PUNITIVE DAMAGE: ESFORÇO HISTÓRICO E ASSIMILAÇÃO PELO DIREITO BRASILEIRO

June 19, 2017 | Autor: P. Pegoraro Junior | Categoria: Direito Civil, Responsabilidade Civil, Punitive Damages, Danos Punitivos
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PUNITIVE DAMAGE: ESFORÇO HISTÓRICO E ASSIMILAÇÃO PELO DIREITO BRASILEIRO Paulo Roberto Pegoraro Junior Doutorando em Direito pela PUC/RS, Mestre em Direito pela UNIPAR, Professor de Direito Processual Civil da Univel, Advogado. Avenida Brasil, 6282, Ed. Central Park, 8º andar, Centro, Cascavel/PR, CEP 85.810000. Pedro Paulo Capovilla Acadêmico de Direito da Univel. Avenida dos Pioneiros, 473, Centro, Catanduvas/PR, CEP 85.470-000 As indenizações com caráter meramente reparatório vêm se mostrando insuficientes para tratar de alguns abusos civis, de modo que se revela importante a análise econômica da responsabilidade civil, notadamente com vistas a aferir a dimensão que assume em nosso ordenamento as indenizações de caráter punitivo, de modo a verificar o potencial de aplicação do punitive damage como forma de restabelecimento da ordem social, em benefício da coletividade. Aos primórdios da responsabilização civil, não se cogitava da compensação pelo dano, mas apenas de elementos de vingança social, de modo que o ato ilícito não era fonte de obrigação, mas fonte de um direito de vingança (Gonçalves, 2012, p 23). Limitações à vindita privada apareceram com a “Lei das XII Tábuas”, adotando a Lei de Talião (“olho por olho, dente por dente”), além de admitir a composição (Bitencourt, 2010). É nesse período que surgem, também, os primeiros esboços de distinção entre a pena e a indenização, crime público e crimes privados, cada um punido por legislação própria. Para Durkheim, as sociedades, desde as primitivas até o início da idade antiga com a ascensão do Império Romano, por não terem uma distinção entre ofícios bem estabelecidas, com diferenciação pautada apenas em aspectos fisiológicos – homem, mulher, adulto, crianças -, tinham o senso de coletividade muito acentuado. A isso, Durkheim chamou de solidariedade mecânica, uma vez que os indivíduos eram ligados uns aos outros em sociedade de forma direta, sem agentes intermediários. Essa mecanicidade tinha relação direta com a responsabilização por danos causados,

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já que um homicídio, por exemplo, não era um dano causado a uma pessoa, ou a um grupo determinado de pessoas, era um dano a toda sociedade em que a vítima daquele homicídio se inseria. Com a evolução social e a divisão de trabalho, tarefas e cargos, se deu a gradual transição do senso coletivo para o individual, a chamada solidariedade orgânica, fato que deu origem a reparação do dano causado, deixando a vingança em segundo plano (LEVY, 2011, p. 4). Outro importante ponto quanto ao pós-modernismo é o individualismo e o surgimento dos ídolos (HARVEY, 1992, p. 64), isto é, o sentimento coletivo foi mitigado pelo Eu e a felicidade foi personificada. Agora, a felicidade é obrigatória, por mais que sejam sentimentos humanos a infelicidade e a tristeza são inaceitáveis, desse modo toda ação que crie obstáculos à busca pela felicidade deve ser indenizado (LEVY, 2012, p. 12). Desde o Século XIII, contudo, as indenizações com caráter punitivo são adotadas na Inglaterra. Foi o Statute of Councester, em 1278, o primeiro instrumento legal a prever a espécie de danos em caráter punitivo no direito anglo saxônico (MARTINS-COSTA, 2005). Neste período, remanescia uma confusão jurisprudencial perante as Cortes Inglesas, que consideravam os danos extrapatrimoniais como danos punitivos. Isto é, àquele tempo todo dano extrapatrimonial era tratado como dano punitivo, os chamados exemplary damages eram incluídos na categoria de compensatory damages, “pela simples recusa de se atribuir um caráter compensatório às indenizações do dano moral” (LEVY, p. 5, 2011). Apenas no decorrer do Século XIX que as cortes passaram a reconhecer que os danos extrapatrimoniais eram categoria de indenização, tratados por aggravated damages. Desta forma, os danos punitivos, ou exemplary damage, ganharam status de espécie própria de indenização, independente da ocorrência, ou não, dos danos extrapatrimoniais, a quem estavam umbilicalmente ligados. Apenas quando o actual damage passou a incluir os danos extrapatrimoniais foi que o punitive damage ganhou caráter indenizatório autônomo. Recentemente, em 1993, a Law Commission da Inglaterra e do País de Gales publicou documento afim de uniformizar a matéria e trouxe como categorias de danos o Aggravated, Exemplary e Restitutionary Damages (Paper on Aggravated, exemplar and Restitutionary Damages). Até o início do Século XX, as indenizações com caráter punitivo, pedagógico ou dissuasivo eram aplicadas de forma pouco abalizada. Iniciou-se àquele tempo, nos

