“Pura memória”: experiência de exílio, representações da realidade e da identidade social da nação

June 7, 2017 | Autor: Fê P. Prado | Categoria: Literature, Representation, Literatura argentina, Memoria, Exilio
Share Embed


Descrição do Produto

“Pura memória”: experiência de exílio, representações da realidade e da identidade social da nação

Fernanda Palo Prado (FFLCH/USP)

RESUMO: Outubro do ano de 1974 foi a época que marcou a partida ao exílio do escritor argentino Pedro Orgambide (1929-2003). Em janeiro do ano de 1983, por sua vez, coincidiram dois momentos: o da volta da democracia e o do retorno deste escritor à sua cidade natal, Buenos Aires. O projeto de voltar do exílio já estava posto desde o momento de partida. Apesar da impossibilidade de qualquer previsão, o regresso também seria mais uma ocasião de ruptura. Foi durante este período de exílio nos tempos da ditadura militar argentina (1976-1983), de desterro por conta de desacordos políticos e de intolerâncias religiosas que, entre outras obras, Pedro Orgambide escreveu uma trilogia intitulada “de la memoria”, um conjunto de romances composto por El arrabal del mundo (1983), Hacer la América (1984) e Pura memoria (1985), onde o escritor ficcionalizou as experiências vividas e fez um recorrido pela história argentina, criando uma narrativa com personagens ficcionais, num espaço e num tempo que, embora ficcionalizados, são reconhecíveis. Esse trabalho propõe uma análise do segundo romance desta trilogia, lançado em 1984: em primeiro lugar, destrinchando sua estrutura narrativa, o tempo, os lugares e as pessoas narradas, em seguida, trabalhando com as representações tanto de algumas formas de violência, repressão e racismo, como suas representações identitárias. PALAVRAS-CHAVE: Representações; exilio; história argentina; literatura argentina; Pedro Orgambide RESUMEN: Octubre de 1974 fue la época de la salida al exilio del escritor argentino Pedro Orgambide (1929-2003). En enero de 1983, a su vez, ocurren dos acontecimientos, uno a nivel nacional y el otro en el plano personal: el regreso de la democracia y el retorno de este escritor a su ciudad natal, Buenos Aires. El proyecto de regresar del exilio fue una idea que existió desde siempre. El retorno también sería un momento de ruptura. Fue durante este período de exilio en tiempos de dictadura militar argentina (1976-1983), que el autor escribió la “Trilogía de la memoria", un conjunto de novelas, que comprende El arrabal del mundo (1983), Hacer la América (1984) y Pura memoria (1985), en donde el escritor transforma en ficción sus experiencias y, con ellas, hace un recorrido por la historia argentina, con la creación de una narrativa con personajes de ficción, en un espacio y un tiempo que, aunque ficticios, son reconocibles. Este trabajo propone un análisis de la segunda novela de la trilogía, Hacer la América. En una primera etapa se focalizará la estructura narrativa del tiempo, del lugar y de los personajes narrados, y en una segunda parte reflexionará las representaciones de algunas formas de la violencia, la represión y el racismo, como de sus representaciones de identidad. PALABRAS-CLAVES: representaciones; exilio; historia argentina; literatura argentina; Pedro Orgambide I. SAÍDA E REGRESSO

