Qual a influência platónica na concepção da Cidade de Deus de Santo Agostinho?

May 25, 2017 | Autor: Susana Rogeiro Nina | Categoria: Political Philosophy, Platon, Santo Agostinho, Cidade De Deus
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Qual a influência platónica na concepção da Cidade de Deus de Santo Agostinho? :

Teoria das Formas e a Civitas Dei e Civitas Diaboli

Susana Rogeiro Nina

Índice

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Introdução........................................................................................................................................ 3

2. Idade Média: o Cristianismo e o Platonismo ....................................................................................... 3 2.1. O triunfo do Cristianismo ............................................................................................................. 3 2.2. Santo Agostinho: ponto de convergência do Cristianismo e a Filosofia Clássica ........................ 7 3. Cidade de Deus.................................................................................................................................. 10 3.1. Cidade Celeste e Cidade Terrena ............................................................................................... 10 3.2. Estado e Igreja: visão pessimista do Homem ............................................................................. 12 4. Conclusão .......................................................................................................................................... 15 5. Referências Bibliográficas ................................................................................................................ 15

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1. Introdução O presente trabalho parte da análise da obra de Santo Agostinho, A Cidade de Deus com o objectivo de abordar a influência platónica, tanto ao nível da concepção das duas cidades como ao nível da antropologia agostiniana. Assim, no primeiro capítulo do trabalho serão abordadas as questões teóricas do advento do Cristianismo e a influência da filosofia clássica, assim como, é introduzido Santo Agostinho explicitando as novidades do seu pensamento para a solidificação de um pensamento cristão e a influência platónica a que esteve sujeito. No segundo e último capítulo, procede-se a uma análise mais concreta da conceptualização das duas cidades, a sua diferenciação e caracterização e aborda-se a antropologia agostiniana e as relações que esta concepção estabelece com o Estado e Igreja. Ainda neste último capítulo são abordadas as questões que específicam o papel do poder eclesiástico e civil na Cidade de Deus, assim como a relação de um com o outro. Deste modo, ao longo do trabalho é analisado o triunfo do Cristianismo do Ocidente e a sua indissociabilidade com o confronto histórico que teve com a filosofia grega e a forma como esta solidificou a formulação de um pensamento cristão. Com Santo Agostinho, cuja obra constitui o culminar da filosofia cristã de influência platónica, conseguimos observar a forma como o pensamento clássico, nomeadamente a doutrina platónica da Teoria das Formas, serviu de suporte a uma mesma dicotomia em A Cidade de Deus. Do mesmo modo, que Platão fez alusão ao carácter moral e religioso da alma, com referência à sua imortalidade, função purificadora e princípio de conhecimento racional onde a união com o corpo não passa de estado transitório, Santo Agostinho procede a uma divisão moral das duas cidades. Na perspectiva agostiniana, aqueles que se “amam a si mesmo ao desprezo de Deus” pertencem a uma Cidade Terrena, aqueles que “amam Deus ao desprezo de si próprios” constituem a Cidade de Deus. Assim, verifica-se que a antropologia agostiniana é fortemente influenciada pelo platonismo, visto que para Platão a essência do Homem é composta pela alma, imortal pela qual atinge o verdadeiro saber e o corpo é apenas matéria mortal, terrestre e que pertence ao mundo sensível. Na teoria formulada por Santo Agostinho, a alma está dividia em Razão Inferior e Razão Superior, sendo que a primeira corresponde ao conhecimento das realidades mutáveis e sensíveis com fim de satisfazer as necessidades do Homem e a segunda tem como objectivo a Sabedoria, o conhecimento sensível das Ideias, para que seja possível elevar-se até Deus. Visto o critério utilizado por Santo Agostinho ser de carácter moral, a sua teoria não se baseia na identificação da Cidade Terrena com o Estado e a Cidade de Deus com a Igreja, visto que as duas se encontram misturadas em qualquer cidade e só separação só ocorrerá no fim dos tempos. O fundamental baseia-se em quem consegue libertar-se da condição pecadora e atingir os verdadeiros valores de Paz, Justiça e Bem. Neste aspecto fica patente a visão pessimista da natureza humana que Santo Agostinho tem. O pensamento agostiniano considera que só uma minoria consegue alcançar a Cidade Celestial e abandonar a prossecução dos seus prazeres carnais e hostilização de Deus. É esta antropologia que vai legitimar a instauração de um poder civil coercivo e coactivo com a função de punir os pecadores e refrear os seus desejos e apetites, onde, segundo Santo Agostinho, apenas moralmente se encontra dependente da Igreja, pois de acordo com a concepção de Estado agostiniana este encontra-se separado do poder eclesiástico. A metodologia utilizada na elaboração do presente trabalho parte essencialmente de pesquisa bibliográfica. Foi levando em conta, numa primeira fase a análise das obras principais, A Cidade de Deus de Santo Agostinho e A República de Platão, para numa segunda fase proceder à pesquisa junto de autores que tenham abordado a temática e outras obras que ajudassem a clarificar o tema proposto. Posteriormente, foi enriquecida com leitura complementar de bibliografia que me permitisse clarificar melhor questões como o Cristianismo, a vida de Santo Agostinho e as influências que este sofreu.

2. Idade Média: o Cristianismo e o Platonismo 2.1. O triunfo do Cristianismo A Idade Média marca a cristalização do Cristianismo no Ocidente. Na análise deste triunfo, somos confrontados com o advento de doutrinas radicalmente novas, alheias a tudo que havia sido defendido pelos filósofos clássicos. É consensual que o Cristianismo é, essencialmente, uma revolução religiosa que com a sua doutrina trouxe uma nova concepção de divindade, unitária e transcendente, bem diferente da concepção pagã de pluralidade (Amaral, 1990 p.150) Estas clivagens surgem, sobretudo, na relação estabelecida com Deus. Se de um modo geral é possível afirmar que a filosofia helénica havia posto Deus em relação com o Cosmos, com o Universo, seja como

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Inteligência Ordenadora1, pela mão de Anaxágoras e Platão, seja pela ideia aristotélica de Motor e Fim2 ou como Razão Cósmica3 através dos estóicistas, o Cristianismo abordou a questão de um prisma que os distingue de todos os sistemas filosóficos gregos. O Cristianismo coloca Deus em relação com a História, tornando-se este elemento essencial à fundamentação da sua doutrina (Cordon e Martinez, 1983, p.79). A relação estabelecida entre o Cristianismo e a História revela ser a trave mestre do sucesso da doutrina cristã, pois se tivesse limitado a propor uma teoria na qual Deus fosse apenas a génese do universo certamente ter-se-ia esfumado ou fundido com outras correntes do pensamento clássico. Deste modo, constata-se que a relação estabelecida entre Deus e a História tem um duplo sentido, a nível da providência 4 como a da materialização divina. Para o Cristianismo, Deus é providente e preocupa-se, directamente, com os assuntos humanos e com o desenvolver da História. Porém, há que ressalvar que apesar de ser uma componente fundamental para a legitimação do Deus cristão, esta doutrina não é propriamente nova, nem exclusiva da fé cristã. De facto, os estóicos, já haviam afirmado que Deus é proveniente, mesmo que essa providência estivesse associada ao destino e não a um Deus pessoal. Segundo, a doutrina cristã Deus não é só providente da história humana, mas também havia participado nela. É aqui verificamos o advento inovador que o Cristianismo trouxe. Ao colocar Deus na História do Homem, afirma que este se tinha feito homem num lugar e momento bem determinado e preciso. É com este facto histórico que se vai determinar o centro de toda a História do Homem, isto é, desde a criação do mundo até ao momento do juízo final, tudo adquire significado e simbolismo. A narrativa difundida pelos romanos de que Deus se tinha feito Homem e havia morrido crucificado nunca poderia ser assimilada pela filosofia grega. Tal anúncio, segundo os clássicos, tornava-se incompatível com a imutabilidade divina, com a sua impassibilidade perfeição e dignidade. Além do que, implicava também em Deus uma predileção inexplicável por uma raça, um lugar no mundo habitado e um momento da história humana. Para além da relação estabelecida com a História, o Deus cristão apresentava uma atitude perante a verdade muito diferente da atitude helénica. A filosofia grega caracterizava-se por insistir que o conhecimento humano era limitado. Um filósofo não pretendia atingir uma verdade absoluta. A reafirmação dos limites cognitivos do Homem e da impossibilidade de um conhecimento total, verdadeiro e absoluto chocou com a tese de6fendida pelo Cristianismo que afirmava que possuía a verdade absoluta, revelada pelo próprio Deus. A questão da verdade defendida pelo Cristianismo caracteriza-se, ainda, no plano da pluralidade. No tempo do Império Romano a filosofia caracterizava se por aceitar uma pluralidade de escolas filosóficas, com a coexistência do aristotelismo5, estoicismo6, epicurismo7 e platonismo8, num diálogo constante e um processo de unificação (Cordon e Martinez, 1983, p.81). Este diálogo só se verifica entre doutrinas diferentes quando se aceita um duplo pressuposto. Nenhuma das doutrinas possui a verdade e todas se encontram num plano de igualdade no que concerne à fundamentação e critérios de justificação. Em posição contrária encontrava-se o Cristianismo que negava estes dois pressupostos. Ao afirmar-se como orientação divina, a verdade cristã apresentava-se como verdade absoluta e situava o seu fundamento e critério justificativo num plano distinto e superior ao das outras doutrinas filosóficas com que deveria dialogar. Porém, foi esta atitude que permitiu ao Cristianismo não se desmoronar nem ser confundido com outras escolas filosóficas. Embora, como foi referido, o Cristianismo não se apresentar como uma filosofia, nem se proponha a dialogar em pé de igualdade com os sistemas filosóficos desse tempo, o conteúdo da fé cristã incluía doutrinas 1