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tribunais do Reino Unido, uma clara tendência de restringir o uso do punitive damage, que ficou bem evidenciado no caso Rookes vs. Barnard, de 1964, julgado pela House of Lords (SERPA, 2011). Naquela decisão, a corte fez a distinção entre os danos punitivos dos danos morais, restando delimitadas três categorias para aplicação do putive damage: a) atos que fossem severamente opressivos, arbitrários ou que contrariassem a constituição, desde que praticados pelo Estado; b) casos nos quais a lesão é economicamente compensatória para o réu se considerado a indenização fixada; e c) nos casos expressos em lei (LEVY, 2012). A rigidez dos critérios logrou impedir a propagação da chamada “indústria da indenização” ou “indústria do dano moral” na Inglaterra. Já nos Estados Unidos, as indenizações arbitradas com fundamento no punitive damage ficaram famosas pelos valores milionários envolvidos, e “não é absurdo imaginar a alegria que invadirá o coração de um cidadão americano comum, atormentado com a falta de dinheiro, ao saber que seu atropelador é um famoso astro do show business” (RODRIGUES, 2005, p 3). Caso icônico se deu quando um ladrão, com o intuito de subtrair bens de dentro da casa de uma família que estava em férias, por acidente (e falta de habilidade) ficou trancado dentro da garagem e ali foi obrigado a comer ração de cachorro e tomar refrigerante, únicos alimentos disponíveis no local, por oito dias, até que os donos casa retornassem de férias o libertassem de seu cativeiro. O ladrão acabou ajuizando ação de indenização por danos morais, diante do sofrimento exagerado que experimentou, e teve seu pedido acolhido, em primeira instância (RODRIGUES, 2005). Há um pouco de exagero, contudo, na ideia disseminada de que o sistema de responsabilização civil norte americano tem como regra indenizações descabidas ou milionárias, posto que em apenas 1% a 5% das demandas em que a sanção punitiva é pleiteada ela é efetivamente concedida, sem contar a especificidade de cada Estado, com diferentes ordenamentos (LEVY, 2012, p 10). Os primeiros casos registrados pela doutrina, nos Estados Unidos, tratavam de insultos e humilhações públicas (LEVY, 2012). Em 1784, no caso Genay v. Norris, um tribunal norte americano entendeu pela incidência dos danos punitivos, já que o réu ofereceu uma taça de vinho com droga ao autor da demanda, propondo uma reconciliação para assim evitarem um duelo que já estava marcado, o autor aceitando a reconciliação tomou o vinho e desmaiou em público, fato que o tribunal entendeu humilhante e passível de uma reprimenda enérgica (RUSSO, 2009). Todavia, foi

