Qualidade de vida no trabalho e políticas de recursos humanos: um estudo em hotel de luxo de Ribeirão Preto

May 26, 2017 | Autor: Marcia Grande | Categoria: Investigação
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Investigação, v. 9, n. 2/3, p. 111–120, 2009 ISSN 1516-6341 Revista Científica da Universidade de Franca PESAU – Núcleo de Pesquisa em Saúde

Investigação http://publicacoes.unifran.br

Artigo Original

Qualidade de vida no trabalho e políticas de recursos humanos: um estudo em hotel de luxo de Ribeirão Preto Quality of working life and human resources policies: a study in a luxury hotel from Ribeirão Preto Jeferson Brás de Lima,* Márcia Mazzeo Grande Departamento de Administração da Faculdade de Economia Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.



Recebido em: 28/05/09 | Recebido revisado em: 17/08/09 | Aceito em: 3/11/09 | Disponível on-line em: 9/12/09



resumo

Este artigo tem o objetivo de estudar Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) e as políticas de recursos no setor de serviços. Para tanto, após análise da literatura pertinente, foram conduzidas entrevistas em profundidade com trabalhadores de um hotel de luxo em Ribeirão Preto (SP), setor altamente dependente do elemento humano e que exige grande disponibilidade dos funcionários. Os resultados, analisados à luz do modelo proposto por Walton (1974), apontam para a escassez de políticas de recursos humanos voltadas para a QVT, principalmente no que concerne ao conteúdo do trabalho, ao equilíbrio entre trabalho e tempo livre, ao reconhecimento e à remuneração. Palavras-chave: Qualidade de vida no trabalho; Políticas de recursos humanos; Hotelaria.

abst r ac t

This article has as objective to study the Quality of Working Life (QWL), demonstrating applications of this in the human resources policies. The focus on was the hotel industry, specially in Ribeirão Preto - SP, with emphasis in the activities of work exerted by four employees from a 5 stars local hotel. The theoretical studies and the interviews in this research showed that the quality of working life and human resources policies have not guarantee one better workplace for the employee. Keywords: Quality of working life; Human resources policy; Hotel.

1. Introdução As ações das empresas no sentido de se obter qualidade de vida no trabalho são expressas em suas políticas de recursos humanos, que posicionam a empresa sobre aspectos como saúde do trabalhador, condições de trabalho e espaço do trabalho na vida das pessoas. Qualidade de vida no trabalho (QVT) foi objeto de estudo de vários autores desde a década de 1970. Entre os trabalhos mais influentes estão os de Walton (1974), Westley (1979) e Dupuis e Martel (2006). No Brasil, os estudos de QVT datam da década

de 1990. Entre as principais contribuições estão os estudos de Limongi-França (1992), que se baseiam nos indicadores biopsicossociais, e o de Lacaz (2000), que aborda aspectos sobre saúde no trabalho e condições de trabalho. Esses trabalhos focavam empresas do setor industrial e se baseavam em métodos quantitativos. Portanto, este estudo vem contribuir para o debate sobre o tema em um setor de serviços – a hotelaria –, que nos últimos anos vem se desenvolvendo bastante no Brasil e é um mercado intensivo em mão de obra. Procurou-se também abordar o tema sob o ponto de vista dos trabalhadores através de entrevistas em profundidade.

*Autor correspondente Endereço: Tibiriçá, 965, Centro - 14010-090, Ribeirão Preto/SP | Telefone: (16) 9993-7360 | E-mail: [email protected]

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Tendo isso em vista, o objetivo deste trabalho é verificar em que medida as políticas de recursos humanos de um hotel do segmento de luxo de Ribeirão Preto incorpora práticas de qualidade de vida no trabalho (QVT), segundo as categorias elencadas por Walton (1974). Este artigo , além dessa introdução, traz uma revisão bibliográfica sobre QVT, políticas de recursos humanos e hotelaria no Brasil. Em seguida, há a apresentação do método de pesquisa utilizado e, finalmente, são demonstrados os resultados, as discussões e as conclusões do estudo. 1.1 Breve histórico dos estudos sobre qualidade de vida no trabalho Os primeiros estudos sobre qualidade de vida no trabalho (QVT) começaram nos anos 50, em Londres, com Eric Trist e seus colaboradores do Tavistok Institute, e evoluíram ao longo do tempo em fases distintas que se caracterizaram por abordagens e enfoques diferentes (PICCININI; TOLFO, 2001). A valorização do papel da QVT, no entanto, só cresceu a partir dos anos 60, nos Estados Unidos, com o aumento da importância dada à busca por melhores formas de organização do trabalho, devido às condições consideradas “impróprias” de trabalhos do modelo tayloristafordista de organização do trabalho. Porém, decai a partir de 1980, quando questões econômicas são colocadas à frente devido à necessidade de sobrevivência das empresas frente ao aumento da concorrência. O mesmo aumento da concorrência fez com que a preocupação com QVT ressurgisse na década de 1990, desta vez devido à percepção da relação existente entre produtividade