Em Anaxágoras, aparece pela primeira vez de forma explícita a ideia de Deus como principio que rege o Universo que serão posteriormente aproveitadas por Platão com o Demiurgo. CORDON, Juan Manuel Navarro, MARTINEZ, Tomas Calvo. História da Filosofia dos présocráticos à Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1983. Volume I 2 Teoria Aristotélica pela qual os objectos sensíveis são constituídos por dois princípios: o da perfeição, o acto pelo qual os objectos participam do ser e suas perfeições e o principio da potência, por virtude da qual os objectos possuem um grau limitado de perfeição. O acto explica a unidade do ser, a potência explica a multiplicidade e a mudança. LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995 3 O estoicismo interpreta a natureza humana fundamentalmente como razão: viver de acordo com a natureza é viver de acordo com os ditames da razão. CORDON, Juan Manuel Navarro, MARTINEZ, Tomas Calvo. História da Filosofia dos pré-socráticos à Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1983. Volume I 4 Suprema sabedoria pela qual Deus conduz todas as coisas. LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995 5 Sistema filosófico de Aristóteles em que estipula que o objecto formal da inteligência do Homem é o ser, a ideia análoga que se realiza no acto e na potência. Tenta dar fundamento realista à filosofia idealista platónica, pela observação sistemática do mundo sensível partindo das Ideias. Todo o ser é feito de matéria e forma, sendo a forma suprema, aquele que compreende todas as outras é Deus. LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995. 6 Para o Estoicismo a autêntica felicidade consiste na virtude, autodomínio e fortaleza de ânimo (ataraxia) que tornam o sábio imperturbável à desgraça e destino. CORDON, Juan Manuel Navarro, MARTINEZ, Tomas Calvo. História da Filosofia dos pré-socráticos à Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1983. Volume I. 7 Para o Epicurismo a felicidade consiste na consecução do prazer (supremo bem) sabiamente administrado juntamente com o afastamento da dor e o exercício da sabedoria e cultura do espírito. CORDON, Juan Manuel Navarro, MARTINEZ, Tomas Calvo. História da Filosofia dos pré-socráticos à Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1983. Volume I. 8 Sistema filosófico de Platão que é dominado pela Teoria das Ideias, que se pode sintetizar no seguinte princípio: “O objecto da própria ciência é o mundo real das Ideias de que o mundo sensível não tem mais que a sombra ou cópia”.

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que se podiam apresentar como respostas aos problemas tradicionalmente enfrentados pela filosofia, como a origem do mundo, o destino do homem, fundamento das normas político- morais. Logo no Génesis9, é fornecida a narrativa da origem do mundo, uma imagem de Deus e uma descrição da natureza humana susceptíveis de serem confrontadas com as teorias filosóficas gregas (Cordon e Martinez, 1983, p. 81). Porém, a filosofia grega nunca atingira o monoteísmo defendido pelo Cristianismo no sentido estrito, apesar de se ter aproximado de formas monoteístas com Platão e Aristóteles. Contudo, a afirmação nunca fora feita de forma definitiva. No conjunto dos sistemas vigentes no Império Romano costumava haver sempre lugar para a pluralidade dos deuses de culto. Face a este politeísmo, os cristãos defenderam sempre e de forma radical o monoteísmo e as suas argumentações a favor foram sempre mais violentas, tendo permitido à teologia cristã impor a sua superioridade. Segundo o Cristianismo, Deus criou o mundo a partir do nada, no entanto esta ideia é alheia e estranha à filosofia grega. Desde Parménides10 que a impossibilidade de que algo pudesse surgir do nada absoluto sempre foi considerada como um princípio racional inquestionável. A ideia da criação acentuava o poder ilimitado de Deus, ao mesmo tempo que abria novos caminhos à filosofia, com o desenvolvimento do conceito de contingência11. A ideia de Deus omnipotente está vinculada ao monoteísmo e ao criacionismo12 defendido pelo Cristianismo, uma vez que só Deus sendo omnipotente pode ser criador e só sendo único pode ser omnipotente. Logo, uma pluralidade de deuses não poderia ser omnipotente. A omnipotência está intimamente ligada à ideia de milagre, um dos pontos chaves da doutrina cristã e que colidia com a filosofia grega. Para os gregos, a ordem do universo é caracterizada pela necessidade13, onde os acontecimentos do universo acontecem como têm de acontecer fazendo com que o universo não seja um caos mas sim o cosmo. Para os filósofos gregos, a possibilidade de uma intervenção arbitrária e frequente de Deus no universo era um atentado contra a ordem e contra a racionalidade. Deus, que segundo o Cristianismo se havia feito homem para salvar os homens, é Pai. Nunca a filosofia grega alguma vez ousara fazer tal afirmação. O único filósofo que remotamente se aproxima desta ideia foi Platão, que num determinado momento classifica o Demiurgo 14 como “pai e feitor de tudo.” (Timeu, 28 C). No entanto, há que ter em atenção que essa expressão platónica está muito longe da afirmação cristã. Há que entender que não passa de uma expressão de benevolência para com o Demiurgo e que não se aplica à relação específica de Deus com o homem, mas à relação ou atitude genérica daquele com o universo. A concepção cristã do Homem é composta por três elementos fundamentais: o homem é feito à imagem de Deus, a sua alma é imortal e o Homem sofre um processo de ressurreição. Esta última era particularmente estranha ao pensamento grego. Alguns pensadores gregos haviam concebido o acontecer universal como um processo cíclico. Esgotado um período tem inicio outro da mesma duração no qual os acontecimentos do período anterior se repetem e o que se sucedeu ao longo de um período volta acontecer no seguinte: os homens voltam a viver a mesma vida com o mesmo corpo e no mesmo sítio uma e outra vez. Esta teoria está bem longe da teoria cristã. Para os gregos a questão essencial é que se volta a nascer e viver a mesma vida e não se os mortos ressuscitam. De acordo com teoria grega dos ciclos, a história repete-se opondo-se a concepção cristã em que a história acaba com a ressurreição final (Cordon e Martinez, 1983, p.39). A concepção cristã do Homem comporta a mais importante novidade no campo da teoria moral. A filosofia grega é, basicamente, intelectualista 15 no que diz respeito à moralidade, ao contrário da moral cristã. Seguindo a perspectiva intelectualista grega, o pecado é a ignorância, enquanto no cristianismo o pecado não resulta da ignorância, mas sim resultado da condição humana. Deste modo, é a maldade do Homem que o inclina ao pecado, da mesma forma que é liberdade de escolha que este tem que o faz ceder a tal inclinação. Com o conceito de pecado, ganha, assim, sentido na doutrina cristã as ideias de culpa, arrependimento, pecado e rendição (Cordon e Martinez, 1983, p.81). Porém, é redutor afirmar que o triunfo do Cristianismo se deve apenas a si próprio. Apesar de muitas vezes se confrontar com as teorias helénicas, opondo-se às mesmas em vários domínios é também importante ressalvar que estas também contribuíram para a solidificação da doutrina cristã.

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Génesis: primeiro livro do Antigo Testamento, que trata da formação do mundo Dicionário Porto Editora. Porto: Porto Editora, 2003-2013. Diálogo de Platão sobre as Ideias. LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995. 11 Contingência: Possibilidade que uma coisa ocorra ou não. Todos os seres excepto Deus são contingentes, existem mas podem não existir, são por si indiferentes a existência ou não existência. Opõem-se a necessário. LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995. 12 Teoria segundo a qual Deus cria cada uma das almas no momento em que ela vem animar o corpo. LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995. 13 Um determinado efeito vem necessariamente de uma determinada causa. . LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995. 14 Termo pelo qual Platão, no diálogo, o Timeu, designa o deus que fabricou o Universo. LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995. 15 Filosofia que coloca no seu cume um acto supremo de inteligência. LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995 10

