos nos quais se invocam os dispositivos descritos nesta norma para promover a verdadeira efetividade à restrição publicitária de defensivos agrícolas, medicamentos e terapias. Isto, evidentemente, termina por ressaltar que são situações fáticas consideradas menos importantes pela sociedade e pelos profissionais do Direito, o que culmina em violações ainda mais comuns destas normas legais. É possível de se encontrar, inclusive, julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca de bebidas alcoólicas e produtos fumígeros, como a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (n. 3311)20, de setembro de 2004, promovida pela Confederação Nacional da Indústria, que objetivava ab-rogar toda a legislação restritiva no tocante a bebidas alcoólicas e tabaco, ao alegar inconstitucionalidade. Tal exemplo permite a reflexão da importância deste estudo como um todo, pois não é impossível imaginar um caso semelhante quanto aos defensivos agrícolas, motivado pelo interesse dos empresários do agronegócio ou pelos industriais farmacêuticos quanto aos medicamentos e terapias. Já houve entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que quando o consumidor adquire um medicamento que não necessita de orientação médica, “por sua própria conta e risco, se sujeita às consequências desse ato de negligência com a sua própria saúde”21. Entretanto, é necessário ressaltar a necessidade de conhecimento do consumidor acerca dos malefícios que o medicamento pode provocar, normalmente informado de forma insuficiente nos anúncios publicitários. Quanto a isso, há a possibilidade da argumentação que é dever do consumidor usar o produto com cautela, porquanto a bula traz uma infinidade de in20 Supremo Tribunal Federal - ADI: 3311/DF. Rel. Min. Joaquim Barbosa. Data de Julgamento: 15/04/2005. Data de Publicação: DJ. 25/04/2005. 21 Entendimento explanado em voto do Ministro Humberto Gomes de Barros. Supremo Tribunal de Justiça. Resp. n° 971.845/DF. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. Julgamento em: 21/08/2008. DJ 01/12/2008.

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formações, dando bastante ênfase a contraindicações, reações adversas e superdosagem. Todavia, parece haver um esquecimento de que o acesso a ela só ocorre após a compra do medicamento, no qual a atividade publicitária possui papel, por muitas vezes, determinante. Diante da fragilidade do consumidor diante da própria relação consumerista, dever-se-ia interpretar de forma mais parcimoniosa casos como este, pois não raros são os medicamentos que, apesar de serem vendidos como “anódinos”, são capazes de prejudicar por demais a saúde de seus usuários. Em outro caso, é possível observar raciocínio ratificado por julgados dos Tribunais brasileiros, como versa precedente do TFR-1, que justifica seu não provimento a Recurso de Apelação de Mandado de Segurança, massificando, assim, o conteúdo da Lei Federal nº 9.294/9622. No caso, impetrou-se Mandado de Segurança para pedir a suspensão de eficácia da Resolução de Diretoria Colegiada nº 199 da ANVISA, alegando que esta estaria por desrespeitar a Lei Federal nº 9.294/96 ao regulamentar a publicidade de medicamento e terapias somente no interior das farmácias. O artigo 1º da RDC, portanto, estaria contrariando a Norma Federal, pois esta já trata acerca do modo de veiculação publicitária de medicamentos e terapias constante em seu artigo 7º e parágrafos. O Mandado de Segurança faz transparecer confusão quanto ao real conteúdo do ato normativo descrito (Lei Federal nº 9.294/96, artigo 7°, caput), alegando que a referida Resolução terminaria por fazer uma regulamentação indevida em face da mencionada Lei ao restringir a publicidade de medicamento somente ao interior de farmácias. O Tribunal entendeu que não há irregularidade, pois a Resolução nada dispõe sobre o conteúdo da publicidade, o qual é o foco da regulamentação da Lei Federal nº 9.294/96, mas faz referência somente quanto à fixação de preços. Em julgamento de Apelação Cível, oriunda de São Paulo, no TRF da 3ª região, há mais uma manifestação quanto à subsunção de certo fato envolvendo publicidade e medicamentos e terapias às irregularidades tipificadas na Lei nº 6.437/7723. Desta vez, trata-se de um caso de sorteio de brindes em congresso médico, ao qual foi imputada a hipótese de atribuição de brindes àqueles que realizassem compra de medicamentos, o que, por si só, configuraria uma afronta ao que aduz a Lei Federal citada. 22 AMS n. 2004.34.00.048534-8/DF, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, TRF1, DJ de 14.05.2007. Apelação a que se nega provimento. 23 AC n. 28406 SP 0028406-69.2005.4.03.6100, Relator Juiz Convocado Rubens Calixto, TRF3, de 19.07.2012.

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Neste julgado tem-se que o sorteio de brindes em evento médico não configura conduta irregular, uma vez que não se confunde com a situação de associação de brindes à venda de medicamentos ao público em geral como uma técnica de publicidade para o aumento de vendas, esta sim proibida (Lei nº 6.437/77). Argumentou-se que o sorteio conforma situação de resultado aleatório e que não consistia em publicidade, dando provimento aos recursos para anular o débito equivocadamente determinado na sentença, pois são duas situações fáticas diversas. 5 RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO DESCUMPRIMENTO DAS RESTRIÇÕES PUBLICITÁRIAS DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS, MEDICAMENTOS E TERAPIAS De forma a que se tenha aplicabilidade tais normas do ordenamento jurídico pátrio, a Lei Federal n° 9.294/96 prevê um rol taxativo de sanções destinadas para pessoas físicas ou jurídicas que veicularem publicidade de defensivos agrícolas, medicamentos ou terapias ao público geral (artigo 9°, §3°), além de, por óbvio, a retirada destas publicidades de circulação (artigo 9°, §2°). Nos casos de descumprimento das normas relativas à Lei supracitada, poder-se-á aplicar advertências, nos casos mais brandos, além da suspensão de outros tipos de publicidade referentes àquele produto. A depender da situação, também pode se pedir a apreensão do produto e a retificação da informação no mesmo meio de comunicação para compensar a publicidade restringida, com a possibilidade de aplicações de multas de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), a depender da capacidade econômica do infrator (artigo 9°). Tais sanções dependerão do caso concreto, podendo ser cominadas gradativamente ou de forma cumulativa, sobretudo em casos de reincidência (artigo 9°, §1°), sem prejuízo da aplicação de sanções previstas em outras as outras legislações que vigoram. Compete, principalmente, à autoridade sanitária local, ou seja, municipal, aplicar as sanções em caso de descumprimento, exceto quando se tratar de propagandas nacionais, as quais ficarão a cargo da fiscalização do órgão federal designado pelo Ministério da Saúde (artigo 9°, §4°, I). Também se aplicará de forma concorrente ou exclusiva as infrações verificadas no interior de aeronaves, transportes rodoviários, aquaviários ou ferroviários, pelo órgão de regulamentação federal da respectiva atividade (artigo 9°, §4°, II e IV); bem como nos casos da publicidade 296

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infringir a Lei Federal n° 9.294/96, quando se trata dos programas de rádio ou televisão (artigo 9°, §4°, III). 6 CONCLUSÃO Não é difícil perceber a necessidade das restrições previstas na Lei Federal nº 9.294/96 e no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que possuem demasiada importância para salvaguardar o indivíduo da má-fé publicitária. Também não é mera perda de tempo explicitar a importância destas, pois o interesse econômico por trás destes produtos enseja pressões para com o Estado, tendo como objetivo a derrocada dessa e de outras proteções ao consumidor. Apesar do longo período de anormatividade no que tange às relações consumeristas no ordenamento jurídico pátrio, devido à importância pela qual estas atividades publicitárias ganharam, sobretudo, na segunda metade do século XX, foram-se positivadas as normas do Código de Defesa do Consumidor e do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, este último possuindo apenas caráter de norteador interpretativo. A Constituição Federal, por sua vez, determinou que as publicidades tratadas neste estudo deveriam ser restringidas a partir de previsões legais, visto que são produtos que apresentam certa periculosidade, mas, ainda assim, considerados necessários na vivência de algumas pessoas. Portanto, o foco destas restrições é ensejar o consumo consciente. No que se refere aos defensivos agrícolas, a chamada Revolução Verde intensificou a toxicidade destes insumos, como consequência direta da busca incessante pelo aumento de produção. Diante da diminuta quantidade de informações acerca destes produtos, tornam-se ainda mais importantes as restrições comentadas no presente Capítulo para assegurar uma proteção mais efetiva do consumidor. Quanto aos medicamentos e terapias, a necessidade de um controle mais efetivo é resultado da automedicação, tão frequente e danosa à saúde da população brasileira, e a condição especial de vulnerabilidade em que se encontram aqueles acometidos por psicopatologias. A obrigatoriedade da veiculação publicitária apenas aos profissionais da área, nos casos de defensivos agrícolas, terapias e medicamentos – exceto aqueles compostos classificados como anódinos ou de venda livre, no caso deste último – prova-se, assim, um instrumento viável e, além disso, protetivo diante destes pro297

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dutos, ao antecipar e não permitir que muitos sejam seduzidos pela publicidade e terminem por prejudicar a própria saúde ou a de outrem. Para que estas restrições não se tornem meras “cartas de boas intenções” e realmente gerem efeitos práticos, as sanções previstas na Lei Federal nº 9.294/96 podem ser aplicadas tanto a pessoas físicas quanto jurídicas, desde que estes sejam responsáveis pela circulação de tal publicidade irregular. Foram elencadas punições leves e severas para que sejam aplicadas da forma que melhor atender ao caso concreto, inclusive sendo possível a aplicação cumulativa, em relação às penalidades previstas na mencionada Lei e quaisquer outras dispostas no ordenamento. As restrições descritas na Lei Federal nº 9.294/96, no geral, são razoáveis, faltando apenas uma melhor fiscalização para acentuar sua eficiência e o devido cuidado ao se classificar medicamentos como anódinos ou de venda livre. É de importância extrema compreender que a relação entre a publicidade desses produtos com maior potencialidade danosa (defensivos agrícolas, medicamentos e terapias) e o consumidor deve ser singela, mas não inexistente a ponto de proporcionar aos últimos o conhecimento adequado sobre a possibilidade de aquisição e forma adequada de utilização.

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REFERÊNCIAS Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Encontro discute propaganda e uso racional de medicamentos. Noticias ANVISA: Brasília, 9 de dezembro de 2005. Disponível em: . Acesso em: 6 set. 2014. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Projeto de Monitoração de Propaganda e Publicidade de Medicamentos. Brasília: ANVISA, 2002. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resultados parciais da I Etapa do Projeto de Monitoração de Medicamentos. Brasília: ANVISA, 2004. Disponível em: . Acesso em: 6 set. 2014. AITH, Fernando; DALLARI, Daniele Gandolfi. Regulação de Medicamentos no Mundo Globalizado. CEDISPA, São Paulo: 2014. ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. 1. ed. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013. AZIZE, Rogério Lopes. Uma neuro-weltanschauung? Fisicalismo e subjetividade na divulgação de doenças e medicamentos do cérebro. Mana. Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, apr. 2008. BELTRÃO, Antônio Figueiredo Guerra. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009. BITTENCOURT, Luciana Gomes. Os limites jurídicos da publicidade nas relações de consumo brasileiras: as manipulações do desejo nas relações pré-contratuais consumeristas. 2012. 60 f. Monografia (Especialização) – Curso de Direito, Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasília, 2012. DICIONÁRIO PRIBERAM. Spam. Disponível em: . Acesso em: 03 jan. 2015. ______. Terapia. Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2014. 299

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor – Código Comentado e Jurisprudência. Niterói: Impetus, 2012. HIGA, Felipe Massahiro. Pesquisas de medicamentos no Brasil ainda têm forte atraso. Disponível em: . Acesso em: 4 jan. 2015. NUNES, Rizatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Promoción del uso racional de medicamentos: componentes centrales. Perspectivas políticas sobre medicamentos. Genebra, 2002. RODRIGUES, Marcos Antônio. Os efeitos colaterais da venda livre de medicamentos. Dol, São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 4 mar. 2014. SILVA, Regina Beatriz Tavares da; POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo. Responsabilidade Civil pela Publicidade. In: SILVA, Regina Tavares da et al. (Coord.). Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 387-442. USP, Agência. Propagandas de medicamentos têm irregularidades. Disponível em: < http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=propagandas-de-medicamentos-tem-irregularidades>. Acesso em: 4 jan. 2015.