Outubro de 1974 foi a época que marcou a partida ao exílio mexicano do escritor argentino Pedro Orgambide (1929-2003). Em janeiro de 1983, por sua vez, coincidem dois momentos: o da volta da democracia e o do retorno deste escritor à sua cidade natal, Buenos Aires. O projeto de voltar do exílio, segundo um ensaio deste mesmo escritor, já estava posto desde a partida. Apesar da impossibilidade de qualquer previsão, este também seria mais um momento de ruptura e voltar seria: “cuando el tiempo de la intolerancia – así lo creíamos entonces – había terminado. (...) No sabíamos que al primer desarraigo de dejar nuestro país, seguiría este otro, con un nuevo dolor y un nuevo extrañamiento” (ORGAMBIDE, 1999a, 127), o estranhamento de se (re)adaptar ao país natal, deixado forçosamente, às mudanças e às expectativas democráticas. Foi durante este período de exílio, de desterro por conta de desacordos políticos e intolerância religiosa que, entre outras obras, Pedro Orgambide escreveu uma trilogia intitulada “Ciclo de novelas de la memoria”, um conjunto de romances onde o escritor ficcionaliza suas experiências e faz um recorrido pela história argentina, criando uma narrativa com personagens ficcionais, um espaço e um tempo que, embora ficcionalizados, são reconhecíveis. A trilogia é composta por El arrabal del mundo, publicada em 1983 e que trata de um período definido entre fins do XVIII e primeira década do XIX; Hacer la América, publicada em 1984 e que trata de fins do XIX até 1919 e Pura memoria, publicada em 1985 e que trata basicamente do século XX, entre os anos 20 até o bombardeio na praça de Mayo em 1955. Nesse conjunto de romances, há toda uma elaboração simbólica da realidade histórica, como forma de pensar e (re)construir a identidade do país e a própria, por meio de um discurso de alguém que é “pura memoria”: uma pessoa que tem consigo uma herança a ser transmitida, a própria memória, como legado sócio cultural. Dele, então, focaremos na análise do segundo volume pensando de que forma Pedro Orgambide buscou recompor um universo argentino, refletindo sobre sua própria vida e a de seus antepassados, também imigrantes. Com isso posto, a quem Orgambide imagina como leitor? A seu filho que nasceu no México e que no momento do retorno “tuvo que aprender el significado de las palabras del mismo idioma, las voces nuevas de un país que todavía no era el suyo, desarraigarse de su mundo conocido” (ORGAMBIDE, 199b, 155)? Para quem escreve? Segundo Gabriela McEvoy, Aunque el texto de Orgambide no haga referencia al período histórico del autor, es importante el hecho de haberse escrito durante la dictadura militar y haberse publicado en la época del regreso de la democracia ya que el inventario de la historia nacional argentina, representado en la novela, le permite al lector contemporáneo

hacer una mejor evaluación del desarrollo histórico argentino y establecer la forma en que la estructura del poder propicia la violencia, la represión y el racismo. (2010, p.99)

Com base no excerto acima, a hipótese a que se chega é a de que não há um leitor específico imaginado mas, sim, que há a intenção de se atingir um leitor que possa fazer uma nova leitura da história argentina. Como esse leitor, então, esse trabalho propõe uma análise do romance Hacer la América: primeiro destrinchando sua estrutura narrativa, o tempo, os lugares e as pessoas narradas, na sequência, as representações tanto de algumas formas de violência, repressão e racismo, como identitárias. Após essa análise, a guisa de conclusões e estímulos a novos desdobramentos, seguirá outro item intitulado “saída e regresso”, onde serão exploradas algumas das relações apresentadas entre memória, exílio e experiência.

II. HACER LA AMÉRICA O papel da ficção, segundo Avelar, seria o de “recuperar a narrabilidade que pudesse reconstituir a memória: a possibilidade de contar histórias restaura a memória porque a experiência pode tornar-se apócrifa, isto é, ser relatada com nomes falsos, como se pertencesse a outro” (2003, p. 28). Dessa forma, a experiência de exilio oferece insumos para o trabalho com a memória e a possibilidade de narrativa como reconstrução, como reordenação de relatos a respeito do vivido, do que aconteceu, fazendo referências à história argentina. Tem-se, a seguir, neste artigo, uma apresentação da estrutura da obra, com seus instrumentos de escritura e filiação estética. A sequência está centrada nos lugares e personagens do texto, como elementos de reconhecimento; depois, serão analisadas as representações de diferentes formas de violência e, na última parte desse item, a proposta é trabalhar um pouco a questão da representação identitária. Esse segundo volume da Trilogía de la memoria trabalha com representações identificáveis: fatos da história argentina; e, nesse caso, com o processo imigratório de fins do século XIX e primeiras décadas do século XX, culminando com a greve geral de 1919. Sobre sua estrutura formal, trata-se de uma escritura sem divisão de capítulos, cuja fragmentação é dada por espaços entre as histórias narradas. Pode-se pensar nessa relação das representações verossímeis como instrumento proveniente da inevitabilidade dos vínculos que se estabelecem entre o estético, o histórico, o social e o político num período de barbárie e violências centrado na última ditadura militar na Argentina (1976-1983) e exílio do escritor. Esse relato de Orgambide está localizado num