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Durante o Império Romano mantêm-se em vigor quatro grandes escolas gregas de filosofia, o platonismo, o estoicismo, aristotelismo e epicurismos, opondo-se as três primeiras ao estoicismo por o considerarem um inimigo comum, ateu e licencioso16. Porém em sentido estrito o epicurismo está longe de ser ateu uma vez que admite a existência de deuses e muito menos é licencioso pois defende o prazer moderado. A questão fundamenta-se no facto dos epicuristas admitirem deuses que não têm relação alguma com o universo e defenderem o princípio de que o prazer é o fim último. Com isto, o epicurismo foi perdendo adeptos e credibilidade. Assim, além de terem como inimigo comum o epicurismo, as outras correntes filosóficas sofrerem um processo de aproximação mútua observável a partir do século I a.C. Neste processo, a corrente platónica conseguiu ser a mais forte, convertendo-se, depois, na principal corrente filosófica e acolhendo em si elementos das duas outras escolas. A partir do século III d.C. a única doutrina vigorosa e com bons filósofos é neoplatonismo 17. Na realidade, a história da filosofia grega desde o século III até ao século VI não é mais do que a história do neoplatonismo, pelo que se tenha generalizado a ideia de que o neoplatonismo foi o única escola credível com que os pensadores cristãos tiveram de se enfrentar. Houve aspectos fundamentais da doutrina platónica, cuja discussão promoveu importantes desenvolvimentos na corrente platónica cristã e no neoplatonismo. Platão havia distinguido dois mundos, o inteligível, como mundo das Ideias e o sensível, construído por imitação daquelas. Acima das Ideias, como ideias suprema e princípio primeiro, Platão colocou a Ideia de Bem. Numa primeira análise, era fácil identificar Deus com esta ideia de Bem. A Ideia de Bem de Platão continha a verdade absoluta, o verdadeiro conhecimento, tal como o Deus cristão era detentor da verdade, eternidade e conhecimento (Cordon e Martinez, 1983 p.61). Além dos dois mundos defendidos por Platão, este introduziu no seu sistema o Demiurgo, o Deus que constrói o mundo sensível tomando como modelo as Ideias. Porém, em toda esta construção teórica subsistiam aspectos que não estavam muito claros com questões que necessitavam de resposta. Era necessário esclarecer a relação existente entre o Bem e o Demiurgo, se seriam duas realidades distintas ou se temos antes que pensar que se trata de uma só realidade alegoricamente representada no Timeu com a figura do Demiurgo. Também, o mundo inteligível necessitava de clarificação. Supondo que as Ideias, são os arquétipos do real, parece lógico deduzir que estão presentes numa mente divina. Finalmente, era necessário explicar como é que a partir de um princípio único, supremo, contendo a Ideia de Bem e Deus se originou a pluralidade dos seres materiais e imateriais. O encontro do Cristianismo com a filosofia grega permitiu que o Cristianismo se formulasse num corpo doutrinal cujos conceitos foram basicamente de origem platónica. Se analisarmos os fundamentos chegamos à conclusão que não poderia ser de outra forma. A corrente platónica impulsionada pelo neoplatonismo era então a mais vigorosa e dominante e a que oferecia mais pontos de contacto com a doutrina cristã, tanto no plano teológico como no plano antropológico (Cordon e Martinez, 1983, p.86). No que se refere à teologia, a filosofia platónica oferecia numerosas possibilidades para a formulação das ideias cristãs. A doutrina platónica afirmava a existência de outro mundo além do mundo sensível, o mundo das ideias. As ideias situavam-se na mente divina o que facilitou a assimilação cristã desta teoria. Do mesmo modo, que a ideia platónica de que o mundo sensível foi feito a imagem e semelhança das Ideias vai ao encontro da ideia cristã do mundo como vestígio ou marca de Deus. A filosofia neoplatónica defendia a doutrina da participação 18 e os filósofos cristãos, ao formular as ideias do Cristianismo, servir-se-ão desta ideias de participação, para reforçarem a ideia da “contingência do criado com a contingência, a dependência relativa ao seu ser, o criador, Deus”. (Cordon e Martinez, 1983, p.87). Os cristãos acreditavam ter encontrado a mesma ideia da criação prefigurada no Demiurgo de Platão. É verdade que o Demiurgo platónico não é um criador num sentido literal da palavra, apenas ordenador. No entanto, da mesma forma que o neoplatonismo reinterpreta a doutrina do Demiurgo, também o pensamento cristão podia ter a liberdade de o fazer, encarando-o como criador. Tanto Platão, ao situar a Ideia de Bem acima e mais além das outras ideias, como o neoplatonismo ao insistir na transcendência e no uno, ofereceram fórmulas vigorosas que o pensamento cristão soube aproveitar e nalguns casos reinterpretar para fundamentar o seu monoteísmo.

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Aquele que leva uma vida desregrada; dissoluto; libertino; devasso. Dicionário Porto Editora. Porto: Porto Editora, 2003-2013 Em sentido estrito é uma corrente filosófica de carácter platónico que tem origem no século III com a obra de Plotino, que propunha um sistema filosófico-religioso em que se explica como todas as realidades procedem sucessiva e descendentemente a partir do Uno e como se produz o regresso até Ele. O Uno é principio supremo procede imediatamente o Logos de onde provém a alma universal e assim sucessivamente num processo de descida. CORDON, Juan Manuel Navarro, MARTINEZ, Tomas Calvo. História da Filosofia dos présocráticos à Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1983. Volume I 17

É a teoria dos neoplatónicos, cujo princípio fundamental é: “Todo o ser perfeito é causa eficiente perfeita”, ou seja tudo o que é real existe nos seres sensíveis e em última análise havia participado na autêntica realidade que são as ideias. LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995. 18

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Na concepção do Homem, verifica-se uma situação semelhante à fundamentação teológica, constatando-se que o platonismo foi a filosofia com que o Cristianismo mais pontos em comum encontrou na sua concepção antropológica. Platão havia defendido a imortalidade da alma, formulando argumentos a favor da mesma na sua obra Fédon19. Esses argumentos serão recolhidos pelos filósofos cristãos, existindo, porém, um ponto de discórdia. Para Platão, como para todos os filósofos gregos, tudo o que é imortal, o que não tem fim, também não tem começo. As almas, de acordo com Platão, existem desde sempre e para sempre sofrendo sucessivas reencarnações. O cristianismo aceita a imortalidade da alma, mas nega a teoria da preexistência e da reencarnação. No que concerne à origem da alma, a filosofia cristã nos primeiros séculos mostrou-se por vezes vacilante, ao ponto de Santo Agostinho ter defendido o traducianismo 20, mesmo que no fim acabasse por se impor a teoria de que as almas são directamente construídas por Deus (Cordon e Martinez, 1983 p.88). Além disso, Platão insistira que o verdadeiro lugar e destino da alma, não se encontra neste mundo, mas no mundo das Ideias ao qual pertence por sua natureza e para o qual se sente naturalmente atraída. De acordo com as ideias expostas por Sócrates no Fédon, a vida é senão um período de purificação e preparação para a existência posterior da morte, verificando-se que esta concepção da alma era perfeitamente assimilável para o pensamento cristão. Platão expusera através de mitos que as almas são julgadas depois da morte, sendo premiadas ou castigadas, de acordo com a conduta do Homem ao longo da vida. Porém, o Cristianismo defendia uma ideia, totalmente estranha ao platonismo, pois além do juízo pessoal depois da morte haveria um juízo universal no fim dos tempos. Assim, verifica-se que a interpretação filosófica da alma por parte do pensamento cristão é fundamentalmente platónica, apesar dos pontos de discórdia. Se analisarmos bem a concepção platónica do Homem existe um aspecto que não parece ser muito compatível com o Cristianismo: a relação da alma com o corpo. Se para o Cristianismo foi o Homem completo que foi feito à imagem de Deus e não apenas a sua alma e se, de acordo com a doutrina da ressurreição dos corpos, não é possível afirmar que o estado natural e definitivo da alma parte de uma existência descarnada não pode considerar erroneamente que é uma ideia profundamente platónica. Até porque temos de levar em consideração que para Platão a união da alma com o corpo é um estado não apenas acidental e transitório, mas como algo antinatural para a mesma. Logo, a alma e a sua união com o corpo são pilares da doutrina cristã e peculiaridades do Cristianismo e não características platónicas (Cordon e Martinez, 1983, p.60).

2.2. Santo Agostinho: ponto de convergência do Cristianismo e a Filosofia Clássica Santo Agostinho, é provavelmente o primeiro grande filósofo cristão e um dos mais importantes iniciadores da tradição platónica, sendo um dos principais responsáveis pela síntese entre o pensamento filosófico clássico e o Cristianismo, tendo dedicado muitas das suas teorias à defesa da religião católica, sobretudo contra os donatistas21 e os plágios22. Apesar de toda a importância do pensamento agostiniano, não é possível classificá-lo como original, uma vez que Santo Agostinho não parte do nada. Muito pelo contrário. O seu esforço será o de conciliar o neoplatonismo com as verdades cristãs, tornando-se, realmente, no primeiro pensador cristão, contribuindo, igualmente para “ dotar o Cristianismo latino de bases filosóficas que nele ainda se não encontravam plenamente seguras” (Cunha, 2010, p.96). Pelo que é possível afirmar a influência do pensamento agostiniano foi decisiva na formação e desenvolvimento da filosofia cristã no período medieval na linha do platonismo.

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Diálogo de Platão sobre a imortalidade da alma. LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995. Teoria segundo a qual alma dos pais seria capaz, sob a moção de Deus, de produzir a alma dos filhos. CORDON, Juan Manuel Navarro, MARTINEZ, Tomas Calvo. História da Filosofia dos pré-socráticos à Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1983. Volume I. 20

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Religião heresia que surgiu no início do séc. IV e foi condenada no concílio de Arles, em 314, na qual estiveram implicados dois bispos africanos, ambos de nome Donato: Donato, bispo de Cartago, e Donato, bispo da Numídia. Dicionário Porto Editora. Porto: Porto Editora, 2003-2013. 22 Pelagianismo: seita herética cristã defendida pelo monge Pelágio (360-425) que, essencialmente, consistia em uma posição antiagostiniana com relação à teoria da graça e da predestinação. (Considerando que a tese de Santo Agostinho sobre essas matérias se avizinhava por demais do maniqueísmo, sustentou que a graça está difusa na natureza e é um dos atributos do homem, que nasce sem pecado, embora os cometa no decorrer da sua existência. Condenado pelo Concílio de Éfeso, em 431, desapareceu como seita herética, vindo a surgir como objeto de discussão nas disputas teológicas no decorrer do séc. XVII.). . Dicionário Porto Editora. Porto: Porto Editora, 2003-2013.

