Publicidade Politica e cultura na Imprensa louletana.2001-2002.p.391-463.pdf

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PUBLICIDADE, POLÍTICA E CULTURA NA IMPRENSA LOULETANA (1907/1912) Artur Ângelo Barracosa Mendonça (*) I - INTRODUÇÃO (**) A realização deste trabalho permitiu conhecer melhor o local de residência durante a infância e a juventude. A concretização do mesmo só foi possível através da utilização da imprensa louletana para o período que interessava, para isto procurou-se contactar com a realidade existente em Loulé nos inícios do século XX. Seleccionaram-se jornais com características diversas, mas que poderiam demonstrar a multiplicidade de atitudes políticas e sociais existentes na comunidade local. A abordagem efectuada parte sempre da escala regional e local, sendo esta fruto de uma realidade muito mais complexa que é Portugal, especialmente nos momentos conturbados que antecedem a implantação da República e nos anos imediatamente a seguir. Para atingir este desiderato utilizaram-se três jornais: Jornal de Anúncios, Notícias de Loulé e O Povo Algarvio. O Jornal de Anúncios não possuía qualquer conotação política explícita, já que a sua função era essencialmente anunciar os produtos e bens dos seus

(*)

Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Residiu em Loulé até aos 18 anos. Professor do 3º Ciclo na Escola E. B 2, 3/ Sec. Padre António De Andrade – Oleiros (Castelo Branco).

(**)

Este trabalho foi apresentado na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 1994, no âmbito do Seminário de História de Cultura Oitocentista, orientado pela Prof. Doutora Manuela Tavares Ribeiro. Actualmente (2001), a parte política deste trabalho está a ser aprofundada no âmbito de um trabalho de mestrado na referida faculdade sobre o desenvolvimento do Partido Republicano no Algarve até 1910.

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anunciantes, que deveriam ser em grande número porque o jornal era de distribuição gratuita. O Notícias de Loulé era um jornal diferente, porque se enquadrava dentro de uma determinada corrente política, neste caso, a Monarquia. Tinha como director um padre que assumiu sempre a luta contra a República. Envolveu-se depois em quezílias que assumiram aspectos caricatos na luta que travou com O Povo Algarvio. O Povo Algarvio foi um dos órgãos locais de propaganda da ideologia republicana, defendendo sempre a liberdade nos seus mais amplos parâmetros. Verificando-se gradualmente um desfasamento deste jornal em relação à situação interna do País. Por outro lado, a sua luta era também contra o domínio jesuítico em Portugal, porque este era, em sua opinião, a causa de quase todos os males nacionais. Para compreender melhor os elementos que se vão analisar convém que antecipadamente se faça um enquadramento histórico da época, da situação em Portugal entre os anos 1907 e 1912. Verifica-se então que o País se encontrava em crise nos seus diversos sectores de actividade. A população deste período é calculada em cerca de seis milhões de habitantes. A esmagadora maioria dessa população dedicava-se à agricultura, vivia no campo e qualquer crise nesse sector fazia estremecer toda a base económica do País. As únicas cidades dignas de registo eram Lisboa e Porto. Sentiam-se grandes clivagens entre o litoral mais desenvolvido e o interior bastante pobre. Esta situação provocou a distinção entre “dois grandes grupos, quer em nível de vida, desenvolvimento cultural e efectividade política”1, isto porque havia grandes diferenças entre viver na cidade e viver no campo. No plano económico, o período a estudar vivia sobretudo das actividades agrícolas. As maiores produções desse tempo eram o vinho, a cortiça, e as frutas. Estes produtos permitiam algumas exportações de vulto, porém a grande ambição do País era ser auto-suficiente na produção de trigo. Contudo não o conseguia, visto ter solos pouco apropriados para este tipo de produção. O que faltou desde sempre foi a definição de uma política económica para Portugal, daí o comportamento oscilante ao longo do tempo. Passava-se

(1)

A. H. de Oliveira Marques, A Primeira República Portuguesa (Para uma visão estrutural), Lisboa, Livros Horizonte, s. d., p. 15.

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de uma política proteccionista para o liberalismo económico. Perante esta indefinição política, Portugal viu-se confrontado com uma grave “questão do pão” que arrastou consigo outras crises políticas e sociais, que acabaram por conduzir à substituição do regime político existente. Outros problemas havia como o crescimento da pecuária, especialmente do gado ovino. Registou-se também o crescimento das culturas hortícolas e dos frutos. Mas, a crise económica que se fazia sentir era constante e resultaria da própria organização da propriedade e do comércio pouco desenvolvido, a par de uma industrialização ainda por efectuar. A propriedade fundiária estava concentrada nas mãos de alguns latifundiários absentistas que detinham a posse das melhores áreas produtivas, mostrando pouca preocupação em aumentar a produtividade, ou com a introdução de novos instrumentos e tecnologias. A indústria estava dominada pela existência de capitais estrangeiros a par das “grandes” companhias comerciais, bancárias e de transportes. A nossa indústria desenvolveu-se um tanto a partir de 1910, notando-se o progresso das indústrias conserveiras que vão ultrapassar o domínio detido pelas cortiças. Quando se referem a indústrias, tende-se logo a localizá-las no Norte, e de facto era na região do Porto e Douro Litoral que se registavam as maiores concentrações industriais, apesar de também se encontrar algumas na margem sul do Tejo. Pelo que se disse compreende-se que o comércio externo dependesse fortemente dos produtos agrícolas. Assim, o vinho era o produto mais importante para exportação, depois vinha a cortiça que estava em fase de declínio em favor das conservas, sendo o outro produto os têxteis baratos que se destinavam essencialmente às colónias ultramarinas e finalmente a fruta. Por outro lado, as importações mais importantes eram o trigo, os têxteis, as máquinas, o algodão cru e o carvão. Devido a esta situação económica constata-se que a nossa balança comercial estava permanentemente deficitária. Eram as remessas dos emigrantes que salvavam a nossa economia de conhecer a bancarrota, porque de acordo com “as estatísticas oficiais, o valor das importações duplicava o das exportações, mas parece que o destas últimas estava sempre sub-cotado, a ter em conta outras fontes até estrangeiras”2. Por outro lado, deve-se notar a nossa crescente dependência da Inglaterra. Esta absorvia grande parte das nossas exportações e exportava para Portugal

(2)

Ibidem, p. 33.

393

em quantidades muito significativas, portanto essa dependência era também uma das causas do nosso subdesenvolvimento industrial. Outro motivo que parece estar na base da pouca industrialização do nosso País, foi a carência de infra-estruturas, sobretudo de transportes e comunicações. As estradas que se tinham desenvolvido muito na última metade do século XIX, estavam agora a ficar um pouco de lado, para se prestar toda a atenção ao caminho de ferro. A crise política estava a atingir o seu auge pois os escândalos sucediam-se com frequência. Desde 1903-1905 com a “questão dos tabacos”, seguindo-se-lhe a polémica ditadura de João Franco, mas, sem dúvida alguma que os temas preferidos nas conversas, nas tricas políticas era o tema dos “adiantamentos” que causaram grande celeuma na opinião pública da época. Este foi um dos motivos que provocou maior adesão à causa republicana. O republicanismo ganhava cada vez mais adeptos, os movimentos revolucionários começavam a desenhar-se. Estes escândalos ajudaram a difundir e a propagandear a ideologia republicana, por outro lado, as campanhas levadas a cabo pela imprensa, o espaço que lhes era destinado e “a relevância que atribuía a determinadas questões exprimem, com relativa segurança, os interesses da base do Partido”3. Daí a existência explícita de jornais afectos ao republicanismo, como era o caso de O Povo Algarvio. Mas, outros jornais havia de expressão nacional que tratavam constantemente assuntos como a “natureza tirânica” do sistema político; do contraste entre a grandeza histórica de Portugal e a sua presente decadência; dos escândalos de corrupção, do comportamento, pessoal e profissional, do clero”4. Outro assunto muito debatido pela imprensa da época era a falta de preparação dos indivíduos que iam votar e que acabavam quase sempre por se sujeitar a seguir a tomada de decisão dos caciques locais, que na altura dominavam todo o sistema político português. Poderia dever-se aos problemas de analfabetismo que grassavam no nosso País, já que cerca de 75% da população não sabia pura e simplesmente ler e assinar o seu nome. O que tornava de certa forma muito mais simples a tarefa do influente local que a troco de um emprego seguro, de uma refeição mais suculenta, de umas garrafas de vinho bem servido ajudavam a fazer mudar de opinião.

(3)

Vasco Pulido Valente, O Poder e o Povo (A Revolução de 1910), Lisboa, Morais Editores, 1982, p. 17.

(4)

Ibidem, p. 17-18.

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Propõe-se através deste trabalho fazer uma análise sectorial dos anúncios disponíveis, tentando encontrar blocos de anúncios que nos permitam verificar quais os sectores mais representativos e a sua distribuição anual. Procurar-se-á fazer uma análise anual dos diversos sectores, detendo-se em alguns que parecem particularmente importantes para este trabalho. Outro dos aspectos a dedicar particular atenção serão os diversos movimentos culturais que se conseguem detectar neste período em Loulé, desde os livros e as revistas mais anunciados, os autores e os géneros mais apreciados pelas pessoas. Tentar-se-á analisar o sector medicina, vendo os médicos que existiam, os medicamentos anunciados, bem como as farmácias então existentes. Pretende-se ainda falar das formas de cultura predominantes neste período, como o teatro, vendo quais as companhias de teatro que se deslocavam à província, as peças representadas, os actores e autores da época. Verificar se o teatro amador era uma das actividades desenvolvidas em Loulé e noutras localidades próximas. Finalmente, não se pode esquecer o papel desempenhado pelas bandas filarmónicas neste período, quais eram, de onde eram e onde actuavam. Através disto pretende-se mostrar alguns aspectos da sociabilidade louletana.

II - IMPRENSA E PUBLICIDADE Neste capítulo far-se-á uma breve abordagem ao tema da publicidade que se mantém ainda como um dos assuntos menos tratados na história dos usos e costumes da nossa população. A bibliografia no nosso País é bastante limitada e mesmo a nível internacional poucas são as obras que se debruçam sobre este tema. Para enquadrar melhor este assunto será necessário recorrer ao capítulo Anexos onde se construíram de gráficos, tabelas e quadros com elementos recolhidos nas fontes. A fonte como não podia deixar de ser foi o Jornal de Anúncios, que era um jornal utilizado pelos comerciantes locais, por algumas profissões e por alguns produtos de grande difusão popular. O jornal auxiliava à divulgação desses produtos e serviços, e era de distribuição gratuita conseguindo sobreviver simplesmente com a venda dos espaços publicitários. Por dificuldades várias não se conseguiu localizar os primeiros doze números do jornal, porém todos os restantes foram analisados individualmente por forma a conseguir levar a cabo a realização deste trabalho.

395

Este jornal terá surgido em Março de 1907 e manteve-se até 1910, quando começaram a surgir alguns números com maior irregularidade. Poderia ser já um sintoma da má situação económica que o jornal vivia e que certamente se não deve dissociar da situação política muito instável, tendo terminado a sua publicação a 22 de Dezembro de 1910. Proceder-se-á à definição dos grandes sectores que se encontram, por forma a compreender os critérios utilizados. Desta forma tem que se definir o que se entende por publicidade, já que este é um vocábulo de certa forma recente, por outro lado deve-se distinguir publicidade de propaganda, porque tendem a confundir-se um pouco. Publicidade será uma forma lisonjeira para tentar vender um produto, procurando, portanto, seduzir o comprador, para isso realçam-se somente as características positivas. Porém, a definição de publicidade que autores estrangeiros nos apresentam defendem que “publicité désigne désormais doit des messages a fins commerciales, destinés à faire connaître, sous le jour plus favorable, un bien, un produit ou un service à un public généralement anonyme, par un moyen de communication de masse, pour en favoriser a vent” 5. De facto, é isso que sucede, já que quase sempre nos aparecem anúncios a produtos, a bens e a profissões por forma a torná-los conhecidos e/ou serem comprados, daí a utilização do meio de comunicação de massas como o jornal. A massa de anúncios é bastante numerosa e decidiu-se agrupá-los em grandes grupos, já que o seu número cresce gradualmente ao longo dos quatro anos em que se publica o Jornal de Anúncios. Assim, agrupou-se em grandes blocos os seguintes aspectos: o comércio, as profissões, as seguradoras, os anúncios agrícolas, os anúncios imobiliários, a hotelaria e os anúncios judiciais. Sobre as profissões procurar-se-á descobrir quais as profissões mais anunciadas, desde os advogados, os solicitadores, os professores, etc. Quanto às seguradoras, elas são de importância fundamental na publicidade feita neste período, a sua implantação regional, os seus representantes locais, quais as seguradoras que os tinham, qual o seu capital social e quais os seguros que cobriam; verificar-se-á ainda qual a tipologia de anúncios utilizada, se recorriam aos mesmos sistemas para publicitar os seus serviços.

(5)

Marc Martin, Trois siècles de publicité en France, Paris, Editions Odile Jacob, 1992, p.14.

396

Quanto aos anúncios agrícolas, estranhamente, a sua importância é reduzida apesar da agricultura ser considerada a actividade económica mais importante, a sua proporção relativamente a outros sectores é bastante menor. Outro bloco de reclamos que se encontrou referia-se a imobiliário, já que frequentemente apareciam pequenos anúncios de prédios para vender, para alugar, arrendamentos de propriedades; com estes elementos formou-se uma ideia de como era a propriedade neste período. O conjunto de anúncios sobre hotelaria agrupou restaurantes, hotéis e casas de hóspedes. Por aqui pode já ver se havia no Algarve alguma importância do sector turístico, se as actividades de lazer desempenhavam algum papel de relevo, se existiam ou não movimentações internas da população. Finalmente, outro bloco definido foi o judicial, tentando percepcionar quais seriam as formas de anunciar medidas judiciais, como se faziam os editais anunciando a abertura de concursos para o município. Veja-se então uma tabela onde se mostra a evolução dos anúncios ao longo dos quatro anos em que existiu o Jornal de Anúncios: ANOS

ANÚNCIOS

1907

964

1908

2139

1909

1738

1910

659

TOTAL

5500

Verifica-se que existe um crescimento rápido de 1907 para 1908, mas não é continuado nos anos seguintes. Pelo contrário, regista-se uma redução logo em 1909, decrescendo ainda mais em 1910 até conduzir ao desaparecimento do próprio jornal. A sua sobrevivência dependia dos anúncios publicados. Estes eram a sua fonte de rendimentos e de subsistência. O jornal dependia do interesse dos comerciantes e industriais na existência do mesmo e na publicidade por eles feita. 2.1 - Mercado publicitário Para falar de mercado publicitário, tem de se começar por referir os interesses económicos que sempre rodeiam uma iniciativa deste género. Porque tudo depende da capacidade dos agentes económicos mais importantes desta localidade.

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No momento conturbado que se vivia, de contestação da Monarquia e ao crescente apoio popular conseguido pelos republicanos, devido ao aumento das dificuldades económicas. Regra geral, em momentos de crise económica, os investimentos em publicidade tendem a reduzir-se, especialmente quando o espaço económico é tão restrito como o que se estuda. Para tal, deve-se ter em conta a força dos industriais e dos comerciantes de Loulé, dos representantes das profissões mais cotados entre os ilustres profissionais da advocacia e da medicina. Existe porém nos anúncios uma tipologia que convém definir, para isso recorre-se à definição apresentada por Marc Martin. Considera-se que existe o denominado “annonce anglaise, imitée de la presse britannique, n’utilise aucun effet typographique” 6. Este tipo de anúncios aparece ao longo do jornal especialmente quando se anunciavam determinadas profissões, já que tem as linhas mais curtas e os caracteres usados são mais pequenos. Outra forma de anúncio que nos aparece é o “annonce-affiche est un placard de taille variable, jusqu’a la demi-page, qui recourt à de multiple artifices typographiques” 7. Esta forma de anúncio aparece, por exemplo, quando se está a referir a medicamentos, neste caso específico a “Emulsão de Scott”, que se serve do desenho de uma figura humana que terá utilizado o produto e que terá melhorado bastante o seu estado de saúde. Porém, o recurso à imagem é ainda muito limitado porque há uma repetição por longo tempo da mesma figura, que acompanhado por um pequeno texto reconhece os benefícios do referido medicamento. Finalmente outra forma de anúncio que aparece é o “réclame (...) une annonce déguisée en article, une publicité rédactionnelle qui a pour objet de tromper le lecteur8. Aqui encontram-se os artigos que se inseriram no campo agricultura e que de forma geral são conselhos sobre a forma de utilização dos adubos, as vantagens da sua aplicação, as falsificações que se faziam, os produtos adequados a determinadas culturas. Estes artigos de anúncio eram publicados por uma casa vendedora de adubos que se preocupava com as instruções que deviam ser cumpridas pelos agricultores por forma a que os seus produtos frutificassem e melhorassem as condições de vida dos camponeses.

(6)

Marc Martin, Trois siècles de publicité en France, Paris, Editions Odile Jacob, 1992, p. 62.

(7)

Idem, p.62.

(8)

Ibidem, p.62.