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Publicidade de alimentos Danielle Rosado Targino de Oliveira Vanessa de Azevedo Matoso 1 INTRODUÇÃO Comercializar alimentos requer a prática de cuidados especiais. Isto se deve ao fato de o consumidor se sujeitar a inúmeros riscos ao adquirir um produto sem as devidas informações, devendo se considerar, ainda, que muitas vezes tais informações são falsas, não condizem com a realidade, razões pelas quais, a legislação obriga que os rótulos e as embalagens dos produtos alimentícios contenham as mais diversas especificações, tais como quantidade, prazo de validade, condições de uso, presença de glúten, se é light ou dietético etc. Tudo isso com o intuito de proteger cada vez mais a saúde do consumidor. Todo consumidor possui direito à informação, visto ser ele a parte mais vulnerável da relação de consumo. No que tange à comercialização de produtos alimentícios, isso se mostra de suma importância, por serem estes ingeridos pelo consumidor, ocasionando um contato direto com o bem comprado, podendo gerar uma ameaça e risco quando não atendidos os requisitos básicos, determinados no Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/1990) e Leis espaças, assim como determinações jurisprudenciais. Além de ser um direito do consumidor, é um dever dos fornecedores e comerciantes desses produtos fornecer as informações básicas necessárias para o consumo seguro, já que é uma relação que pode ocasionar danos à saúde do consumidor. A ingestão de um alimento que não atesta todas as suas informações ou que faz isso de maneira errônea ou enganosa pode gerar grandes problemas, tais como doenças e intoxicações alimentares. Pode, ainda, agravar outras situações preexistentes, como é o caso dos intolerantes à lactose, celíacos, diabéticos, 301

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hipertensos, entre tantos outros, que devem contar com a boa-fé do fornecedor de alimentos para que não tenham sua saúde prejudicada. Em razão disso, o estudo da publicidade de alimentos é de grande valia, a fim de se conquistar cada vez mais uma comunicação publicitária clara, correta, ostensiva, precisa e em língua portuguesa, conforme preceitua o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor e garantindo ao consumidor a compra de produtos cada vez melhores e com maiores informações, sendo este o enfoque do presente Capítulo, que busca analisar a publicidade de alimentos, em especial no que concerne aos rótulos e embalagens, buscando esclarecer dúvidas acerca do assunto e trazendo ainda uma visão crítica sobre determinados aspectos. 2 REGULAMENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA FEITA EM RÓTULOS E EMBALAGENS 2.1 CONCEITOS A publicidade está ligada a uma atividade econômica e busca a aproximação do produto ou serviço, marca ou empresa ao consumidor, com o intuito de instigá-lo ao consumo, ou seja, tem objetivo comercial. Difere-se da propaganda, pois esta é elaborada com a finalidade de difusão de ideias, em outras palavras, visa a um fim ideológico, religioso, político, econômico e social1. No âmbito das práticas comerciais, a publicidade é uma forma de veiculação de oferta, devendo se submeter aos mesmos requisitos e regime de responsabilização previstos nos artigos 30 a 38 do Código de Defesa do Consumidor. O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária conceitua a publicidade em seu artigo 8º como “toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos e ideias”, do mesmo modo, 1 “Para os fins de aplicabilidade do microssistema consumerista, a publicidade deve estar ligada necessariamente a uma atividade econômica, possuir um objetivo comercial, ou seja, contribuir de alguma forma para a aproximação do produto e/ou serviço, marca ou empresa ao consumidor, com a finalidade de instigá-lo ao consumo. Difere-se por sua vez da publicidade a propaganda à medida que esta última compreende toda forma de comunicação, direcionada a público determinado ou indeterminado, sem finalidade comercial, isto é, sem fazer parte do desenvolvimento de qualquer atividade econômica, uma vez que é elaborada com a finalidade precípua de difusão de idéias relacionadas, por exemplo, a uma determinada filosofia, orientação política ou político partidária, economia, ciência, religião, arte ou sociedade”. ALVES, Fabrício Germano, Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. 1. ed. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 89-90.

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o Decreto nº 57.690/66 traz a sua definição em seu art. 2º como “qualquer forma remunerada de difusão de ideias, mercadorias, produtos ou serviços por parte de um anunciante identificado”2. Destarte, a publicidade deve ser compreendida tanto através do seu aspecto mercadológico quanto jurídico3, tendo em vista que constitui uma ferramenta de marketing regulada pelo Código de Defesa do Consumidor como oferta ou ilícito. Sendo suficientemente precisa, a publicidade integra a oferta e o conteúdo do futuro contrato, vinculando-o como proposta. No entanto, caso a publicidade viole direitos, considera-se ato ilícito e se subdivide nas modalidades enganosa, abusiva ou clandestina. Tanto a publicidade enganosa quanto a abusiva possuem vedação expressa no caput do artigo 374 do Código de Defesa do Consumidor, a primeira consiste na publicidade que induz o consumidor ao engano5, conforme prevê o §1º da referida norma6, ao passo que a segunda, em consonância com o §2º desse mesmo artigo7, é considerada ilícita porque traz em seu conteúdo abuso de direito8.

2 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 110. 3 PASQUALOTTO, Adalberto et al. Contratos Empresariais: Contratos de Consumo e Atividade Econômica. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 64. 4 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. 5 “[...] o conceito de enganosidade envolve expressamente a omissão de informação essencial, indicando, por via transversa, o dever do fornecedor veicular mensagem honesta, de modo, repita-se, a permitir que o consumidor realize o ato de consumo conscientemente”. JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes; MATOS, Yolanda Alves Pinto Serrano de. Código de defesa do consumidor interpretado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 164. 6 Art. 37. §1°. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. 7   Art. 37. §2°. É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. 8 “Por um critério residual, em matéria publicitária patológica, pode-se afirmar que abusivo é tudo aquilo que, contrariando o sistema valorativo da Constituição e das leis, não seja enganoso”. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover et al. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 340.

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Já a publicidade clandestina, também conhecida por publicidade mascarada, simulada ou dissimulada, é vedada de maneira implícita pelo CDC no caput do artigo 369, bem como pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária em seu artigo 9º10, e consiste na transmissão de informações que pode não parecer publicidade, mas é (v.g., a publicidade subliminar, que é captada pelo inconsciente, embora não seja conscientemente percebida, e a técnica de merchandising, utilizada para divulgação indireta de produtos e serviços através de inserções em produtos e filmes)11. Ante o exposto, tem-se que, caso a publicidade traga alguma informação, podendo ser a respeito de preço, qualidade, quantidade, segurança ou mesmo sobre características do produto ou serviço, esta informação deve ser verdadeira. Tal fato decorre de um direito básico do consumidor12, que diante da sua vulnerabilidade, deve ter sua saúde e segurança protegidos. Além disso, a legislação consumerista também preza pela veracidade dessas informações em outros artigos, dentre eles os artigos 31, caput, e 37, §1º, ambos do CDC13. O direito à informação deriva da boa-fé objetiva, que é princípio da Política Nacional das Relações de Consumo, sendo, por conseguinte, uma regra básica de convivência social. Além disso, é direito fundamental com previsão expressa na Constituição Federal, em seu artigo 5º, XIV14, fruto da evolução

9 Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. 10 Artigo 9º. A atividade publicitária de que trata este Código será sempre ostensiva. 11 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2014, p. 366. 12 Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: [...] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. 13 Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. §1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.        14 Art. 5º. XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

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socioeconômica observada com o advento da revolução pós-industrial, também chamada “sociedade de informação” ou “revolução da informática”15. 2.2 NORMATIZAÇÃO APLICÁVEL O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, é um conjunto de normas que visam a proteção aos direitos do consumidor, trazendo os princípios básicos que regem as relações de consumo e dedicando espaço especial para a segurança dos produtos e serviços, sendo, portanto, a primeira normatização aplicável ao microssistema consumerista. Ademais, a fim de se assegurar o direito à informação, o Decreto Lei n° 986, de 21 de outubro de 1969, (que regula, desde a obtenção até o consumo, a defesa e proteção da saúde individual ou coletiva, no que se refere aos alimentos), apresenta conceitos importantes para as relações de consumo no âmbito alimentício. Dentre eles, faz-se pertinente estudar o de embalagem e rótulo, trazidos pelo artigo 2°16, em seus incisos XII e XIII, que definem como rótulo qualquer identificação impressa ou de algum modo demarcada sobre a embalagem, que é a forma de empacotar, acondicionar o alimento. A presente normativa trata dos rótulos em Capítulo específico, trazendo algumas discriminações sobre o que estes devem conter. Também estão presentes disposições acerca das advertências que devem estar expressas, de forma clara e em linguagem que possibilite ao consumidor entender a mensagem. Como por exemplo, o disposto em seu artigo 1917. Existem também regulamentações específicas para a rotulagem dos alimentos de modo geral, feitas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, como a RDC n° 360, de 23 de dezembro de 2003, e a RDC 15 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 216-217. 16 Art. 2º. Para os efeitos dêste Decreto-lei considera-se: [...] XII – Rótulo: qualquer identificação impressa ou litografada, bem como os dizeres pintados ou gravados a fogo, por pressão ou decalcação aplicados sôbre o recipiente, vasilhame envoltório, cartucho ou qualquer outro tipo de embalagem do alimento ou sôbre o que acompanha o continente; XIII – Embalagem: qualquer forma pela qual o alimento tenha sido acondicionado, guardado, empacotado ou envasado. 17 Art. 19. Os rótulos dos alimentos enriquecidos e dos alimentos dietéticos e de alimentos irradiados deverão trazer a respectiva indicação em caracteres facilmente legíveis. Parágrafo único. A declaração de “Alimento Dietético” deverá ser acompanhada da indicação do tipo de regime a que se destina o produto expresso em linguagem de fácil entendimento.

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n° 163, 17 de agosto de 2006. Outras normativas versam sobre temas mais diretos que devem ser acompanhados de advertências ao consumidor, como a Lei Federal n° 10.674, de 16 de maio de 2003, que determina que alimentos que contenham glúten façam menção expressa disso em seus rótulos e embalagens. Por determinação legal, os rótulos dos alimentos devem conter determinadas informações que estão elencadas em legislação específica sobre o assunto18. Em artigo específico, artigo 11 do Decreto Lei nº 986, de 21 de outubro 196919, são discriminadas as informações que devem estar presentes neles. Em geral, todas as informações presentes devem ser claras e facilmente entendidas pelo consumidor. Devido às determinações feitas pelo Decreto Lei nº 986/69, os rótulos e embalagens dos alimentos devem atender a determinados critérios, como por exemplo, o nome, a qualidade, a natureza e o tipo do produto, a presença de aditivos (requisitos presentes artigo 11 e seguintes dessa Lei). A ausência deles caracteriza publicidade enganosa, visto que de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Artigo 37)20, são consideradas enganosas as publicidades que induzirem o consumidor a erro.