ambiente popular e pluricultural, onde são narradas também as manifestações culturais, como no trecho a seguir, sobre o tango, um movimento marginal que se tornou um símbolo nacional: El tango se hizo fiorituras, firuletes de carros y camiones, amagos de sonata, ritmo tangó del africano con nostalgia de Nápoles, todo junto, tan tiste, tan melodioso ahora, y otra vez loco, milonguero, cachafaz, atrevido - ¡metéle, pibe, milonga! – decía el flaco Arrieta y Paquito le tomó la mano, se lo llevó hasta donde, sólo compás, tactactarairará y luego la subidita, como antes con el flautín, pero solo de bandoneón, grave ahora, bajando en curvas, en dibujo y arpegio, como frenando los caballos de los corraleros del suburbio. Pausa. Luego, como paseando, cosa de dar tiempo al bailarín para ceñir la cintura de la compañera y florearla ante los mirones. Música para la corridita, una vuelta y se va, se va el Tango, se va, Paquito abrió su fuelle y lo cerró de pronto. Se terminó, compadres, chán, chán. ¡Ahora a tomar una cerveza! (ORGAMBIDE, 1984, p.238)

Neste trecho, o jovem espanhol, Paco, vai a uma milonga com seu instrutor, Arrieta. Juntamente à discrição do baile, dos movimentos sincronizados da música e da dança, há a presença de um imigrante que já se acostumou com as cores locais, já caminha empoderado pelas ruas da cidade e elegeu como sua ferramenta de trabalho o bandoneón: instrumento alemão que dá o tom fundamental no tango, referência explícita a outras formas estéticas e movimentos artísticos que podem ser percebidos ao longo do romance. O espaço da enunciação deste romance é a cidade de Buenos Aires e seus arrabaldes. Orgambide escreve sobre sua terra natal, a partir do exílio. Como parte constitutiva da narrativa, a cidade “vive” um momento de expansão e modernização repleto tensões e embates, que podem ser verificados na movimentação descrita abaixo, com elementos característicos – inclusive geográficos – e na apropriação da paisagem pelo olhar do imigrante: De los zaguanes de la fiesta del mercado, de los patios del conventillo, de las terrazas, de los techos de zinc, los ángeles de yeso, las cornisas, las molduras, de los balcones, de las ferreterías, del fondo del aljibe, de los buzones, las pérgolas, las columnas de fierro, sale ese olor a lluvia, el ozono del aire, y luego, sobre los altos de Barracas, un relámpago, un trueno, y el agua fina, la garúa que moja el empedrado. Enzo aspira la ciudad. Mira los durmientes y las casas de lata junto a la Boca del Riachuelo. Para Enzo, la ciudad ya es suya desde lo alto del pescante. – “Voy a ser argentino”, se dice. (ORGAMBIDE, 1984, p.32)

Pode-se perceber que a cidade chega a ter, durante a narrativa, inclusive, um papel protagônico por ser, ao mesmo tempo, o lugar de chegada dos imigrantes, com toda sua movimentação e processo de conscientização, como também por ser o espaço de confronto entre classes, gerações e gênero. Trata-se, portanto, de um espaço diversificado, heterogêneo e cheio de contrastes, representando-se como um espaço de intensa sociabilidade, popular e pluricultural, sendo também um espaço de movimentação – de idas e vindas – que, num momento, recebe imigrantes e, em outro, exila seus moradores.