398

Após a definição sumária, sobre as diversas formas de anúncios vai-se analisar as suas características, a forma e a quantidade ou representatividade. Observou-se que existiram 374 anunciantes ao longo dos quatro anos. Existem os que começaram em 1907 e se prolongam pelos outros anos, enquanto outros aparecem e desaparecem no mesmo ano. Porém, tudo isto depende do vigor da economia local, estando esta em crise profunda o que se verifica facilmente pelo número de anúncios e anunciantes em cada ano. Na pequena análise feita é de registar que os anunciantes que se mantêm ao longo de quatro anos se reduzem a catorze, o que pode significar que seriam empresas e profissões com maior pujança económica. Por outro lado, poderiam ser aquelas que mais beneficiariam do facto de anunciarem os seus produtos através do Jornal de Anúncios. Outra hipótese a colocar seria a da dimensão das mesmas, cuja estrutura poderia aguentar as despesas da publicação dos anúncios. Pode-se verificar que as empresas e produtos que se mantêm de 1907 para 1908 são em número significativo, pois são 50 anunciantes que se mantêm. Desses os que se mantêm até 1909 são somente 29, isto mostra que o interesse por publicar anúncios vai diminuindo o que pode ser um reflexo da situação político-económica da época no nosso País. Pode-se constatar que um conjunto de 14 anunciantes representam 6,3% do total de anunciantes que existem. Este valor é calculado a partir do número de anunciantes diferentes que aparecem e que são 221, já que foram enumerados 153 anunciantes que permaneceram mais de um ano. Outro aspecto a ter em conta é o facto de novos anunciantes serem também cada vez menos. Enquanto em 1908 surgiram 65 novos anunciantes, em 1909 aparecem cerca de 50. Esta redução deve ter afectado de modo significativo as economias de um pequeno jornal local, dependente dos indivíduos com capacidade de investimento. A análise que se segue, reparte-se por diversos sectores, que serão tratados separadamente por forma a tornar mais fácil a sua compreensão.

2.2 - Publicidade Comercial Neste item procurar-se-á ver quais os anúncios de carácter comercial, quem são os comerciantes, qual a sua representatividade ao longo dos anos em que se publicou o jornal, repartir por localidades os anunciantes que anunciam em Loulé e se possível identificá-los.

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Veja-se então um quadro em que se mostra quantos são os anunciantes pelos diferentes anos: ANOS

ANUNCIANTES

1907

5

1908

8

1909

8

1910

6

Conclui-se facilmente pela análise dos dados presentes que os anunciantes de carácter comercial são pouco numerosos, porém a capacidade para publicitar os seus produtos ainda era significativa. Eles representavam cerca de 11% do total de anúncios, ou seja, publicaram 617 rubricas da sua responsabilidade. Realce-se que existe alguma estabilidade ao longo do tempo o que pode indicar que o jornal dava também garantias de alguma segurança. Quanto à origem destes anúncios pode-se constatar que eles são essencialmente de Loulé, mas analise-se as percentagens de anunciantes comerciais por localidades: Loulé possuía 15 dos 27 comerciantes que se podiam encontrar ao longo do tempo, desta forma restam 12 negociantes que se distribuíam por outras localidades. Pode verificar-se que a evolução dos anunciantes não é simétrica com a evolução dos espaços publicitários por si ocupados nos jornais, porque em 1907 houve 5 anunciantes que publicaram no Jornal de Anúncios 92 destes espaços, em 1908 regista-se que 8 anunciantes publicam um total de 197 anúncios. No ano seguinte mantiveram-se os mesmos anunciantes, porém o número de espaços por eles ocupados passaram para 240. Finalmente, em 1910 encontram-se 6 anunciantes que publicaram 88 anúncios. Procurou-se fazer a seriação de quais os maiores anunciantes e conclui-se que o comerciante que mais anunciava em Loulé era António dos Santos Brito com 161 espaços, portanto o maior anunciante, seguia-se-lhe da mesma localidade António de Sousa Cristina com 117 anúncios, na décima posição entre os anunciantes. Ainda da mesma localidade podia-se encontrar Joaquim Baptista Ramos com 32 anúncios, que ocupava a quinquagésima primeira posição entre os anunciantes. Conclui-se então que os comerciantes de Loulé, na sua grande maioria não eram receptivos a esta modalidade de anunciar os seus produtos, ou, por outro lado, as suas condições económicas eram pouco favoráveis e não tinham capacidade para anunciar por muito tempo os seus produtos.

400

2.3 - Publicidade Seguradora Este sector parece mostrar alguma estabilidade, porque se verifica que o número de anunciantes se mantém bastante estável, só sendo de registar a quebra do último ano de existência do jornal. Assim, os anunciantes deste sector são todos de Lisboa, porque era aí que se encontravam as sedes das companhias de seguros, sendo de realçar que algumas assinalavam se possuíam o seu agente ou representante em Loulé. Veja-se a evolução deste sector por anunciantes e anúncios através do gráfico que se segue: Anunciantes e anúncios de Seguros

Verifica-se que apesar do número de seguradoras existente ser bastante diminuto, a sua importância era cada vez maior. Pouco se sabe ainda sobre a difusão e implantação das seguradoras nos meios rurais e fora das grandes cidades como Lisboa e Porto. Por outro lado, através destes elementos não se sabe a modalidade e as formas de seguro mais em voga naquela zona e naquele período, mas esse seria tema para outro trabalho a realizar. Para se compreender melhor este sector, colocou-se o problema de descobrir quais as seguradoras mais importantes na região? Como forma de solucionar este problema observe-se a seriação que se fez das seguradoras, da sua posição de ordem entre os anunciantes e o número de anúncios por elas publicados: POSIÇÃO DE ORDEM 4ª 10ª 19ª 22ª 49ª 56ª

COMPANHIAS N.º DE ANÚNCIOS TAGUS 157 A NACIONAL 124 EQUIDADE 86 A LUSITANA 74 A URBANA PORTUGUESA 34 ULTRAMARINA 29

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Verifica-se que existem seis companhias diferentes, havendo algumas delas que se mantêm de uns anos para os outros. Deve talvez realçar-se as que mostram maior capacidade económica como são a Tagus e A Nacional, isto pela quantidade de anúncios publicados, denunciam a sua forte presença no mercado nacional. Daí concluir-se que estas duas primeiras seguradoras teriam os seus agentes ou representantes no Algarve, até porque estas duas seguradoras entram nos dez principais anunciantes deste jornal. 2.4 - Publicidade de Profissões Este será o sector mais diversificado, porque as profissões são múltiplas e aqui podem encontrar-se os advogados, os marceneiros, os estucadores, os funileiros, etc.. Verifica-se que as profissões possuidoras de maior capacidade económica para anunciar são as chamadas profissões liberais. Estas possuem neste sector uma posição de destaque, mas deve realçar-se também a presença de profissões como os funileiros e marceneiros que momentaneamente ou por poder adquirido conseguiam anunciar de forma bastante numerosa os produtos por eles produzidos. Observe-se então uma tabela das profissões que conseguiam anunciar: PROFISSÕES

1907

1908

1909

1910

TOTAIS

Advogado

43

97

28

0

168

Funileiro

40

33

43

21

137

Marceneiro

35

49

50

23

157

Professor

9

0

6

2

17

Solicitador

93

175

141

42

451

Estucador

0

8

0

0

8

Comissionista

0

0

0

23

23

Encadernador

0

0

0

4

4

Canteiro

0

0

0

39

39

220

362

268

154

1004

Total Anual

Através da tabela pode-se ver que as profissões são dos sectores mais importantes, porque no seu conjunto representam cerca de 18,33% dos anúncios analisados neste trabalho. Por seu lado, observa-se que a sua evolução acompanha os momentos mais depressivos ou mais expansivos da nossa conjuntura económica interna.

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Saliente-se entre as profissões os casos dos solicitadores e os advogados, porque só por si representam 61,6% do total dos anúncios de profissões. Quanto ao caso do marceneiro e o funileiro, podem parecer um pouco surpreendentes, já que são profissões com pouco impacto na vida económica local, mas que, neste período, seriam das profissões mais importantes. Pelo menos, os seus profissionais possuíam capacidade económica e visão comercial capaz de os levar a publicitar os seus produtos e actividades. Destaque-se também as profissões com menor impacto no conjunto global dos anúncios deste sector. Aqui, nota-se a presença de profissões como professor, estucador, comissionista, encadernador e canteiro. Especialmente, destaque-se a presença da profissão do progenitor de quem realizou este trabalho. No caso a profissão de canteiro, porque esta já possuiu algum peso na vida económica local devido ao número de pessoas que empregou, como pelas obras produzidas na terra. 2.5 - Publicidade Agrícola Ao iniciar este trabalho julgava que este seria indubitavelmente um dos sectores mais importantes, com um grande peso no conjunto dos anúncios analisados. Porém, curiosamente, verifica-se que este é um dos sectores “menores” na análise efectuada. Poderá apontar-se como explicações o fraco desenvolvimento da agricultura portuguesa, a pequena dimensão das empresas deste sector, o imobilismo que o sector agrícola sempre revelou perante as inovações que surgem, ou a crise profunda que este sector passava na região algarvia. A representatividade deste sector deve-se sobretudo aos anúncios publicados por uma empresa de produtos fertilizantes e adubos. Essa empresa denominava-se O. Herold & C.ª que se servia de artigos a meia coluna, para expor de forma didáctica os seus produtos. Procurava prevenir os agricultores contra as pragas que ameaçavam as suas culturas, ou por vezes apelando à crescente utilização dos adubos na agricultura, recorrendo a exemplos de países estrangeiros e mostrando as vantagens e benefícios da sua utilização. Saliente-se também que alguns artigos publicados neste sector não possuíam qualquer indicação de qual a casa que os mandava publicar, mas sem dúvida que o anunciante era o atrás referido. Curiosamente, aparece neste sector um anunciante “diferente”, como era o vendedor de estrumes em Loulé e que tem alguma importância para este sector.

403

Ao repartir os anúncios e anunciantes pelos diferentes anos constata-se que em 1907 somam-se 25 anúncios, em 1908 houve um grande salto nos espaços reservados a este sector sendo contabilizados 133 espaços, no ano seguinte regista-se uma nova quebra e só se encontram 21 espaços publicitários, que se mantêm em 1910. Desta forma o sector agrícola representa 3% dos anúncios analisados com os seus 200 espaços publicitários. 2.6 - Publicidade de Transportes Analisando este sector, verifica-se que cresce bastante de 1907 para 1908, regredindo um pouco em 1909 e acabando por desaparecer completamente em 1910. Deve realçar-se sem dúvida, a importância dos transportes marítimos com os anúncios a cruzeiros e viagens para emigrar especialmente para o Brasil e Argentina, como acontecia frequentemente neste início de século na região algarvia. O âmbito dos transportes terrestres, também tem uma importância talvez superior ao que seria de esperar, já que, o automóvel era então considerado um bem de luxo e só acessível a algumas bolsas mais recheadas. Porém, era frequente encontrar-se blocos publicitários a uma marca de automóveis denominada “Darraq”, sendo este um dos principais anunciantes que se encontram ao longo do período em que existiu o Jornal de Anúncios. A presença constante desta marca até 1909 leva-nos a acreditar que seria uma das mais importantes da época, sendo o seu delegado comercial em Loulé o advogado Diogo Marreiros Netto, enquanto o representante oficial era de Coimbra. Outra das marcas de automóveis que se vendiam nessa época no Algarve era a “Peugeot”. Quanto aos anunciantes deste sector, somente 4 em 1907, 5 em 1908 e em 1909 restam somente 2. Aqui, os principais anunciantes eram as “Companhias de Navegação”, representados em Faro por J. C. Mealha, que publica 138 anúncios ao longo dos vários anos, seguindo-se-lhes os “Automobiles Darraq” com 127 anúncios e o “Automóveis Peugeot” com 10. Enquanto os restantes três anunciantes publicam entre si 5 espaços para a “Bicyclette Peugeot”, 4 espaços para a Caleche e Carro, e 4 anúncios para a Carrinha. Para se analisar este sector consultar gráfico onde se observam os anunciantes e os anúncios ao longo do tempo.9

(9)

Veja-se Gráficos sobre sector “Transportes” em Anexo, p. 451.

404

No seu conjunto, esta secção do trabalho representa 288 anúncios de 6 anunciantes, o que representa 5% do total dos anúncios analisados, isto porque o automóvel era um meio de transporte pouco utilizado, embora fosse uma área onde se estavam a registar grandes avanços e onde o crescimento era notório.10 2.7 - Publicidade Imobiliário O imobiliário, ou seja, os anúncios de casas para arrendar e de terrenos, não parecia ser suficientemente importante para se tornar um capítulo autónomo. Porém, a quantidade de casas para arrendar começou a aumentar, bem como de terras para explorar e isto suscitou curiosidade para tentar descobrir quem vendia ou arrendava casas ou terras em Loulé e nas proximidades. A publicidade de bens imobiliários aumentou significativamente de 1907 para 1908, decaindo depois de forma gradual em 1909, acabando quase por desaparecer em 1910 como poderá verificar através da consulta do gráfico sobre imobiliário.11 Como facilmente se constata existe uma grande disparidade entre os diversos anos, o que pode significar a tendência para vender ou alugar bens imóveis quando se sentiam melhorias nas condições de vida, portanto dependendo directamente da conjuntura político-económica interna. Em 1907 existem só 9 anunciantes neste âmbito, aumentando para 11 em 1908, registando-se um ligeira quebra em 1909 com 10 anunciantes e somente um anunciante no ano seguinte. Contabilizam-se nesta secção 31 anunciantes que ocupam 7% do total dos anúncios analisados. 2.8 - Publicidade Hoteleira Como o trabalho se refere ao Algarve e este é actualmente dos sectores mais importantes da região, seria importante verificar se neste período a hotelaria já tinha alguma implantação.

(10)

Curiosamente e para tentar saber qual era realmente a implantação do automóvel no Algarve e mais concretamente em Loulé, consultou-se a obra de Tomás Cabreira, que faz uma estatística sobre um período pouco posterior e verifica-se que no Algarve existiam 4 automóveis. Tomás Cabreira, O Algarve Económico, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1918, p. 272. (11)

Veja-se Gráfico de sub-capítulo Imobiliário em Anexo, p. 449.

405

Observa-se então que não existe grande quantidade de anunciantes e estes ocupam somente 2% do total dos anúncios registados. A evolução anual mostra que em 1907 ainda se não anunciam as unidades hoteleiras existentes, mas no ano seguinte aparecem três anunciantes que se vão manter no ano seguinte, chegando a 1910 só é possível encontrar um anunciante. No total contabilizam-se 124 espaços publicitários que se repartem da seguinte forma: 64 anúncios em 1908, 46 no ano seguinte e somente 14 em 1910.12 O principal anunciante deste sector era uma casa de hóspedes e os restaurantes que existiam nesse período em Loulé, sendo notório que estes possuíam pouca capacidade económica, especialmente num momento de recessão profunda da economia local e nacional. 2.9 - Publicidade Judicial Este campo poderia ser sujeito a diversas formas de abordagem, assim optou-se por uma linha de continuidade com os restantes sectores pelo que se limitou o estudo aos anúncios judiciais, aos editais, aos éditos publicados. Deve-se ter em conta que os anúncios judiciais se referem a medidas tomadas pelo tribunal de comarca sobre problemas muito comuns nessa época como as massas falidas de alguns comerciantes que se defrontavam com dificuldades económicas. Os editais são normalmente publicados pela câmara municipal anunciando algumas tomadas de decisão mais importantes, abrindo concursos para fornecimento de alimentação aos presos da cadeia de Loulé, etc. Os éditos são anúncios de decisões dentro de um determinado período de tempo, geralmente designados éditos de 15 ou 30 dias. No total contabilizaram-se 179 anúncios que se inseriram neste campo, sendo possível analisar a sua distribuição anual: em 1907 registam-se 30 espaços publicitários, que aumentam para 58 no ano seguinte, reduzindo depois para 52 em 1909 e terminando em 1910 com 39 anúncios judiciais. Este campo dos anúncios judiciais representa 3% do total dos espaços publicitários analisados para a realização deste trabalho, sendo dos sectores com menos peso global.

(12)

Veja-se Gráfico de sub-capítulo Hotelaria em Anexo, p. 449.

406

2.10 - Localidades dos Anunciantes Os 221 anunciantes diferentes que se contabilizam, escolheram o Jornal de Anúncios para publicitar os seus produtos e serviços, porque este meio lhes pareceria a forma mais fácil de atingir os seus objectivos que deviam ser o aumento das vendas e a melhoria das condições de vida. Nota-se que estes anunciantes são de localidades tão diversificadas que se torna complicado avaliar o impacto da influência de outras localidades num jornal que se publicava na vila de Loulé, sendo esta localidade que maior impacto tinha na economia algarvia. Loulé era em 1911 o concelho mais populoso da região, segundo dados fornecidos por Tomás Cabreira, que calcula a população em 19 688 habitantes13. Assim, dos 15 concelhos que existiam no Algarve este era o mais importante. As localidades que mais anunciantes possuíam eram: Loulé, Lisboa, Faro, Tavira e Vila Real de Santo António. Estas terras eram importantes porque em alguns sectores elas tinham posição fulcral, já que, delas provêm anunciantes que vão investir na publicidade. Daí que se apresente como tarefa importante determinar a quantidade da população que se dedicava aos sectores da indústria, dos transportes, às profissões liberais e os proprietários. Verifica-se que no Algarve havia em 1911 cerca de 272 891 habitantes, destes perto de 40 216 integravam-se no sector industrial, nos transportes existiam 29 202 pessoas, no comércio trabalhavam 10 394, nas profissões liberais haviam 3 025 profissionais, finalmente os proprietários neste período eram 11 504 pessoas. Significa que nestas actividades trabalhavam 94 341 pessoas14, o que representa 35% do total da população algarvia. No gráfico que se segue é possível analisar a divisão dos anúncios e anunciantes por locais:

(13)

Tomás Cabreira, O Algarve Económico, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1918, p. 31.