18 O Decreto Lei n° 986, de 21 de outubro de 1969, em seu Capítulo III. 19 Art. 11. Os rótulos deverão mencionar em caracteres perfeitamente legíveis: I – A qualidade, a natureza e o tipo do alimento, observadas a definição, a descrição e a classificação estabelecida no respectivo padrão de identidade e qualidade ou no rótulo arquivado no órgão competente do Ministério da Saúde, no caso de alimento de fantasia ou artificial, ou de alimento não padronizado; II – Nome e/ou a marca do alimento; [...] VI – Indicação do emprêgo de aditivo intencional, mencionando-o expressamente ou indicando o código de identificação correspondente com a especificação da classe a que pertencer; VII – Número de identificação da partida, lote ou data de fabricação, quando se tratar de alimento perecível; VIII – O pêso ou o volume líquido; IX – Outras indicações que venham a ser fixadas em regulamentos. [...] §3º. Os rótulos dos alimentos destituídos, total ou parcialmente, de um de seus componentes normais, deverão mencionar a alteração autorizada. § 4º Os nomes científicos que forem inscritos nos rótulos de alimentos deverão, sempre que possível, ser acompanhados da denominação comum correspondente. 20 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. §1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

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O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) e Anexos determina em seu artigo 1821 que é publicidade o que se encontra nas embalagens e nos rótulos, visto que a normativa se utiliza da palavra anúncio em seu sentido lato. Sendo os rótulos e embalagens de produtos alimentícios formas de publicidade, estes devem igualmente apresentar informações verdadeiras e que não ponham em risco a saúde e o bem estar dos consumidores. De modo que, os fornecedores estão sujeitos a punições quando seus produtos não obedecerem tais requisitos, podendo incorrer em uma das práticas ilícitas de publicidade já descritas, quais sejam, a publicidade enganosa, abusiva ou clandestina. Tem-se como exemplo o caso apresentado pelo programa televisivo Fantástico, transmitido pela Rede Globo de Televisão. O INMETRO traz o conceito de azeite de oliva, como sendo “o produto obtido através do processamento do fruto das oliveiras, a azeitona, sendo que, para ser denominado como azeite de oliva o produto não pode apresentar mistura com qualquer outro tipo de óleo”. A análise das marcas produtoras do azeite de oliva foi realizada, tomando como base o conceito já mencionado e as seguintes normativas: Resolução nº 270, de 22 de setembro de 2005 da ANVISA – Regulamento Técnico para Fixação de Identidade e Qualidade de Óleos e Gorduras Vegetais, e Resolução RDC nº 259, de 20 de setembro de 2002 da ANVISA – Aprova o Regulamento Técnico sobre Rotulagem de Alimentos Embalados. O resultado foi que três das vinte empresas analisadas não estavam em conformidade com as normas, foram observados problemas de pureza. Também foi observado que três das marcas analisadas apresentava adição de outro tipo de óleo vegetal, não podendo assim ser considerados azeite de oliva22. Assim, pode-se constatar que as empresas que fabricaram/comercializaram um produto que possuía o rótulo em desacordo com o conteúdo presente na embalagem, como no caso em questão, do azeite de oliva, praticaram uma publicidade enganosa. Como a publicidade realizada pelo fornecedor faz com que ele se vincule a ela, deve assim assumir os riscos e punições por uma publicidade enganosa. Visto que o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 31 preceitua que “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações 21 Artigo 18. Para os efeitos deste Código: a) a palavra anúncio é aplicada em seu sentido lato, abrangendo qualquer espécie de publicidade, seja qual for o meio que a veicule. Embalagens, rótulos, folhetos e material de ponto-de-venda são, para esse efeito, formas de publicidade. 22 INMETRO. Azeite de Oliva. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2014.

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corretas, claras, precisas [...] sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”. Omissões na publicidade feita nas embalagens e nos rótulos pode, inclusive causar riscos à saúde do consumidor, conforme será demonstrado mais adiante, razões pelas quais, deve-se buscar evitar tais vícios. São constatados vícios quando as características de qualidade e quantidade dos produtos os tornam impróprios ou inadequados ao consumo ou lhe diminuem o valor, ou, ainda, quando há divergências entre as indicações presentes no recipiente, embalagem, rótulo, oferta ou mensagem publicitária23. Caso o rótulo do produto não obedeça às normativas impostas, este incorrerá no chamado “vício de informação”, sobre o qual responsabilizam-se todos os fornecedores, diretos ou indiretos. Isto porque, é dever do fornecedor conceder ao consumidor, em razão da vulnerabilidade deste, o conhecimento prévio de todas as informações importantes a respeito do produto oferecido24. De tal forma, estando o produto viciado, é facultado ao consumidor exigir do fornecedor uma das seguintes alternativas: a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; a devolução da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízos de eventuais perdas e danos; ou o abatimento proporcional do preço, quando cabível25. E, caso a substituição do produto seja impossível, o consumidor tem ainda a possibilidade de exigir um produto de outra espécie, marca ou modelo, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço26. Regra geral, a responsabilidade por vício do produto ou serviço é objetiva e solidária dos fornecedores (Artigo 18 do CDC), entretanto, a Lei estabelece um caso no qual a responsabilidade é exclusiva do fornecedor direto, qual seja, a omissão de informação sobre os dados dos produtos in natura (Artigo 18, §5º do CDC). Afinal, a omissão de uma informação importante acerca da identidade do produtor limita a extensão da responsabilidade ex lege, criando um óbice para 23 NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 244. 24 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 217. 25 Essa faculdade do consumidor é exercida quando o vício não for sanado pelo fornecedor no prazo máximo de 30 dias (Artigo 18, §1º do CDC). 26 Artigo 18, §4º do Código de Defesa do Consumidor.

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que o consumidor possa ajuizar uma ação em face do produtor. Por conseguinte, a responsabilidade pelo fornecimento de produto in natura, sem a devida informação sobre a identidade do produtor, torna-se exclusiva do fornecedor imediato, ante o descumprimento do dever de informação 27. Outrossim, quando ocasionado dano ao consumidor, e este for de fato, ameaçando e gerando riscos à sua segurança, a responsabilidade ocorre independente da existência de culpa. Sendo o fabricante e o produtor, como preceitua o artigo 12 do CDC, responsabilizados, e subsidiariamente o comerciante28. Assim, os danos gerados à saúde do consumidor se encaixam nessa categoria, em que eles devem receber reparação pelos danos sofridos. 3 NECESSIDADE DE INFORMAÇÕES PUBLICIDADE DE ALIMENTOS

ESPECÍFICAS

NA

O artigo 6º, III29 do Código de Defesa do Consumidor prevê como direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, assim como sobre os riscos que apresentem. Nessa mesma linha, o artigo 3130 do referido Código dispõe que a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações claras, precisas, ostensivas e redigidas em língua portuguesa. Salientando-se, inclusive, que nos produtos refrigerados as informações devem ser gravadas de forma indelével. Sendo assim, em razão da transparência que deve imperar em todas as relações de consumo, os rótulos dos alimentos não devem conter informações 27 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 218. 28 Os comerciantes respondem subsidiariamente quando não for possível identificar o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador; o produto não tiver identificação clara; ou não for conservado de forma adequada (Artigo 13 do CDC). 29   Art. 6º São direitos básicos do consumidor: III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. 30 Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.Parágrafo único.  As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével.

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que possam gerar confusão ou que possam dar ensejo à interpretação errônea ou a engano do consumidor31. Tais informações também não podem ser apresentadas de maneira que incentive o consumo em excesso de determinado alimento ou que sugira que o produto seja nutricionalmente completo, a fim de preservar a integridade física do consumidor. Nesse diapasão, as exigências previstas na legislação brasileira acerca da rotulagem dos alimentos levam em conta, principalmente, a saúde e segurança do consumidor, com destaque para os portadores de enfermidades (v.g., diabetes mellitus, hipertensão arterial, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, intolerâncias e alergias), que devem ler atentamente os rótulos dos alimentos, observando a lista de ingredientes e a rotulagem nutricional para verificar a presença de determinado ingrediente ou nutriente que não deve consumir ou que pode consumir apenas em baixa quantidade. Destarte, os rótulos dos alimentos devem declarar, obrigatoriamente e nos moldes do CDC, todos os ingredientes utilizados, sua informação nutricional, quantidade, validade, modo de conservação e preparo, bem como os dados do fabricante e o lote do produto, conforme se verá a seguir. 3.1 DENOMINAÇÃO DO ALIMENTO, ORIGEM E LOTE Primeiramente, dentre as informações obrigatórias que devem estar previstas nos rótulos dos alimentos, há a denominação do mesmo, que  é a identificação do produto, determinando o que ele realmente é, ou seja, a sua essência. No entanto, muitas vezes o consumidor é induzido a erro, em razão da não observância das informações contidas nos rótulos ou até mesmo em virtude da presença de informações enganosas. Por exemplo: leite de soja não é leite, é

31 “Ao proteger o consumidor de “publicidade enganosa e abusiva, métodos coercitivos ou desleais, bem como práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços” (art. 6º, IV), o CDC estabeleceu o princípio da transparência ou da publicidade útil para influenciar a escolha. Verifica-se, portanto, que a lei se preocupa com o consumidor e protege-o antes da escolha, regulamentando o dever de transmitir informações completas e adequadas, de não supervalorizar virtudes ou esconder problemas, de não esconder o preço, de não empregar subterfúgios e truques cinematográficos ou fotográficos para criar uma falsa percepção da realidade”. POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo et al. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 25.

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alimento à base de soja; e o suco de caixa, na maioria das vezes não é suco de fruta, mas sim néctar32. Em 9 de julho de 2013, a empresa Coca-Cola foi multada em Brasília, pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), órgão ligado à Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) que integra o Ministério da Justiça, por veiculação de publicidade enganosa.  O Sistema de Alimentos e Bebidas do Brasil (SAAB), integrante do grupo Coca-Cola, foi condenado a pagar uma multa de R$ 1.158.000,00 (um milhão e cento e cinquenta e oito mil reais) por ter veiculado anúncio no qual dizia que o produto Laranja Caseira seria suco quando na realidade era néctar. A identificação da origem  do alimento compreende a identificação do fabricante, com razão social e CNPJ, bem como do local de fabricação do alimento e do respectivo SAC, sendo informações imprescindíveis para que o consumidor possa verificar a procedência do produto e entrar em contato com o responsável pelo mesmo caso seja necessário. Do mesmo modo, nos rótulos dos alimentos, deve constar o lote do produto. O lote é o número que faz parte do controle da produção e constitui informação de grande relevância, haja vista que, sendo verificado qualquer problema, o produto deve ser recolhido ou analisado pelo lote ao qual pertence. 3.2 DATA DE VALIDADE, CONDIÇÕES DE ARMAZENAMENTO E USO, E QUANTIDADE Em se tratando de um produto não durável, é prática comum, o alimento trazer em seu rótulo a data de validade, contendo o dia e o mês, quando o prazo de validade for inferior a três meses, e o mês e o ano, quando o produto tiver prazo de validade superior a três meses. É obrigatório trazer em seu rótulo a data de validade, devendo se levar em conta que a validade de alguns produtos diminui após aberta a embalagem.  O produto com prazo de validade vencido é considerado impróprio ao uso e consumo, conforme prevê o artigo 18, §6º, inciso I do CDC33 e o consumidor 32 A diferença reside no fato de que os sucos possuem em sua composição somente ingredientes naturais, ao passo que os néctares podem ter conservantes e outros aditivos. 33 Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da