Com excertos do romance, os demais lugares de destaque – que também estão localizados na cidade – serão retratados a partir das relações sociais que são estabelecidas neles. Começando-se pelo porto, onde há chegadas, partidas e o trabalho de muitos imigrantes como estivadores, uma das funções ocupadas pelos imigrantes: Manuel Londeiro carga la bolsa de trigo que cae sobre el hombro y se le incrusta en el omóplato, junto al cuello. Manuel corre por el tablón hasta la estiba, otra bolsa, otra hora, poco dinero para pagar la cama, la comida en la fonda, otra bolsa, otra hora, dinero para guardar, dinero para el pasaje de Carmen y los niños, apúrate, Londeiro, (…) este gallego es una bestia, comenta el capataz como un elogio, una bestia el gallego que corre por el tablón desde el carro a la estiba, empujando y resoplando como un toro (…). Con la paga en el bolsillo, Manuel camina hacia la fonda. Está cansado y tiene hambre, se comería una de esas vacas, esas reses que las grúas levantan sobre su cabeza y caen en la bodega del barco inglés (…) (ORGAMBIDE, 1984, p.17-18)

Essa passagem representa o trabalho do porto. O narrador escolhe tratar a respeito das relações de poder e de exploração do trabalho que são estabelecidas lá e, assim, descrever aquele espaço. Outro lugar que se destaca é conventillo, um microcosmo, por se tratar do lugar onde há a representação do que acontecia em toda a cidade: encontro de grupos de imigrantes gallegos, italianos, alemães, polacos, turcos... É lá, nesse lugar característico das margens da cidade que, entre seus corredores, quartos e pátios, se passa a vida doméstica; cotidiana. – ¡Bueeenos díaaaas, Germán! – lo saludó desde el patio la morocha de la pieza 12 (...) El cantito de la morocha (…) lo apartó de sus reflexiones y miró al conventillo donde las mujeres chismorreaban en las piletas, los patios poblados de chicos, las ropas tendidas como velámenes, un colchonero que cardaba lana para el colchón de los recién casados, la pieza del oriental, un uruguayo que tomaba mate todo el día y que salía por las noches a florearse como payador. Vio las cocinas de lata alineadas junto a las piezas y al italiano que salía de la letrina acomodándose los tiradores, vio la pieza 5 de los libaneses, la 8, del buhonero sirio, la 15, del judío polaco que vendía géneros por la calle, la 22 del compadrito que criaba gallos de riña y se acicalaba frente a un espejito colgado en la pared. “Debía haberlo visto antes – meditó Herman Müller – debí comprender que el universo empezaba por casa”. (ORGAMBIDE, 1984, p.71-72)

No trecho acima, além da movimentação cotidiana, há as reflexões de Müller que podem ser relacionadas aos pensamentos do próprio presente da escritura, quando Orgambide faz a crítica à militância e à sua postura frente ao período daquela última experiência de ditadura militar. Cruzando toda a cidade, temos as ruas, espaço de sociabilidades, espaço dos transeuntes, espaço de circulação de pessoas, ideias e implementos da modernidade, como o a luz elétrica, o tranvia ou o trem.