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Na sua doutrina, onde várias vezes se encontram influências maniqueístas 23 ou platónicas, quase nunca é política. A filosofia agostiniana tomou contacto com o platonismo através do Fédon, dedicado à imortalidade da alma e da afinidade desta com as ideias e com o Timeu24, dedicado a exposição da origem do Universo e a sua formação. Este contacto foi essencial para firmar a sua convicção de que este está intimamente ligado ao conteúdo da fé cristã “donde se depreende que até mesmo os platónicos hão-de submeter as suas impiedosas cabeças a Cristo, rei único e invicto, bastando apenas que alterem umas quantas coisas, de acordo com as exigências da fé cristã” (Epístolas 56). Neste sentido, fica demonstrado que seria lógico e natural que os platónicos aceitassem o Cristianismo revelando no mesmo modo, a atitude intelectual de Santo Agostinho (Touchard, 1959, p.147). Contudo, não é possível considerar Santo Agostinho um filósofo no sentido estrito do conceito. Um verdadeiro filósofo deveria limitar o seu âmbito de análise ao que pode ser conhecido por meios exclusivamente racionais rejeitando apelar à fé na sua argumentação racional. Ora, como irá ficar comprovado, esta não é atitude agostiniana “ Deve-se adorar um só de Deus, de quem embora se ignore o nome, se tem sentimento de que é Ele o dispensador da felicidade” (Cidade de Deus, Livro IV p.433). Verifica-se que quando postula os seus argumentos, Santo Agostinho não consegue traçar fronteiras precisas entre a razão e a fé atribuindo a cada uma o âmbito próprio de competências. O pensamento agostinho nunca teve como preocupação delimitar as fronteiras entre fé e razão, muito pelo contrário. Considerou que ambas, conjuntamente, têm como missão o esclarecimento da verdade que, como crente, era necessariamente a verdade cristã. É visível, nos argumentos apresentados por Santo Agostinho, que o alcance da verdade cristã é o grande objectivo. Para isso, Agostinho põem em colaboração estreita a razão e fé para que num primeiro momento a razão ajude o Homem a alcançar a fé e num momento posterior a fé orientará e iluminará a razão. A razão por sua vez, contribuirá em seguida para o esclarecimento dos conteúdos da fé. Neste sentido, a filosofia agostiniana tem como preocupação central a fé e a razão, mostrando que sem fé a razão é incapaz de promover a salvação do Homem e atingir a felicidade. Portanto, a razão funciona como auxiliar da fé, permitindo esclarecer e tornar inteligível que a fé revela de forma intuitiva, sendo célebre a formulação agostiniana “Credo ut intelligam”25, (Touchard, 1959, p 152). Assim, constata-se que o pensamento agostiniano parte do apelo à interiorização “não saias fora, voltate para ti mesmo; a verdade habita no homem interior” (Da Religião Verdadeira, p.39, 72). O ponto de partida para a busca da Verdade não se encontra no exterior, no conhecimento sensível, mas sim na intimidade do Homem, na experiência que o Homem possui da própria vida interior. Esta exigência de interiorização possui claramente ressonâncias platónicas, uma vez que o processo de interiorização, o debruçar sobre si mesmo é o ponto de partida de um processo ascendente que leva o Homem além de si mesmo, ou seja, o processo de auto transcendência. Este processo implica que o Homem tenha consciência que a sua própria natureza é mutável e que apesar disso encontra verdades imutáveis em si, verdades que, portanto, possuem características superiores à natureza da alma. Trata-se, então, de algo, as Ideias que o Homem encontra em si mas que, no entanto, lhe são superiores. Não é, como tal, difícil reconhecer neste processo a influência platónica da doutrina das ideias. Tal como Platão, também Santo Agostinho reconhece que as Ideias, autêntico objecto de conhecimento, são imutáveis e necessárias. Da mesma forma que a doutrina platónica atribuía um lugar nesse reino inteligível às Ideias, também o pensamento agostiniano coloca no mundo inteligível as ideias de ordem lógica e metafísica (verdade, falsidade, semelhança, unidade), as ideias de ordem matemática (números, figuras) e as ideias de ordem ética e estética (justiça, verdade, beleza). A similitude com Platão revela-se ainda no facto de Santo Agostinho, também reconhecer que dada a sua necessidade e imutabilidade, as Ideias não podem ter o seu fundamento na alma humana, “A libertação das algemas e o voltar-se das sombras para as figurinhas e para a luz e a ascensão da caverna para o Sol, uma vez lá chegados, a incapacidade que ainda têm de olhar para os animais e plantas e para a luz do Sol, mas, por outro lado, o poder contemplar reflexos divinos na água e sombras, de coisas reais, e não, como anteriormente, sombras de imagens lançadas por uma luz que é, ela mesmo, apenas uma imagem, comparado com o Sol-são esses os efeitos produzidos por todo este estudo das ciências que analisamos; elevam a parte mais nobre da alma, à contemplação da visão do mais excelente dos seres, tal como há pouco a parte mais clarividente do corpo se eleva à contemplação do objecto mais brilhante na região do corpóreo e do visível” (A República, 2002, 532C). Seguindo a evolução do platonismo, Santo Agostinho situa o fundamento das ideias na mente divina, em Deus, sendo Este a realidade imutável e a Verdade absoluta. Reconhece, assim, que sendo as Ideias formas ou essências permanentes e imutáveis das coisas, que não foram formadas, mas que existem eternamente e de maneira imutável, só podem existir na contingência divina.

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Doutrina de uma seita religiosa de origem persa que pretendia combinar o Cristianismo com o dualismo da antiga religião de Zoroastro que era baseada em dois princípios: o bem e o mal. AMARAL, Freitas do Amaral. História das Ideias Políticas. Coimbra: Livraria Almedina, 1999. Volume I. 24 Diálogo de Platão sobre a natureza. LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995 . 25 “Creio para que possa entender”

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Porém, em todo este raciocínio ficam questões em aberto. Partindo do pressuposto defendido por Santo Agostinho, que as ideias estão em Deus sendo arquétipos ou modelos das realidades mutáveis, como é possível à alma humana, ao Homem tomar contacto com as ideias. Platão, havia justificado este conhecimento através do argumento da imortalidade da alma e do processo cíclico que esta sofria, presente no Fédon, com a defesa da imortalidade da alma através do argumento da geração dos opostos pelos opostos26, pelo que o processo cíclico fornecia ao Homem um conhecimento opaco das Ideias, verdadeiro conhecimento, que a alma havia tomado contacto. Contudo, como já foi referido anteriormente, este argumento não se coaduna com a doutrina cristã e como tal Santo Agostinho responde a esta pergunta por meio da teoria da iluminação. Assim, a filosofia agostiniana, defende que a alma conhece as verdades imutáveis por iluminação divina. Apesar da teoria de dar espaço a diferentes interpretações, Santo Agostinho rejeita a posição ontológica por considerar que a alma não vê as verdades em Deus, mas conhece-as em si mesma. Como tal, esta posição agostiniana tem de ser interpretada em função da filosofia platónica e se procedermos à análise desta teoria encontramos fundamentos da doutrina de Platão (Cordon e Martinez, 1983, p.59, 93). N’ A República, Platão compara a ideia de bem com o Sol “O Deus sabe que ela é verdadeira. Pois, segundo entendo, no limite do cognoscível é que se avista, a custo a ideia de Bem; e uma, vez, avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto há de justo e belo; que, no mundo visível, foi aquela que criou a luz, da qual é senhora, e que, no mundo inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para se ser sensato na vida particular e pública” (A República, 2002, 517C). Com esta analogia, Platão procurava explicitar que o Sol ao iluminar as coisas as torna visíveis, fazendo com que possam ser vistas e apreendidas, pois o Bem ilumina as Ideias tornando-os inteligíveis. Para Santo Agostinho, a parte superior da alma, o espírito está em contacto com Deus e embora a sua parte inferior esteja em contacto com o corpo, com o mundo sensível ou seja, alma é vizinha de Deus. Esta proximidade ajuda a clarificar a Iluminação como sendo algo perfeitamente natural, uma vez que o Homem tem a tendência natural de ascender onde está a luz da razão. Segundo a filosofia agostiniana, o Homem caracteriza-se por uma busca constante que o leva a auto transcender-se, na tentativa de procurar além de si próprio. Porém, Santo Agostinho ressalva que este impulso de auto - transcendência não acontece apenas no âmbito do conhecimento, realiza-se, também, no domínio da vontade. Na verdade, este movimento de auto transcendência, no âmbito do conhecimento e da vontade, não deve ser analisado como movimentos diferentes e distintos. O exercício de auto transcendência descrito por Agostinho, deve ser encarado como um movimento único, visto que se exerce tanto no conhecimento como na busca da própria plenitude e felicidade. Uma característica intrínseca ao ser humano é a sua busca pela felicidade. O Homem procura a felicidade. Santo Agostinho aborda esta questão na necessidade do Homem se auto - transcender para a atingir, uma vez que de acordo com a filosofia agostiniana o Homem não pode ter em si o bem que o faz feliz. Tal como acontece com o conhecimento, para atingir a felicidade o homem tem de se auto - transcender, pois só pode tornar o Homem feliz algo que seja mais do que o próprio Homem e isso, segundo Agostinho, só é possível encontrar em Deus. Neste sentido, a felicidade encontra-se no amor de Deus, na posse de Deus prometida aos cristãos como prémio pelas angústias, tensões e esforços realizadas durante a vida. Mais uma vez verificamos aqui a atitude filosófica pouco ortodoxa de Santo Agostinho. Quando fala do tema da felicidade e do amor, Agostinho volta a prescindir de fazer a distinção entre Razão e Fé, entre o natural e o sobrenatural, referindo a experiência do Homem da procura da felicidade à concepção cristã da mesma (Cunha, 2010, p.96). Deste modo, fica patente que as raízes antropológicas do pensamento agostiniano tomam como ponto de partida o processo de interiorização e transcendência, pelo que se torna claro e lógico porque para demonstrar a existência de Deus Santo Agostinho não recorra a argumentos externos, do Universo. Por tal, a autêntica prova do pensamento agostiniano da existência de Deus é a que tem como base as Ideias, do seu carácter imutável. Nesta doutrina, a natureza das Ideias e a sua imutabilidade contrasta com a mutabilidade da natureza humana remetendo para uma Verdade imutável, “ a Verdade na qual, pela qual e em virtude da qual é verdadeiro quanto é verdadeiro em qualquer sentido” (Solilóquios, 1, 1, 3). Pelo que ao tentar definir o atributo fundamental de Deus, Santo Agostinho, seguindo uma forte orientação platónica da caracterização das Ideias, insista na sua imutabilidade. Quando Santo Agostinho procede à caracterização do homem, é visível que a sua antropologia está fortemente impregnada de platonismo. Nesta concepção, no Homem existem duas substâncias distintas, a componente espiritual e material, pois o Homem propriamente dito não é o seu corpo nem tão pouco o conjunto da alma com o corpo, mas apenas a alma “ o homem é uma alma racional que se serve de um corpo mortal e 26