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que o adquirir deve requerer a sua troca e, ainda que não o adquira, mas perceba que o produto está sendo comercializado fora do prazo de validade, deve informar aos órgãos de proteção e defesa do consumidor34. Além disso, a intoxicação decorrente do consumo de alimento com prazo de validade vencido é caracterizada pelo CDC como acidente de consumo (Artigo 18, § 6º, I do CDC) e o consumidor tem direito a indenização, com prazo prescricional de 5 (cinco) anos para pleitear a reparação dos danos causados. Importante ressaltar ainda que a obrigatoriedade de se informar o prazo de validade nas embalagens muitas vezes possibilita a queda de preços dos produtos que estão perto do fim do prazo, contudo, esta prática configura um método enganoso de atrair o consumidor, tendo em vista que normalmente os fornecedores do produto não deixam claro o motivo da oferta35, em patente afronta aos princípios da boa-fé e da transparência, os quais devem estar presentes em todas as relações de consumo, conforme prevê o caput do art. 4º do CDC, bem como, o inciso III desse mesmo artigo36. De tal modo, embora a prática da queda de preços dos produtos que estão perto de vencer por si só não seja uma prática ilícita, a não explicitação do motivo que gerou a oferta deveria ensejar a ilegalidade do ato por omissão.

disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. § 6° São impróprios ao uso e consumo: I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos, ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim que se destinam. 34 Além dos órgãos da vigilância sanitária ou da fiscalização da prefeitura local, atuam na defesa do consumidor: o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), os PROCONS estaduais e municipais, Ministérios Públicos e Defensorias Públicas. 35 NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 320. 36  Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

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O modo de conservação e armazenamento dos alimentos também influencia na sua qualidade, razão pela qual, as embalagens e rótulos devem informar claramente como os produtos devem ser armazenados, bem como as suas condições de uso. Isto porque, caso não sejam obedecidas as recomendações do fabricante, mesmo estando dentro do prazo de validade, o produto pode perder as suas características originais e se tornar impróprio para o consumo. Portanto, é preciso que o consumidor fique atento às orientações sobre o modo de conservar e armazenar o produto, se em local seco, sob refrigeração, congelado, fechado etc, bem como às instruções sobre o preparo e uso.   No que concerne à quantidade, os rótulos também devem informar o conteúdo líquido do produto, que consiste na quantidade total do produto contida na embalagem e deve ser expresso em gramas e quilos ou ml e litros. O produto apresenta vício de quantidade quando o número de unidades, peso ou medida do mesmo difere do que consta na embalagem ou rótulo37. A responsabilidade pelo vício de quantidade do produto é solidária entre os fornecedores que integram a cadeia de consumo (arts. 18 e 19, caput, do CDC), todavia, a responsabilidade é exclusiva e direta do fornecedor imediato caso ele se utilize de instrumento de pesagem ou de medição que não esteja de acordo com os padrões oficiais (artigo 19, §2º, CDC) ou que tenha o seu sistema de aferição alterado com a finalidade de gerar prejuízo ao consumidor. Ademais, ainda que haja abatimento no preço do produto, o fornecedor é responsável pelo vício de quantidade caso reduza o volume de uma mercadoria para quantidade diferente daquela que costumava fornecer no mercado sem informar na embalagem a redução do conteúdo, o que deve ser feito de maneira clara, precisa e ostensiva. Foi exatamente por isso que a empresa Coca-cola recebeu multa por vício de quantidade no ano de 2013, posto que costumava vender os refrigerantes da marca com a quantidade de 600ml, tendo posteriormente reduzido a quantidade para 500ml sem a devida informação de maneira ostensiva, uma vez que a redução somente foi informada na parte inferior do rótulo e em letras pequenas, em patente violação ao dever de informação previsto no artigo 31 do CDC38. 37 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 215. 38 STJ. REsp: 1364915 MG 2013/0021637-0. Relator: Ministro Humberto Martins, Data de Julgamento: 14/05/2013, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2013.

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3.3 ROTULAGEM NUTRICIONAL A rotulagem nutricional é toda descrição que visa informar o consumidor acerca das propriedades nutricionais de um alimento, e compreende tanto a declaração de valor energético e nutrientes, a qual consiste na enumeração do conteúdo de nutrientes do alimento, quanto a declaração de informação nutricional complementar, que é qualquer representação que indique que o alimento possua propriedades nutricionais particulares39. Os ingredientes elencados nas informações nutricionais devem ser apresentados em ordem decrescente de acordo com a quantidade presente no produto, de modo que, o primeiro ingrediente é aquele que se encontra em maior quantidade e o último é aquele que se encontra em menor quantidade, obedecendo ao disposto no tópico 6.2.2.A do Anexo da RDC nº 259, de 20 de setembro de 2002. Porém, vale salientar que os alimentos compostos por um único ingrediente não necessitam de lista de ingredientes, como por exemplo: açúcar, sal, leite, café etc. No que tange às informações nutricionais, nelas deverão constar, de maneira obrigatória, as quantidades em gramas ou ml, bem como o valor energético dos seguintes nutrientes: carboidratos; proteínas, gorduras totais; gorduras saturadas; gorduras trans; fibra alimentar e sódio40. Diante dessas informações é que o consumidor poderá conhecer melhor a composição nutricional do produto e então realizar escolhas mais adequadas e saudáveis. Do mesmo modo, nas informações nutricionais, deve-se apresentar a porção do alimento, que consiste na quantidade média do produto que deve ser usualmente consumida por pessoas adultas sadias (essa quantidade é definida por especialistas, considerando o hábito do brasileiro e uma alimentação saudável). Tal informação deve ser apresentada tanto em gramas ou ml, quanto em medida caseira (copo, xícara, colher de sopa etc.), a fim de facilitar a medição pelo consumidor. Os dados presentes no rótulo são sempre para uma porção e, portanto, quando o consumidor for comparar produtos similares, deverá verificar se as porções são as mesmas e considerar sempre o mesmo referencial.

39 Anexo 2 da Resolução – RDC nº 360 de 2003. 40 Disposição acerca das informações nutricionais que devem estar presentes nos rótulos, determinada nos pontos 3.1 e 3.4.1.2 do Anexo da RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003.

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Além disso, o rótulo deverá trazer o valor energético por porção, que nada mais é do que a energia produzida pelo nosso corpo proveniente dos carboidratos, proteínas e gorduras totais da porção. Esse valor é expresso em quilocalorias (kcal) e quilojoules (kJ). Sendo assim, o consumidor deve atentar para o fato de que a maioria das embalagens contém mais do produto do que a quantidade referida como uma porção, logo, o valor energético não é o da embalagem toda. Dentre as informações obrigatórias, os rótulos também deverão trazer o percentual de valores diários (%VD), que é o número que indica quanto o produto apresenta de energia e nutrientes em relação a uma dieta de 2000 kcal41. Esse percentual de valor diário é baseado em uma referência padrão para consumo calórico de um adulto, no entanto, muitos produtos alimentícios consumidos por crianças usam essa mesma referência, o que não deveria ser permitido. Ocorre que, por se encontrarem em diferentes estágios de desenvolvimento fisiológico, as necessidades nutricionais de uma criança não são as mesmas de um adulto, de maneira que a quantidade de nutrientes e energia necessários na dieta de ambos diverge entre si. Consequentemente, os produtos destinados ao público infantil deveriam utilizar em suas rotulagens uma referência padrão para consumo calórico de uma criança, já que este é seu público-alvo. Além dessas informações, a ANVISA prevê a utilização de informações nutricionais complementares, que constituem expressões que podem ser utilizadas para indicar propriedades especiais de produtos alimentícios modificados em relação à sua versão convencional. Exemplos: “sem adição de”, “não contém”, “alto teor”, “rico em”, “fonte de” etc. Entretanto, há casos nos quais essas informações são utilizadas de maneira a induzir o consumidor a erro. Por exemplo, é muito comum o uso da informação “sem colesterol” em embalagens de óleo vegetal, mas essa informação é totalmente desnecessária, pois nenhum produto de origem vegetal contém colesterol. Nesses casos, a informação deveria ser explicitada apenas quando a ausência do ingrediente for uma peculiaridade do produto em relação ao alimento em referência ou quando haja uma previsão legal, em razão da relevância da informação para o consumidor. Por fim, é importante frisar que alguns alimentos não precisam de informações nutricionais, como por exemplo, alimentos preparados e embalados em restaurantes e estabelecimentos comerciais, prontos para o consumo; águas minerais naturais e as demais águas envasadas para consumo humano; bebidas 41 Anexo 3.4.4.1 da Resolução – RDC nº 360 de 2003.

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alcoólicas; carnes in natura,  refrigeradas e congeladas; chás e outras ervas, sem adição de outros ingredientes; especiarias; frutas e vegetais; produtos fracionados nos pontos de venda a varejo comercializados como pré-medidos (queijos, salame, presunto); entre outros. Embora esses alimentos não necessitem de informações nutricionais, devem apresentar as informações de procedência e fabricação ou manipulação, as quais foram explanadas nos tópicos anteriores, como por exemplo, origem, data de validade, lote, conteúdo líquido etc., que possibilitam que o consumidor identifique a qualidade do produto. 3.3.1 Diet e light   O termo “diet” é utilizado em alimentos para fins especiais42. Os alimentos para fins especiais são aqueles especialmente formulados ou processados, tendo seu conteúdo modificado para atender às necessidades nutricionais de pessoas em condições metabólicas e fisiológicas específicas, como por exemplo, diabéticos e hipertensos43. Sendo assim, apenas os produtos modificados em comparação ao produto natural podem receber a qualificação “diet”, de modo que, a utilização do termo fora desse contexto caracteriza publicidade enganosa. O próprio Superior Tribunal de Justiça já considerou publicidade enganosa o slogan “diet por natureza”, utilizado na venda de água mineral, tendo em vista que a água é comercializada sem alterações em sua substância44. Nesse sentido, os produtos “diet” ou dietéticos, segundo legislação específica (Portaria nº 29 de 13 de janeiro de 1998 da ANVISA), são aqueles que apresentam quantidades insignificantes ou são totalmente isentos de algum nutriente, que pode ser carboidrato, açúcar, gordura etc. A Portaria nº 29/1998 ainda estabelece que o termo diet somente pode ser usado para determinadas 42 “Alimentos para fins especiais: são os alimentos processados especialmente para satisfazer necessidades particulares de alimentação determinadas por condições físicas ou fisiológicas particulares e ou transtornos do metabolismo e que se apresentem como tais. Incluí-se os alimentos destinados aos lactentes e crianças de primeira infância. A composição desses alimentos deverá ser essencialmente diferente da composição dos alimentos convencionais de natureza similar, caso existam”. Anexo 2.11 da Resolução – RDC nº 360 de 2003. 43 Portaria n° 29 de 13 de janeiro de 1998/ANVISA. 44 STJ. REsp. 447303 RS 2002/0076669-9, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 02/10/2003, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 28/10/2003.