A silbatos, a empujones de niebla, el tren avanza ahora sobre el suburbio, junto a las casas bajas, la ropa colgada, los puentes de fierro sobre el río. Entra por fin en la ciudad que se le aprieta en barrios, calles empedradas, casas de dos y tres pisos, y la estación, con su boca de fierro y vidrios y los desvíos y semáforos y las calles grises de los andenes, con sus changadores y el griterío de la gente. Resopla el tren, afloja el ruido de sus bielas, se detiene –¡Cuidado! ¡Cuidado! – chilla la señorita Yurkovsk y entre las valijas y los empujones. (ORGAMBIDE, 1984, p.148)

Há na obra três núcleos familiares cujo desenrolar da história se desenvolve tanto em paralelo quanto com intersecções. O primeiro deles é o italiano, cujo cerne é o personagem Enzo Bertotti que imigra sozinho, da Calábria, para “hacer la América”. Ele é apadrinhado por um gaucho e se junta com outra figura que caracteriza o imigrante empreendedor, Giovanni Valetta. Enzo começa trabalhando como carrero, passa a industrial e, depois, produtor de cinema, caracterizando a possibilidade de mobilidade social, ascendendo à pequena burguesia, e representando também o processo de modernização. O outro núcleo é aquele que se estabelece ao redor da figura de Manuel Londeiro, protagonista que imigra sozinho, deixando a família – mulher e um casal de filhos – no povoado em que vivia na Espanha. Seu primo, imigrante já estabelecido na cidade portenha, não o ajuda, ao contrário: coloca-o como serviçal na loja de que é proprietário, cobra por todos os itens vendidos, sem qualquer regalia e não cansa de dizer como é árdua mesmo a vida daqueles que imigram e, como ele sofreu, com seu primo não seria diferente. Londeiro prefere seguir com o trabalho braçal de estivador e consegue dinheiro para a vinda de sua família e é lá, entre as sacas de mercadorias, que vai, aos poucos, conhecendo as ideologias políticas e as lutas sociais, num processo de conscientização. O terceiro núcleo é o da família judia, centrado na figura de David Burtfichtz, que imigra à província, ao interior, mas, na sequência, ruma à cidade e acaba sofrendo perseguições antissemitas e a família, que presenciou esse tipo de violência antes da imigração, sofre novamente. Culminando com o assassinato de David durante a Semana Trágica1, por conta de ter sido estereotipado como “judeu-anarquista”. 1

A semana trágica é como ficaram conhecidos os dias 7 a 14 de janeiro, momento em que houve o ápice de violência contra os trabalhadores que estavam em greve, em Buenos Aires, desde 2 de dezembro de 1918 reivindicando melhores condições de trabalho e redução da jornada e culminando num acordo. No dia 07 de janeiro, os grevistas tentaram impedir o abastecimento de matérias-primas para a fábrica e os motoristas começaram, junto com a polícia, a atirar. O resultado da violenta repressão ao movimento dos trabalhadores desses dias foi de, pelo menos, 700 mortos e 4 mil feridos e um acordo foi firmado entre as partes depois da exibição de uma mobilização de resistência por parte dos trabalhadores. Outro dos resultados dessa semana foi a institucionalização da “Liga Patriótica”, movimento de ulta-direita, primeiro grupo paramilitar de direita que mantém vínculos com o Partido Radical, a Igreja e a aristocracia com a “função de liquidar as movimentações sociais de trabalhadores”. Cf. FINCHELSTEIN, Federico. La argentina fascista: los orígenes ideológicos de

São, principalmente, desses três grupos de personagens que partem as principais ações da história e é por meio deles que seguiremos para exemplificar como estão representadas algumas formas de violência ao longo da narrativa. A começar pela questão do racismo. Nesse momento de formação da identidade nacional, tem-se na figura do imigrante a possibilidade de aumentar a força de trabalho para aquela economia que estava se expandindo. Esse afluxo imigratório influenciou no processo de tensões para a afirmação nacional (cf. BERTONI, 2001). Na passagem a seguir, o italiano Enzo Bertotti vai oficializar sua situação de imigrante no país, consultar-se com um “doutor” e sua chegada surpreende duas pessoas que conversavam no corredor: - Si yo fuera el Presidente, los echaba a todos del país. - Y yo, che. Ya no se sabe quién es quién en la Patria. (…) - ¿Vio? Ellos llegaron con los gorriones y empezaron las huelgas. - Por algo los largaron de sus patrias. Santos no son… (…) - Pará, che, que ahí llega un tano… (ORGAMBIDE, 1984, p.39)