(14)

Idem, p. 46.

407

Através do gráfico visualizam-se as localidades mais influentes em termos de anúncios e de anunciantes e as quantidades de cada um deles. No entanto, não se pode nunca perder de vista que estes números se referem à globalidade dos anunciantes, mesmo aqueles que se repetem de ano para ano. Pode constatar-se que quanto mais próximas estas terras estão de Loulé maior é a sua capacidade de anunciar no jornal, porém, isto não pode aplicar-se aos anunciantes de Lisboa. Mas, aqui será um caso diferente porque é em Lisboa que se concentravam e concentram as empresas de maior dimensão, sobretudo deve destacar-se a importância do sector segurador. Em termos quantitativos os maiores anunciantes de forma global eram António dos Santos Brito, um comerciante de Loulé que publicou 161 anúncios ao longo da existência do jornal, o segundo maior anunciante era José Martins da Cunha, um solicitador de Faro com 157 anúncios e o terceiro maior anunciante foi José Martins dos Santos também solicitador da mesma localidade. Entre os 10 maiores anunciantes encontram-se 5 que são de Loulé, sendo 3 de Faro e 2 de Lisboa. No seu conjunto, estes 10 anunciantes representam 1450 anúncios, ou seja, perto de 26% do total de anúncios tratados.

408

III - PUBLICIDADE E CULTURA Durante a realização do trabalho verificou-se que um sector como a publicidade de produtos culturais merecia um tratamento particular devido ao seu peso na época, o que leva a pensar que a cultura neste período teria uma importância superior ao que habitualmente se supõe. Assim, encontra-se publicidade a livros, a revistas, a almanaques, a exposições e ao ensino da música que eram actividades com alguma implantação na sociedade louletana durante o período de 1907 a 1910. O jornal mostrava preocupação em anunciar as últimas novidades em termos de literatura nacional e internacional que se publicavam no nosso país. Neste sector ainda pode encontrar-se um sub-sector como eram as agendas, os catálogos e os jornais, todos de reduzida importância e portanto foram excluídos de tratamento. Neste campo, importa realçar a gama de publicações recebidas pelo jornal que eram anunciadas tendo em vista não só tentar educar uma população onde o analfabetismo grassava15, em que as preocupações com a leitura não seriam as maiores, pois outros factores se sobrepunham; por outro lado, procurava-se também de forma encoberta dar lugar a uma mensagem política que estava a ganhar expressão entre a população local. 3.1- Livros A maneira de tratar os dados disponíveis foi a mesma utilizada para o restante trabalho, porque facilita a compreensão dos dados, embora não se levantem muitas conjecturas metodológicas acerca do mesmo, devido à escassez de tempo que seria necessário para a sua realização. Optou-se assim, por uma forma mais compreensível, mas também mais simples, o que pode ser sempre criticável. Ao longo dos quatro anos de existência deste jornal encontram-se os livros de forma constante. Observe-se a tabela que se segue para verificar as quantidades de anunciantes e anúncios sobre livros ao longo de quatro anos: ANOS

(15)

ANUNCIANTES

ANÚNCIOS

1907

16

133

1908 1909

18 11

267 237

1910 TOTAIS

14 59

49 686

Tomás Cabreira, ob. cit., p. 265.

409

Deve-se ter em conta que estes dados não são absolutos, porque muitas vezes ao fazer o anúncio a um novo livro existe a preocupação de anunciar o livro unitário, tendo o cuidado de o identificar, com o autor e por vezes tecendo um juízo de valor, normalmente bastante abonatório para as obras anunciadas. O número de obras anunciadas ainda é significativo, e mantém uma certa uniformidade ao longo do tempo sem se registarem grandes quebras ou saltos durante o período analisado. Observa-se que a quantidade de obras anunciadas em 1910 era maior que em 1909, embora o número de anúncios publicados seja bastante inferior. Uma conclusão segura que se pode retirar da análise dos dados disponíveis mostra que a maior parte dos autores anunciados pelo Jornal de Anúncios eram algarvios ou com forte ligação à região. Dos autores mais conhecidos de origem algarvia pode-se encontrar Bernardo de Passos, Manuel Teixeira Gomes, Marçal Pacheco, entre outros, cujo nome e obra permanecem ainda desconhecidos nos nossos dias16. Outra conclusão a que se chega é a diversidade de géneros que eram anunciados, chegando mesmo a revelar-se surpreendente o acolhimento que se fazia na época às obras policiais, como era o caso de Sherlock Holmes. Este surge como sendo um dos maiores sucessos literários da altura. Outro género que aparece bem representado é a poesia com diversos autores a publicar obras poéticas, alguns dos quais completamente desconhecidos nos nossos dias. Um problema que se colocava, era o de saber qual a difusão que estas obras teriam a nível nacional e regional, mas essa é uma tarefa impossível de realizar com os dados disponíveis. Dentro do sector cultura, os livros são o factor que mais pesa, dado que abrange cerca de 61% dos anúncios que se incluíram neste sector. Finalmente, um elemento importante nestes livros é a função educativa numa sociedade profundamente iletrada e analfabeta, como era a portuguesa e, neste caso concreto, a população algarvia. 3.2 - Colecções Ao longo deste trabalho encontram-se diversas colecções de obras literárias, destas podem destacar-se algumas como: a “Biblioteca de Livros Úteis e Científicos” que surge logo em 1907 publicando os seus anúncios, regis-

(16)

Veja-se Quadro de Autores e Obras em Anexo, p. 453.

410

tando-se no ano seguinte a “Biblioteca de Educação Nacional”, sendo aqui logo claro qual era o objectivo a alcançar por esta colecção. Depois outras se lhe seguem em 1909, como as “Obras de Assinatura”, a colecção de “Sherlock Holmes (O Polícia Amador)” e as “Novidades Literárias”17. Pode-se observar que existe nestas colecções uma grande diversidade de obras literárias que vão desde o simples romance policial de Conan Doyle, a obras de carácter educativo, a romances de autores portugueses como Camilo Castelo Branco. Depois assinalam-se outras colecções cujo sentido das obras é mais científico e outras ainda cujo pendor didáctico ou de ensino é muito marcado. Finalmente, uma colecção onde se pretende de forma mais ou menos discreta atingir um fim político, pois as obras que constavam desta dedicavam-se a formar a consciência política dos portugueses. Estes gradualmente iam conseguindo aperceber-se da decadente realidade que a monarquia portuguesa tentava esconder havia alguns anos. Analisando a distribuição anual das colecções verifica-se que a “Biblioteca de Educação Nacional” permanece ao longo dos anos. Em 1909 regista-se já a existência de pelo menos cinco colecções que são: a “Biblioteca de Educação Nacional”, “Obras de Assinatura”, “Livros Escolares”, “Sherlock Holmes (O Polícia Amador)” e “Novidades Literárias”18; em 1910, mantêm-se quatro colecções que vinham de 1909. A evolução que se verifica é um aumento até 1909, mas a fase de declínio que se inicia em 1910 já tem algum significado. No entanto, a regressão das colecções é assinalável devido ao interesse que a leitura suscitava num momento em que as preocupações com a própria subsistência eram mais importantes que as preocupações de carácter cultural. Neste campo, pode ver-se a capacidade de anunciar de cada colecção e qual a que se revela com maior pujança económica. Neste caso a “Biblioteca de Educação Nacional” é a que se apresenta com maior poder divulgador, ou talvez aquela que mais reconhecimento tinha junto do grande público. Nas restantes, a que menos peso dispunha, era a “Biblioteca de Educação Moderna”. Porque entre as diversas colecções, esta era a que menor número anúncios publicou. No entanto, isto pode significar que a influência de Loulé em termos de cultura seria bastante reduzida, daí que esta colecção revelasse pouco interesse em anunciar num jornal local.

(17)

Veja-se Quadro de Colecções em Anexo, p. 453.

(18)

Veja-se Quadro de Colecções em Anexo, p. 453.

411

Neste campo do sector cultura, pode ver-se que as colecções tinham público mais ou menos definido, pois essas obras teriam um público fiel o que lhes garantia um mercado. Por seu lado, os autores que elas publicavam seriam dos mais conhecidos na época. As suas obras eram quase todas de carácter bastante polémico, tentando mobilizar a opinião pública na prossecução de objectivos delineados em instâncias superiores, sobretudo de carácter político. Para terminar, este sub-sector do campo cultura representa 13% desse campo, o que significa uma representação ainda importante. 3.3 - Almanaques Neste âmbito seria curioso verificar quais os Almanaques que eram mais anunciados no Algarve e se haveria neste período algum Almanaque da região. Porém, conclui-se que os Almanaques que eram anunciados localizavam-se na região de Lisboa. Ao longo do período de quatro anos em que existiu o Jornal de Anúncios, encontram-se somente seis Almanaques. Analise-se a sua distribuição ao longo do tempo: em 1907 encontra-se somente 1, no ano seguinte encontram-se 2, valor que se mantém em 1909, regressando novamente a 1 Almanaque em 1910. Outro problema que se levanta na análise destes dados relaciona-se com a sua reduzida capacidade anunciadora, pois no seu conjunto encontram-se só 41 anúncios. Mas, os Almanaques eram uma leitura constante nesta época, porque traziam grande variedade de informações úteis, bem como conselhos sobre áreas diversificadas, porém a sua difusão através da publicidade nos jornais locais era bastante reduzida. Os Almanaques surgiram publicando anúncios em 1907, com o “Almanaque do Povo”, depois em 1908 surge o “Almanaque Ilustrado” acompanhado de um anúncio onde se publicitavam três Almanaques diferentes: “Almanaque das Lembranças”, “Almanaque das Senhoras” e “Almanaque Ilustrado”; em 1909 reencontra-se o anúncio a estes Almanaques e um anúncio individual para o “Almanaque Enciclopédico Ilustrado”. Finalmente, em 1910 volta-se a encontrar o anúncio já referido para o ano anterior. Observa-se que este sub-campo da Cultura representava 3,6% do total o que significava um peso muito pequeno.

412

3.4 - Revistas Verifica-se que as revistas se concentram especialmente nos dois primeiros anos de publicação do jornal. Encontram-se 12 revistas em 1907 e somente uma no ano seguinte desaparecendo depois a sua publicitação. Estas revistas eram de características diversificadas, já que era possível encontrar revistas de carácter militar e revistas femininas19. As revistas mais empreendedoras eram a “Serões” com 18 anúncios, a “Gazeta das Aldeias” com 12 anúncios, todas as restantes tinham pouca representatividade daí que não sejam referidas neste tratamento. No total, as revistas publicaram 75 anúncios, o que representa 6,7% dos reclames deste sub-sector. 3.5 - Festas Apesar deste ser sem dúvida o sub-campo mais reduzido, a sua importância advém do facto de ser constantemente repetido ao longo dos anos e na mesma época. Assim, fazia-se o anúncio de uma festa que teria então (e ainda hoje) a afluência de pessoas de vários locais. O anúncio referido consistia na realização do “Carnaval Civilizado” em Loulé. Segundo se sabe 1906, foi o primeiro ano em que se festejou o “Carnaval Civilizado”, porque até aí os festejos eram rodeados de alguns aspectos agressivos. Nesse ano um grupo de louletanos julgou ser necessário alterar as feições desta festa, com uma campanha promocional junto da população da vila. Desta forma se iniciou uma festa que ainda hoje se mantém, embora os seus moldes se tenham mantido em alguns aspectos, a evolução dos tempos trouxe também alterações que são notórias. Este festejo ainda mantém a realização de um cortejo de veículos enfeitados, acompanhado de uma batalha de flores com a presença das bandas filarmónicas da terra e com a realização de bailes nocturnos a que acorria o melhor da sociedade louletana. A festa prolongava-se por três dias: no domingo, pela manhã era a entrada triunfal do rei Carnaval num elegante e

(19)

As revistas concentram-se quase todas em 1907, acabando no ano seguinte por se encontrar anúncios somente a uma revista. As revistas eram: “O Instituto”, “O Ocidente”, “Gazeta das Aldeias”, “A Instrução do Povo”, “Revista de Infantaria”, “Revista Agronómica”, “Serões”, “A Caça”, “A Saúde”, “A Alma Feminina”, “A Cidade e os Campos” e a “Enciclopédia das Famílias”. Em 1908 só se encontram anúncios de “A Alma Feminina”.

413

luxuoso carro, seguido de matinée e, de tarde, realizava-se uma corrida de bicicletas; na segunda-feira, eram as corridas negativas de jericos durante a manhã, e durante a tarde era a batalha de flores; na terça-feira, fazia-se a distribuição do bodo aos pobres, a que assistiam as entidades oficiais juntamente com os elementos mais importantes da sociedade louletana da altura, na parte da tarde decorria a batalha de flores a que se seguia a retirada do rei do Carnaval. IV - PUBLICIDADE E SAÚDE A relação entre publicidade e saúde era cada vez mais forte, porque a evolução dos anúncios no sector medicina tendia sempre para aumentar. Regista-se um forte aumento dos anúncios entre 1907 e 1909, terminando o ano de 1910 com uma quebra, fruto da situação cada vez mais complicada que se vivia em Portugal. Anualmente contabilizam-se 78 anúncios no sector medicina em 1907, no ano que se segue encontram-se 104 reclamos e 124 em 1909. Em 1910 a capacidade anunciadora do sector medicina reduziu para 88 espaços publicitários. No total, encontram-se 394 anúncios incluídos neste sector, o que significa perto de 7% do total de anúncios tratados. 4.1 - Médicos Esta profissão aparece representada logo em 1907 através do Dr. João B. Brás residente em Loulé, que publicita o seu consultório durante três anos. No total ele comprou 111 espaços publicitários que se distribuem da seguinte forma: 35 anúncios em 1907, 48 no ano que se segue e 28 em 1909. Realce-se a presença cada vez maior dos médicos e a preocupação com o estatuto social inerente à profissão, bem como a sua afirmação como elemento importante da sociedade. Desta maneira só se encontra um médico preocupado em apregoar o seu consultório durante 1907, em 1908 passam a ser dois médicos, número que duplica no ano que se segue e em 1910 já se encontram cinco médicos. Através disto conclui-se quanto era lucrativa esta profissão. Ao contrário do que seria de esperar, já que o número de anunciantes aumenta o número de anúncios deveria aumentar, porém não era isso que acontecia. Analise-se o que acontecia através do quadro que se segue:

414

MÉDICOS

1907

1908

1909

1910

João B. Brás

35

48

28

0

Geraldino Brites

0

18

15

3

Ladislau Patrício

0

0

11

2

Abel Campos

0

0

0

18

A. Silva Vieira

0

0

0

16

35

66

54

39

TOTAL

Neste quadro apresentam-se os médicos que existiam em Loulé ou que aí possuíam consultório onde podiam dar consultas aos seus doentes, exclui-se, portanto, deste quadro os médicos que nos aparecem de outras localidades, como era por exemplo a vizinha cidade de Faro. Por isso mesmo, no ano de 1910 o total de anúncios é de 44 e no quadro aparece um total de 39, isto significa que ainda existe outro médico a anunciar mas que não tinha consultório em Loulé. Através do tratamento dos elementos consultados só se encontram estes médicos o que não significa que não existissem outros em Loulé, mas certamente eles não seriam muitos mais. Porém, conclui-se que o número de doutores na localidade terá aumentado mas a sua capacidade de apregoar o seu consultório era cada vez menor. Fazendo o cálculo de anúncios presentes neste sub-sector verifica-se que existem 214 reclamos, que equivalem a cerca de 54% dos anúncios inseridos neste âmbito. 4.2 - Medicamentos Este é um sub-sector onde a quantidade de elementos é pouco significativa, porque se reduz a 5 elementos anunciadores, alguns dos quais transitam de uns anos para outros. Os produtos que aparecem em 1907 designam-se “Emulsão de Scott” e “Digestivo Roivin”. O primeiro, seria um medicamento de facto, utilizado na cura de variadas doenças das quais se destaca o raquitismo, e a sua constituição seria à base de óleo de fígado de bacalhau. Este era um medicamento que se vendia somente em farmácias e drogarias. O segundo caso, o “Digestivo” era produzido em França, sendo utilizado na terapêutica de problemas agudos de estômago e intestinos. Também só podia ser vendido em farmácias.

415

Neste ano, surge ainda algo a que aparecem algumas reticências quanto à denominação como medicamento, mas funcionaria como tal. Designava-se como as “3 Ervas do Monte Ruwenzori”20 e cuja utilização seria recomendada para “curar todas as doenças crónicas ou recentes”. Os concessionários que fabricavam este produto para a Europa eram de Itália. Quanto a 1908, mantém-se a “Emulsão de Scott” e aparece ainda a “Somatose” que funcionaria como um fortificante, pois aparecia a indicação para os casos de “convalescença”. No ano seguinte, mantêm-se estes dois e surge ainda a “Solução Pautauberge” sendo esta indicada para tratamento de “todos aqueles que sofrem de doenças de peito”. No entanto, este “medicamento” seria de venda livre. Para 1910, mantiveram-se os dos anos anteriores e aparece ainda a “Levedura de Coirre”. Este produto poderia ser aplicado “para todos aqueles que sofrem de sardas, de acne, de furúnculos” e outros problemas semelhantes. Este produto era de venda exclusiva em farmácias e fabricava-se em Paris. Fazendo uma análise geral conclui-se facilmente que o medicamento mais publicitado era a “Emulsão de Scott” com 57 espaços, e que consegue uma presença constante no jornal. Por seu lado, nos restantes produtos destacam-se a “Somatose” com 47 anúncios e o “Digestivo Roivin” com 11 espaços publicitários. Este sub-sector publicou 134 artigos o que representava 34% do sector medicina. 4.3 - Farmácias Segundo informações que foi possível recolher, e através da análise dos dados disponíveis verifica-se que este seria o sub-sector do campo medicina com menor representatividade. Porque, em Loulé, neste período a que se refere o trabalho poucas eram as farmácias que existiam e ainda menos as que estariam interessadas em anunciar os seus produtos e serviços no jornal da terra. Regista-se assim a presença de pelo menos duas farmácias no concelho de Loulé. Uma localizada na parte urbana da vila e outra numa freguesia dos arredores.