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categorias de alimentos para fins especiais, quais sejam: alimentos para dietas com restrição de nutrientes, alimentos para controle de peso e alimentos para ingestão controlada de açúcares (Anexo 8.1.2). A informação de que um alimento é considerado “diet” é de grande relevância, pois permite que o produto seja consumido por pessoas que possuem algum distúrbio de metabolismo ou físico, sem que tal consumo traga riscos à sua saúde. Por outro lado, o termo “light” é utilizado como Informação Nutricional Complementar (INC) de um alimento. A informação nutricional complementar é uma informação opcional, utilizada pelos fabricantes para descrever e destacar o conteúdo de determinados nutrientes ou valor energético em alimentos embalados, v.g., fonte de cálcio, rico em ferro, reduzido em calorias, não contém açúcar. O termo “light” é um tipo de INC, e constitui sinônimo de “reduzido”, de modo que, para que o termo seja utilizado no rótulo de um alimento, a composição do produto deve atender aos requisitos estabelecidos no item 5 da Resolução RDC nº 54/2012 para uso da Informação Nutricional Complementar (INC) comparativa de “reduzido” em determinado nutriente. De tal modo, os produtos que apresentam a informação “light” são aqueles que contém valor calórico ou algum nutriente seu reduzido (gorduras, proteínas, sódio, entre outros), quando comparado com o alimento convencional em referência. Esta redução deve ser estipulada no mínimo de 25% (vinte e cinco por cento), conforme a Portaria nº 27 de 13 de janeiro de 1998 da ANVISA. Os alimentos considerados “light” são recomendados, por exemplo, em dietas para perder peso. Conforme prevê o Regulamento técnico de Informação Nutricional Complementar – INC (Resolução RDC nº 54/2012), o rótulo de um produto que alega ser “light ou reduzido” deve informar a diferença em porcentagem, fração ou valor absoluto no valor energético ou conteúdo dos nutrientes entre os alimentos comparados. Portanto, um produto não pode ter somente a expressão “light” no seu rótulo, devendo informar também de quanto foi a redução e sobre qual nutriente a informação se refere. V.g., light – 30% menos açúcares; reduzido em sódio – 28% menos sódio. Importa salientar ainda que a INC atrai a atenção do consumidor para uma qualidade nutricional específica do alimento, mas não expõe todas as suas

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características. Por exemplo, um alimento que traz a alegação de que “não contém açúcares” pode apresentar quantidades elevadas de gorduras saturadas e sódio. Sendo assim, não é possível identificar somente por meio de uma INC se determinado alimento é mais ou menos nutritivo do que outro, o que implica dizer que o consumidor não deve selecionar seus alimentos somente com base nela, devendo sempre consultar integralmente a tabela de informação nutricional constante nos rótulos, vez que ela apresenta outras informações importantes acerca da composição nutricional dos alimentos. Em suma, a expressão “diet” deve ser utilizada apenas nos alimentos para fins especiais, que são voltados para um público específico, ao passo que a expressão “light” deve ser empregada com o intuito de destacar a redução do valor energético ou de algum nutriente de um alimento em comparação com outro. Assim sendo, nota-se que os produtos “diet” e “light” podem apresentar composições nutricionais muito variáveis, de maneira que, para que o consumidor possa identificar o produto que melhor se adéqua às suas necessidades, é fundamental que ele analise a informação nutricional presente obrigatoriamente no rótulo dos alimentos. 3.3.2 Glúten O glúten é uma proteína presente no trigo, aveia, cevada e centeio e seus derivados, e que faz mal para as pessoas que têm a doença celíaca, uma  patologia  autoimune  que afeta o intestino delgado de indivíduos  geneticamente  predispostos e que se caracteriza pela intolerância permanente ao glúten, cujo único tratamento é a dieta isenta desse componente 45. Em razão disso, tornou-se imperativa a necessidade de previsão legal que estipulasse a obrigação dos fornecedores de informar a presença do elemento glúten nos alimentos industrializados, o que foi feito através da promulgação da Lei Federal nº 10.674/03, que estabelece em seu artigo 1º, caput e §1º46, a obrigatoriedade da informação ao consumidor, de forma clara, com destaque e de fácil leitura, 45 “[...] a Doença Celíaca apresenta um caráter crônico, identifica-se pela intolerância permanente ao glúten e provoca lesões na mucosa do intestino delgado, gerando uma redução na absorção dos nutrientes ingeridos”. PORTARIA MS/SAS Nº 307, DE 17 DE SETEMBRO DE 2009. Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, 18 set. 2009. Seção I, p. 79-81. 46 Art. 1º. Todos os alimentos industrializados deverão conter em seu rótulo e bula, obrigatoriamente, as inscrições “contém Glúten” ou “não contém Glúten”, conforme o caso. §1º A advertência deve ser

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da presença do glúten, sendo estabelecido, portanto, que no rótulo deve conter a advertência “contém glúten” ou “não contém glúten”. Essas determinações foram de grande relevância para os consumidores que sofrem da doença celíaca, afinal, facilitaram a identificação da presença desse componente nos alimentos. Todavia, tem-se entendido que a simples informação “contém glúten” é insuficiente, tornando-se necessária a advertência da prejudicialidade do glúten aos doentes celíacos, em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça47. Além disso, alguns produtos industrializados que são declarados sem glúten podem apresentar traços dessa substância por contaminação cruzada, ou seja, podem ter sido manipulados em um ambiente em que havia resíduos de alimentos que em cuja composição contém glúten. A Consulta Pública nº 29 de 05 de junho de 2014 que a ANVISA promoveu, buscava analisar a proposta que definia que a quantidade de glúten no alimento deve ser inferior a 20 ppm (partes por milhão) para que haja a declaração “não contém glúten” nos rótulos. Contudo, estudos científicos mostram que um limite menor é mais seguro para os celíacos. Por isso, a mobilização da PROTESTE (associação de consumidores) em parceria com a Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (FENACELBRA), pleiteiam por uma nova disposição normativa para a rotulagem de alergênicos, que limite em 10 partes por milhão a presença do glúten nos alimentos, para que possam ser consumidos sem risco pelas pessoas com doença celíaca. Isto porque, conforme aduzem os integrantes da campanha “Põe no Rótulo” (criada no Facebook em fevereiro de 2014 por mães cujos filhos têm alergia alimentar e apoiada pela PROTESTE)48, a informação clara no rótulo vai melhorar muito a segurança alimentar e a vida de muitas famílias.

impressa nos rótulos e embalagens dos produtos respectivos assim como em cartazes e materiais de divulgação em caracteres com destaque, nítidos e de fácil leitura. 47 STJ. REsp: 722940 MG 2005/0019020-4, Relator: Ministro Castro Meira. Data de Julgamento: 24/11/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/04/2010. 48 Põe no Rótulo. Facebook. Disponível em: Acesso em: 5 mar. 2015.

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3.3.3 Lactose A lactose é um tipo de açúcar encontrado no leite e em outros produtos lácteos, substância esta que inúmeras pessoas não conseguem digerir, o que caracteriza a intolerância à lactose. Importante ressaltar que muitas dessas pessoas com intolerância à lactose conseguem ingerir leites deslactosados e outros produtos com baixo teor de lactose sem sentir os sintomas da intolerância, mas existem casos em que é preciso restringir o consumo de  lácteos  e consumir apenas  produtos declarados “sem lactose”. De acordo com uma pesquisa feita em 2002 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 44% (quarenta e quatro por cento) dos brasileiros apresentam sintomas de intolerância à lactose. E estudos revelam que 50 milhões de americanos, assim como 90% (noventa por cento) dos asiáticos e cerca de 65% (sessenta e cinco por cento) dos mexicanos, judeus e afrodescendentes são lacto-intolerantes49. Muito embora os dados sejam estarrecedores, no Brasil, a normatização sobre apresentação de alimentos criada pela ANVISA não alcança a lactose, de modo que não há disposições normativas específicas que versem sobre rotulagem, embalagem e publicidade de alimentos que contenham tal componente. Segundo a ANVISA, os produtos sem lactose devem ser rotulados conforme a regulamentação específica de alimentos para fins especiais, prevista na Portaria nº 29 de 13 de janeiro de 1998/ANVISA. Contudo, essa Portaria não prevê a possibilidade de se utilizar uma chamada especial em rótulos, capaz de informar claramente ao consumidor que o produto é sem lactose ou possui baixo teor de lactose. Noutro pórtico, há um projeto de Lei em tramitação (Projeto de Lei nº 8.194/14), que busca obrigar a indústria a indicar no rótulo das embalagens de alimentos o teor de lactose que eles contêm. O projeto em questão foi uma iniciativa louvável e deve ser levado adiante, pois consagra a importância de informar ao consumidor sobre o teor da lactose nos alimentos, para que as pessoas intolerantes possam administrar seu consumo diário de leite e derivados e, por conseguinte, consigam manter uma ingestão adequada de cálcio. 49 MARCHEZAN JUNIOR, Deputado Nelson. Projeto de Lei. Arquivo da web. Disponível em: . Acesso em: 5 mar. 2015.

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4 CONCLUSÃO Ante o exposto, percebe-se que são inúmeros os riscos e prejuízos aos quais estão sujeitos os consumidores em decorrência de uma publicidade enganosa de alimentos, devendo ser responsabilizado tanto o fornecedor pela oferta, como também pelo vício no produto. Do mesmo modo, nota-se a importância da publicidade de alimentos para a saúde e bem-estar do consumidor, com destaque para as informações contidas nos rótulos, especialmente a fim de proteger os portadores de doenças e alergias relacionadas ao consumo de alimentos, os quais devem ter uma atenção redobrada no momento de adquiri-los. Assim, resta evidenciada a necessidade de estarem presentes nos rótulos e embalagens dos alimentos as mais diversas informações, desde informações obrigatórias (v.g., ingredientes, informação nutricional, quantidade etc.), até informações nutricionais complementares e outras previstas em regulamentações específicas (v.g., light, diet, a presença do glúten etc.). Sendo assim, o sistema normativo consumerista se mostra essencial para o consumo alimentício. Dentro dele encontramos disposições que visam proteger a parte vulnerável, como também obrigar os fornecedores ao exercício de Princípios inerentes as relações de consumo, que são o Princípio da boa-fé e o Princípio da transparência. O primeiro é fundamental para uma boa relação de consumo, visto que pressupõe que exercendo esse princípio o fornecedor não busca omitir informações do produto para o consumidor, nem causar danos à sua saúde. Enquanto que o segundo busca ser o mais claro possível em relação aos produtos colocados no mercado, algo imprescindível para o setor de alimentos, visto que a vulnerabilidade do consumidor é direta, podendo ocasionar danos a sua saúde e seu bem estar. Além disso, tem-se o Princípio da Informação, em que é obrigação do fornecedor apresentar informações, de forma clara e precisa, sobre o produto que está sendo posto à venda, forma esta de publicidade presente nos rótulos e embalagens dos alimentos. Neste sentido, o presente estudo mostra-se como um instrumento para conscientizar os consumidores dos seus direitos, no que se refere à publicidade alimentícia, trazendo para sociedade e, por conseguinte para o consumidor, noções básicas de responsabilidade pela publicidade veiculada nos rótulos e embalagens dos alimentos, para que possam cobrar dos fornecedores/produtores o cumprimento das normas dispostas no Código de Defesa do Consumidor e outras Leis. 321

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Ademais, é um dos objetivos desse estudo trazer para discussão um tema de extrema relevância no cotidiano dos consumidores, que afeta diretamente a sua segurança, saúde e bem estar do consumidor, devendo ser uma preocupação básica. São formas de publicidade que devem ser bem fiscalizadas, e executadas de modo a não se tornarem abusivas ou enganosas. Por fim, percebe-se que embora tenham sido observados diversos avanços no que concerne à rotulagem, ainda há muitos obstáculos a serem superados para que essas informações sejam  interpretadas de maneira adequada, sobretudo no que diz respeito aos alimentos para crianças e para aquelas pessoas que precisam consumir produtos diferenciados. 