O princípio geral da geração foi estabelecido de que os opostos nascem dos seus opostos. Platão estende este princípio a todas as coisas que existem e são geradas. É forçoso aceitar que quando algo se torna maior é necessariamente a partir de algo menor, assim, também o mais forte resulta do que era fraco, o rápido do lento, e algo mais justo de algo menos justo. A existência dos pares de opostos corresponde sempre a um processo de geração que os origina. Entre o grande e o pequeno estará, consoante o sentido da geração, o processo de crescimento ou de diminuição. Do mesmo modo, a vida e a morte, sendo opostos, devem um ao outro a sua origem. Morrer é o processo de geração que intervém na passagem do estar vivo para o estar morto, consistindo o reviver no processo inverso. Uma vez que ao morrer se segue o renascer e que a geração dos vivos se faz a partir dos mortos, logo a alma sobrevive à morte do corpo.

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terrestre” (Cordon e Martinez, 1983, p.95). Na alma, por sua vez, Santo Agostinho distingue dois aspectos a Razão Superior e a Razão Inferior. Por um lado, a Razão Inferior tem como objectivo a ciência, isto é, o conhecimento das realidades mutáveis e sensíveis, o conhecimento do ambiente físico, para que seja possível satisfazer as necessidades do Homem; por outro a Razão Superior procura a sabedoria, o conhecimento do inteligível, das ideias com o fim de que seja possível ao Homem elevar-se até Deus, sendo que é nesta razão superior, próxima de Deus, que tem lugar a iluminação. Tudo que foi explanado acima é basicamente platonismo, no entanto Santo Agostinho, atento ás exigências da fé cristã vai negar a preexistência e reencarnação da alma defendia por Platão através da teoria da reminiscência27 presente no Fédon. O Cristianismo proclamava-se como a religião da salvação, trazendo consigo uma concepção do Homem que nada tinha a ver com o platonismo, nem com a filosofia clássica em geral. O Cristianismo colocou em primeiro plano a liberdade individual como possibilidade de escolha entre o bem e o mal. Os filósofos gregos apenas haviam reflectido sobre a liberdade no contexto moral, afirmando que o Homem que age mal não o faz porque escolha livremente realizar o mal, mas porque devido à sua ignorância crê que a sua conduta é a melhor. Para o Cristianismo, a afirmação da liberdade e a experiencia da mesma revela-se fundamental na sua antropologia. Nesta concepção, o Homem é livre de aceitar ou não a mensagem difundida pela fé cristã, sendo, como tal, livre de se salvar ou de se condenar. Assim, pela forma como Santo Agostinho formula esta questão a vontade tende, necessariamente, para a felicidade e o único fim adequado para a felicidade humana é Deus, de acordo com a teoria da transcendência. Porém, o Homem carece de uma visão adequada de Deus, para que em vez de dirigir a sua acção a bens mutáveis passe a tender para o Bem imutável. Quando o Homem tende a dirigirse aos bens mutáveis afasta-se do autêntico objecto da sua felicidade sendo o responsável por tal alheamento, que é resultado da sua própria decisão livre (Cordon e Martinez, 1983, p.96). Contudo, a experiencia cristã da liberdade está envolta num conflito, pois a liberdade está duplamente ameaçada. Num plano, pela corrupção da natureza, que inclina o homem para o mal e noutro plano pela força da graça que o impele para o bem. Assim, o conflito materializa-se entre a doutrina cristã do pecado original, transmitido a toda a humanidade que parece levar à conclusão que o homem quase não é livre de fazer o bem e a doutrina da graça, que postula que quando o homem a alcança quase não é livre de fazer o mal.

3. Cidade de Deus 3.1. Cidade Celeste e Cidade Terrena Santo Agostinho pode ser considerado o primeiro pensador que se ocupou a analisar sistematicamente o sentido da história universal, uma vez que pretende ir além dos factos puros para tentar interpretá-los e encontrar um sentido. As reflexões agostinianas são estritamente filosóficas neste caso, pois enfrenta a História e o seu sentido como cristão e portanto a sua filosofia da História é a Teologia da História simultaneamente e indistintamente. Na identificação das circunstâncias que motivaram as reflexões de Santo Agostinho sobre o sentido da História Universal, somos obrigados a referir a forma como o Cristianismo concebe a História e a conjuntura histórica que Santo Agostinho vivenciou. Deste modo, o Cristianismo encara a História como um cenário onde Deus se manifesta ao Homem e onde tem lugar o drama da salvação. Nada tem de estranho, pois, que seja um pensador cristão o primeiro a conceber a História como um todo dotado de um sentido unitário e profundo. Por outro lado, não podemos deixar de referir o facto das reflexões agostinianas terem sido motivadas, imediatamente, pela queda do Império Romano, o qual “desde Virgílio havia sido considerado como definito e eterno”(Cordon e Martinez, 1983, p.97). Como Touchard (1959, p.146) referiu: “Ameaçado pelos Bárbaros, menos apoiado pelo poder do Império, na Idade Média, o mundo Ocidental está em crise, e particularmente a comunidade cristã. Com efeito, os pagãos movem contra ela uma polémica muitas vezes eficaz, armando-se em defensores incondicionais de uma causa nacional que os cristãos segundo diziam não perfilham sem reservas.”, representando este facto histórico um estímulo para Santo Agostinho para proceder a uma reflexão sobre a História e o Estado. Assim, em 410 d.C. Roma é saqueada pelo visigodo Alarico. Os pagãos aproveitam o acontecimento para atribuir a responsabilidade desse desastre aos cristãos, cujo Deus não soubera proteger o Império. Santo Agostinho, abalado com as acusações feitas à doutrina cristã, empreendeu a tarefa de refutar as teses pagãs,

Na obra Fédon, Sócrates apresenta o principio de que “o aprender nada mais é que recordar”, pelo que é necessário que algures o Homem tenha aprendido num tempo anterior aquilo de que se recorda presentemente. Isto é impossível, a menos que a alma do Homem tenha existido em algum lugar antes de revestir esta forma humana. Deste modo e por este princípio deduz-se que a alma tem de ser imortal. 27