O nacionalismo, a pátria, para esses que conversavam, na chegada de Enzo, exclui a figura do imigrante, malvista, e demonstrando um processo de construção de estereótipos em relação à alteridade, à diferenciação daqueles que estavam chegando à cidade, podendo ser esta cena classificada como contendo uma forma de racismo e sectarismo. Outra forma de violência que está presente na obra é aquela de natureza institucional cujo ápice de sua força está no excerto abaixo, contra o gallego estivador que, aos poucos, foi se conscientizando e participando mais ativamente das mobilizações populares: - ¿No va a hablar? – pregunta el policía - . No sea gil, gallego. ¡Tenemos la prisa! Alguien lo batió. Vamos Londeiro, sabemos que usted es el contacto de Trejo en Buenos Aires... ¿Así que no lo vio?... ¡No me diga! ¿Pero quién te crées que sos hijo de puta?...¿Me conocés a mí?...Sí, miráme bien la cara…¡Tomá!...¡Por hijo de puta, por tirabomba, guacho!...¿Vas a hablar ahora?...¿No?...¡Mirá que tu mujer no te va a conocer, Londeiro! (…) Le dolían los huesos pero el dolor permanecía lejos de la cabeza, de pronto despejada y como vacía. Así que cerró los ojos e intentó dormir. No, no se podía levantar. Apoyó la cara en el piso, húmedo de orines y de agua. Se durmió. Alguien le pegó en la boca que empezó a sangrar. “Dormido, como dormido”, se ordenó Londeiro y pensó que no estaba tan mal, que podía pensar a pesar de todos. (...) Se despertó en un galpón, amarrado a un poste y con una soga al cuello. Le echaban agua y le gritaban que lo iban a matar (...). (…) Los hombres ya no lo golpeaban. Los oía hablar y reír en un costado del galpón. Imaginó una mesa, los vasos, la botella de vino. (…) Se sabía solo, al menos por un rato. Intentó aflojar las ligaduras. Más cómodo, trató de desatar el nudo y lo consiguió. Trabajó con calma, como si estuviera en el puerto. - ¿Qué hacés, Londeiro? (...) ¿Te volviste loquito?

la dictadura. Editorial Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2012, posição 165 (versão e-book). Tradução libre.

Sintió la patada en el estómago; sintió abrirse la herida, la sangre que brotaba como la otra vez. (ORGAMBIDE, 1984, p.277-278)

Neste trecho, está expressa a força repressiva que atuou sobre as manifestações dos trabalhadores – o que se repetiu ao longo do século XX – e que se institucionalizou de outras formas, nos grupos nacionalistas de direita (FINCHELSTEIN, 2012), cujo processo de conscientização e formação política se deu, entre outras formas (mas principalmente), por meio do contato com as ideologias políticas trazidas pelos imigrantes. A perseguição ao núcleo judeu, com violências explicitas contra este grupo religioso e também repleto de lembranças da violência sofrida em outras terras, também está presente tanto no presente da escrita do autor, como no decorrer do romance: ¿Qué importa adonde vamos? Vamos adonde no nos maten, Liuba. Eso es todo lo que puede esperar un judío. (ORGAMBIDE, 1984, p.14) HAGA PATRIA. MATE A UN JUDIO pintaron los jóvenes en el muro. Después subieron al auto y dispararon varios tiros al aire. Fue una extraña señal, que tal vez pareció años después o antes, cuando emergió la cola del cometa Harlley desde las tinieblas del universo y la gente salió a la calle porque venía La fin del Mundo. (…) El señor Burtfichtz abrió la librería, vio la señal pero en verdad no se sorprendió. ¿Qué importaba un país u otro cuando la maldad corría más rápido que los meteoros y la cola del cometa Harlley? (ORGAMBIDE, 1984, p.173)