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Publicidade comportamental (behavioral advertising) Fabrício Germano Alves Yanko Marcius de Alencar Xavier 1 INTRODUÇÃO Atualmente percebe-se cada vez mais o aumento das relações de consumo que são efetivadas através da internet. O comércio eletrônico de produtos e serviços vem se mostrando como uma área bastante promissora para o desenvolvimento das atividades dos fornecedores, e isso se reflete também no que tange à divulgação de mensagens publicitárias. Por isso, vêm sendo desenvolvidas diversas novas espécies de práticas publicitárias, dentre as quais se encontra a publicidade comportamental (behavioral advertising). Ocorre que a vulnerabilidade do consumidor é um traço que se encontra presente de forma crescente respectivamente nas relações de consumo, na exposição do consumidor à comunicação publicitária em geral e especificamente em relação à publicidade comportamental, especialmente quando esta é desenvolvida na internet (online). A publicidade comportamental, principalmente quando é desenvolvida online, constitui uma prática publicitária relativamente recente que, apesar de possuir alguns sinais de regulamentação no âmbito internacional, ainda não possui uma regulamentação expressa no microssistema consumerista brasileiro. O próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990) é completamente omisso em relação a esse tipo de prática. Deste modo, uma vez que vem sendo desenvolvida de forma cada vez mais constante no mercado de consumo brasileiro, torna-se imprescindível o es-

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tudo específico desse tipo de atividade publicitária a fim de que se possa encontrar subsídios e fundamentos para o controle da mesma pelos órgãos competentes. Para tanto, inicialmente o presente texto buscará apresentar uma conceituação da publicidade comportamental, que será obtida através da demonstração dos elementos que a configuram, baseando-se em definições que já foram apresentadas tanto na doutrina quanto em documentos oficiais emitidos por alguns órgãos. Além disso, serão também apresentadas as formas mais comuns mediante as quais essa espécie publicitária se concretiza no mercado de consumo. Em seguida, em busca do esclarecimento acerca da possibilidade de regulação da publicidade comportamental, serão analisados os fundamentos que são utilizados para tal finalidade no plano internacional, e logo após se buscará identificar se já existe, e caso positivo, qual é, a fundamentação normativa para o controle desse tipo de prática no microssistema consumerista brasileiro. 2 CONCEITUAÇÃO E FORMA DE EFETIVAÇÃO DA PUBLICIDADE COMPORTAMENTAL Por se tratar de uma espécie de prática publicitária bastante recente no mercado de consumo e que ainda não possui regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro, torna-se imprescindível uma análise preliminar em busca de sua conceituação e forma de efetivação, antes do estudo específico acerca de como a mesma pode ser regulada pelo microssistema consumerista brasileiro no sentido de possibilitar uma proteção efetiva dos consumidores que são expostos a esse tipo de prática. 2.1 CONCEITO Fundamentando-se, na maioria dos casos, no comportamento online do consumidor, os fornecedores são capazes de realizar, com uma facilidade inimaginável para leigos, tanto a contextualização quanto a personalização de seus anúncios publicitários. A contextualização ocorre quando as peças publicitárias são veiculadas em consonância com o conteúdo de cada página que está sendo acessada, conseguindo-se assim atingir uma probabilidade bastante elevada de identificação entre o objeto do anúncio e os prováveis interesses daquele que a está acessando. Por outro lado, a personalização é realizada no momento em que os anunciantes veiculam peças publicitárias especificamente desenvolvidas considerando um conjunto 326

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de informações a respeito do usuário que está acessando o sítio eletrônico (v.g., a sua posição geográfica, a sua faixa etária)1. Em ambos os casos, tanto na contextualização quanto na personalização da comunicação publicitária, configura-se a chamada publicidade comportamental (behavioral advertising)2, que consiste em uma espécie de prática publicitária que é desenvolvida com a finalidade específica de atingir um determinado grupo, classe ou categoria de consumidores, fundamentando-se geralmente em uma base de dados a respeito dos mesmos que é elaborada a partir dos interesses que estes demonstram, por exemplo, através do seu histórico de navegação na internet. Assim, pode-se dizer que a publicidade comportamental online (que é o tipo mais corriqueiro) constitui uma prática que consiste em direcionar anúncios publicitários específicos para determinados usuários, de acordo com o seu comportamento online anterior3. Em documento emitido pela Federal Trade Commission (FTC) dos Estados Unidos, órgão que tem a missão de proteger o consumidor além de eliminar e prevenir práticas comerciais anticompetitivas, a publicidade comportamental foi definida como uma prática que envolve o acompanhamento das atividades online do consumidor com o objetivo de elaborar peças publicitárias especialmente adequadas, permitindo que os fornecedores consigam cada vez mais alinhar seus anúncios publicitários em relação aos supostos interesses de seus destinatários4. Curiosamente, o Interactive Advertising Bureau (IAB) não considera como espécie de publicidade comportamental a “publicidade contextual”, que é 1 SCHERKERKEWITZ, Isso Chaitz. Direito e internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 97. 2 Esse tipo de prática publicitária foi objeto de discussão na palestra proferida pelo Chairman da Federal Trade Commission (FTC), Jon Leibowitz, no dia 12 de maio de 2010, na National Cable & Telecomunications. Disponível em: . Acesso em: 13 fev. 2015. 3 CRANOR, Lorrie Faith. Can Users Control Online Behavioral Advertising Effectively? In: IEEE Security & Privacy [1540-7993] Cranor, Lf, 2012 v. 10, no. 2 p. 93. 4 No original: “Online behavioral advertising involves the tracking of consumers’ online activities in order to deliver tailored advertising. The practice, which is typically invisible to consumers, allows businesses to align their ads more closely to the inferred interests of their audience”. FTC STAFF REPORT. Self-Regulatory Principles For Online Behavioral Advertising: Behavioral Advertising Tracking, Targeting, & Technology. February 2009. Disponível em: . Acesso em: 3 mar. 2015.

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desenvolvida com base no conteúdo dos sites visitados, na frequência de visitas a uma determinada página, ou nas questões pesquisadas5. Todavia, esse entendimento se mostra bastante restrito, uma vez que quando a comunicação publicitária é desenvolvida tomando como fundamento qualquer dos critérios anteriormente apresentados, como é o caso da publicidade chamada contextual, não deixa de ser uma forma de publicidade construída e direcionada em consonância com o comportamento dos consumidores, o que por si só já caracteriza a publicidade comportamental. Sem dúvida, a publicidade comportamental consiste em uma forma de segmentação de mercado fundamentada em um critério comportamental, uma vez que os anunciantes se utilizam de informações específicas a respeito do comportamento (geralmente online) de determinados pessoas para que a elas seja direcionado de forma especializada o tipo anúncio publicitário considerado mais adequado em um determinado momento ou em relação ao seu perfil pessoal em geral. Contudo, normalmente o banco de dados que é criado e utilizado pelos anunciantes para realizar esse tipo de publicidade não apenas não tem a autorização do consumidor para a sua criação mas também é de seu total desconhecimento. 2.2 FORMA DE EFETIVAÇÃO A publicidade comportamental é realizada eminentemente através da internet (online)6. Tanto no sentido de que a mencionada rede serve de principal instrumento para a análise do comportamento da pessoa que a utiliza (v.g., histórico de navegação), quanto na medida em que a internet funciona como meio de comunicação por excelência no qual esse tipo de publicidade é veiculado. O ambiente virtual constitui a principal fonte para a obtenção de dados que permitem a criação de um verdadeiro perfil de cada consumidor (profiling) a partir de seus hábitos de navegação7. Esses perfis genéricos construídos de acordo com a rotina de navegação dos usuários possuem até mesmo um determinado valor 5 IAB EUROPE. IAB Europe EU Framework for Online Behavioural Advertising, p. ii. Disponível em: < http://www.iabeurope.eu/files/5013/8487/2916/2013-11-11_IAB_Europe_OBA_Framework.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2015. 6 Por isso também é conhecida como Online Behavioral Advertising (OBA) ou Publicidade Comportamental Online. 7 ESCOLA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR (Danilo Doneda). A proteção de dados pessoais nas relações de consumo: para além da informação creditícia. Brasília: SDE/DPDC, 2010, p. 62.

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de mercado (comercial)8, isso porque são eles que fornecem os subsídios para a criação da publicidade comportamental. De fato, a coleta, junção, armazenamento, análise, reagrupamento e utilização de informações pessoais se tornou um grande negócio. Afinal, o mercado continua encontrando vantagens em atingir os consumidores através das novas mídias9. A partir da análise de fatores tais como a categoria de produtos ou serviços adquiridos ou simplesmente pesquisados e os próprios sites visitados é formado um perfil do consumidor que servirá de base no momento da elaboração de mensagens publicitárias específicas que, em razão do seu direcionamento bem definido, possuem grandes chances de se enquadrarem nos interesses pessoais do consumidor alvo da publicidade10. Nos dias atuais os anunciantes e seus fornecedores de dados mantêm uma grande variedade de características e aspectos comportamentais acerca dos usuários/ consumidores que os permite direcionar as mensagens publicitárias apropriadamente de acordo com cada tipo de media11. Na medida em que os anunciantes conseguem tratar cada usuário/consumidor com precisão e especificidade isso provoca um aumento considerável nas chances de identificação entre o conteúdo dos anúncios publicitários os anseios daqueles aos quais eles se apresentam. Sendo assim, torna-se possível afirmar que quanto melhor o direcionamento, mais efetiva será a comunicação publicitária12. A publicidade comportamental se utiliza de três espécies de direcionamento baseadas no comportamento dos consumidores. A primeira é o Remarketing, que consiste na criação de mensagens de marketing de acordo com o comportamento dos usuários/consumidores, fundamentando-se no tipo de sites que os mesmos visitam. Por exemplo, no caso do “Google”, quando os usuários visitam um determinado site eles recebem um cookie em seus computadores, o que faz com 8 MARTÍNEZ MARTÍNEZ, Ricard. Protección de datos personales y redes sociales: un cambio de paradigma. In: RALLO LOMBARTE, Artemi; MARTÍNEZ MARTÍNEZ, Ricard (Coord.). Derecho y redes sociales. 2. ed. Navarra: Aranzadi, 2013, p. 89. 9 CLINE, Kelly M.; COX, Jeffrey T. Parsing the demographic: the challenge of balancing online behavioral advertising and consumer privacy considerations. In: Journal of Internet law [1094-2904] Cox, Jeffrey, 2012 v. 15, n. 9, p. 3. 10 Ibid., p. 63. 11 SMITH, Mike. Targeted: how technology is revolutionizing advertising and the way companies reach consumers. New York: AMACOM, 2015, p. 113. 12 Ibid., p. 113.