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escrevendo a sua obra Cidade Deus (413-427 d. C.) onde pretendia por em destaque as fraquezas da Roma pagã, no intuito de demonstrar que a Roma cristã em nada lhe era inferior. Contudo, após analisar a obra constata-se que o intuito original é ultrapassado. Se no início pretendia ser um texto polémico em que fazia o apanágio do Cristianismo e uma crítica ao paganismo, este torna-se numa reflexão acerca da história e da cidade, representando “acima de tudo a meditação apaixonada de um adepto do Cristianismo, romano pela cultura, que ante o desmoronamento de um império agonizante, se sente dilacerado entre a desorientação, o desejo de enfrentar as contingências imediatas e a certeza profunda de que tal derrocada irá originar algo de eterno” (Touchard, 1959, p.147). Assim, Santo Agostinho tranquiliza os cristãos pela queda de Roma, pois considera que os Visigodos serão julgados no além e os justos, os cristãos, serão recompensados (Cunha, 2010, p.96), ao mesmo tempo que explica que há duas cidades que coexistem no mundo. Deste modo, a teologia política de Santo Agostinho assenta, essencialmente, na distinção de duas cidades que partilham entre si a humanidade, “ Dois amores construíram duas cidades: o amor-próprio, que conduz ao desprezo por Deus, fez a cidade terrena, o amor de Deus, que vai até ao desprezo por nós próprios, erigiu a cidade celeste” (Cidade de Deus, XIV). É assim possível afirmar que a perspectiva adoptada por Santo Agostinho perante a História é primordialmente moral. Visto que a autêntica felicidade do Homem consiste no amor de Deus e a maldade consiste em afastar-se d’Ele, para situar o objecto da felicidade em bens mutáveis Santo Agostinho faz assim a distinção entre dois grandes grupos ou categorias de Homens, o daqueles que se amam a si mesmo desprezando Deus e que constituem a cidade terrena e os que amam Deus desprezando-se a si próprios e que constituem cidade de Deus. Neste sentido, a cidade celeste ou Civitas Dei é composta pela comunidade dos homens que vivem segundo o espírito e buscam o ideal de justiça dominados pela Razão Inferior enquanto a cidade terrena ou Civitas Diaboli engloba os homens que vivem em busca dos prazeres da carne e na satisfação dos seus prazeres, onde domina a Razão Superior. Como Freitas do Amaral (1999, p.156) afirmou “ uma é a cidade do bem e outra a cidade do mal. Ambas estão em luta permanente uma contra a outra e ambas disputam a posse do mundo.” A Cidade de Deus, não tem o carácter redutor de apenas fazer a distinção de um reino de Deus que sucede à vida terrena, muito pelo contrário. De acordo com Santo Agostinho as duas cidades nunca deixaram de coexistir lado a lado, desde a origem dos tempos. Uma é a cidade terrena, com os seus poderes políticos, a sua moral, a sua história, as suas exigências, e a outra, a cidade celeste, que antes da vinda de Cristo fora simbolizada por Jerusalém (a cidade prometida), é hoje a comunidade dos cristãos participantes do ideal divino. A coexistência das duas cidades, “ a vida presente é uma luta, um combate quotidiano: só na vida futura haverá paz autêntica e duradoura” (Amaral, 199, p.146), pressupõem que as duas permanecerão lado a lado até ao fim dos tempos, no entanto, no fim, só a cidade celeste subsistirá para participar na eternidade dos santos. A tentação de identificar a cidade terrena com o Estado e a cidade de Deus com a Igreja deve ser recusada, pois não parece ser este o sentido da teoria agostiniana. Como foi anteriormente referido os critérios utilizados na distinção das duas cidades são de carácter moral, as cidades encontram-se misturadas em qualquer sociedade ao longo da História e como tal, a separação dos cidadãos de uma e outra só terá lugar no fim dos tempos. Assim, a fronteira que separa as cidades, fundamenta-se na conduta dos homens, na forma como viveram a vida, ao seu espírito e as finalidades com que actuam, uma vez que tanto na Igreja como no Estado existem homens pertencentes às duas cidades “na Igreja também há pecadores, no Estado também há santos” (Amaral, 1999, p.156) É importante ressalvar a oposição radical das duas cidades que foram edificadas sobre princípios adversos e ao mesmo tempo a estreita ligação que as une neste mundo. A questão da oposição das suas cidades, demonstra bem a influência maniqueísta, do bem e do mal. Porém, Santo Agostinhos esforçou-se por atenuar estas divisões, reconhecendo que só Deus pode definir a que cidade cada um pertence, não limitando a cidade de Deus à comunidade dos puros. Nesta linha de pensamento, a cidade terrena não perde importância, uma vez que que de acordo com Santo Agostinho as grandezas da terra são perecíveis. A influência platónica, especialmente da teoria das Ideias é bastante visível na distinção das duas cidades. Para Santo Agostinho é na Cidade Celeste que os homens encontram a verdadeira paz, a verdadeira justiça e o verdadeiro bem, sendo a Cidade Terrena o local onde os homens se esforçam para alcançar esses valores. Porém, como vimos anteriormente, estes valores não existem sem Deus, pelo que na Cidade Terrena encontram apenas uma aparência dos mesmos. Tal como Platão descrevia o mundo sensível, com formas pálidas e imperfeitas das Ideias, e o mundo inteligível onde estão contidas as verdadeiras Ideias e o verdadeiro saber, ou seja,” no mundo das ideias é que há formas puras; no mundo real tudo é impuro ou imperfeito” (Amaral, 1999, p.157), a paz, a justiça e o bem das cidades terrenas resultam de um reflexo, de uma imagem ou uma versão inferior e secundária dos verdadeiros valores da Paz, da Justiça e do Bem, que só existem na Cidade Celeste. Assim, vendo em Santo Agostinho um platónico e ao mesmo tempo um maniqueísta, constata-se que a diferença entre as duas cidades é mais “uma questão de realidade substancial do que um problema de dominação” (Touchard 1959, p.148.).

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3.2. Estado e Igreja: visão pessimista do Homem Santo Agostinho apresenta uma visão da natureza humana profundamente pessimista. Segundo a antropologia agostiniana, os primeiros homens, Adão e Eva foram criados como seres bons e perfeitos, com todas as qualidades e nenhum defeito. No entanto, em consequência do pecado original afastaram-se de Deus, tendo sido punidos para sempre, transformando-se o Homem num ser irreversivelmente marcado pelo pecado. A maioria dos Homens não se consegue afastar da sua condição de pecador, pelo que “peca por necessidade; tudo o que faz neste mundo é pecaminoso” (Amaral, 1990, p. 157). Tendo em conta que só uma minoria dos Homens se consegue redimir e salvar e que a maioria é pecador, Santo Agostinho afirma que os que se salvam irão fazer parte da assembleia de santos pertencente à Cidade de Deus, enquanto que os que pecam ficam destinados à Cidade Terrena, à assembleia de pecadores. O Homem” pecador é um ser que desce ao nível dos animais, ou mesmo abaixo deles” (Amaral, 1990, p. 158), isto é, um ser malicioso, com apetites perversos e desejos egoístas. Deste modo, Santo Agostinho afirma que na Cidade Terrena, o Homem pecador é marcado pela Cupiditas28, pela Libido dominandi29 e pela Concupiscentia30, fazendo do Homem um ser totalmente egoísta e negativo na relação que estabelece com os outros Homens. A questão dos apetites referida por Santo Agostinho, e o facto de este considerar que os desejos do homem pecador são insaciáveis, ou seja a obtenção de um bem não o satisfaz, querendo sempre mais, numa cadeia interrupta a que só a morte poem fim, deixa a descoberto a rejeição agostiniana pelo progresso histórico e pelo aperfeiçoamento humano. De facto, para Santo Agostinho o Homem será sempre pecador até ao fim dos tempos e como tal a Cidade dos Homens nunca conseguirá obter a “verdadeira Paz, Justiça ou Bem” (Amaral, 1990, p.159). Da mesma forma que Platão havia afirmado que só o homem que fosse virtuoso, que praticasse a Justiça e a Temperança em vida poderia ascender ao Bem Supremo no mundo das Ideias, também Santo Agostinho coloca a problemática da virtude do Homem como meio para atingir os verdadeiros valores que o conduzem à Cidade de Deus. Assim, verifica-se que para Santo Agostinho a sociedade humana é imperfeita e também humanamente perfectível, e no seu esforço por a aperfeiçoar, a teoria agostiniana demonstra as suas influencias maniqueístas, o seu lado mais sombrio marcado por um pessimismo antropológico, tentando explicar a História como a luta entre a cidade de Deus e a Cidade Terrena ou noutra dicotomia a luta entre Jerusalém e a Babilónia. Porém, “seria um grande contra-senso confundir o problema teológico das duas cidades com o problema inteiramente diferente, infinitamente mais restrito da Igreja e do Estado” (Touchard, 1959, p. 148), pelo que, em absoluto rigor, a cidade terrena ou diabólica não se possa identificar com a sociedade política. Nesta concepção pessimista (ou realista) não está em causa a verdadeira Justiça ou a autêntica República e muito menos o justo e perfeito governante que só teriam lugar numa situação cristã ideal, restando apenas lugar à justiça natural. Deste modo, o próprio direito deixa-se contaminar pela espiritualidade, onde a primeira norma de justiça será o amor a Deus (amor Dei), residindo este valor em Deus, pois não há esperança na humanidade em a conseguir implementar. Portanto, constata-se que para Santo Agostinho a Justiça não é nada mais do que a vontade de Deus (Cunha, 2010, p.100, 101). Embora o sistema filosófico-político de Santo Agostinho esteja ligado aos filósofos clássicos, segue, contudo, noutra direcção, uma vez que recusa a busca por uma cidade ideal, a utopia platónica, apenas deseja uma constituição feliz e virtuosa. A doutrina agostiniana considera que existem uns regimes melhores que outros, no entanto confere à condição humana uma concepção mais relativizada pela contingência divina. Com uma concepção antropológica tão pessimista, Santo Agostinho concebe o Estado como um aparelho coercivo e repressor, uma vez que “ se o Homem é mau para o seu semelhante, o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros, as injustiças e os crimes” (Amaral, 1999, p.159). Na concepção agostiniana, só uma minoria se consegue separar e libertar da maioria pecadora através da graça divina, portanto Santo Agostinho não concebe a graça de Deus como base à estrutura e organização social e, como tal, admite que têm de existir outros mecanismos que apazigúem os apetites dos pecadores. É o Estado que organiza esses meios através da prevenção, sanção, repressão, através do uso da coacção e punição para que a paz e a segurança terrena possam ser asseguradas, evitando que sejam destruídas pelas forças do pecado. Deste modo, para Santo Agostinho o principal mecanismo ao dispor do Estado para obter e garantir paz e segurança é o sistema jurídico, o Direito. A cidade deve fundar-se no Direito e este na Justiça, considerada “imutável, eterna e soberana, e embebida de uma perspectiva cristã” (Cunha 2010, p. 99), porém o Direito, garantido pela força do Estado, só actua ao nível da conduta exterior do Homem e nunca ao nível da consciência 28

Apetite pelos bens materiais ou cupidez. AMARAL, Freitas do Amaral. História das Ideias Políticas. Coimbra: Livraria Almedina, 1999. Volume I. 29 Paixão pelo poder ou domínio dos outros homens AMARAL, Freitas do Amaral. História das Ideias Políticas. Coimbra: Livraria Almedina, 1999. Volume I. 30 Desejo Sexual. AMARAL, Freitas do Amaral. História das Ideias Políticas. Coimbra: Livraria Almedina, 1999. Volume I.

