Qualidade das Aprendizagens – uma reflexão.

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Qualidade das Aprendizagens – uma reflexão. António Batel Anjo Maputo, 30 de Julho de 2015

“Numa escola de Chicago, no início do século XX, ensinava-se a nadar através de exercícios vários, sem que os alunos entrassem dentro de água. Um dia, alguém perguntou a um destes jovens o que aconteceu no dia em que se lançou à água. A resposta veio pronta: ‘Afundei-me’. A história merece ser verdadeira”, conclui John Dewey1.

Introdução Os governos são hoje confrontados com o grande desafio de caminhar para uma educação de qualidade, integrante de todas as dimensões do ser humano. Neste contexto precisamos de encontrar pessoas que previamente façam essa integração em si mesmas do sensorial ao intelectual, emocional, ético e tecnológico e que transitem facilmente entre o pessoal e o coletivo. Na transição do novo milênio surgiram movimentos em todo o mundo com uma vontade de mudança e afirmando que muitas das ideias instaladas estão ultrapassadas. Nesta procura de uma nova ordem impõe-se a pergunta: qual o impacto de todas estas mudanças sobre os sistemas educação? É uma reflexão que ainda vai no seu início e que ninguém de forma isolada pode apontar sequer um caminho quanto mais uma resposta satisfatória. Existem factos que não se podem ignorar, como por exemplo a entrada das tecnologias no sistema de ensino. São neste momento baratas de fácil instalação e conferem a sensação que com esta motivação 1

Dewey, J. (1992).

tecnológica algo se fez. Mas nós todos sabemos o quanto efémeras são estas motivações, mas sabemos que ninguém vai substituir o professor numa sala de aula. Qualquer que seja a resposta dada à questão formulada irá passar sempre pela formação de professores para se obter uma melhoria na qualidade das aprendizagens. Desafios O relatório “European Report on the quality of school education – sixteen quality indicators”, aponta cinco desafios fundamentais para o futuro, que são: 1. 2. 3. 4. 5.

o conhecimento; a descentralização; os recursos; a inclusão social; os dados e a sua comparabilidade.

Estes desafios não são mais o que está espelhado na maioria dos programas governamentais como sendo as metas politicas a alcançar, não só para o sector do ensino mas para toda a sociedade. Estes são os marcos que norteiam a política e que deverão conduzir a uma sociedade mais justa e equitativa.

A sociedade do conhecimento faz-nos refletir nos propósitos essenciais da qualidade da educação que ministramos em relação ao mundo do trabalho e à aprendizagem ao longo da vida. A grande capacidade de gerar e gerir a informação leva-nos a equacionar as conceções tradicionais de conhecimento, a sua transmissão, o papel do professor e do aluno. Não podemos esquecer aquilo que o nível de desenvolvimento do País nos impõe e fazer a sua interpretação para o desenvolvimento dos curricula. Existe hoje em dia a consciência que só um processo de descentralização pode aproximar as pessoas das decisões políticas e que estas podem ser absorvidas e participadas por toda a comunidade. Sendo que a inclusão passa pelo estabelecimento de políticas de equidade e racionalidade no uso dos recursos disponíveis e que sem este processo não teremos uma sociedade justa e com futuro. As políticas educativas têm que ser avaliadas e comparadas internacionalmente para a sua própria afirmação mas igualmente para permitir a mobilidade de estudantes e professores. No entanto estas são enraizadas nas culturas existentes e assim como não podem ser importadas os resultados produzidos terão que ser objeto de uma análise sociológica profunda para que se possam tirar conclusões sobre a sua eficácia. A Formação De acordo com as conclusões do relatório da OCDE, resultante da Conferência Internacional realizada em Amesterdão, em Novembro de 2004, verifica-mos que os professores têm um défice de competências em relação aos desafios com