(20)

Este Monte Ruwenzori a que é feita referência localiza-se em África, mais concretamente no Uganda.

416

Sobre a primeira sabe-se que pertencia a Eugénia Rosa Nobre e a farmácia era designada como “Farmácia Nobre”. Através dos anúncios que publicou constata-se que a proprietária estava interessada em abandonar o ramo de actividade. Tal situação poderia fazer indiciar falta de rentabilidade do negócio ou a ausência de capacidade económica para as pessoas comprarem os seus medicamentos nas farmácias, recorrendo ainda muito frequentemente aos tratamentos caseiros à base de chás e outros produtos naturais que se acreditava terem poderes curativos. Por seu lado, a “Farmácia Pinto”, que existia em 1909, em Salir, publicou um anúncio onde publicitava sobretudo os “tratamentos de escrofuloses”21, o que indica que este seria um dos problemas de saúde mais comuns deste período. Porém, sabe-se que outro dos problemas de saúde mais preocupantes era o controlo da tuberculose, muito comum entre as pessoas que tinham menos cuidados higiénicos. 4.4 - Balanço Geral dos Anúncios Analisados Como balanço, pode dizer-se que este trabalho sofre várias vicissitudes, uma das principais prende-se com o facto de muitos dados sofrerem meramente um tratamento descritivo e pouco elaborado do ponto de vista do enquadramento teórico. Porém, isto tem a ver com uma opção assumida pelo autor, que não teve tempo, nem possibilidade de complementar todos os elementos com mais informação. Por um lado, porque não tinha mais elementos disponíveis, mas também porque o trabalho tem como preocupação fundamental dar a conhecer em traços gerais um assunto, uma época e uma região ainda por explorar por investigadores, por alunos e por professores interessados em dar a conhecer a sua terra. Outro aspecto a ter em conta é a metodologia escolhida, sempre da autoria de quem realizou o trabalho, o que pode ser bastante criticável, mas foi a forma se tentar simplificar assuntos que poderiam ser mais complexos, ou possivelmente terminando por complicar aqueles assuntos que à partida seriam mais simples. Assim, procurou-se fazer um pequeno enquadramento teórico do tema, que ainda está na sua quase totalidade por realizar em Portugal. Daí a necessidade de recorrer a uma obra de referência francesa, para tomar contacto

(21)

Escrofuloses – era uma doença típica deste período em que os gânglios sofriam muitas infecções, sobretudo devido à falta de higiene das pessoas.

417

Conclui-se portanto, após a realização do trabalho, que aquilo que se fez é pura e simplesmente levantar o véu sobre uma questão que merecia um trabalho muito mais desenvolvido e onde seria fácil encontrar dados para aprofundar mais este assunto.

V - CONFRONTOS PARTIDÁRIOS EM LOULÉ (1909-1912) Para se analisar o desenvolvimento e a animação dos movimentos políticos na região do Algarve, mais concretamente em Loulé, procurar-se-á utilizar fontes coevas, como era o caso do Notícias de Loulé e O Povo Algarvio. Afirmam-se logo desde o início como jornais com características e directrizes políticas distintas. O Notícias de Loulé define-se logo no seu primeiro editorial como “um hebdomadário monárquico” 23. Tinha como director o Padre Manuel Basílio Correia e o primeiro número deste jornal aparece em 30 de Maio de 1909. Por seu lado, O Povo Algarvio define-se também no seu primeiro editorial como um jornal republicano, defendendo “um governo do povo e pelo povo – A República”24. O seu director foi sempre Francisco de Paulo Madeira, e o número inicial de O Povo Algarvio aparece dez dias antes do Notícias de Loulé. Verifica-se logo pela curta diferença temporal existente entre o aparecimento de um e outro jornal que a política louletana estava em ebulição. Assim, o surgimento do jornal republicano tem como resposta imediata o aparecimento de um jornal monárquico. Os republicanos ganhavam terreno de forma significativa. Os monárquicos, vendo os seus interesses ameaçados tentavam por todas as formas manter os republicanos longe do poder político, para isso recorriam a todos os meios disponíveis. É bastante curioso observar as movimentações políticas em Loulé, porque as pessoas envolviam-se de corpo e alma em problemas acabando por se ver ultrapassados por eles. Muitas vezes os problemas de incompatibilidades pessoais eram transpostos para a vida política, o que provocou algumas vezes situações desagradáveis como se procurará demonstrar ao longo deste trabalho.

(23)

Anónimo, “O Nosso Jornal”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 1, 30-05-1909, p. 1, col. 1.

(24)

Anónimo, “O Povo Algarvio”, O Povo Algarvio, Ano I, N.º 1, 20-05-1909, p. 1, col. 2.

419

5.1 - A Política Local Loulé, como o resto do país, tinha uma câmara municipal de cariz regenerador, mas sentia-se a ascensão de uma nova força política, o republicanismo. Através do Notícias de Loulé verifica-se que o seu problema principal ao nível da política local estava relacionado com a passagem do caminho de ferro por Loulé, como Marçal Pacheco sempre defendera enquanto representante da região junto do poder central. Porém, todas essas tentativas foram frustradas, embora segundo parece a resolução deste problema solucionaria a crise que se vivia em Loulé e por todo o Algarve. Outro tema muito focado era a falta de infra-estruturas rodoviárias que facilitassem as comunicações entre as diversas localidades, permitindo uma melhor circulação de pessoas e mercadorias25. Muitas vezes surgiam questões de pormenor a que se encontra grande referência como a reparação da estrada entre Alte e Loulé, que segundo os relatos da época estaria praticamente intransitável. Outra ligação rodoviária muito importante era a que ligava a vila a uma das suas freguesias, como era Querença, onde passava a estrada para Almodôvar, sendo referido que se as obras fossem feitas, mais fáceis seriam as ligações entre o Baixo Alentejo e o Algarve. Outro problema que parecia preocupar muito este jornal era a questão da limpeza pública. Esta parecia ser pouco importante naquela época, embora se soubesse que essa falta de higiene pública provocava o aparecimento de febres que poderiam conduzir a casos fatais26. Finalmente a questão do “Real de Água”. Esta conduziu ao aparecimento de grandes protestos desde 1871 quando se tinha registado a sua generalização a todos os produtos de consumo, sendo a taxa sobre esses produtos progressivamente aumentada, o que causava problemas aos comerciantes. Durante o ano de 1910 assistiu-se a um recrudescimento desse problema em Loulé, quando a câmara municipal se viu obrigada a cobrar mais 30% de

(25)

Artigos onde este tema era focado no Notícias de Loulé: Anónimo, “A estação de caminho de ferro de Loulé”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 2, 06-06-1909, p. 1, col. 1; J. G. “A estrada de Querença”, Idem, Ano I, N.º 7, 11-07-1909, p. 2, col. 5; Anónimo, “Limpeza Pública”, Ibidem, Ano I, N.º 6, 04-07-1909, p. 1, col. 1; Anónimo, “O Real de Água”, Ibidem, N.º 26, p.1, col. 1.

(26)

Geraldino Brites, Febres Infecciosas (Notas sobre o concelho de Loulé), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1914.

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imposto levando assim a um aumento do preço dos bens de consumo27. Também n'O Povo Algarvio a questão da política local acaba de certa forma por focar alguns temas que anteriormente foram referidos, sendo de registar a política de conflitualidade com o Notícias de Loulé. Verificando-se através desses artigos que a problemática local se baseava muito na crítica à governação monárquica, no entanto, por vezes entrava-se por uma via de conflito pessoal como aconteceu de facto entre Basílio Correia e Paulo Madeira. Este conflito é mesmo descrito por Vieira Branco como “muito violento, fez por vezes envolver o seu director [Paulo Madeira] em cenas de pugilato em que não era peco”28. Durante este período em que o carcomido regime monárquico estava a agonizar, em Loulé, vivia-se com efervescência todas as alterações que se faziam sentir na vida política local. Esta terra sempre se afirmara defensora da Monarquia, procurando manter as tradições, os sentimentos que a grande maioria da população sentia, defendendo a sua religiosidade católica. Loulé seria um dos bastiões mais acerrimamente protectores da Monarquia. Aqui dominavam os regeneradores, progressistas, franquistas e outras forças conservadoras, em que cada sector defendia ardentemente os respectivos programas, mas todos eles acabavam por conduzir ao fim do regime vigente. Os republicanos eram decerto poucos mas aguerridos que se avaliariam em perto de uma centena, aproveitavam-se das desinteligências surgidas entre os grupos acima referidos e tentavam conseguir adeptos para a sua causa, ganhando força, autoridade, por forma a conseguir a desejada tomada de poder. Sabe-se que sobretudo a partir do regicídio de 1908, a propaganda republicana aumenta de intensidade e Loulé conhece então o seu primeiro comício republicano a 29 de Março de 1908. De acordo com Pedro de Freitas, o autor afirma que “os republicanos levam a efeito na fazenda de José Ascensão um comício (o republicano mais activo de Loulé). É presidido pelo Dr. José de Pádua, e são oradores os Drs. Vitorino Mealha e Fernando Costa”29.

(27)

Anónimo, “Imposto do Real de Água”, O Povo Algarvio, Loulé, 11-06-1910, Ano II, N.º 40, p. 2, col. 2.

(28)

Capitão Vieira Branco, Subsídios para a História da Imprensa Algarvia, s. e., s. l., 1938, p. 82.

(29)

Pedro de Freitas, Quadros de Loulé Antigo, Loulé, Edição do Autor, 1991, p. 105.

Esta obra deve ser consultada com muitas precauções.

421

O republicanismo existiria em Loulé, segundo se conseguiu determinar através do trabalho do Doutor Fernando Catroga, já desde 1891 quando ainda se formava o movimento republicano. Porque nesta data assinalava-se a existência de um Centro Republicano de Loulé30, porém este acabou por se desintegrar e surge um novo Centro Republicano em 1909, denominado Centro Republicano Azevedo e Silva31. O Notícias de Loulé muitas vezes nos seus artigos caricaturava as figuras políticas republicanas, sobretudo através da música que sempre acompanhava os grandes acontecimentos políticos da época “a filarmónica está ensaiada e mortinha, por rasgar as nuvens do nosso céu azul, com as suas notas estrídulas e desafinadas. Vai ser ouvida pela milésima vez, a ária da república, com pequenas modificações, os compassos Tomás Cabreira, substituem-se pelo fado novo (...). Os instrumentos são os mesmos; o Afonso Costa toca a corneta e o Santarrão Bernardino, o trombone, exceptuando a pele do bombo que deixou de ser a do Sr. Sebastião Teles, para ser a do leal monárquico Alpoim”32. Desta forma pretendeu-se mostrar como eram “retratadas” as personagens de um dos lados, neste caso os republicanos. Observe-se então como os republicanos classificavam os monárquicos, por um lado encaravam-nos como pessoas velhas, com poucos escrúpulos, tentando manter a sua posição a todo o custo. Através de O Povo Algarvio verifica-se que a Monarquia era a culpada de todos os males de que padecia Portugal. Diziam que a Monarquia tinha “com os seus partidos políticos endividado e envelhecido Portugal tão extensa e profundamente, que a Pátria a podemos quase considerar, sem sentimentalismo retórico, uma pertença ou feudo do estrangeiro. (...) Contrastando flagrantemente com a falência e a vida do regime, cujas escoras não são o povo nem o exército, mas o nepotismo que nos envenena e arruina, e o caciquismo que nos sufoca e cafrealisa”33. Será necessário ter em conta que as forças políticas em presença disputavam afanosamente entre si os lugares de deputados, mas para isso era

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Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal: da Formação ao cinco de Outubro de 1910, vol. II, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1991

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Sobre este centro encontraram-se recentemente mais elementos no âmbito da dissertação de Mestrado que estamos a realizar sobre o desenvolvimento do Partido Republicano no Algarve desde 1870 até 1910.

(32)

R. “Comícios”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 2, 06-06-1909, p. 2, col. 2.

(33)

Bernardo de Passos, “Respondendo aos oradores da reunião monárquica de S. Brás de Alportel”, O Povo Algarvio, Ano I, N.º 21, p. 1, col. 1 e 4.

422

necessário captar os eleitores, que como se sabe neste período estavam sujeitos ao censo imposto pelas leis eleitorais. Estas decidiam-se ao sabor dos interesses de quem estava no poder, daí que, Hintze Ribeiro, em 1895-96, tivesse decidido reduzir de forma significativa o corpo eleitoral. Segundo Luís Vidigal, na região de Faro, em 1901, cerca de 1 em cada 3 eleitores era analfabeto e nos dez anos que passam certamente que as evoluções não foram muito significativas. No entanto, o mesmo autor indica que se verifica um “progressivo aumento da representatividade algarvia que passa entre as duas datas-limite (1820-1911) de 3 para 8 deputados”34. O Algarve sente cada vez mais a luta política que se fazia sentir um pouco por todo o País. Eram os Republicanos, os Regeneradores Liberais, os Progressistas, todos procuravam chamar a si os eleitores, para isso fundavam-se de centros políticos na tentativa de formar cidadãos politicamente conscientes. Os republicanos tinham de combater aqueles que pela sua autoridade e tradicionalismo teimavam em permanecer no poder, neste caso os caciques. 5.2 - Monarquia e República Enquanto o Notícias de Loulé concentrava as suas atenções nas virtualidades inerentes a um regime monárquico, acusando os republicanos de “simples bombistas”. Pode verificar-se isto mesmo, quando os autores dos artigos questionam a superioridade dos regimes republicano ou monárquico, neste caso defendia-se a Monarquia, embora se reconhecesse que “no campo teórico, pode ser que sim, se bem que há já hoje espíritos cultos, intelectualidades superiores, pensadores eminentes, que dizem o contrário”35. Para os colaboradores deste jornal, seria óbvio reconhecer que o regime monárquico era sempre superior. A República seria um tipo de regime político mais adequado a países mais desenvolvidos moral e socialmente do que Portugal. Os monárquicos reconheciam o atraso que Portugal patenteava nos diversos domínios. A principal crítica apontada à República era a escolha do Chefe de Estado, que poderia ser um indivíduo incompetente para exercer cargos de tamanha responsabilidade. Portanto, a diferença fundamental entre um

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Ho-

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Anónimo, “Monarquia ou República”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 4, 20-06-1909, p. 2, col. 4.

Luís Vidigal, Cidadania, Caciquismo e Poder (Portugal, 1890-1916), Lisboa, Livros rizonte, 1988, p. 39.

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regime e outro era que a República era electiva e temporária, enquanto a Monarquia era hereditária e vitalícia. Porém, noutros artigos, as críticas à República conseguiam ser bastante ferozes, porque se baseavam nos argumentos estruturais do atraso do nosso país, na elevada taxa de analfabetismo, que serviriam como escudo protector dos interesses monárquicos, porque afirmavam que Portugal “ainda não está preparado para a monarquia constitucional, quanto mais para a República”36. O Notícias de Loulé ia fazendo comparações entre um e outro tipo de regime, recorrendo muitas vezes aos erros cometidos por outros países onde a República já estava implantada, daí que um dos países mais referenciado fosse a França. Geralmente, criticavam-se os propagandistas republicanos como Afonso Costa, intitulando-os com nomes pouco edificantes e dignos, neste caso era denominado “elixir republicobuissa”. O maior receio que os monárquicos de Loulé tinham, era que os republicanos ganhassem cada vez mais adeptos na província, e o seu papel era combater os existentes. Porque, pensavam eles, que o republicanismo no Algarve era uma nulidade, já que “não há tão só uma freguesia ou um concelho, onde seja a maioria ou, sequer, tenha um número razoável de adeptos, e, pelo contrário existem até centros numerosos de população, onde a mais formidável propaganda republicana não é capaz de aglomerar uma centena de cabeças do seu lado”37. Segundo se pensava naquele período “o povo português, em geral, não tem convicções políticas de espécie nenhuma; não é progressista, regenerador, franquista, nacionalista, dissidente ou republicano”, interessava-lhe sobretudo ser amigo dos seus amigos, daí que na maioria dos casos se votasse mais por simpatia e amizade a um determinado político, do que pelos princípios e pelas ideias políticas que cada candidato defendesse. Compreende-se então o sucesso que o caciquismo teve no nosso País desde o século XIX até bastante tarde, mesmo no nosso século. Quanto a O Povo Algarvio, também ele por motivos diferentes publicou artigos sob o título “Monarquia e República”, tendo em conta a data de publicação de um e outro jornal pode concluir-se que o repto à comparação foi

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João das Regras, “Monarquia ou República”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 5, 27-06-1909, p. 2, col. 1.

(37)

Damião de Portugal, “Carta de Lisboa”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 6, 04-08-1909, p. 2, col. 3.