Essas formas de exposição da violência cotidiana, aquela que não surpreende, que acontece mais de uma vez, e da institucional podem ser consideradas como um meio de denúncia e de um comprometimento social, além de fazer uma referência direta ao último período ditatorial. Sobre essa temática, McEvoy afirma que: Si bien en su experiencia de exiliado Orgambide podría haber escrito la “novela del exilio,” este escritor opta por regresar a un pasado más remoto e intenta encontrar las respuestas ante el uso de la violencia como mecanismos cíclicos de represión utilizados en la Argentina. (2010, p. 113)

Ou seja, a existência da violência, em suas várias formas não é exclusivo desse tempo narrado, tampouco de seu tempo vivido, trata-se de um “patrón que se ha mantenido desde la creación de la nación” (MCEVOY, 2010, p. 115). Com essa criação da nação, são criados também os sentidos de pertença àquela terra, àquele lugar. Esse sentido de construção está presente na obra, um sentido de identidade fragmentada composta pela junção de diversas características sócio-culturais, como as questionadas abaixo por David Burtfichtz, sobre sua filha:

La locura del mundo (...) la que nos dejó sin patria, esa locura que envilece al pensamiento, oh, Dios, el orgullo y la maldición de nuestra raza. (…) Mi Liuba quiere ser esto o aquello: artista o católica o argentina ¿Quién soy yo para llamarla renegada? Lo sé, lo sé: no debemos a nuestras tradiciones y no las vamos a abandonar. ¿Pero acaso ella es culpable de esa locura de siglos que nos condena y no humilla y nos envilece (...)? (ORGAMBIDE, 1984, p. 129)

A partir desse excerto2, volta-se a outra possibilidade de discussão a das relações entre memória e construção dos sentidos de identidade nacional: Es dentro de un ambiente de fragmentación social y política que los autores latinoamericanos crean un espacio intelectual que les permite reconceptualizar tanto la identidad nacional como el concepto de nación busca de las formas de representación de la sociedad ausente, distante. (MCEVOY, 2010, p. 94)

O processo de reconceitualização dessas identidades e desse conceito de nação evidencia que se trata de um processo de constante construção e que as identidades sociais não são inatas 3. McEvoy assevera que “la recuperación de la memoria – a través de la literatura – permite el trazo genealógico de algunas de las costumbres y tradiciones que se construyen en los márgenes de la nación” (MCEVOY, 2010, p. 104) como o tango e a milonga posteriormente convertidos em patrimônios culturais, representações que estão presentes no romance de Orgambide. Quando reflete sobre sua produção, Orgambide se pergunta: ¿qué buscamos cuando contamos la Historia? Creo que buscamos, entre otras cosas, el sentido mismo de nuestra historia personal, hecha no solo con los acontecimientos que vivimos, sino con la memoria de nuestros mayores; es decir: contamos y nos contamos lo que fue, lo que fuimos en un país, una comunidad en donde tenemos un lugar que llamamos patria (ORGAMBIDE, 1996, p.14)

Por meio do discurso ficcional e memorialista, Orgambide busca (re)construir, (re)afirmar a (sua) identidade com a sensação de que escreve sob a necessidade de explicar por meio de um conjunto de experiências sociais, através da narração ficcional, da literatura, que “no seu gesto sempre renovado de indagar o passado e questionar o presente em favor do futuro, continua a trabalhar pela configuração de uma memória crítica do acontecido.” (OLMOS, 2012, p. 134)

III. SAÍDA E REGRESSO

2

Podemos utilizar para reforçar este ponto, também, os demais excertos feitos ao redor da personagem do italiano Enzo Bertotti, tanto primeiro, com a descrição e apropriação da cidade, com as ganas de se tornar, se fazer, um argentino como o da conversa sobre o incomodo a respeito desse afluxo imigratório. 3 CF. HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.