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apenas após a IIº Guerra Mundial que a responsabilidade civil nos Estados Unidos ganhou os primeiros contornos para se tornar o que é hoje, por conta de fatores como a mercantilização do homem e pelo aumento do número de acidentes causados por produtos de consumo (FRANCO, 2015). A principal discussão que atualmente se trava nos Estados Unidos é acerca da destinação que deve ser dada aos valores das indenizações. A corrente dominante entende que os valores devem ser pagos em favor da pessoa que ajuizou a ação, isto é, quem sofreu o dano que se indeniza. Há uma outra tendência, contudo, de que os valores ou uma parte deles sejam destinados a fundos público, dando uma ótica social a ação, já que os valores mais elevados se justificam pelo total desprezo do demandado pelo coletivo. O mais significativo precedente jurisprudencial norte-americano é o Pinto Case, levado aos tribunais em 1981, que tratava da fabricação de um veículo pela Ford Motors que facilmente explodia em casos de colisão, por conta da localização do tanque de combustível. Durante o processo apurou-se que o fato era conhecido pela Ford e que a empresa não quis resolver o problema em virtude de um estudo que havia encomendado, que demonstrava matematicamente que seria mais vantajoso pagar eventuais indenizações que transferir o tanque para um local mais seguro (LOURENÇO, 2008). Para chegar nesse resultado a Ford estimou que 180 mortes e 180 queimaduras poderiam acontecer, prevendo um valor para cada vida perdida e cada queimadura sofrida (200 mil dólares por vida e 67 mil por queimadura), ou seja, 49,5 milhões de dólares seriam poupados pela melhoria na segurança, mas o valor para implementar essa melhoria seria de 137,5 milhões de dólares (SANDEL, 2011). Neste caso, o júri condenou a empresa em US$ 135 milhões a título de punitive damege, valor posteriormente reduzido para US$ 3,5 milhões pela Corte de Apelação do 4º Distrito (LEVY, 2012). Críticos do atual sistema de responsabilidade civil norte-americana dizem que esse sistema leva à imprevisibilidade das indenizações, o que tende a tornar excessivamente onerosa a atividade empresarial. Já em conta do modelo brasileiro, a civil law tende a ver na responsabilidade apenas uma forma de reparação do dano, como forma do retorno ao statu quo ante, enquanto que os países adotantes da common law admitem indenizações punitivas como formas de dissuasão de condutas danosas. Junqueira de Azevedo foi pioneiro no estudo dos punitives damages no Brasil, tendo dado os primeiros passos para a construção de uma doutrina brasileira do

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instituto, a partir do reconhecimento dos chamados danos sociais, fator que autorizaria a elevação no montante da indenização com o fim de dissuadir a conduta causadora de dano (AZEVEDO, 2009). Também defendia que os danos punitivos deveriam ser espécie autônoma da responsabilidade civil, distinta da indenização por danos morais e materiais. A segunda ideia é bem difundida entre os autores que entendem admissível a aplicação do punitive damage em nosso sistema jurídico. Segundo esse posicionamento, é premissa do punitive damage sua distinção com a indenização reparatória, isto é, quando é aplicado uma indenização punitiva (ou dissuasiva) não é feita em único valor, isto é, o réu é condenado em determinado valor para o fim de reparação do dano e em outro montante em punitive damage (VIANNA, 2014, p. 2). Para além da questão cultural e da falta de previsão legal (aparentemente, o art. 944 veda expressamente a opção), é de cogitar óbice decorrente do suposto enriquecimento ilícito advindo (PÜSCHEL, 2007, p. 7). A aceitação de indenizações punitivas não é construída unicamente com argumentos fundados no ordenamento jurídico, pois pode estar ligada à fatores culturais. Para além disso, a doutrina vem avançando na compreensão do papel do “procurador privado” (AZEVEDO, 2009, p. 383), na qual o autor da causa age em defesa da coletividade. O tema já foi enfrentado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, envolvendo fraude em concurso de loteria, mediante manipulação dos resultados. Afastando a tese da teoria da perda de uma chance, ante a remota possibilidade de ser sorteado, entendeu-se primeiramente que o autor faria jus apenas ao valor dos bilhetes que comprovadamente comprou. No entanto, o Desembargador Eugênio Facchini Neto, relator do caso, ponderou que embora os danos individuais pudessem ter sido pequenos e fragmentados pela população, a fraude permitia uma vantagem enorme e ilícita à parte ré, que vendia 750.000 cartelas semanais no Rio Grande do Sul, de modo que o ilícito perpetrado não poderia passar em branco, independentemente da resposta dada pela esfera administrativa e penal. Fixou-se, com base nesses fundamentos, R$ 10.000,00 a título de verdadeiros punitives damages (Recurso Cível Nº 71001249796, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 27/03/2007). Para Antonio Junqueira Azevedo, a redação do art. 944 não é apta a banir a indenização punitiva do Brasil, uma vez que o artigo não veda o ressarcimento o que chamou de danos sociais. “Se um ato (...) não é lesivo somente ao patrimônio material ou moral da vítima, mas sim, atinge a toda a sociedade, num rebaixamento imediato