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feito pelo jornal republicano. Assim, este órgão político-informativo partia do princípio que o modelo político oferecido pela República era melhor, porque permitia uma escolha consciente por parte da população e não era fruto de um acaso derivado do nascimento, como acontecia com as monarquias hereditárias como era a portuguesa. O Povo Algarvio defendia a implantação da República e afirmava que este regime era “uma garantia mais eficaz dos princípios democráticos. Só a república pode comportar o sufrágio universal, a liberdade absoluta de imprensa e de reunião, que estão no espírito e na consciência de todos”38. Seria, portanto, na defesa destes valores que este jornal se bateria, também porque conheceu o período repressivo da imprensa periódica que antecede a queda da Monarquia. Com o aumento das contradições no seio do velho regime, mais se tornava visível a sua dificuldade em resolver os problemas nacionais, provocando o descontentamento no País. De acordo com José Tengarrinha, “foi esse período de 1889 a 1908 o mais duro na compreensão das liberdades públicas e, portanto, de repressão da Imprensa (...) Sob o governo de Campos Henriques, em princípios de 1909, restabelece-se a perseguição à Imprensa, que se manterá até à instauração da República”39. Será durante este período que se registará um desenvolvimento significativo da Imprensa, mesmo que de carácter específico, como era o caso da imprensa operária e sindical, porque se regista um certo desenvolvimento industrial criando situações de cariz social que Portugal até aí desconhecia. No entanto, as classes trabalhadoras iniciam aqui uma das suas linhas de ruptura que vão conduzir os trabalhadores da “linha socialista para a linha do sindicalismo e do anarco-sindicalismo, verificando-se a ruptura destas correntes com os socialistas no Congresso Nacional Operário de 1909”40. Ambos os jornais se preocupavam em fazer sobressair as virtualidades de um e outro regime político. Porém, no caso do jornal republicano, publicam-se grande quantidade de artigos polémicos, sobretudo onde se apontam os temas da política e da religião, já que, para os seus redactores os males do nosso País residiam muito no domínio exercido pela religião na vida política. Sendo visados nesta crítica os padres, essencialmente os

(38)

Anónimo, “Monarquia e República”, O Povo Algarvio, Ano I, N.º 3, 03-06-1909, p.1, col.1.

(39)

José Tengarrinha, História da Imprensa Periódica Portuguesa, 2ª ed., Lisboa, Editorial Caminho, 1989, p. 259.

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Ca-

Victor de Sá, Roteiro da Imprensa Operária e Sindical(1836-1986), Lisboa, Editorial minho, 1991, p. 73.

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Jesuítas. Por isso, encarava-se como inevitável a caminhada dos povos para um novo tipo de regime político (a República), mas esse caminho estava obstruído por aqueles “que tendo enchido a História de crimes e de sangue, querem ainda segurar o mundo, em nome de um Deus que lhes não pertence (...). Chegou portanto a hora do combate. Alegremo-nos porque a vitória tem de ser nossa (...) e em breve fazer ruir o velho pardieiro do Preconceito onde os padres e os reis conspiram contra a humanidade”41. O motivo que mais críticas suscitaria por parte dos republicanos era o crescente endividamento da monarquia constitucional, que em 57 anos multiplicou por nove a dívida do nosso país (1852-1909), mas isto não trouxe benefícios visíveis à vida das pessoas. Por um lado, a nossa defesa em caso de ataque externo não estava organizada porque não tínhamos um exército de campanha para nos defender, nem sequer para impedir uma invasão caso ela fosse tentada. A ausência deste instrumento decisivo de sustentáculo do poder vai conduzir ao desmoronamento do regime monárquico, pelo menos era essa a opinião das pessoas ligadas a este jornal. A evolução da própria situação política pode ser acompanhada através do subtítulo do jornal, que no início se denominava “semanário republicano”, depois a situação endurece e passa a designar-se “semanário republicano independente” e, por fim, fica a denominação “semanário republicano e anti-clerical”. Esta situação era comum aos jornais republicanos, que tomavam posição contra os Jesuítas. Estes simbolizavam a “gente adestrada na submissão, no servilismo, na abdicação da vontade e da razão individuais perante os dogmas eclesiásticos (...) significava a antimoral, a Anti-República”42. Daí que alguns republicanos de Loulé seguissem a corrente anti-clerical do republicanismo, já que também se sentiam perseguidos pelos padres. A Igreja sempre funcionou como um depositário de confiança da Monarquia. Ela serviu para conduzir o povo a confiar naquilo que convinha no momento, mas aí colocava-se o problema de ultrapassar toda uma educação a que os portugueses tinham estado sujeitos ao longo de toda a sua vida. Apresentava-se então como necessário uma regeneração, esta derivava da ignorância reinante, portanto uma consequência dos erros da Monarquia

(41)

Anónimo, “Tempos Novos”, O Povo Algarvio, Ano I, Nº10, 25-07-1909, p. 1, col. 2.

(42)

Rui Ramos, “A Segunda Fundação (1890-1926)” in História de Portugal, Dir. José Mattoso, vol. VI, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, p. 404.

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que conduziram a uma crescente capacidade de mobilização da população por parte do Partido Republicano. Este procurava apelar à adesão popular para a sua causa partindo do esclarecimento da população, procurando apresentar soluções capazes de satisfazer as suas necessidades e aproveitando o descontentamento crescente que se fazia sentir em Portugal. Verifica-se, porém, alguma inaptidão do Directório do Partido Republicano para conseguir solucionar de forma coerente os problemas que incomodavam cada vez mais as camadas inferiores da população. Outro dos problemas que a estrutura republicana defrontava era a falta de união que se fazia sentir dentro do seu movimento mesmo antes de subir ao poder os republicanos já estavam cindidos no seu seio, porque algumas figuras defendiam uma orientação mais radical e outros perfilhavam a opinião dos moderados43. Concluindo, a discussão entre as vantagens da República e da Monarquia vão sempre sendo discutidas entre estes jornais, acabando cada um deles por defender sempre de forma acérrima aquilo em que sempre acreditou, os seus ideais, os seus princípios e a política que gostaria de ver seguida no País em que viviam, tendo sempre presente os perigos e as vantagens que surgiam ligados a cada um dos sistemas. 5.3 - Caciquismo Político O caciquismo foi possivelmente dos assuntos mais debatidos em termos de História do século XIX até à I República Portuguesa. Foi sempre um problema que marcou a vida política do nosso pequeno País. Porém, se estudos gerais sobre este tema, existem certamente muito poucos se fizeram para uma escala local. Procurar-se-á fornecer algumas pistas sobre o funcionamento do caciquismo em Loulé, identificando algumas figuras centrais e apontando sempre que possível alguns métodos utilizados. Analise-se primeiro algumas das características do caciquismo de forma geral. O caciquismo baseava-se na figura de um notável de uma determinada localidade que, pelo seu poder económico ou outro conseguia dispor de um conjunto maior ou menor de eleitores de acordo com a sua importância. Normalmente, este cacique era um proprietário, por vezes uma pessoa que pelo seu esforço conseguiu ascender socialmente, enriqueceu e porque tinha ambições políticas e pretendia conseguir um lugar de vereador na câmara

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Amadeu Carvalho Homem, A Propaganda Republicana (1870-1910), Coimbra, Coimbra Editora, 1990, p. 74 e ss.

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do local onde residia. Procurava então os votos, normalmente algumas centenas, que dependiam de si pelo trabalho que lhes proporcionava, pelos empregos que conseguiu arranjar, aqueles que lhe deviam favores e dinheiro que nestas circunstâncias são “convidados” a pagar essas dívidas. De acordo com alguns autores “o caciquismo local é de duas naturezas: ou nasce do poder que um grande proprietário tem em povoações mais ou menos suas vassalas (...); ou provém da influência adquirida politicamente dando empregos, livrando recrutas, etc.” 44 , como se pode compreender existiriam vários tipos de caciques, uns mais burocráticos, outros proprietários. Era em torno desta figura que se ia desenvolver toda a vida política do nosso País, porque eram eles que ditavam quem era eleito. Quando estes homens não conseguiam impor o seu desejo, muitas vezes os recursos utilizados eram mais dolorosos ou subtis, porque recorrem à compra do voto, à ameaça ou agressão física ou mesmo à perda do emprego. As suas posições são mantidas por um constante virar de rumo, porque nuns momentos defendem um partido, mas noutros defendem outro. Demonstra-se então como eram vagos os programas partidários, apesar do interesse dos caciques não seja o de cumprir os programas, mas sim satisfazer a sua própria ambição. Interessava-lhes estar sempre bem com o governo vigente para assegurar em troca da sua amizade e dos votos conseguidos, as cadeiras de senadores, de deputados ou conseguindo-lhes locais bem remuneradas, mas o seu maior interesse era a integração dos seus filhos no quadro da função pública. No Notícias de Loulé comparava-se o político que mudava frequentemente de partido ao sabor das suas conveniências e dos seus interesses ao “polvo que muda de côr, conforme a côr do local, em que se acha (...) assim também o eleitor vai mudando de côr política, acompanhando as evoluções do influente, que o tem incondicionalmente às suas ordens (...). O essencial para o eleitor português é fazer o favor aos amigos”45. Neste mesmo artigo, o autor critica violentamente os votos obtidos com dinheiro, pela força, os “votos-moeda” que permitiram conseguir um lugar na mesa do orçamento, conseguir despachos para empregos. Segundo se dizia, era comum que nas eleições se comprassem votos sem qualquer tipo de pejo, de

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Luís Vidigal, Cidadania, Caciquismo e Poder (1890-1916), Lisboa, Livros Horizonte, 1988 Cf. Oliveira Martins, Dispersos, Vol. I, Lisboa, 1923, p. 50-51.

(45)

Anónimo, “Monarquia ou República”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 6, 04-07-1909, p. 3, col. 3.

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forma clara e directa, mas também se compravam votos indirectamente. Nas eleições, os líderes partidários escreviam aos seus amigos da província, que por sua vez contactavam os eleitores que conheciam e lhes davam empregos. O problema do caciquismo era também vivido de forma intensa em Loulé, onde se toma contacto com esta realidade através do jornal monárquico. Segundo se dizia o povo português ainda estava mal preparado politicamente. Havia falta de educação cívica, aproveitando o povo, as eleições, para realizar um bom negócio, do qual podia tirar bons rendimentos e podia em simultâneo agradar ao seu amigo. Defendiam os monárquicos a propósito do aumento da actividade dos caciques que se estaria perante uma reacção contra os republicanos devido ao episódio trágico do regicídio. Este teria feito “revoltar muitas consciências (...) nestas circunstâncias, dada a reacção formidável, que se vai desenhando em todo o Portugal contra os republicanos, a República não se implantava cá, sem uma luta sanguinolenta e feroz, cheia de ódios, intolerante e crudelíssima (sic) 46. Apontava-se como muito provável, caso se implantasse a República, a eclosão de uma guerra civil. Tal possibilidade procurava intimidar os portugueses perante a perspectiva de isso suceder. Considerava-se ainda que, caso o novo regime se implantasse, seria necessária uma ditadura militar, o que tornaria ainda maior a opressão que se vivia em Portugal, obrigando a um retrocesso na obra de educação cívica do povo. Por isso, a implantação da República seria sempre acompanhada de maior número de factores negativos que de factores positivos. Porém, como se sabe, isto não teve muito impacto sobre a opinião pública porque pouco mais de um ano passado sobre a publicação deste conjunto de artigos, implantava-se em Portugal o regime republicano. Quanto a O Povo Algarvio, forneceu também alguns artigos interessantes sobre esta temática do caciquismo não só no plano nacional, mas também no plano local. Apesar do que seria de esperar, este tema do caciquismo só surge explicitamente após a implantação da República, isto pode ser encarado como uma forma de abordar o assunto pelo seguro, já que aí o risco de represálias à partida seria menor. Constata-se que, apesar da mudança do regime político, os costumes mantêm-se e, por toda a parte, “os caciques campeiam desenfreados, conseguindo, por um trabalho de toupeira, que as

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João das Regras, “Monarquia ou República”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 8, 18-07-1909, p. 2, col. 4.

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autoridades caiam nos seus braços” 47. Acabando estes personagens por se tornar a sombra cinzenta da vida política portuguesa mesmo durante a Primeira República Portuguesa, porque com as suas falsidades e as suas hipocrisias conseguiam dominar os aparelhos da política local portuguesa. Esta forma de exercer o poder tanto aparecia entre os republicanos como entre os monárquicos. Por vezes, tentavam-se algumas insurgências por parte de alguns republicanos, mas muitas vezes acabavam por ser perseguidos e vexados pelas atitudes, defendia então o autor do artigo “Abaixo com os caciques que a todo o transe querem sugar mais sangue a este povo exausto”. Os seus interesses eram essencialmente de benefícios indivisíveis já que o clientelismo se baseia na precariedade da luta de ideias, exigindo a repartição de benefícios divisíveis que se caracterizam pela distribuição de favores pessoais. O clientelismo surge sobretudo nas sociedades que se caracterizam pela incomunicabilidade e pela dificuldade de comunicar entre as diversas regiões, existindo portanto uma escassa mobilização social. Daí que “a possibilidade de as relações clientelares virem a prevalecer durante a República foi de certo modo antecipada por alguns dirigentes republicanos mais sensíveis ao problema” 48. No entanto, existe uma conversão de redes clientelares ligadas à Monarquia que a troco de comissões no Partido Republicano acabam por aderir ao novo regime, porque isso é favorável aos seus interesses. Será a isto que se denominará o processo de “adesivagem”. Este processo é simplesmente caracterizado por uma transferência de campos, porque as pessoas são as mesmas e os métodos utilizados se mantêm, mas a situação já é diferente. Tornava-se então necessário acabar com os “pachás, que zombam da ingenuidade popular e enchem os seus cofres com ouro tão laboriosamente tirado da terra (...). Acabemos com a força desses polvos que têm os seus tentáculos agarrados à rocha da política”49.

(47)

Augusto Pimenta, Sénior, “O Caciquismo”, O Povo Algarvio, Ano II, N.º 58, 01-01-1911, p. 1, col. 2.

(48)

Fernando Farelo Lopes, Poder Político e Caciquismo na 1ª República Portuguesa, Lisboa, Editorial Estampa, 1993, p. 23.

(49)

Augusto Pimenta, Sénior, “Caciquismo”, O Povo Algarvio, Ano II, N.º 60, 14-01-19011, p. 1, col. 3.

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O jornal republicano evoluiu no sentido da desilusão crescente com o novo regime, devido à continuação dos erros que tinham apontado à Monarquia. Devia-se lutar para emancipar o povo daquela espécie de tutores, quebrando as grilhetas da escravatura, já que os caciques tinham manietado a vida política de Portugal. Estes homens pela sua ambição, pela sua vaidade, acreditavam nas grandezas que lhes eram prometidas pelos caciques, que no seu egoísmo, gostavam de se sentir os pastores de um bando de carneiros que os rodeava. Concluía-se num outro artigo, pela análise da “psicologia de qualquer cacique e salvo raras excepções, tenho a certeza que encontrarão uma sensibilidade avariada e uma vontade doentia” 50. O cacique, normalmente, começaria por distribuir pequenos favores, com os quais ganhava a confiança das populações. Começava a distribuir promessas que nunca cumpria, interessava-lhe sobretudo manter os seus interesses mesmo que para tal tivesse que recorrer à traição para com os seus amigos, sendo acusado de não ter a mais elementar noção da consciência e da moral, pois tudo nele se faria em função do que lhe era conveniente. A carga messiânica que se tinha colocado na instituição republicana, os entusiasmos que ela suscitou, o seu espírito misericordioso como uma mãe que condescende com os seus filhos mais irrequietos, acaba por ser posta em causa por este fenómeno de adesão de antigos monárquicos ao novo regime. De certa forma, isto demonstrava “aquele frémito de júbilos puríssimos que tinham ecoado já em 1820 e que se sentiriam, uma vez mais com a queda da ditadura em 1974”51. Este fenómeno do “adesivismo” terá sido iniciado com a adesão de José de Alpoim ao novo regime político, isto provocou a debandada de quase toda a máquina partidária monárquica que se apressou a aderir à República. Segundo Augusto Pimenta, a educação que recebeu preparando-o para a democracia, sempre o levou a acreditar que a implantação da “República viria acabar com imoralidades políticas, iniquidades sociais e vandalismos democráticos; e essa esperança está sendo completamente desfeita e cruamente esfacelada”, mas Loulé onde “não haviam políticos; havia realmente

(50)

Augusto Pimenta, Sénior, “Caciquismo”, O Povo Algarvio, Ano II, N.º 62, 28-01-1911, p. 1, col. 2.

(51)

João Medina, “A Revolução Falhada ou A República Frustrada ao Nascer: O fenómeno da “adesivagem” às novas instituições”, História Contemporânea de Portugal, Tomo I, Lisboa, Amigos do Livro, 1986, p. 86.