que estão confrontados; não há continuidade nem articulação coerente ao nível das diferentes etapas dos seus percursos formativos e as políticas de formação revelam uma fraca ou inexistente articulação dessa formação profissional com o desenvolvimento organizacional das escolas. Assim, intervir na formação de professores significa intervir nos modos de socialização profissional dos mesmos – o que inclui uma intervenção nos modos de organização e divisão do trabalho na escola, enquanto organização. E é nesse âmbito que as instituições de formação de professores são um importante mecanismo no nosso sistema de ensino uma vez que potenciam, pela proximidade e pelo funcionamento, a manutenção da especificidade daquelas escolas e a adequação institucional das respostas formativas em contexto. Para enfrentar os desafios do século XXI, os professores, que já não são meros transmissores de informação, de conhecimentos e de regras sociais estabelecidas, devem desenvolver competências fundamentais ao longo da vida. De facto, a escola actual exige que a profissão docente seja bem qualificada e baseada em parcerias para garantir a qualidade do ensino e da aprendizagem essenciais na vida de um indivíduo: numa organização social complexa, em que vários actores agem e interagem, a formação deve ser sempre um processo de transformação individual na tripla dimensão do saber, do saber-fazer e do saber-ser, mas também um processo de mudança colectivo, em que os projectos individuais se insiram em redes mais vastas de objectivos.

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Assim, hoje – e num futuro próximo – a formação de professores deve equipá-los com três “clusters de competências” de forma a torná-los aptos a trabalhar simultaneamente em três áreas que se sobrepõem: 1. trabalhar com informação, tecnologia e conhecimento; 2. trabalhar com outros seres humanos – alunos, colegas e outros parceiros edu-cativos; 3. trabalhar com e na sociedade – aos níveis local, regional, europeu e global. A primeira área – tradicionalmente o centro da profissão docente – engloba o conhecimento científico específico da(s) disciplina(s) curricular(es) e a transmissão desse conhecimento, para além do domínio das tecnologias em geral e das TIC em particular. Nesse âmbito, os professores devem ser capazes de organizar o ensino e a aprendizagem de forma eficaz, identificar as variadas necessidades de aprendizagem dos alunos e orientá-los e apoiá-los nas suas tarefas independentes e no sentido da aprendizagem ao longo da vida. Ainda, devem agir como profissionais reflexivos, ou seja, analisar criticamente o seu próprio trabalho de forma a melhorar as suas práticas e, idealmente, produzir novos conhecimentos. Os princípios de inclusão social e preocupação pelo desenvolvimento individual não permitem ao professor transmitir apenas informação e conhecimento: um ensino e aprendizagem de qualidade são inseparáveis do trabalho de equipa em colaboração com (e entre) os alunos e outros professores e o pessoal não docente, mas também com todos os restantes elementos da comunidade

educativa. Neste segundo domínio, os professores devem desenvolver capacidades comunicativas e cooperativas, demonstrando assertividade e autoconfiança, a par de respeito genuíno pelas opiniões de todos os parceiros envolvidos. Por fim, a terceira área toca uma série de questões inerentes ao processo educativo em geral, mas que transcendem o aluno individual, a sala de aula e até a escola: estas questões ligam o aluno, o professor e a escola à sociedade no seu todo. Neste âmbito, os professores devem estar aptos a desempenhar o seu papel social e a preparar os alunos para desempenharem os deles, compreendendo a diversidade de culturas e sistemas de valores e reflectindo sobre os processos de aprendizagem na perspectiva da equidade. Também devem trabalhar eficazmente com pais/encarregados de educação e outros elementos da(s) comunidade(s), em contextos cada vez mais abrangentes sustentados pela aldeia global em que o mundo se transformou. A Qualidade da Educação A qualidade da educação é o aspecto mais importante do desenvolvimento e da aprendizagem dos alunos na escola, é deste modo fundamental consagrar grande uma atenção ao aprofundamento da qualidade dos profissionais a quem cabe assegurar o ensino: os professores. A profissão docente concretiza-se na função de ensinar orientada para a promoção de aprendizagens em áreas do saber específicas. Sendo que esta profissão pressupõe a definição de um perfil do professor assente em pilares fundamentais: 1. Respeito pelos valores culturais; António Batel Anjo | 3