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do Homem. Portanto, constata-se que o Direito não consegue actuar no interior do Homem, não altera as suas consciências e nem muda a vontade e os motivos do Homem, limitando-se a actuar sobre os comportamentos, punindo-os e reprimindo-os. Tendo em conta a perspectiva pessimista da natureza humana, Santo Agostinho remete para papel do Estado a tentativa de garantir a existência de paz e segurança nas relações sociais entre os Homens, não pretendendo nunca moldar os Homens em torno de valores como a virtude e a bondade. O Estado representa assim, a ordem exterior e coerciva na procura da paz e da segurança na Cidade Terrena, recusando a procura do Bem e da Justiça na conduta Humana. Pelo que se conclui que “A Cidade de Deus é uma ordem de amor; o Estado, no interior da Cidade Terrena é uma ordem de coacção” Amaral, 1999, p.160), uma vez que a coerção e a punição são a única garantia de salvaguarda da paz e segurança. De acordo com doutrina cristã, Santo Agostinho formulou a ideia da existência de uma razão que tudo governa “é o espírito de Deus que ordenou o mundo”, ou seja no centro da concepção do mundo encontram-se os “decretos insondáveis de Deus” (Zippelius, 2010, p.129). Deste modo, todo o poder deriva de Deus, pelo que Santo Agostinho considera que o Estado é um instrumento ordenado por Deus, é “um dom de Deus aos homens”(Amaral, 1999, p.160). É a ideia do Estado ser um dom que Deus deu aos Homens para que pudessem viver em paz e segurança, que dá legitimação ao poder estatal. Assim, verifica-se que os Homens ficam sujeitos a um dever de obediência total perante o Estado, tendo este um poder ilimitado, coercivo, não existindo espaço para qualquer forma de contestação, resistência ou desobediência dos Homens ao poder do político. Pelo que, também não existe a possibilidade de distinguir entre bons ou maus governantes, entre formas de governo justas ou injustas, como na concepção aristotélica. Independentemente da questão valorativa dos governantes ou das formas de governo, todos os Homens ficam condicionados a aceitar e a obedecer a qualquer tipo de governo ou governante, incluindo a tirânica mais cruel. Para Santo Agostinho, a natureza pecadora do Homem necessita de um Estado coercivo, defendendo que deve existir obediência completa e tendo em consideração que o poder político é uma dádiva divina não admite, nenhuma forma de contestação ao poder do Estado. Como Freitas do Amaral (1999, p.161) referiu “ o Estado deve ser duro e repressivo; o cidadão deve aceitar passivamente a autoridade do Poder”, passando para segundo plano as questões da existência de maus governantes ou de regimes tirânicos, uma vez que o que importa não é o tempo que se passa na vida terrena, mas sim, manter a liberdade interior, que permite amar Deus e preparar a entrada na Cidade de Deus. A questão da relação com Deus suscita algumas questões. Assim, verifica-se que a sociedade civil agostiniana à primeira vista não se relaciona necessariamente com Deus, uma vez que nos fornece um estatuto natural do povo e do Estado. Porém, embora a sociedade seja natural ela encontra-se ligada à ordem divina de várias formas. Para Santo Agostinho, como já foi referido anteriormente, todo o poder advém de Deus31 e é de Deus que provém o princípio de todo o poder, como tal o Homem não tem poder sobre o Homem por direito da natureza. É certo que a lei da natureza leva o Homem a associar-se com os seu semelhantes e a escolher o melhor como chefe, no entanto esta escolha não é suficiente para legitimar o exercício do poder. Independentemente de como se atribui o poder, por hereditariedade, sufrágio ou sorte, na verdade a sua autoridade só se funda numa delegação do poder divino. Com efeito, constata-se que Deus não designa o regime ou o detentor do poder “confia nas causas secundárias quanto a questões de pormenor, mas a essência do poder inclusa nestas funções deve-se à investidura divina” (Touchard, 1959, p. 149). É evidente, que também aqui encontramos a influência platónica, quando este fazia a divisão entre a materialidade do regime e a essência do poder. Anteriormente, foi referido o carácter providente de Deus e é esse carácter que irá estabelecer uma outra relação entre a política e Deus. Sendo Deus, autor e regulador de tudo, torna-se “impossível que tenha querido deixar os reinos da Terra fora das leis da Providência” pelo que, neste sentido, a história dos impérios e dos regimes está sujeita à providência divina, que fornece a cada país e cada época “o regime que lhe convém dentro do quadro de conjunto das suas finalidades” (Touchard, 1959, p.150). Com efeito, Santo Agostinho utiliza dois argumentos para legitimar o acto político. Por um lado, é Deus que legitima o poder em si mesmo, sem garantir a forma como esse poder é realizado; por outro a doutrina da providencia explica cada acto político, mas sem lhes conferir a cada um o carácter moralmente cristão. É desta forma que o Cristianismo pode ao mesmo tempo afirmar que nada se faz sem Deus, de onde emanam a autoridade e orientação dos factos e evitar ser responsabilizado moralmente por um acontecimento particular ou concreto. Santo Agostinho utiliza-se destes dois argumentos para fundamentar a obediência a um regime onde a autoridade é divina e a aceitação de um determinado acontecimento por pertencer a um plano providencial. Assim, foi possível a Santo Agostinho responder aos pagãos sobre as acusações da queda de Roma, afirmando o

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Apesar de não parecer uma formulação nova, Santo Agostinho vai ampliar o alcance desta fórmula e influenciar o direito político durante séculos. TOUCHARD, Jean. História das Ideias Políticas da Grécia ao fim da Idade Média. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1959. Volume I.