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um pequeno número de homens que num dia se intitulavam regeneradores, noutro progressistas, e noutro alpoinistas, porque tinham em cada partido um compadre” 52. Demonstra-se então aqui o pouco interesse pelas cores partidárias, somente se preocupavam com o seu bem-estar e os seus interesses. Colocava-se, mesmo na opinião do autor, a possibilidade de entre todos existir uma aliança com o objectivo de explorar a boa-fé popular. Apesar de todas estas críticas aos caciques, curiosamente, o autor nunca definiu por escrito quais os seus nomes, o que seria bastante mais interessante para este trabalho se as pessoas fossem identificadas. Poderia isto significar que haveria um certo medo de apresentar abertamente as críticas a pessoas em concreto, particularizando, o que certamente tornaria mais interessante esta análise. Cruzando informações fornecidas por outros artigos poder-se-á identificar a quem se dirigem as críticas, por um lado ao administrador do concelho José dos Santos Galo, o presidente da câmara Luís Faísca, o próprio governador civil do distrito Zacharias José Guerreiro. Eram eles os principais alvos das críticas ferozes feitas pelos articulistas de O Povo Algarvio. Concluindo, pode dizer-se que apesar das alterações que se verificaram no regime a situação política que se vivia em Loulé se não piorou em relação ao que existia anteriormente certamente não conheceu melhorias. Porque as críticas ao sistema caciqueiro são muito mais persistentes após a implantação da República do que antes dela. No entanto, já o Notícias de Loulé tinha reconhecido quais os inconvenientes patenteados por este sistema, mas vai ser O Povo Algarvio que mais se empenhou na tentativa de regenerar o sistema político existente, preocupando-se com a educação política da população, defendendo o sufrágio universal e o ensino gratuito e obrigatório para todos os que tinham condições para aprender. 5.4 - Desencanto da República A desilusão torna-se rapidamente um sentimento expresso através de alguns articulistas que afirmam abertamente a sua frustração, o seu sentimento de revolta pelos resultados alcançados com a revolução de 5 de Outubro de 1910.

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Augusto Pimenta, “Caciquismo e a nossa atitude”, O Povo Algarvio, Ano II, N.º 63, 04-021911, p. 1, col. 3.

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Desde os problemas de caciquismo que persistiram, à indiferença sentida pela população pelos que governavam, a rejeição do sistema de sufrágio universal que estes republicanos defendiam desde há longo tempo. Por outro lado, a manutenção dos privilegiados da lavoura no Alentejo, a permanência de um imposto que vinha desde tempos imemoriais como o Real de Água, a continuidade das leis que permitiam a violação do domicílio eram problemas que transitavam da Monarquia para a República. Outra questão a fazer aumentar o descontentamento e o desencanto era a progressiva e irreprimível tendência para o desmembramento do Partido Republicano Português. Todos estes circunstancialismos conduziram os defensores de um republicanismo mais idealista ou mais moderado, num debate de ideias. Porém, a divisão entre os republicanos transformou-se num confronto de personalidades com visões diferentes da realidade nacional, levando a um acentuar das posições mais radicais. Embora alguns articulistas de O Povo Algarvio como Mário Gonçalves e o editor do jornal Paulo Madeira ainda tentassem fazer um apelo à união do partido. Assim, este primeiro autor defende “que todos se compenetrem que, se é digno, nobre e democrático discutir e apreciar os actos dos homens públicos” (sic)53. Significa que ao fim de um certo tempo de a República estar instalada, quando se constituía o primeiro governo constitucional já a coesão do Partido Republicano se encontrava destruída, criavam-se as mais obstinadas dissensões partidárias, porque o partido “perdeu toda a sua fé, todo o seu entusiasmo, e sente-se a pouco e pouco, dominar por um desalento, apoderar de um desespero, que embota soberanamente o organismo”54. Existia como que uma nuvem a pairar no ar carregada de intranquilidade. Porque apesar das promessas feitas, no País não se sentiam as mudanças estruturais necessárias para corresponder à República. Porque o comércio não florescia, a indústria era pouco remuneradora e a agricultura simples rotina de uma população muito agarrada às suas tradições. Por outro lado, a dívida nacional era colossal devido aos erros consecutivos, conscientes e inconscientes, de um regime sem qualquer possibilidade de se manter por muito tempo, como foi a Monarquia. Finalmente, um outro motivo que levava a uma maior preocupação, e à desilusão de quem tanto lutou por implantar

(53)

Mário Gonçalves, “Notas Sinceras”, O Povo Algarvio, Ano III, N.º 90, 12-08-1911, p. 2, col. 4.

(54)

Hélios, “Má Política”, O Povo Algarvio, ano III, N.º 94, 09-09-1911, p. 2, col. 2.

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este regime, era a indiferença da população que podia vir a tornar-se a causa da ruína de Portugal. Paulo Madeira, num artigo de sua autoria, procurava defender a manutenção de um partido unido em nome da “redenção desta pátria que muito amamos; já sem forças para lutar com os nossos; nós, que não cansávamos de lutar contra os outros”55, isto mostra também o grau de desencanto que se fazia sentir nesses meses que se seguem a 1910. Porque “este desencanto, esta sensação de prodigiosa decepção popular generaliza-se progressivamente ao longo dos primeiros meses do novo regime (...). As expressões de desilusão multiplicam-se entre os principais responsáveis militares pela queda da monarquia”56. Um dos poucos motivos de regozijo para os redactores do jornal O Povo Algarvio no período que se segue à Revolução de 5 de Outubro de 1910 foi a lei de separação do Estado e da Igreja, que foi promulgada no início de Julho de 1911. Outra medida muito festejada em Loulé foi a reforma da instrução primária, a subida ao cargo de governador civil do distrito de Faro de Júlio César Rosalis em substituição de Zacharias José Guerreiro, que acabou por ser exonerado, tal como o presidente da câmara municipal, José dos Santos Galo. De resto, tudo o que se fazia era simplesmente tentativas de emendar erros cometidos durante a Monarquia. Enquanto, por outro lado, se exigia que o Partido Republicano se mantivesse unido para conseguir guiar este barco que navegava em águas revoltas e sem timoneiro capaz. A desorientação dentro do Partido Republicano Português crescia, e a população sentia-se abandonada, defraudada nos objectivos que pensava alcançar com a revolta de 5 de Outubro de 1910. Em parte, isto devia-se a uma revolução de cariz militar feita em Lisboa e que pouco se fez sentir pelo País. Este acolheu-a com regozijo, já que o povo estava cansado com tantos escândalos e dificuldades, daí que nessa quarta-feira, 5 de Outubro, tivesse havido festa um pouco por todo o lado, porque a mudança de regime político, “era vista como salvadora das massas exploradas”57. Como consequência imediata da implantação, temos a suspensão imediata da publicação do Notícias de Loulé. Enquanto O Povo Algarvio também só torna a aparecer

(55)

Paulo Madeira, “A Vertigem”, O Povo Algarvio, Ano III, N.º 115, 03-02-1912, p.1, col. 1.

(56)

João Medina, art. cit., p. 86.

(57)

Teodomiro Cabrita Neto, “Faro aclamou a República há 80 anos”, Anais do Município de Faro, Câmara Municipal de Faro, Faro, 1991, p. 189.

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publicado, um mês depois da revolução contra a Monarquia, mantendo-se em publicação até 1912, registando-se aí de forma patente o desencanto com as medidas tomadas, com as alterações verificadas e o sentimento de instabilidade de uma população profundamente ruralizada, consequentemente com uma elevada taxa de analfabetismo. VI - REALIZAÇÕES CULTURAIS NA IMPRENSA LOULETANA Neste capítulo procurar-se-á abordar de forma sucinta as formas de cultura que se conseguiram encontrar mais comummente nas fontes consultadas. Proceder-se-á de forma a que se fique com uma ideia geral de quais as formas de cultura que era possível encontrar em Loulé, no período de 1909 a 1912. Desde as manifestações mais populares como eram as bandas filarmónicas, que em Loulé tinham grande implantação junto da população, sendo utilizadas em quase todo o género de festejos que se podem encontrar neste período. Assim, desde as festas religiosas aos festejos laicos ou mesmo pagãos lá estavam as bandas filarmónicas. Também o teatro em algumas das suas vertentes, desde companhias teatrais que visitavam ocasionalmente Loulé, algumas das quais de renome no País, outras menos conhecidas, pois a sua acção era amadora. Finalmente, outra forma de cultura era o cinema ou animatógrafo como era então denominado. No entanto, as referências neste caso não se referem somente ao caso de Loulé, curiosamente os dados analisados são em maior quantidade para outra terra algarvia, no caso Portimão, que nos parece ter aderido desde cedo à chamada sétima arte. Havia neste período algumas novas formas de cultura, novas formas de organização da cultura e modos específicos de a consumir. Considera-se os anos que correspondem à I República “constituem um período com uma identidade própria, na medida em se regista a existência de uma política cultural dominante” 58 apesar de isto se afigurar algo polémico, já que não podemos dizer que exista uma literatura, um teatro ou uma pintura que se destaque neste período em Portugal. Regista-se durante a I República um aumento da produção cultural, já que os republicanos, como eram essencialmente burgueses médios, tinham alguns interesses culturais específicos.

(58)

Eduarda Dionísio, “A vida cultural durante a República”, História Contemporânea de Portugal, dir. João Medina, Lisboa, Amigos do Livro, 1986, tomo II, p. 9.

435

Aquilo a que se poderia chamar como cultura republicana surgiu antes da implantação da República, em 5 de Outubro de 1910, e desapareceu muito depois disso. A cultura deste período foi marcada por um conjunto de realizações que vão ter impacto diferenciado, tendo por base motivações e origens diferentes senão mesmo contraditórias, portanto foi um momento de grande vitalidade. Divulga-se a música, a literatura de cariz nacionalista, enquanto os nossos artistas contactam com a realidade e correntes artísticas internacionais. Neste período, assiste-se à preocupação do Poder “na criação de organismos difusores de cultura (bibliotecas, museus, escolas móveis) ou no seu incentivo (certo tipo de edições); a vitalidade das artes do espectáculo (inúmeros teatros em funcionamento, concertos em jardins públicos, seis orquestras em Lisboa e duas no Porto, uma abundante imprensa especializada de teatro, cinema e música (...)”59. 6.1 - O Teatro Neste período era das formas de cultura mais comuns, porque era acessível a todo o género de públicos. Embora seja de supor que quem mais procurava este espectáculo era a população pequeno-burguesa que de certa forma encontrava aí retratados os seus interesses. Haveria mais apetência por determinados géneros teatrais, embora os dramas fossem os que mais procura tinham, muitos eram os que gostavam mais de uma boa comédia ou mesmo de uma revista. Assiste-se nestes anos à tentativa de levar o teatro à província e não se restringindo somente à região de Lisboa e do Porto. Pode encontrar-se constantemente companhias teatrais em digressão pelo País, dando a conhecer as peças e os actores de que se ouvia falar. Assim, a Companhia de Teatro Constantino de Matos era disso um exemplo, juntamente com a Companhia de Teatro Ginásio. Por outro lado, nota-se também interesse pelo teatro amador, com companhias que tinham a sua acção muito localizada no espaço. Estas companhias amadoras baseavam-se em adaptações feitas de outras peças, nas récitas em que muitas vezes tomavam parte as elites sociais e intelectuais locais. Neste domínio os amadores teatrais de Alte, S. Brás de Alportel ou mesmo Boliqueime são exemplos ilustrativos.

(59)

Idem, p. 11.

436

6.2 - O Teatro Amador Através de referências encontradas no Notícias de Loulé conseguiu apurar-se que um grupo de amadores de S. Brás de Alportel se dedicava a fazer pequenas peças de teatro. Apresentavam-nas aos domingos à noite, numa associação denominada Clube Recreativo 1º de Dezembro, onde representavam especialmente comédias60. Muitas representações eram ocasionais, a maioria delas eram representadas uma só vez. Outras, efectuavam-se por tradição enquadradas em festas anuais nas localidades, tendo portanto, um carácter periódico, como sucedeu em Faro, aquando da festa do Colégio do Sagrado Coração de Jesus. Outras representações eram feitas simplesmente para regozijo de alguns amadores de teatro que existiam em 1909, em Loulé. Neste caso particular, a freguesia de Boliqueime, quando conseguiram levar a efeito a peça “O Opróbrio ou o Sedutor”. Existiria alguém na terra com boas capacidades de ensaiador e pessoas que gostavam de teatro, porque os relatos referem que teriam conseguido encher a sala onde se teria realizado o espectáculo. Porém, o único local onde existiria uma companhia permanente de amadores era Alte, onde terá existido por volta de 1909-1910 uma companhia deste género. Os actores amadores esforçavam-se conseguindo “por isso fartos aplausos da assistência que era numerosa, calculando-se em cerca de 300 pessoas”61. No interior da vila de Loulé não se conseguiu encontrar nenhuma companhia nestas condições apesar de aí existir um teatro, pelo menos desde 1860. Segundo Pedro de Freitas, Loulé “em 1860 deita mãos à obra e apresenta depois de tantas ansiedades sofridas, o seu teatro”62, este situar-se-ia junto ao Convento Espírito Santo. Seria, portanto, possível a partir daí encontrar-se nesta vila um espaço de cultura e sociabilidade onde se poderiam representar e declamar as peças de maior sucesso. Porém, julgamos que

(60)

Veja-se quadro de Peças, Actores e Locais em Anexo, p. 22.

(61)

Anónimo, “Correspondências - Alte”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 50, 08-05-1910, p. 3, col.ª 2.; os restantes artigos deste jornal que nos falam de Teatro Amador são: Anónimo, “Correspondências - S. Brás de Alportel”, Ano I, N.º 12, 15-08-1909, p. 3, col.ª 4; idem, “Correspondências - Silves”, idem, p. 4, col.ª 5; idem, “Colégio do Sagrado Coração de Jesus em Faro”, Ano I, N.º 16, 12-09-1909, p. 2, col.ª 5; idem, “Correspondências - Alte”, Ano I, N.º 50, 08-05-1910, p. 3, col.ª 2.

(62)

Pedro de Freitas, Quadros de Loulé Antigo, Edição do Autor, Loulé, 1991, p. 99.

437

este esteve sempre algo desaproveitado das suas funções apesar de mais tarde se ter construído um novo teatro em plena avenida principal de Loulé fruto de um dedicado louletano, o juiz Frutuoso da Silva. O Povo Algarvio inicialmente pouca atenção dedicava a este tipo de iniciativas, já que a sua acção era fundamentalmente a política. No entanto, começa precisamente a prestar atenção ao teatro amador que se fazia no Algarve no momento em que o Notícias de Loulé deixou de fazer referência a estes eventos. O primeiro artigo de O Povo Algarvio sobre teatro amador referia-se à representação levada a efeito pelo Grupo Dramático Altense e a sua actuação. Regista-se mesmo a existência de um hiato de tempo em que nenhum artigo sobre teatro amador aparece nos jornais analisados. Pode querer indicar que se deixou de fazer teatro amador, ou então, as atenções das pessoas estavam voltadas para outros assuntos mais prementes para elas, sobretudo relacionados com a política. Somente em 1911, voltam a aparecer artigos que se referiam ao teatro amador na região. Em 1911 encontram-se referências a representações teatrais de cariz amador em Portimão, Messines, Alte, Olhão e Boliqueime. No entanto, para Loulé não se encontram quaisquer referências, isto pode confirmar as hipóteses anteriormente levantadas. Podendo mesmo dizer-se que na vila pouco interesse haveria por estas iniciativas. Os géneros teatrais que os algarvios mais viam eram os dramas, as comédias, os monólogos, etc. Por exemplo, em Portimão, segundo o correspondente deste jornal, eram os géneros mais apreciados pelo público local, que teria assistido aos espectáculos efectuados naquela localidade. Por seu lado, em Messines, o género teatral preferido seria o drama, já que um grupo de amadores desta terra teria obtido algum sucesso nas suas actuações sendo convidado depois a actuar noutras localidades próximas. Finalmente, no caso de Alte, a companhia que aí se tinha formado, conseguia dedicar-se sobretudo à comédia que era de fácil acesso ao público permitindo representações ligeiras, mas bem conseguidas. Em Olhão, existiu também um grupo de amadores que se interessava por estas iniciativas, realizando no teatro dessa vila uma representação dramática a que teria assistido o melhor da sociedade olhanense da época, destacando-se mesmo entre a assistência o então administrador do concelho de Loulé, tenente Cabeçadas, que substituíra José dos Santos Galo. Nos fins de 1911 encontram-se dados que permitem dizer que em Lagos também terá existido um grupo de amadores pertencentes ao grupo “Arte e Recreio Artístico Lacobrigense” que se deslocou a esta vila algarvia para

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representar um drama, que segundo o correspondente de O Povo Algarvio em Portimão, José Francisco Graça Mira, teria havido um “desempenho magnífico por parte de todos os artistas”63. A última referência sobre companhias de teatro amador refere-se a Boliqueime, onde terão sido representadas duas peças, uma comédia e um drama, que teriam acolhido muitos aplausos da assistência. Pode-se dizer que os gostos da população algarvia eram diversificados, pois enquanto em algumas terras o género teatral mais representado era o drama, noutras localidades as preferências recaíam na comédia. Deve-se destacar ainda as dificuldades com que as companhias teatrais amadoras se deviam defrontar nestes anos que antecedem e que sucedem a Revolução de 5 de Outubro de 1910. Destacam-se a falta de espaços para a realização de espectáculos, o interesse moderado da população por esta forma artística e a falta de apoio das autoridades. Assim, as referências a esta actividade desaparecem durante algum tempo, só regressando no início de 1911, tal pode significar que existiu um interregno na actividade destas companhias, ou pura e simplesmente, os jornais, porque se preocupavam com outros assuntos não tinham espaço para anunciar estas actividades. 6.3 - Companhias Teatrais A visita de algumas companhias teatrais a Loulé e outras localidades algarvias, representando peças que traziam depois da sua exibição em Lisboa ou de outras localidades de onde eram provenientes, mostravam à população os actores e algum teatro com melhor qualidade. Logo nos primeiros números tanto do Notícias de Loulé como de O Povo Algarvio constata-se que a Companhia Dramática de Lisboa, que na altura tinha como sua grande estrela a actriz Adelina Abranches, visitou esta localidade em 1909 representando então a peça a “Severa” de Júlio Dantas

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José Francisco Graça Mira, “Correspondências-Portimão”, O Povo Algarvio, Ano III, N.º 110, 30-12-1911, p. 4, col. 2; sobre o mesmo assunto neste jornal ver ainda: Anónimo, “Factos Diversos: Grupo Dramático Altense”, idem, Ano I, N.º 36, 14-05-1910, p. 2, col. 1; Anónimo, “Correspondências - Portimão”, idem, Ano II, N.º 70, 25-03-1911, p. 3, col. 3; Anónimo, “Correspondências - Messines”, idem, Ano III, N.º 80, 03-06-1911, p. 2, col. 5; Anónimo, “Correspondências - Alte”, idem, Ano III, N.º 96, 23-09-1911, p. 3, col. 1; Anónimo, “Correspondências - Olhão”, idem, Ano III, N.º 107, 09-12-1911, p. 2, col. 5; Anónimo, “Correspondências - Boliqueime”, idem, Ano III, N.º 114, 27-01-1912, p. 3, col. 2.