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do nível de vida da população. Causa dano social” (AZEVEDO, 2009, p. 380). O tema foi objeto de debate na IVª Jornada de Direito Civil, na qual restou aprovado o enunciado: “O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil”. É certo que vários Tribunais, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, já vem aceitando o caráter punitivo da responsabilidade civil, embora majoritariamente entendidos como espécie do dano moral. É o exemplo do AgRg no AREsp 239659/ES, em que o STJ entendeu que a fixação da indenização por danos morais em R$ 50.000,00 era suficiente para punir a empresa de telecomunicação que veiculou notícia que ligava, ainda que de forma implícita, um desembargador a um esquema criminoso (AgRg no AREsp 239659/ES, Ministro MARCO BUZZI, T4 - QUARTA TURMA, 16/06/2015, DJe 24/06/2015). Outro fundamento frequentemente utilizado para elevação do valor da indenização, geralmente por dano moral, é a do caráter pedagógico, isto é, o valor da indenização deve, além de reparar o dano causado a vítima, impedir que a conduta se repita, servindo para tornar a conduta lesiva economicamente inviável (caso envolvendo abalo extrapatrimonial decorrente da utilização inconsentida de foto de vítima de agressão e seu marido, bem como da identificação de ambos em portal eletrônico de notícias) (AgRg no AREsp 595.676/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 09/06/2015, DJe 15/06/2015) Na Apelação Cível nº 70003050531, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o Desembargador João Batista Marques Tovo considerou que a total falta de respeito de um banco com um cliente ao inscreve-lo em cadastro negativo de crédito, mesmo que com antecipação de tutela para impedir que o seu nome fosse lançado em bancos de dados de consumidores, é caso típico de aplicação da doutrina dos punitive damages. Disse o relator que “a impessoalidade no trato de questão tão relevante para o consumidor de crédito, o desrespeito a ordem judicial (...) revelou que, para o Banco, é mais barato suportar os riscos da falha em seus serviços do que corrigi-los” (Apelação Cível Nº 70003050531, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 29/10/2003). Há também precedentes na Justiça do Trabalho. Em sede de recurso de revista, o Ministro Barros Levenhagem reconheceu a necessidade de se considerar que o valor arbitrado a título de indenização por danos morais tem, também, por finalidade a compensação dos dissabores causados ao trabalhador, tal como a

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punição do empregador que abusou do seu poder de mando e provocou graves danos (TST, RR 114800-33.2004.5.03.0021, j. 09/08/2006, rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen, 4ª T., DJ 25/08/2006). A jurisprudência brasileira vem evoluindo, ainda que timidamente, no sentido de acolher o caráter punitivo da indenização, embora o faça a título de majoração dos danos morais. A distinção que se impõe, no trilhar da assimilação do instituto, deve servir também para que se tenha claramente distinguido a natureza e o montante atribuído a título de danos punitivos, de modo a permitir ao ofensor saber a medida do caráter pedagógico assumido pela decisão. Referências bibliográficas. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Novos Estudos e Pareceres do Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2009. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. FRANCO, Luiz Henrique Sapia. Notas Sobre a Responsabilidade Civil na Atualidade e Sua Função Punitiva. Revista dos Tribunais, 915V, p 105/138, Jan/2015. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. Editora Loyola, São Paulo: 1992. LEVY, Daniel de Andrade. Uma visão Cultural dos Punitives Damages. Revista de Direito Privado, 45 v., p 165, Jan/2011. ___________. Responsabilidade Civil: De um direito dos Danos a um Direito das Condutas Lesivas. Editora Atlas, São Paulo: 2012. LOURENÇO, Paula Meira. A indenização Punitiva e os Critério para sua Determinação.

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