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que o visitante seja automaticamente identificado e passe a fazer parte de um certo grupo13. A segunda forma de direcionamento é feita através da personalização na rede (web personalization), que ocorre quando os anunciantes ressaltam os gostos e preferencias dos consumidores, obviamente partindo de um conjunto de informações previamente colhidas. A terceira é a personalização do negócio (deal customization). Neste caso, o anunciante analisa a página mais acessada pelo consumidor e a partir de estatísticas decide oferece-lo um desconto, a fim de que isso seja capaz de instigá-lo ao consumo para que possa aproveitar o desconto14. Um caso que está se tornando cada vez mais comum é o das empresas voltadas para o público infantil que, após a análise dos hábitos de navegação do internauta infante, criam sites de relacionamentos, jogos online, ou qualquer outro tipo de site que atenda aos interesses da criança, favorecendo assim o relacionamento entre esta e o anunciante15. De tal forma, os fornecedores virtuais são capazes de apresentar soluções para as “dificuldades” do usuário/consumidor, ofertando-lhe produtos e serviços que supostamente atendem às suas “necessidades”, que já eram conhecidas em decorrência de estudo anterior16. Ofertas elaboradas com fundamento em padrões comportamentais também são realizadas através do envio de e-mails personalizados. Nestes casos, o anunciante se utiliza de uma lista de endereços de e-mail construída a partir da inscrição feita pelos próprios usuários para receber notícias (newsletter) ou simplesmente para realizar um download, e passa a criar mensagens de e-mail personalizadas que são direcionadas para os que visitaram um determinado site, nas quais inserem por exemplo, o próprio nome do consumidor juntamente com um produto que o mesmo tenha adicionado anteriormente ao carro de compras no site, porém não finalizou a compra17. Através da internet torna-se possível reunir um conjunto de informações sobre as pessoas de quantidade e diversidade antes inimagináveis. Essas informações são manipuladas de várias maneiras pelos anunciantes a fim de se encontrar 13 TAYLOR, Gabriela. Advertising in a digital age: best practices & tips for paid search and social media advertising. Lexington: Global & Digital, 2013, 44-45. 14 Ibid., 46. 15 PORTO, Renato. Publicidade digital: proteção da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 130. 16 Ibid., p. 130. 17 TAYLOR, Gabriela. Advertising in a digital age: best practices & tips for paid search and social media advertising. Lexington: Global & Digital, 2013, 46.

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um meio e público alvo específicos, possibilitando assim a contextualização e a personalização da mensagem publicitária de acordo com o comportamento prévio do consumidor. Assim, quando então de posse de inúmeras informações detalhadas a respeito dos seus consumidores potenciais, os fornecedores anunciantes determinam a forma de efetivação da publicidade comportamental, escolhendo, por exemplo, a localização de seus pontos de distribuição, onde e como devem anunciar18. Essas escolhas geralmente são realizadas com base em sistemas elaborados com fundamento na classificação dos consumidores em diversas categorias que variam de acordo com critérios pré-determinados (v.g., faixa etária, sexo, estado civil, status social, estilo de vida, localização geográfica etc.). É justamente essa categorização utilizada como parâmetro para a contextualização e personalização da publicidade que, em razão de ser constituída com fundamento no comportamento dos consumidores, é denominada publicidade comportamental. 3 POSSIBILIDADE COMPORTAMENTAL

DE

REGULAÇÃO

DA

PUBLICIDADE

De fato, os consumidores se encontram em uma realidade na qual informações a respeito de suas compras, hábitos de navegação na internet, e outras atividades online e off-line são coletadas, analisadas, combinadas, utilizadas e compartilhadas, geralmente de maneira instantânea e invisível. Por isso, além da preocupação acerca da difusão desenfreada de mensagens publicitárias não solicitadas, o Poder Público deve também cuidar da questão da captura (geralmente inadvertida) de informações pessoais do consumidor por meio de sites e cadastros aparentemente inofensivos19. Sem dúvida, esse tipo de conduta pode ser considerado uma espécie de captura abusiva do consumidor20. Tem-se como possíveis consequências da veiculação da publicidade comportamental a configuração de algumas práticas nefastas que realizam a referida

18 CLARK, Erick. La publicidad y su poder: las Planeta, 1989, p. 217.

técnicas de provocación al consumo. Barcelona:

19 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 95. 20 Ibid., p. 95.

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captura abusiva do consumidor. Dentre elas destacam-se o boxing21, que é caracterizado pela limitação das escolhas do consumidor em consonância com um perfil próprio criado com base em seus comportamentos passados; e a adaptative pricing (apreçamento adaptativo), que consiste na variação do preço cobrado por um determinado produto ou serviço de acordo com o perfil instituído para cada consumidor, considerando que uns estariam dispostos ou teriam condições de pagar mais que outros por um mesmo objeto de consumo22. A publicidade comportamental não deixa de ser uma prática invasiva da privacidade e que violentamente atrai a atenção dos consumidores, por isso necessita de uma regulamentação específica. Contudo, por outro lado, não é também absurdo enxergar algumas vantagens desse tipo de prática, pois, ao longo do tempo, os consumidores serão menos importunados por anúncios irritantes de produtos ou serviços aos quais não demonstraram qualquer interesse23. E além disso, existe o fato de que dificulta a prosperidade do negócio o desperdício de grandes quantias de dinheiro em anúncios publicitários voltados para o público errado, independentemente de quanto esses anúncios sejam baratos e eficientes24. 3.1 NO PLANO INTERNACIONAL Desde 2002 a União Europeia possui uma Diretiva (2002/58/EC) voltada para a regulamentação do processamento de dados pessoais e proteção da privacidade no setor de comunicações eletrônicas, a qual trata da publicidade online25. Entretanto, a interpretação da referida Diretiva tem sido de certa forma controversa no que diz respeito à publicidade comportamental26. 21 ABRAMS, Martin. Boxing and concepts of harm. In: Privacy and Data Security Law Journal, set. 2009, p. 673-676. 22 ESCOLA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR (Danilo Doneda), A proteção de dados pessoais nas relações de consumo: para além da informação creditícia, Brasília, SDE/DPDC, 2010, p. 69. 23 SMITH, Mike. Targeted: how technology is revolutionizing advertising and the way companies reach consumers. New York: AMACOM, 2015, p. 158. 24 Ibid., p. 158. 25 Directive 2002/58/EC. Disponível em: . Acesso em: 3 mar. 2015. 26 TUCKER, Avi Goldfarb and Catherine E. Economic and Business Dimensions Online Advertising, Behavioral Targeting, and Privacy. In: Communications of the ACM [0001-0782] Goldfarb, A, 2011, v. 54, n. 5, p. 26.

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Mais recentemente, no mesmo sentido em direção à regulamentação da publicidade comportamental, na União Europeia a organização denominada Interactive Advertising Bureau (IAB) publicou em 14 de abril de 2011 o documento intitulado IAB Europe EU Framework for Online Behavioural Advertising, o qual contém um conjunto do que se considera boas práticas e estabelece um rol de princípios no escopo de melhorar a transparência e o controle pelos consumidores27. Nos estados Unidos, em dezembro de 2007 a Federal Trade Comission (FTC) publicou pela primeira vez um documento contendo a proposição de um conjunto de princípios voltados para a autorregulamentação da publicidade comportamental online28. Em fevereiro de 2009, a FTC publicou um novo documento29, que foi sucedido por uma resposta por parte de diversas organizações (em julho de 2009)30 que desenvolveram um conjunto de diretrizes, com natureza de autorregulamentação, no sentido de exigir que os fornecedores notificassem os usuários acerca da publicidade comportamental e os permitissem optar por não serem expostos a esse tipo de prática. Essas diretrizes foram resumidas nos seguintes princípios: educação, transparência, controle pelo consumidor, segurança de dados, alterações materiais nas políticas e práticas da publicidade comportamental existentes, dados sensíveis e responsabilidade31. Em março 2012, a FTC publicou outro documento no qual convoca as empresas para agirem imediatamente no sentido de implementar as melhores práticas no que diz respeito à proteção das informações privadas dos consumidores. 27 IAB EUROPE. IAB Europe EU Framework for Online Behavioural Advertising. Disponível em: < http://www.iabeurope.eu/files/5013/8487/2916/2013-11-11_IAB_Europe_OBA_Framework.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2015. 28 FEDERAL TRADE COMISSION STAFF REPORT. Online Behavioral Advertising: Moving the Discussion Forward to Possible Self-Regulatory Principles. Disponível em: . Acesso em: 9 mar. 2015. 29 FEDERAL TRADE COMISSION STAFF REPORT. Self-Regulatory Principles For Online Behavioral Advertising: Behavioral Advertising Tracking, Targeting, & Technology. February 2009. Disponível em: . Acesso em: 3 mar. 2015. 30 American Association of Advertising Agencies, Association of National Advertisers, Council of Better Business Bureaus, Direct Marketing Association, e Interactive Advertising Bureau. 31 Self- regulatory principles for online behavioral advertising. 2009. Disponível em: . Acesso em: 26 fev. 2015.

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Estas práticas incluem proporcionar um maior controle pelo consumidor da coleta e uso de seus dados pessoais, simplificando as escolhas e aumentando a transparência32. Em resumo o posicionamento da FTC é no sentido de propiciar aos consumidores tanto a percepção de que estão sendo alvo de publicidade comportamental quanto a oportunidade de escolher se seus dados e/ou histórico de navegação poderão ou não ser utilizados para a execução desse tipo de prática publicitária. De qualquer forma, sempre que os agentes que participam dessa espécie de publicidade proporcionarem a escolha do consumidor no mencionado sentido eles deverão tomar todas as providências necessárias para que essa escolha seja respeitada33. 3.2 NO MICROSSISTEMA CONSUMERISTA BRASILEIRO No que tange ao ordenamento jurídico brasileiro, um dos principais problemas relacionados à veiculação da publicidade comportamental diz respeito ao fato de a mesma ser elaborada a partir de práticas que muitas vezes violam a intimidade e a vida privada do consumidor, valores consagrados como direitos fundamentais pela Constituição Federal (artigo 5º, inciso X)34. Sendo assim, para que não haja a referida violação, o ideal é que em todo caso a manipulação de informações pessoais dos consumidores somente seja feita empregando-se procedimentos de anonimização e pseudonimização35. Para que seja considerada lícita, a coleta de dados, independentemente de ser feita pelo próprio anunciante ou por algum intermediário que lhe faça o repasse de informações, deve ser realizada através de mecanismos tecnológicos que sejam menos invasivos possíveis, de maneira que fiquem registradas apenas as informações que sejam aptas a identificar os hábitos comportamentais do consumidor, 32 FEDERAL TRADE COMISSION STAFF REPORT. Protecting consumer privacy in an era of rapid change: recommendations for businesses and policymakers. 2012, p. i. Disponível em: . Acesso em: 9 mar. 2015. 33 THOMAS, Liisa M. We know where you’ve been: emerging rules in online behavioral advertising. In: The computer & Internet lawyer [1531-4944] Thomas Liisa, 2013, v. 30, n. 2 p. 18. 34 Art. 5º, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 35 MENDES, Laura Schertel. Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor: linhas gerais de um novo direito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 226.

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sem adentrar na seara que diz respeito à sua vida privada e intimidade. Em razão disso, deve ser rechaçado qualquer tipo de prática que seja utilizada para a coleta de dados sensíveis relacionados à personalidade (v.g., origem, convicção religiosa, orientação sexual etc.) ou de informações de segurança (v.g., senhas pessoais)36 dos consumidores. De tal modo, para que os referidos valores constitucionais (intimidade e vida privada) sejam resguardados, qualquer atividade que esteja relacionada à coleta de informações a partir da análise do tráfego de dados dos internautas (online) ou mesmo fora da internet, deverá ser realizada por meios lícitos, de maneira confidencial, esclarecendo os consumidores no momento da coleta de informações a respeito da existência da mesma, e especificando as possíveis formas de utilização dos dados captados (que devem ser para fins socialmente aceitos)37. Esses são alguns parâmetros que podem ser adotados na regulação da captação de dados para fins de veiculação de publicidade comportamental. Quando não é dada ao consumidor a oportunidade de escolher se os seus dados e histórico de navegação poderão ser ou não utilizados para subsidiar a veiculação de comunicações publicitárias (o que caracteriza a publicidade comportamental) pode-se dizer que há uma ofensa ao direito básico do consumidor à “liberdade de escolha” prevista no artigo 6º, inciso II do Código de Defesa do Consumidor38. Além disso, a publicidade comportamental pode ser considerada como um tipo de “método comercial coercitivo ou desleal” nos termos do artigo 6º, inciso IV do mencionado Código39. Primeiramente, coercitivo porque o consumidor é alvo desse tipo de prática de maneira compulsória e muitas vezes inevitável, uma vez que é exposto a essa espécie publicitária em sites de internet que muitas vezes não mantém qualquer espécie de relação com o conteúdo da peça publicitária veiculada. Por outro lado, a publicidade comportamental pode ser considerada uma 36 MENDES, Laura Schertel. Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor: linhas gerais de um novo direito fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 226. 37 DELPIAZZO, Carlos E. Leciones de derecho telemático. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 2009, t. I, p. 75-76. 38 Art. 6º [...] II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações. 39 Art. 6º [...] IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.