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e no dia seguinte representou “O Filho Bastardo”. De acordo com as fontes consultadas “A sala de espectadores (sic) desta vila encheu-se completamente de espectadores, na noite de 27 do corrente [Julho], para assistirem à representação”, sendo notório que a presença destes artistas em tournée pela província suscitavam “o mais vivo entusiasmo”64. Do repertório desta companhia constavam peças como “O Filho Bastardo”, “Dolores”, “Severa”, “Gaiato de Lisboa”, “Amor de Perdição” e “Salto Mortal”. Os dois jornais, acerca do mesmo acontecimento, diferem na sua apreciação, apesar de concordarem sobre a qualidade dos actores e do espectáculo em si, acabam por diferir na impressão que retiram dos acontecimentos. Assim, O Povo Algarvio, mostra-se bastante mais crítico e observador, pois emite a sua opinião acerca da preferência mostrada pelo público louletano pelo dramalhão “com muitas lágrimas, muitas mortes e coisas tétricas, que enterneçam a sua pieguice e foge a sete pés de toda a obra delicada onde se ventile qualquer problema da psicologia individual e subtil ou de educação geral”65. Neste artigo o mesmo autor acaba por destacar a categoria social das pessoas que assistiram à representação, o que evidencia que somente uma camada social mais elevada se interessaria por estes eventos. Uma outra companhia teatral visitou Loulé, já no ano de 1910, denominava-se “Marroquina” e esteve em Boliqueime, onde realizou alguns espectáculos que terão agradado o público que a eles assistiu. Esta companhia esteve aqui com o objectivo de ser auxiliada, o que indica as dificuldades por que passavam estas companhias. Esta integrava no seu elenco actores como: “Ludovina Anjos Albuquerque, Elvira Albuquerque, Afonso Cruz, Aurora Albuquerque, Conceição de Jesus, José da Cruz, Cândido Pereira e Inácio Augusto”66. Também Lucinda Simões esteve em Loulé onde terá realizado dois espectáculos, porém, ninguém do jornal esteve presente. Refere-se só que estas actuações foram muito bem acolhidas pelo público que a elas acorreu em grande número durante o mês de Agosto de 1910. Durante o ano seguinte regista-se a presença em Loulé da Companhia de Teatro Ginásio, na sua tournée pela província. Aqui destaca-se a figura da actriz Augusta Cordeiro, representando-se então, duas peças, de que se

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Anónimo, “Teatro Louletano”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º10, 01-08-1909, p. 1, col. 5.

(65)

Anónimo, “Teatro”, O Povo Algarvio, Ano I, N.º 10, 25-07-1909, p. 2, col. 3 e 4.

(66)

Anónimo, “Correspondências-Boliqueime”, O Povo Algarvio, Ano I, N.º 33, 09-01-1910, p. 3, col. 1.

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destaca a intitulada “Sherlock”, possivelmente brincando com o sucesso que fazia entre nós este personagem da literatura policial criado por Conan Doyle. Em Faro, por volta de 1910, estava a inaugurar-se o seu “Teatro-Circo”. Por aquele espaço passaram alguns dos mais conhecidos actores portugueses deste tempo, bem como alguns amadores que teriam conseguido atingir algum sucesso. Aí estiveram actores como Lucinda Simões e sua companhia teatral. Encontram-se também dados sobre a presença da “Companhia Societária Dramática Portuguesa Constantino de Matos”67, que demonstrou pouco empenho na sua representação, mas foi o suficiente para agradar. Esta companhia manteve-se durante algum tempo nesta região, ou deslocar-se-ia aqui com alguma frequência, pois, no ano seguinte, voltam a existir dados da sua presença, agora em Portimão. Nessa vila conseguiram obter grande sucesso com a representação da peça “O Moleiro de Alcalá”, uma opereta, que era muito comum ainda neste início de século em Portugal, porque pouco tempo depois acabaram por desaparecer. Como conclusões principais sobre este assunto pode dizer-se que, de certa forma foi surpreendente saber a preocupação das companhias teatrais do início do século na divulgação da cultura pela província. Procurando dar a conhecer a um público mais vasto as actrizes e os actores, bem como as peças e os autores que existiam em Portugal. Outro dado que se pode concluir, sobretudo do contacto com as fontes é a maior presença destas notícias antes da revolução de 5 de Outubro, porque a partir daí as preocupações das pessoas mudam de forma nítida, não sendo comum encontrar artigos que se refiram a este assunto. Pode mesmo dizer-se que nos últimos oito meses de existência deste jornal não se encontram mais notícias, o que pode significar desinteresse das pessoas pela temática cultural, já que o confronto político estava no seu auge, ou pode também significar um momento crítico que o sector cultural atravessou nessa altura. No entanto, sabe-se que existiam cada vez mais teatros pelo País, havendo ainda “mais

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Anónimo, “Companhia Dramática Constantino de Matos”, O Povo Algarvio, Ano II, N.º 54, 26-11-1910, p. 3, col. 1; sobre este tema das Companhias de Teatro ver ainda neste jornal: Anónimo, “Carta de Faro: Várias”, idem, Ano I, N.º 45, 23-07-1910, p. 2, col. 2; Anónimo, “Teatro Louletano”, idem, Ano I, N.º 47, 06-08-1910, p. 2, col. 3; Anónimo, “Várias Notícias”, idem, Ano II, N.º 53, 19-11-1910, p. 2, col. 4; Anónimo, “Teatro”, idem, Ano III, N.º 82, 17-06-1911, p. 3, col. 1; Anónimo, “Correspondências - Portimão”, idem, Ano III, N.º 84, 01-07-1911, p. 1, col. 1; Anónimo, “Correspondências - Portimão”, idem, Ano III, N.º 88, 29-07-1911, p. 3, col. 4.

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de meio milhar de sociedades recreativas onde o teatro se fazia com frequência, improvisando-se salas para o efeito”68. 6.4 - Representações de Operetas Este género terá alcançado nesta altura alguma projecção, o que permitiu recolher alguns dados sobre as representações deste género teatral em Portugal, centrando-se sobretudo na região do Algarve. O número de artigos referentes a esta forma artística é reduzido. O Notícias de Loulé no seu último número traz um artigo sobre uma opereta representada em Quarteira “sob a direcção da actriz Julieta A. de Oliveira”69, que levou à cena as operetas “Os Fantasmas” e “A Reviravolta”. Quanto a O Povo Algarvio traz-nos ainda outras notícias de operetas mas representadas especialmente em Faro. Nesta cidade ter-se-á cantado ópera pela primeira vez “na noite de 1 de Agosto” de 191070, tendo o espectáculo sido realizado por companhias espanholas. Teria, então, essa companhia representado a ópera de Mascagni, “Cavalleria Rusticana”, onde o seu desempenho foi considerado razoável, já que esta certamente não seria uma companhia de primeira ordem, mas conseguiria satisfazer o público presente. 6.5 - O Cinema Esta era a forma artística que mais se iria desenvolver nos anos seguintes, sendo de destacar o forte interesse que a sétima arte despertava entre os algarvios. Numa época em que muitas localidades ainda nem possuíam o seu animatógrafo, obrigando as pessoas a deslocar-se a outras terras para poderem ver as imagens que se mexiam. Em Loulé, através dos dados recolhidos, pode dizer-se que o primeiro animatógrafo esteve na vila ainda no século XIX, mais precisamente em “1898 ou 1899, a primeira novidade competidora: – o Animatógrafo”71, tendo

(68)

“Aspectos da Vida Quotidiana”, Nova História de Portugal, vol. IX, Dir. A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Editorial Presença, 1989, p. 661.

(69)

Anónimo, “Correspondências-Quarteira”, Notícias de Loulé, Ano II, N.º 69, 24-09-1910, p. 3, col. 2.

(70)

Anónimo, “Carta de Faro”, O Povo Algarvio, Ano I, N.º 47, 06-08-1910, p. 2, col. 4.

(71)

Pedro de Freitas, Quadros de Loulé Antigo, Edição do Autor, Loulé, 1991, p. 100.

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isto sido uma simples visita, porém alguns anos depois instalar-se-ia um de forma permanente. Não foi possível confirmar se teria sido o mesmo animatógrafo a atingir o período a que se refere este trabalho, porque apesar deste dado, poucas referências se encontram às fitas exibidas em Loulé. O responsável por se ter trazido o animatógrafo para Loulé, teria sido um espanhol a viver nesta terra, Don Luciano. Esporadicamente aparecem elementos sobre as películas exibidas, mas a maior parte dos mesmos dão antes a referência sobre as projecções feitas em Portimão, onde o animatógrafo fixo seria bastante concorrido. O Animatógrafo surge n'O Povo Algarvio em Outubro de 1909, anunciando-se a chegada “do sr. Rafael Sanchez, que actualmente exibe os trabalhos do seu belo aparelho na vila de Albufeira” 72 e que tudo indica deambulava pela região para exibir os seus filmes. Depois, durante o mês de Dezembro registam-se as sessões que decorriam no teatro de Loulé, onde “a concorrência não tem sido numerosa, mas é de crer que vá aumentando” 73 . O Notícias de Loulé criou polémica ao publicar um artigo denunciando a exibição, no teatro de Loulé, de películas que deveriam suscitar a intervenção das autoridades municipais, devido à “exibição de fitas corruptoras da sã moral e dos bons costumes”74. O cinema começou nos finais do século XIX a competir especialmente com o teatro. “Já antes da República algumas localidades do País exibiam espectáculos de cinema, distinguindo-os dos do teatro”75. O que mostra como de certa forma ele desempenhou também um papel civilizacional e permitiu a melhor rentabilização dos espaços teatrais levando-o a descobrir novos horizontes. Conseguiu-se saber que nesta altura os filmes mais vistos nos animatógrafos eram já os americanos, franceses e ingleses, embora já se fizesse cinema em Portugal. Perdem-se as referências sobre os filmes vistos em Loulé mas, através do correspondente do jornal em Portimão, sabe-se quais os filmes exibidos nesta

(72)

Anónimo, “Notícias Várias-Animatógrafo”, O Povo Algarvio, Ano I, N.º 23, 23-10-1909, p. 3, col. 2.

(73)

Anónimo, “Registo Noticioso-Empresa Animatográfica Portuguesa”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 31, 25-12-1909, p. 4, col. 1.

(74)

Anónimo, “Às autoridades e à Câmara Municipal deste concelho: Caso Nojento”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 33, 09-01-1910, p. 2, col. 3.

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“Aspectos da Vida Quotidiana”, Nova História de Portugal, vol. IX, Dir. A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Editorial Presença, 1989, p. 665.

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localidade ao longo de ano de 1911, embora os espaços de tempo entre cada carta do correspondente deste jornal chegue a ser uma por mês. Verifica-se que a preferência iria, como no teatro, para os dramas e para as comédias, porém os dados recolhidos nas fontes são muitas vezes incompletos. Consegue-se, no entanto, acompanhar durante quase um ano quais os filmes exibidos pelo animatógrafo de António do Carmo Provisório em Portimão. Conclui-se que a afluência de público seria bastante boa, embora ainda se tratasse de filmes a preto e branco, mudos e sem legendas em português o que tornava ainda mais difícil a sua compreensão por parte do público que nesta época seria maioritariamente analfabeto. 6.6 - A Música Este é um dos elementos culturais mais marcantes deste período, porque a música era um factor de animação tanto das festas civis como das festas religiosas. Em qualquer destas, podia encontrar-se sempre uma banda filarmónica que acompanhava as massas e lhes transmitia alegria, sentimento de festividade, funcionaria como um estímulo para as pessoas que a ouviam. Nestes anos a que o trabalho se refere a sua presença nas festas era notória, porque transmitiam vivacidade e alegria. As sociedades filarmónicas desenvolveram-se em diversas cidades, vilas e aldeias de Portugal. Loulé conheceu também este impulso das filarmónicas no final do século passado ao surgir aí uma primeira filarmónica que era conhecida como a “música velha”; alguns anos mais tarde, por dissidências dentro da filarmónica original, surge uma nova a que se dava o nome de “música nova”, começando a existir grande rivalidade entre elas, pois disputavam constantemente o título de melhor banda da vila. 6.7 - As Filarmónicas Normalmente, as filarmónicas constituem-se essencialmente por instrumentos de sopro (clarinetes, flautas, etc) e por todo um conjunto de instrumentos que se encarregam de transmitir vivacidade como o bombo e os denominados “pratos”, que procuram manter a cadência da música. Neste início de século, em que na vila muitos se viravam para esta actividade, foi possível encontrar em Loulé em 1903 três bandas filarmónicas com algum peso, embora este panorama durasse pouco tempo. A Sociedade Filarmónica Artistas de Minerva foi fundada em 1876, fruto da divisão da Sociedade Filarmónica de Loulé devido a divergências políticas

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surgidas entre Marçal Pacheco, líder local do Partido Regenerador e o líder do Partido Progressista. Esta passará a ser conhecida como a música nova e teve o seu período áureo entre 1895 e 1908 em que tinha a dirigi-la o maestro Joaquim António Pires. Das três que já existiram, nos nossos dias, continua a existir somente esta banda. Por seu lado, a chamada música velha era fruto da ruptura de José da Costa Mealha com o líder político Regenerador, José Pacheco, passou então para o lado do Partido Progressista Dissidente liderado por José de Alpoim, isto aconteceu quando se recebe em Loulé a visita de João Franco (1908). Esta nova filarmónica ficou conhecida com o nome de “Música de José da Costa Mealha”, mas por depender excessivamente do seu patrono acabou por morrer quando o seu líder deixou a liderança partidária. Por seu lado, a Sociedade União Marçal Pacheco era geralmente denominada por “música velha”. Porque os seus membros eram geralmente ligados às facções conservadoras da sociedade louletana, daí que o seu nome seja fruto de uma política profunda como era a figura de Marçal Pacheco. Esta filarmónica desapareceu da vida cultural algarvia há relativamente poucos anos, porém não foi possível determinar a data correcta. Foi possível observar a relação que existia em Loulé entre a vida política e cultural, já que as bandas filarmónicas surgiam e desapareciam ao sabor dos interesses de quem comandava a vida política local. As filarmónicas costumavam actuar durante as noites de Verão no coreto que existia no Largo de S. Francisco 76 ou na Praça da vila, que posteriormente se denominará Praça da República 77 . Destaque-se as frequentes notícias de deslocações pelo Algarve e pelo sul de Espanha, animando festas religiosas e laicas com a sua música. Em termos estatísticos podemos dizer com absoluta segurança que o Notícias de Loulé prestava muito mais atenção a este assunto que O Povo Algarvio. Pode também observar-se, uma preferência de cada um dos jornais por uma das bandas, pelo menos dedicam-lhes mais notícias, pelo menos é o que parece já que o primeiro dedica muito a sua atenção à União

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Anónimo, “Filarmónica Artistas de Minerva”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 9, 25-07-1909, p. 2, col. 5; Anónimo, “Música no Largo de S. Francisco”, Notícias de Loulé, Ano I, N.º 15, 05-09-1909, p. 2, col. 3.

(77)

Anónimo, “Factos Diversos: Filarmónica Marçal Pacheco”, O Povo Algarvio, Ano III, N.º 88, 29-07-1911, p. 1, col. 4.

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Marçal Pacheco, o segundo dedica-se um pouco mais à Filarmónica Artistas de Minerva. Pela contagem feita o Notícias de Loulé publicou 52 artigos referentes às actuações das filarmónicas, ou seja, uma média de quase um artigo por número. Por seu lado, O Povo Algarvio só menciona este assunto em 19 dos seus números. De uma forma simples mostra-se o interesse que um e outro jornal tinham por esta forma de cultura, ou então os motivos que preocupavam um e outro jornal eram completamente distintos, o que parece ser o mais credível. Deve ainda assinalar-se as referências a bandas que não eram de Loulé. Elas são possíveis de encontrar, pode até dizer-se que quase todas as terras com alguma importância possuíam uma banda filarmónica. Era uma forma de cativar os jovens para a música, dando-lhes a possibilidade de seguir um rumo musical. Por outro lado, era simplesmente uma forma que os jovens tinham para se divertirem e ocupar o seu tempo livre, já que outras actividades lúdicas, neste tempo seriam em número bastante reduzido.