Una sociedad habla, entre otros discursos, con el de la literatura. Leer, entonces, la narrativa de estos años [1980] puede ser, para los argentinos, una de las forma posibles de encontrar algunos sentidos en esa dolorosa y desordenada de lo vivido en la última década [la de los años 1970s] (SARLO, 1983, p.9)

O momento da publicação da trilogia de Orgambide nos remete à abertura política, à volta do exílio que, juntos, podem possibilitar o processamento da experiência social da violência e da busca de sentidos e de quebra do silêncio. “A literatura pós-ditatorial latinoamericana se encarrega da necessidade não só de elaborar o passado, mas também de definir sua posição no novo presente instaurado pelos regimes militares” (AVELAR, 2003, p.237). É por meio da fala de seus personagens, então, que Orgambide se expressa e sua linguagem vem a transmitir a experiência e múltiplas temporalidades, sempre buscando reordenar o relato, a história, por meio da memória do vivido. A pergunta que surge aqui seria, então, sobre qual experiência ele escreve? Parte-se do pressuposto que “a experiência não supõe apenas a reflexão sobre o vivido, mas sim o movimento de reflexão sobre o conhecimento já construído” (DE MARCO, 2004, p.59). Trata-se de um texto que busca fazer uma leitura da experiência histórica argentina como forma de pertencimento, de aproximar-se com a terra natal, com seu sotaque. E então, das palavras do próprio Orgambide: “hacer más soportable el desarraigo”. (ORGAMBIDE, 1999b, p.157)

BIBLIOGRAFIA AVELAR, Idelber. Alegorias da derrota. A ficção pós-ditatorial e o trabalho de luto na América Latina. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003 BERTONI, Lilia Ana. Patriotas, cosmopolitas y nacionalistas: la construcción de la nacionalidad Argentina a fines del siglo XIX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica de Argentina, 2001. CURY, Maria Zila Ferreira. “Memórias da imigração”. In: SELIGMANN-SILVA, Márcio (org.). Palavra e imagem: memória e escritura. Chapecó: Argos Editora Universitária, 2006, p 303-326. DE MARCO, Valeria. “A literatura de testemunho e a violência de Estado”. In: Revista Lua Nova, número 62, 2004. São Paulo. Disponível em: . Acesso em 04 de junho de 2015. FINCHELSTEIN, Federico. La argentina fascista: los origenes ideológicos de la ditadura. Editorial Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2012. HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. ORGAMBIDE, Pedro. In: GÓMEZ, Albino. Exilios (Porqué volvieron). Rosario: HomoSapiens, Editorial Tea, 1999a, p.127-130. __________. “Aprendimos a ser extranjeros”. In: BOCCANERA, Jorge. Tierra que anda: los escritores en el exilio. Rosario: Ameghino Editora, 1999, p.157. __________. Hacer la América. Buenos Aires: Bruguera, 1984.

__________. Ser Argentino. Buenos Aires: Temas Grupo Editorial, 1996. SARLO, Beatriz. “La función de la literatura en un proceso de construcción de sentidos”. In: BALDERSTON, Daniel et. al.. Ficción y política: la narrativa argentina durante el proceso militar. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Eudebam 2014, p. 54-89. __________. “Literatura y política”. In: Punto de Vista. Número 19, 1983, p.8-11. Disponível em: . Acesso em 23 de jul. de 2015. SELIGMANN-SILVA, Márcio. “Narrativas contra o silêncio: cinema e ditadura no Brasil” in SELIGMANNSILVA, Marcio et al (org.). Escritas da violência, representação da violência na história e na cultura contemporâneas da América Latina. vol 2. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012, p. 64-85 ZEHNDER, Sabrina. Poética espacial de la diáspora y el exilio en la Trilogía de la Memoria de Pedro Orgambide. Editorial Fundación La Hendija: Paraná, 2015.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.