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prática desleal na medida em que não permitir ao consumidor a ciência a respeito do fato de seus hábitos comportamentais estarem sendo utilizados para fins de elaboração de publicidade. Conforme se pode depreender a partir da interpretação do artigo 7º, caput do Código de Defesa do Consumidor40, os direitos previstos no mesmo não excluem outros que forem instituídos por outros diplomas normativos. Sendo assim, podem ser considerados como direitos básicos dos consumidores também a proteção da privacidade e dos dados pessoais, que foram consagrados como princípios da disciplina do uso da internet no Brasil pelos incisos II e III, respectivamente, do artigo 3º da Lei Federal nº 12.965, de 23 de abril de 201441, conhecida como o Marco Civil da Internet. Deste modo, a atividade de qualquer agente que atua no mercado de consumo deve estar pautada pelo respeito aos referidos princípios, incluindo-se aqui, obviamente, as ações que permeiam a veiculação de publicidade comportamental. Considerando que em todo o microssistema consumerista brasileiro ainda não há nenhuma disposição normativa que trate especificamente da publicidade comportamental, surge o seguinte questionamento: a publicidade comportamental poderia ser considerada uma espécie de publicidade abusiva nos termos do Código de Defesa do Consumidor, e como tal considerada uma prática ilícita? A resposta a essa questão prescinde da análise do conceito de publicidade abusiva. O conceito de publicidade abusiva empregado na aplicação do microssistema consumerista brasileiro é construído a partir das diretrizes definidas no artigo 37, §2º do Código de Defesa do Consumidor42. Neste dispositivo percebe-se que, ao se utilizar da expressão “dentre outras”, o legislador não estabeleceu uma definição fechada do que seria considerado publicidade abusiva, o que implica dizer que as hipóteses previstas no mencionado dispositivo constituem um rol meramente

40 Art. 7°. Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. 41 Art. 3º. A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: [...] II – proteção da privacidade; III – proteção dos dados pessoais, na forma da lei. 42 Art. 37, §2º. É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

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exemplificativo (numerus apertus)43, e não taxativo ou exaustivo (numerus clausus). Isto claramente possibilita a caracterização de outras espécies de comunicação publicitária que não foram expressamente previstas no referido dispositivo do Código como publicidade abusiva. É o caso, por exemplo, de qualquer tipo de publicidade que contrarie valores sociais sedimentados ou mesmo vá de qualquer forma de encontro a qualquer princípio ou regra que faça parte do microssistema consumerista. Sendo assim, a resposta ao questionamento levantado anteriormente tende a ser positiva, no sentido que, caso haja violação de qualquer das normas que fazem parte do microssistema consumerista no contexto da efetivação da publicidade comportamental, esta poderá certamente ser considerada como espécie de publicidade abusiva nos termos do Código de Defesa do Consumidor, e consequentemente, por se tratar de uma prática ilícita, estar sujeita a responsabilização (civil, penal e administrativa) bem como a todos os tipos de sanções legalmente previstos. Normalmente, quando se trata de responsabilização em decorrência da comunicação publicitária surgem três sujeitos: o fornecedor anunciante, o meio de comunicação utilizado para a veiculação do anúncio, e a agência publicitária. No entanto, no que tange à publicidade comportamental, um novo sujeito pode aparecer, que é o agente que faz a coleta e/ou organização dos dados e informações a respeito do consumidor que irão subsidiar a veiculação desse tipo de prática publicitária. Em regra, fundamentando-se no artigo 7º, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor44, bem como no artigo 3º do Código de Brasileiro Autorregulamentação Publicitária (CBAP)45, considerando que há mais de um autor da ofensa, deve-se aplicar um sistema de responsabilização solidária e objetiva em hipótese de configuração de qualquer tipo de ofensa às normas que fazem parte do microssistema consumerista46. Entretanto, as agências publicitárias, os veículos de divulgação, bem como os agentes que interferem na relação de consumo para colher, categorizar ou até comercializar as informações a respeito do comportamento 43 FERNANDES NETO, Guilherme. Abuso do direito no Código de Defesa do Consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 181. 44 Art. 7º. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. 45 Art. 3º. Todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência de Publicidade e do Veículo de Divulgação junto ao Consumidor. 46 ALVES, Fabrício Germano. Proteção constitucional do consumidor no âmbito da regulação publicitária. Natal: Espaço Internacional do Livro, 2013, p. 147-148.

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dos consumidores, somente responderão em caso de culpa lato sensu (responsabilidade subjetiva), que no contexto em questão diz respeito à omissão em dar ciência ao consumidor a respeito do fato de suas informações estarem sendo utilizadas para fins de publicidade comportamental, assim como quando não lhe permitirem a escolha de manter-se ou não em tal condição. Deste modo, o fornecedor anunciante sempre poderá ser responsabilizado, inclusive de maneira objetiva, ao passo que os demais participantes da efetivação da publicidade comportamental somente poderão ser responsabilizados subjetivamente, ou seja, nos casos em que contribuírem diretamente para a ofensa mediante dolo ou culpa lato sensu. O fato de não haver qualquer disposição expressa no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) ou em seus anexos a respeito da publicidade comportamental não impede a atuação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Este constitui uma sociedade civil (organização não governamental) sem fins lucrativos, concebida com a finalidade de atuar no autocontrole da atividade publicitária, resguardando as prerrogativas constitucionais referentes à comunicação publicitária, defendendo a liberdade de expressão comercial e protegendo os interesses das partes envolvidas, inclusive os do próprio consumidor. Por isso, deverá atuar sempre que constatar qualquer espécie de prática publicitária que seja nefasta ao mercado de consumo. De fato, uma decisão do CONAR em matéria de publicidade comportamental, apesar de não possuir a mesma abrangência e significado que existe quando o controle é realizado pelo Poder Judiciário, pois muitas vezes se limita a expedição de “recomendações”, que podem perfeitamente deixar de ser acatadas47, tem o condão de criar limites internos à atividade publicitária, o que pode resultar, ainda que indiretamente em uma atividade educativa48. Isso porque o controle realizado pelo CONAR possui natureza meramente ética, e como tal não tem a capacidade de coagir os anunciantes a acatar as decisões do referido órgão, entretanto, na prática, elas geralmente são respeitadas, e isso contribui de forma bastante positiva para o bom desenvolvimento do mercado. Em vista do exposto, percebe-se que no microssistema consumerista brasileiro não há qualquer óbice além da falta de regulamentação expressa para que a 47 FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso fundamental de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 113. 48 FEDERIGUI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação à violência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 111.

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publicidade comportamental seja regulada pelo Poder Judiciário, Ministério Público, órgãos administrativos tais como os PROCONs e de autorregulamentação, como é o caso do CONAR. No entanto, essa barreira erguida pela omissão na seara da regulamentação poderá ser transposta por atuações no sentido de proteger o consumidor com fundamento em qualquer dos princípios que fazem parte do microssistema consumerista que se mostrar adequado, como por exemplo o princípio da não-abusividade da publicidade, que se encontra positivado na proibição da publicidade abusiva instituída pelo artigo 37, caput do Código de Defesa do Consumidor49. 4 CONCLUSÃO O estudo da publicidade comportamental permite elidir qualquer dúvida que por ventura ainda haja em relação à situação especial de vulnerabilidade do consumidor perante a atividade publicitária. Isso porque, quanto exposto a esse tipo de prática o consumidor se mostra ainda mais suscetível em relação aos fornecedores do que normalmente acontece em outros tipos de publicidade, pois a ele geralmente é negado o direito de escolher se os seus dados poderão ou não ser colhidos e utilizados para fins de publicidade comportamental, bem como a ciência a respeito de estar sendo exposto a uma prática publicitária dessa natureza. A publicidade comportamental pode ser entendida como uma prática que consiste em direcionar mensagens publicitárias especialmente desenvolvidas para um determinado público alvo (consumidor), com fundamento em um conjunto de informações que representam o seu histórico comportamental. Trata-se efetivamente de uma forma de segmentação de mercado. Quando realizada através da internet (online), que é o seu veículo de divulgação por excelência, esse tipo de comunicação publicitária pode ser desenvolvido de forma contextualizada (variando de acordo com o conteúdo do site acessado) e/ou personalizada (quando é dirigida em consonância com características pessoas de cada consumidor). Neste último caso, a peça publicitária geralmente é desenvolvida com base em um perfil criado para cada consumidor (profiling) de acordo com seus hábitos de navegação. Existem basicamente três formas de efetivação da publicidade comportamental: o remarketing, que ocorre quando os anunciantes direcionam peças publicitárias aos consumidores de acordo, por exemplo, com seu histórico de navegação 49 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

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na internet (sites visitados); a personalização na rede (web personalization), que se configura quando o anúncio publicitário é direcionado aos consumidores em consonância com seus interesses e preferências pessoais; e a personalização do negócio (deal customization), que se configura, por exemplo, quando o fornecedor oferece um desconto a um determinado consumidor que visualizou um determinado produto no site mas não chegou a concluir a compra. No plano internacional já houveram iniciativas específicas tanto por parte da União Europeia, com a Interactive Advertising Bureau (IAB), como dos Estados Unidos, através da Federal Trade Comission (FTC). No entanto, tudo ainda se mantém na seara principiológica, sem uma normatização pormenorizada especificamente criada para a regulação desse tipo de publicidade. Apesar disso, tem-se praticamente como consenso que o consumidor deve tanto ter o direito de escolher se suas informações poderão ou não ser utilizadas para subsidiar a veiculação de publicidade comportamental, como também estar ciente de quanto está exposto a um anúncio publicitário dessa natureza. No que diz respeito especificamente ao microssistema consumerista brasileiro, a publicidade comportamental ainda está pendente de regulamentação, contudo, isso não impede que a mesma seja regulada pelos órgãos competentes, tais como o Poder Judiciário, PROCONs, Ministério Público e o próprio CONAR. Caso seja desenvolvida violando direitos como a intimidade e a vida privada, consagrados pela Constituição Federal (artigo 5º, inciso X), ou desrespeitando a proteção da privacidade e dados pessoais consagradas pelo artigo 3º, incisos II e III da Lei Federal nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), a publicidade comportamental pode configurar hipótese de publicidade abusiva, disciplinada no artigo 37, §2º do Código de Defesa do Consumidor. Isso torna-se possível em razão do caráter exemplificativo que permeia o mencionado dispositivo legal. Em sendo considerada ilícita a publicidade comportamental o fornecedor anunciante sempre poderá ser responsabilizado, e os demais partícipes da veiculação da peça somente serão responsabilizados em caso de agirem com dolo ou culpa lato sensu (responsabilidade subjetiva).

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