VII - CONCLUSÕES Este trabalho apesar de ser sobretudo descritivo, trouxe compensações sobretudo em termos do conhecimento mais aprofundado de algumas realidades humanas existentes na terra onde vivi e cresci. Certamente que muito mais havia por dizer e por fazer mas não poderia alargar mais o âmbito do trabalho. Este procurava realçar os aspectos envolventes da sociabilidade louletana e também algarvia, nos momentos que antecederam e que sucedem à revolução republicana de 1910. Tomou-se contacto com uma vila importante no aspecto político e económico, porque era o maior concelho do Algarve, mas também algo esquecida pelo poder político central, pois as carências que existiam nessa época eram vastas. Tentou também dar-se a conhecer a terra e algumas das figuras destacadas da vida local. Loulé, nestes tempos conturbados da pré e da pós implantação da República, vivia momentos de convulsão. Em termos económicos, encontrava-se numa situação de estagnação, especialmente pela ausência de vias de comunicação que auxiliassem o motor da sua economia que era o comércio. Como se registou anteriormente, já neste período, a então vila, primava pela quase total ausência de um sector industrial. A sociedade de então vivia de forma intensa as manifestações políticas que ali decorriam, mas como era

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normal na época, esta era dominada por um conjunto de caciques que comandavam de certa forma a vida política e cultural da terra. Culturalmente, a vila estaria a conhecer alguns movimentos curiosos em termos de teatro, porque se encontram algumas companhias dramáticas de renome nacional a actuar no teatro que então existia. Existiria ainda um conjunto de pessoas que dinamizavam um grupo de teatro amador, tendo o seu ponto alto com o grupo amador que encontramos em Alte em 1910. Por seu lado, a atenção que a população prestava à leitura devia ser pouca, embora nesse período vivessem alguns dos expoentes da cultura local como Cândido Guerreiro, Ataíde de Oliveira ou mesmo António Aleixo que teria vindo viver para Loulé nesta altura. No campo da leitura não podemos chegar a grandes conclusões, porque não se sabe qual era a influência exercida pela imprensa local em termos culturais. Podemos dizer que os louletanos, ou os algarvios em geral, se revelam bastante bairristas, daí que os autores a que encontramos referência estejam de alguma forma ligados ao Algarve. Compreende-se então que seja possível que o campo cultural seja o mais representativo de todos os sectores analisados do Jornal de Anúncios. Quanto ao cinema, conseguiu-se saber que em Loulé desde cedo se conheceu o Animatógrafo, como se chamava então, mas não temos muitas notícias acerca da sua actividade, somente que se utilizava também as instalações do teatro. No tocante à música, pode dizer-se que ela era fundamental em qualquer encontro festivo, aí apareciam então de forma orgulhosa as bandas filarmónicas da terra como era a União Marçal Pacheco e a Artistas de Minerva com as suas músicas para animar as hostes. No campo político, por outro lado, vivia um pouco das recordações deixadas por outros ilustres do passado, quer no campo cultural, quer no campo político, como temos o caso diversas vezes referido de Marçal Pacheco, líder local do Partido Regenerador. Começavam também, nesta pequena vila, a surgir os defensores de um novo regime político para o País, eram os republicanos que aí voltaram a fundar um Centro Republicano a que deram o nome Dr. Azevedo e Silva que era um correligionário local, funcionário superior da administração pública. Este centro teve como seus incentivadores o director de O Povo Algarvio, Francisco de Paulo Madeira, que tinha como muitos dos seus contemporâneos a esperança messiânica de que a República seria a solução para todos os problemas. Na tarefa difusora da sua ideologia enfrentou mesmo a barra dos tribunais e a cadeia, por ter levado longe de mais o seu republicanismo e anticlericalismo. A seu lado combatia também um nome conhecido em Loulé, Cândido Guerreiro,

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que consigo colaborava na difusão do republicanismo no Algarve. O seu maior opositor foi sempre o Padre Manuel Basílio Correia, um acérrimo defensor das causas monárquicas, tendo a seu lado Francisco Xavier de Ataíde Oliveira como um dos principais colaboradores do seu jornal. Pode-se então concluir que quanto mais se vai conhecendo, mais consciente se fica para o que está ainda por descobrir. Este trabalho é fruto de um ano de pesquisas que culminam nestas páginas, porém o seu autor tem a perfeita consciências das suas limitações tanto metodológicas como temporais, o que são sempre razões de peso na realização de trabalhos desta natureza. Muitas questões ainda permanecem sem resposta e podem ser pistas para trabalhos de história local, das quais destacam-se: Quais foram as figuras de proa da sociedade louletana após a República? Quem foi que assumiu e em que moldes foi continuado o papel de cacique em Loulé? Onde estavam os republicanos desta vila? Qual a estratificação sócio-económica dos republicanos de Loulé? Quem foram os denominados adesivos? Quais os pólos culturais da vila algarvia e quem os frequentava? Quais as formas culturais mais apreciadas pelos louletanos? Qual a atitude dos louletanos perante a Primeira Guerra Mundial? Quantos nela participaram, de que forma e quem se destacou? Para todas estas questões gostaria de encontrar resposta, mas elas ficam para próximas oportunidades, já que nesta área de saber nada existe de definitivo mas tudo pode ser sujeito a novas interpretações e novos olhares de acordo com a conjuntura e com a perspectiva pessoal de cada um sobre a realidade que nos envolve. Este estudo deixou, agora que está terminado a sensação de vazio, porque poderia ter sido bastante melhor, traz consigo o receio de um futuro que se aproxima e fruto de um passado que se fez memória. Esta sempre predura, pelo prazer ou não com que se faz as coisas, isto transporta para uma dimensão muito pessoal que será o conhecer a região e o local onde se habita, partindo de um conjunto de instrumentos que permitem conhecer melhor as pessoas e os hábitos do passado e os seus reflexos nos nossos dias.

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VIII - ANEXOS

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AUTORES E OBRAS ANUNCIADAS

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QUADRO DAS PEÇAS REPRESENTADAS POR AMADORES TEATRAIS (1909-1912)

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QUADRO DAS PEÇAS E COMPANHIAS QUE VISITARAM O ALGARVE (1909-1912)

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Em Loulé, onde se casou e para onde foi viver, funda, em 1909, o jornal O Povo Algarvio em cujas colunas criticava severamente aqueles que o rodeavam defendendo o regime monárquico. Colaborou ainda no Jornal do Norte onde, com inteligência, servia a República. Envolveu-se bastante na propaganda anti-clerical, o que o conduziu ao tribunal onde foi defendido por outro grande republicano o Dr. Alexandre Braga. Após a implantação da República, Paulo Madeira foi convidado por várias vezes para desempenhar cargos de representação social como o de Cônsul Português em Ayamonte, porém sempre os recusou, até que em 1911 emigra para a Argentina. Em Buenos Ayres fundou o semanário O Jornal Português, órgão da colónia portuguesa na Argentina. Teve numerosa família, alguns dos seus descendentes possuíram lugar de destaque naquela República. Como poeta foi pouco conhecido mas deixou publicado um livro intitulado Versos Simples (1915), editado na Argentina e dedicado a sua filha Maria do Carmo. Morreu a 25 de Novembro de 1931 e ao seu funeral compareceram entre outras entidades o Ministro de Portugal, Dr. Jorge dos Santos, o Cônsul senhor Eduardo Pereira de Andrade, Presidente da Sociedade Portuguesa de Socorros e do Centro União, Representantes das Sociedades San Fernando, Caseros, Campana, La Plata, Lanús e muitos outros. Foi sepultado no Panteão da Sociedade Portuguesa de Socorros, de Buenos Aires. MIRA, José Francisco da Graça – Natural de Alte, concelho de Loulé. Cedo começou a interessar-se pelo ideal republicano, tendo sido companheiro de escola de Francisco Paulo Madeira. Envolveu-se activamente na actividade política após a implantação da República, mas esta só lhe trouxe dissabores bastante desagradáveis. Colaborou assiduamente em diversas publicações periódicas da região, entre elas podem apontar-se O Povo Algarvio de Loulé, O Aldeão de Alte de que foi um dos fundadores, Alma Algarvia de Silves-Portimão dirigido por Julião Quintinha, O País de Lisboa, foi ainda fundador do quinzenário Folha de Alte. Após a República filiou-se no Partido Republicano Português, tendo acompanhado as acesas lutas políticas entre as várias facções republicanas que foram emergindo. Fruto dessa luta cada vez mais feroz, decide afastar-se da política local que na sua opinião se tornou “extremamente porca e agora todos se acotovelam, olham rancorosamente para este ou aquele como se fossem criminosos da pior espécie”. Assim, a partir de 1915 procurou manter-se afastado das questões políticas, tentando ainda defender a união de todos os republicanos, ou, criticando as cisões cada vez mais graves que se registavam dentro dos diferentes partidos e que não conseguiam respeitar as regras básicas da democracia que antes tanto proclamavam provocando então sucessivas revoluções. Não foi possível determinar a data da sua morte.

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OLIVEIRA, Francisco Xavier de Ataíde – Nasceu em Algoz a 2 de Outubro de 1843 e faleceu em Loulé a 26 de Outubro de 1915. Filho de lavradores e de parcos recursos económicos. Desde bastante jovem mostrou interesse em seguir a carreira eclesiástica. Fez os estudos secundários em Faro, no Seminário de S. José, onde recebeu a Prima Tonsura e Ordens Menores em 1864, a Ordem de Subdiácono em 1866 e em 1867 a Ordem de Diácono. Tinha nessa altura 23 anos. Aos 25 matriculou-se na Universidade de Coimbra onde terminou o seu bacharelato e mais tarde licenciatura em Direito e Teologia. Desempenhou, enquanto esteve em Coimbra as funções de Capelão da Real Capela da Universidade. Em 1875 instalou-se em Loulé e passou a exercer a função ligada à sua formação jurídica. Em 1882 é nomeado conservador adjunto do Registo Predial de Loulé, tendo passado a conservador efectivo em 1885 através de concurso público. Em Março de 1889 dinamizou o aparecimento do primeiro jornal de Loulé: O Algarvio. Juntamente com o seu amigo Joaquim Teixeira alinhou com o referido órgão da imprensa ao lado do Partido Regenerador, onde Ataíde Oliveira chegou a ser filiado. Termina a sua ligação a este jornal ainda antes da sua extinção em 1896, mantendo no entanto a sua colaboração em diversos jornais algarvios. Durante toda a sua vida foi um investigador, recolhendo apontamentos de cultura popular, ouvindo e anotando pequenas histórias e elementos que lhe permitiriam depois publicar um conjunto extenso de estudo monográficos sobre diferentes localidades algarvias. Entre as suas obras destacam-se: Contos Infantis (1897), As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve (1897), Os Contos Tradicionais do Algarve (1901), Romanceiro e Cancioneiro do Algarve, Monografia do Concelho de Loulé (1905), Monografia de Vila Real de Santo António (1908), Monografia da Luz de Tavira (1913), entre muitas outras. Como reconhecimento pela sua obra a Câmara Municipal de Loulé, colocou um busto de Ataíde Oliveira no Largo da Liberdade (actualmente conhecido como o Largo de S. Francisco) da autoria do escultor Raul Xavier. PASSOS, Bernardo de – Nasceu em S. Brás de Alportel a 29 de Outubro de 1876. Era filho de Bernardo Rodrigues de Passos e de Maria Joaquina Dias de Passos. Seu pai era figura importante entre os artistas algarvios e desenvolvendo também alguma actividade poética, colaborando em diversos jornais da época. Desde muito jovem começou a colaborar em jornais locais muitas vezes utilizando pseudónimos como Bráz Brazil ou Passos Junior. Era um dos colaboradores regulares de O Povo Algarvio e sempre se afir-

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mou em defesa do republicanismo. Destinado à vida comercial exerceu ainda funções de caixeiro no estabelecimento de João Manuel Rodrigues de Passos e de José Dias Sancho. Dedicou-se ainda à farmácia, praticando com o sr. José Pereira da Machada Junior e chegou mesmo a ir a Lisboa para a farmácia de António Augusto da Silva Pratas, na rua de S. Bento. Regressa a S. Brás como ajudante de escrivão do Juízo de Paz e como solicitador, cargos que exerceu até ao amanhecer do regime republicano. Depois da implantação do novo regime foi Administrador do Concelho de Faro e Comissário de Polícia no Algarve. Anos depois é nomeado Chefe da Secretaria da Câmara Municipal de Faro, cargo que desempenhou até ao fim dos seus dias. Escreveu algumas obras de poesia que estava muito impregnada da ideologia política que defendia. Terá publicado um Manifesto Eleitoral defendendo o Partido Republicano que se intitulava A Reacção no Algarve, sendo este um dos artigos que maior polémica levantou entre O Povo Algarvio (jornal republicano) e o Notícias de Loulé. É normalmente considerado um dos difusores do republicanismo na região algarvia. Foi muito criticado pelos seus inimigos políticos que lhe causaram alguns dissabores. Morreu em Faro a 2 de Junho de 1930. Entre as suas obras destacam-se: Adeus (?), Grão de Trigo (1908), Árvore e Ninho e Aldeia em Festa entre outras obras. ROSALIS, Júlio César – É considerado um dos grandes e primeiros propagandeadores do republicanismo no Algarve. Nos primórdios da propaganda republicana já é possível encontrar esta figura em S. Brás de Alportel a espalhar as ideias republicanas. Veio para o Algarve como guarda-livros da firma Roza Domado, de S. Brás de Alportel. Nesta localidade fundou-se pela primeira vez, na província mais ao sul, o centro escolar republicano para se efectuarem as conferências políticas e educativas realizadas no Algarve para mais facilmente difundir as ideias republicanas. Ele tornou-se a alma do Centro Republicano de S. Brás que se tornou veículo primordial da propaganda republicana, promovendo conferências, escrevendo artigos de polémica em jornais republicanos e leccionando gratuitamente para os alunos do centro. Manteve sempre uma postura modesta e pouco visível até ser convidado para o cargo de Governador Civil do Algarve durante os primeiros tempos da República. Foi colaborador assíduo do jornal O Povo Algarvio, onde assinou muitos artigos com o pseudónimo de “Justus”. Colaborou também na Província do Algarve, com o pseudónimo de “Dr. Cannibal”. Foi também um conhecido activista da Maçonaria no Algarve, sendo mesmo possível que tenha sido responsável pelo crescimento na região desta sociedade, pois desde os finais do século XIX que tinha ligações ao Grande Oriente Lusitano Unido.

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Após a cisão no Partido Republica adere ao Partido Evolucionista, sendo mesmo eleito presidente da Comissão Organizadora do partido na região. Em 1914 assume provisoriamente a direcção do jornal O Sul, que era o semanário do partido evolucionista de Faro. Era ainda Presidente da Assembleia Geral do Centro Evolucionista de Faro e vogal da Junta Distrital Evolucionista. Faleceu em S. Brás de Alportel no dia 25 de Dezembro de 1920, pobre, esquecido e abandonado pelo Estado republicano que tanto tinha ajudado a desenvolver e a instalar. VELEDA, Maria – Nasceu em Faro a 26 de Novembro de 1871. Filha da senhora D. Carlota Chrispim, falecida em Lisboa em finais de Junho de 1917. Normalmente considerada uma das mulheres mais corajosas da sua geração. O seu nome verdadeiro era Maria Carolina Frederico Crispim. Desde cedo tomou contacto com ideias demasiado progressistas para o seu tempo, daí que fosse das primeiras mulheres a defender abertamente o republicanismo, tornando-se sócia da Liga Republicana das Mulheres (1908). Estreou-se como poetisa no semanário Districto de Faro, do seu parente António Bernardo da Cruz. Em Lisboa dirigiu o Jornal das Senhoras, que se publicou em 1896. Posteriormente, em Serpa, colaborou com a revista A Tradição e ali lançou a público a sua Biblioteca Infantil, constituída por contos para crianças. Fundou ainda a revista Madrugada. Participou também no 1º Congresso do Livre Pensamento. Defendendo em artigos que publicou em jornais regionais e nacionais, a necessidade do sufrágio universal, tão apregoado pelos republicanos, se estendesse também às mulheres. Foi professora primária em Faro, Bucelas, Odivelas, Ferreira do Alentejo, Serpa, etc.. Em 1911 assume a presidência da Liga Republicana das Mulheres e apresenta-se como a Mulher Coragem do seu tempo. Nutriu grande paixão pelo poeta Cândido Guerreiro, de quem teve um filho. Acreditava que a mulher se devia emancipar e acreditava que isso já seria possível com o regime republicano. Maria Veleda lutou no início do século por uma transformação radical da posição da mulher na sociedade, isto numa época em que as transformações eram profundas um pouco por toda a Europa. A sua personalidade e o seu carácter fizeram história na sua época, porque ela era chefe de família e líder político, conseguindo a admiração de figuras célebres de então como Afonso Costa, Teófilo Braga e Magalhães Lima. Possuía também bons dotes como oradora, conseguindo cativar multidões nas tribunas e na imprensa onde desenvolveu grande parte da sua propaganda emancipadora e republicana. Deixou publicados alguns dos seus trabalhos como Côr de Rosa (Contos para Crianças); Casa Assombrada (Novelas); A Conquista (com Prefácio

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escrito por António José de Almeida); Emancipação Feminina, em 1916. Foi colaboradora assídua de vários jornais como: A Vanguarda, O Século, Pátria, Correio do Sul, etc.. De Fevereiro a Abril de 1950 publicou as suas memórias no jornal A República. Colaborou com Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete e Carolina Beatriz Angelo na Obra Maternal. Escreveu algumas peças de teatro como: Único Amor e Último Amor. Os seus filhos eram Cândido Guerreiro da França, que foi secretário de circunscrição em Santo António do Zaire (Angola) e Luís Frederico Viegas, funcionário da Procuradoria Geral dos Municípios. Maria Veleda faleceu em Lisboa a 8 de Abril de 1955. O seu funeral realizou-se no dia 9, para cemitério do Alto de S. João, com bastante assistência popular.

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