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poder absoluto de Deus e ilibando, simultaneamente, os cristãos de qualquer responsabilidade na dissolução do Império. É neste aspecto patente que Santo Agostinho pretendia “mostrar que existe para os crentes uma forma de comunidade garantida por Deus, irrefutável a todas as comunidades terrenas e que sobreviveu a quantos naufrágios havidos neste mundo, pois Roma não é eterna, apenas Deus é eterno” (Touchard, 1959, p.151). Na sua obra, Santo Agostinho introduz pela primeira vez o tema da paz, tanto o tema da pregação da Igreja Católica, como na História das Ideias Políticas, afirmando que o principal objectivo do poder político é preservação da paz. Irá ser o tema da paz, que a doutrina agostiniana irá colocar em oposição à finalidade última das duas cidades, referindo-se ao supremo bem e ao supremo mal. Assim, Santo Agostinho refere-se ao supremo mal, como elemento caracterizador da Cidade Terrena, onde os Homens fazem uso da força, onde se sentem inseguros tanto na vida individual como na vida social, onde há um abuso da tortura, das atrocidades e da guerra “ quantas guerras, quantos massacres, quanto efusão de sangues” (A Cidade de Deus, livro XIX). Portanto, segundo Santo Agostinho a paz é o supremo bem da cidade, existindo uma aspiração universal para a atingir. Mesmo aqueles que querem a guerra, o que em última análise pretendem é atingir uma paz gloriosa, uma vez que “o Homem procura a paz quando faz guerra, e ninguém procura a guerra ao fazer a paz”. Este pressuposto remete-nos para a paz nos pecadores, dos que agem sem razão, significar a moderação dos seus apetites, enquanto que a paz da alma racional é o equilíbrio entre pensamento e acção, isto é, a “paz na Cidade é a concórdia bem ordenada dos cidadãos no comando e na obediência” (A Cidade de Deus, livro XIX). A nível das relações do poder político, Santo Agostinho deu um contributo fundamental para a questão das relações entre a Igreja e o Estado. Para Santo Agostinho cada poder tinha uma esfera própria de acção, com jurisdições distintas, actuando por conta própria, sendo apenas responsável por Deus. Ao separar o poder eclesiástico do civil, afirmando que são independentes e distintos, Santo Agostinho “alerta para os perigos da síncrise ou da confusão, pela ingerência de um poder nos domínios do outro” (Cunha, 2010, p.99), ressalvando que esta ingerência pode ser inconveniente ou perigosa. Neste domínio, o pensamento agostiniano defendia que a Igreja, devido à concórdia civil , deveria aceitar o Estado tal como é, com os seus defeitos e insuficiências, fornecendo ao Estado cidadãos bons e virtuosos, ou seja, a Igreja devia funcionar como uma escola de civismo. Contudo, há que ter consciência que “ uma coisa foi o pensamento genuíno de Santo Agostinhocorrecto, ortodoxo, assente na doutrina da clara diferenciação entre o espiritual e o temporal” (Amaral, 1999, p. 164) e outra são as extrapolações abusivas que surgiram deste pensamento, passando Santo Agostinho para a História como um teorizador da subordinação do poder político à Igreja. Esta extrapolação pode ser sintetizada em dois factores essenciais que contribuíram para que o pensamento agostiniano ficasse conhecido como a doutrina da supremacia da Igreja sobre o Estado. Deste modo, constata-se que para Santo Agostinho, o poder político deveria estar separado da Igreja, prestando, no entanto, o braço secular o seu apoia à Igreja, nomeadamente apoiando conversões forçadas (Cunha, 2010, p.99). Assim, Santo Agostinho remete para as funções do Estado o dever de punir os hereges e aceitando, deste modo, o poder civil as definições da verdade religiosa fornecidas pela Igreja. Por outro lado, temos a concepção da Cidade de Deus. Apesar de Santo Agostinho reiterar que nem a Cidade de Deus correspondia à Igreja, nem a Terrena ao Estado, a verdade é que colocava a “Civitas Dei como algo intrinsecamente superior à cidade terrena” (Amaral, 1999, p.165), o que gerou confusões inevitáveis. Na verdade, o que Santo Agostinho pretendia defender era necessidade de o Estado se submeter à religião e orientar a sua acção para Deus para alcancar a Cidade Celeste. Neste sentido, Santo Agostinha retoma a oposição da lei natural e da lei positiva, sendo que a lei natural é aquela que reside no interior de cada Homem, é a lei de Deus, enquanto que a lei cristã ou positiva é a promulgação exterior da lei interna da alma, pelo que o direito positivo deveria ser o desenvolvimento da lei natural (Touchard, 1959, p.151-152). Com isto, Santo Agostinho mantém inalteráveis as distancias entre o ideal cristão e as politicas positivas, mas defende, ao mesmo tempo, necessidade de existirem boas relações entre ambos. Santo Agostinho não defende de forma alguma uma teocracia, preocupando-se, pelo contrário, em destacar as diferenças entre um Estado que vive sobre o domínio material, da vida exterior, num espaço determinado, exercendo uma autoridade física e a Igreja, que se ocupa dos interesses espirituais, da vida interior, em toda o universo, com uma autoridade moral. Desta forma, no fundo, o que Santo Agostinho aspira é que “ o poder civil passe a estar completamente impregnado de Cristiano, o que levaria a que Deus reine indirectamente, reinando sobre o espírito dos chefe, sugerindo os costumes e as leis” (Touchard, 1959, p.152), ou seja aspira a que o Império Romano se subordine moralmente à Igreja Assim, pode-se inferir que a teoria do Estado pode ter suas interpretações diferentes. Pode ser encarada como uma fundamentação teórica da primazia da Igreja sobre o Estado, visto que o poder eclesiástico é depositário das verdades e princípios do cristianismo e sendo a única sociedade perfeita é superior ao Estado. Pelo que a Igreja deve dar, moralmente, dar forma ao Estado, sendo esta a orientação teórica que presidiu às relações Estado-Igreja durante a Idade Média. Esta teorização agostiniana, pode ser considerada como uma minimização do papel do Estado, porem há que levar em consideração a conjuntura em que foi formulada. De facto, na Idade Média a adopção do

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Cristianismo como religião oficial do Império Romano, juntamente com a crença na indestrutibilidade deste, levara muitos cristãos a terem a convicção de que o Estado era um instrumento essencial dos planos divinos na História. Irá ser esta convicção Santo Agostinho pretendia destruir, reduzindo o Estado ao seu papel de mero organizador da convivência, da paz e do bem estar temporais.

4. Conclusão Neste trabalho foi abordado o triunfo do Cristianismo e de que forma este foi solidificado, ficando patente que apesar de ter introduzido conceitos inovadores e que ainda se perpetuam na sociedade Ocidental e de este sucesso ter resultado, em parte, da sua supremacia face às escolas vigentes na Idade Média, não podemos deixar de considerar que foram os pressupostos introduzidos pela filosofia clássica que permitiram a sua afirmação como um pensamento novo e dominante. A influência da filosofia grega para o pensamento cristão, tem a sua cristalização com Santo Agostinho, que além de ter sido o primeiro grande filosofo cristão foi quem através da sua obra A Cidade de Deus, mais revelou ter sofrido influências platónicas. Estas influências platónicas tanto são visíveis nos princípios teológicos que defende como na sua concepção antropológica, principalmente através da doutrina das Ideias. Ao longo do trabalho é visível que mesmo apesar de recusar algumas premissas clássicas, Santo Agostinho foi fortemente influenciado por Platão. Esta influência fica patente na separação que o mesmo faz das duas cidades, através dos critérios que utiliza para justificar a possibilidade de uns Homens conseguirem ascender à Cidade de Deus e outros ficarem reduzidos à Cidade Terrena, onde é visível uma diferenciação análoga à que Platão havia feito do mundo sensível e inteligível. Como consequencia da visão extremamente negativa da natureza humana, Santo Agostinho defendia um Estado coercivo que, simultaneamente, contraísse os desejos e apetites egoístas do Homem e garantisse a paz. Ao nível da abordagem política do pensamento de Santo Agostinho é referido que este defendia uma separação efectiva entre o poder civil e eclesiástico, uma vez que a diferenciação entre as duas cidades não era uma separação terrena, mas sim moral. Na tentativa de clarificar as extrapolações que o pensamento agostiniano tem sofrido com a existência de argumentos de que Santo Agostinho defendia uma subordinação do Estado há Igreja, é problematizada a questão da verdadeira função moral do Estado ao serviço da Igreja e a função cívica da Igreja perante o Estado. Pretendeu-se, assim, clarificar que Santo Agostinho apenas defendia que o Estado deveria aliviar as tensões entre hereges e a Igreja através de uma acção coerciva. A única dependência que este tinha da Igreja, advinha do papel moralizador, de alteração da conduta Humana, para que fossem formados indivíduos capazes, no fim dos tempos, ascenderem à Cidade Celestial. Os objectivos propostos com este trabalho, incluíam a análise do tema e as suas ramificações, mas também uma problematização crítica das temáticas Tendo consciência que não existem respostas verdadeiras, absolutas ou únicas o que foi tentado, ao longo do trabalho, foi problematizar, apresentar uma visão possível desse problema e por vezes encontrar uma resposta aceitável para o mesmo, devidamente justificada e fundamentada pela pesquisa. O presente trabalho contribuiu para que dogmas que tinha sobre o Cristianismo e sobre a religião fosse refutados, percebendo que não existe nenhuma escola filosófica, nenhuma corrente de pensamento ou religião que surja do acaso, estando imune ao que se passa à sua volta e à conjuntura em que vive. Percebi que a formulação de um pensamento cristão, neste caso com Santo Agostinho, tem de ser encarado como um todo, inserido em todas as transformações sociais e politicas que se sucedem. Além disso, com a concepção agostiniana do Homem e a teorização que este faz do Estado e da Igreja, ficou mais claro de onde advém alguns pressuposto sobre o Homem, sobre a sua natureza e sobre o papel da Igreja que ainda hoje conseguem dominar parte do pensamento Ocidental a nível político, social e religioso. Outro contributo que este trabalho teve foi o de ajudar-me a sistematizar o metodologia de pesquisa bibliográfica, a selecionar informação pertinente e perceber que um tema não se esgota no que definimos para ele, pois surgem sempre informações novas que somos obrigados a explorar e entender.

5. Referências Bibliográficas Bibliografia Primária:  

AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. Volume I PLATÃO, A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.Volume I.

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Bibliografia Secundária:              

AMARAL, Diogo Freitas do. História das Ideias Políticas. Coimbra: Livraria Almedina, 1999. Volume I CORDON, Juan Manuel Navarro, MARTINEZ, Tomas Calvo. História da Filosofia dos présocráticos à Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1983. Volume I. CUNHA, Paulo Ferreira da. Filosofia Política da Antiguidade ao século XXI. 1º Edição. Lisboa:: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2010. Dicionário Porto Editora. Porto: Porto Editora, 2003-2013 FILHO, Luis Marcos da Silva. Caderno de Resenhas do GT História da Filosofia Medieval e a Recepção da Filosofia Antiga, São Paulo, 2009 Volume I GAARDER, Jostein. A Vida é Breve. Lisboa: Editorial Presença, 2000 GIUSSANI, Luigi. Na Origem da Pretensão Cristã. Lisboa: Editorial Verbo, 2002 Volume II GIUSSANI, Luigi. O Sentido Religioso. Lisboa: Editorial Verbo, 2002 Volume I GIUSSANI, Luigi. Porquê a Igreja. Lisboa: Editorial Verbo, 2004 Volume III LOBO, António. Dicionário de Filosofia. Maia: Plátano Editora, 1995 MARQUES, Victor Hugo de Oliveira Marques. Para ler a Cidade de Deus, São Paulo, 2004. PLATÃO, Fédon. Lisboa: Guimarães Editores, 2002 TOUCHARD, Jean. História das Ideias Políticas da Grécia ao fim da Idade Média. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1959. Volume I. ZIPPELIUS, Reinhold. Filosofia do Direito. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora, 2010

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