2. Profissionalismo e ética; 3. Aperfeiçoamento constante das formas de ensinar: 4. Estimular a curiosidade e as outras formas de aprender; 5. Participação activa na escola e na comunidade educativa; 6. Formação ao longo da vida. Estas são dimensões fundamentais para orientar as práticas docentes ao longo da vida porque consagram os conceitos essenciais sobre o que representa a profissão e identificam conhecimentos, capacidades e atitudes que lhe atribuem a especificidade no quadro da sociedade actual. Apesar do conhecimento em que se baseia a acção dos docentes, do seu empenho e profissionalismo, estes têm frequentemente de lidar com situações cuja resolução poderia ser facilitada através de uma orientação baseada nas boas práticas e na investigação científica. Deste modo a definição de padrões de desempenho poderá contribuir para orientar os professores e permitir e uma pratica reflexiva criando deste modo um debate construtivo e enriquecedor sobre o que é ser professor em pleno século XXI. No entanto importa clarificar a noção de prática reflexiva uma vez que a banalização do léxico a descaracteriza muitas vezes e nos obriga a retomar textos de John Dewey – pioneiro da visão do professor reflexivo e investigativo da prática, que considera os professores como “estudantes de ensino” – e articula, ao nível da formação, a análise reflexiva e teorizadora. Quando falamos de prática reflexiva, pressupomos obrigatoriamente: o recurso a conhecimentos teóricos e práticos prévios; a problematização, em bases

teóricas, da situação concreta e a produção de conhecimento susceptível de ser comunicado a outros e mobilizado noutra(s) situação(ões). De facto, só a prática reflexiva assim entendida pode proporcionar a ruptura com a improdutividade desgastante de inúmeras actividades do quotidiano do professor, incapazes de produzir saltos qualitativos nas suas práticas, não obstante o empenhamento e o genuíno esforço daquele. A Avaliação A avaliação da qualidade das aprendizagens passa por melhorar a informação disponível e usá-la de forma a fortalecer e incrementar a qualidade educativa dos sistemas: 1. Integrar – diferentes e actuais áreas disciplinares e encontrar uma oferta de uma educação de qualidade, actual e vocacionada para o desenvolvimento do País; 2. Contextualizar – é necessário que o sistema nacionais de avaliação recolham e analisem a informação acerca dos factores que influenciam a aprendizagem, 3. Identificar as condições em que ocorre o ensino e a aprendizagem; 4. Reconhecer quais os factores que favoreçam aprendizagens significativas, relevantes e estáveis; 5. Melhorar o uso que se faz das avaliações, tanto a nível nacional como nas próprias escolas. Não nos podemos contentar com o desenvolvimento de metodologias de ponta e cada vez mais eficazes para medir e avaliar tradicionalmente as aprendizagens dos alunos. É necessário encontrar formas de dar expressão às aprendizagens cognitivas, socio-afectivas, António Batel Anjo | 4

de cidadania, culturais, éticas e de desenvolvimento de valores dos alunos. São necessárias estratégias pertinentes e explícitas que possibilitem o uso da informação e da análise gerados por estes sistemas de avaliação com vista à melhoria de processos de ensino e aprendizagem, assegurando, assim, a aquisição de melhores aprendizagens e o aumento do desempenho e de rendimento. Conclusão Apesar de todos os esforços e investimentos a redução do aproveitamento escolar, verificada desde 2008, em todos os níveis é preocupante. Qual a causa? Teremos que trabalhar no sentido de avaliar e rever todo o processo de formação de professores e melhorar as políticas de apoio estabelecidas. Em síntese, qualquer plano de acção a propor para a Formação de Professores deve basear-se nos planos de formação já existentes. Desta forma, o Plano de

Formação de Professores será um espaço de cruzamento de todos os planos de formação das escolas e implicará, directamente, todos os docentes dessas escolas. Finalmente, duas referências que considero pertinentes: - o professor não ensina apenas aquilo que sabe, ensina aquilo que é, deve incluir-se a organização de actividades de cariz cultural e realizá-las sistematicamente de modo a enriquecer a pessoalidade dos docentes. - o professor não acede a toda a informação disponível, acede à que lhe chega, devem estabelecer-se plataformas comunicativas periódicas e facilitar a permuta habitual de dados e a divulgação de boas práticas. Ser professor, hoje, implica um esforço de aprendizagem e melhoria permanentes que se inscreve numa dinâmica de formação contínua a ser mais entendida como um direito e menos como uma imposição2.

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Canário, 2007

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