e melhoria da QVT, percepção esta que ocorreu da análise sobre a gerência japonesa frente à cultura gerencial norte-americana. Sob a mesma preocupação com a competitividade das empresas, nesse caso diante da abertura aos produtos estrangeiros, surge a preocupação com QVT no Brasil. Estudos sobre QVT, de forma mais sistemática, começam a partir da década de 1970, com autores como Walton (1974) e Westley (1979). Esse período é marcado pelo crescimento da economia mundial sem precedentes, de empregos em quase todas as áreas e de um desenvolvimento tecnológico extraordinário. O trabalho começou a ser estudado mais profundamente e o seu relacionamento com os aspectos psíquicos do trabalhador tornou esse campo uma vasta área de estudos científicos. Desde então o conceito sobre QVT vem evoluindo. O Quadro I apresenta a evolução do conceito até meados da década de 1980. Mais recentemente, Dupuis e Martel (2006) entram no debate e propõem uma nova perspectiva para entender QVT: Qualidade de vida no trabalho, num determinado momento, corresponde a uma condição vivenciada pelo indivíduo na busca de seus objetivos hierarquicamente organizados no domínio do trabalho onde a redução do gap que separa o indivíduo de seus objetivos se reflete num impacto positivo da qualidade de vida geral do indivíduo, o desempenho organizacional e consequentemente para o funcionamento de toda a sociedade (p. 355).

Quadro I – Evolução do conceito de QVT Concepção evolutiva do QVT

Características ou visão

1. QVT como uma variável (1959 a 1972)

Reação do indivíduo ao trabalho. Investigava-se como melhorar a qualidade de vida no trabalho para o indivíduo.

2. QVT como uma abordagem (1969 a 1974)

O foco era o indivíduo antes do resutlado organizacional; mas, ao mesmo tempo, buscava-se trazer melhorias tanto ao empregado como à direção.

3. QVT como um método (1972 a 1975)

Um conjunto de abordagens, métodos ou técnicas para melhorar o ambiente de trabalho e tornar o trabalho mais produtivo e mais satisfatório. QVT era vista como sinônimo de grupos autônomos de trabalho, enriquecimento de cargo ou desenho de novas plantas com integração social e técnica.

4. QVT como um movimento (1975 a 1980)

Declaração ideológica sobre a natureza do trabalho e as relações dos trabalhadores com a organização. Os termos "administração participativa" e "democracia industrial" eram frequentemente ditos como ideais do movimento de QVT.

5. QVT como tudo (1979 a 1982)

Como panaceia contra a competição estrangeira, problemas de qualidade, baixas taxas de produtividade, problemas de queixas e outros organizacionais.

6. QVT como nada (futuro)

No caso de alguns projeots de QVT fracassarem no futuro, não passará de um "modismo" passageiro.

Fonte: NADLER e LAWLER apud FERNANDES, 1996.

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Pela conceituação desses autores pode-se perceber que a real aplicação dos conceitos e práticas de qualidade de vida no trabalho proporcionaria um melhor desempenho e um maior bemestar não só para as organizações como para toda a sociedade. Parece claro que o equilíbrio entre os objetivos pessoais e os objetivos da organização deve estar o mais alinhado possível, para que haja favorecimento tanto do desempenho organizacional quanto da qualidade de vida geral das pessoas. No Brasil, o trabalho de maior visibilidade é de Limongi-França (1998), que entende qualidade de vida no trabalho como um conjunto de ações da empresa a fim de entender e implementar melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas e estruturais com o objetivo de gerar condições para o desenvolvimento humano no ambiente de trabalho. Segundo Albuquerque e França (1988), no Brasil, os programas de QVT vieram atrelados à implementação do conceito de Qualidade Total, pois trata do elemento humano, que é fundamental para todo o entendimento de qualidade total. Um dos estudos mais influentes sobre QVT é o de Walton (1974). Para ele, qualidade de vida no trabalho deve ir além de necessidades como carga horária de trabalho pequena, remuneração, leis trabalhistas e suas garantias. Deve incluir as necessidades humanas e aspirações, resultando em oito categorias conceituais: 1) compensação justa e adequada (a remuneração deve possuir

um equilíbrio dentro e fora da empresa); 2) condições de saúde e segurança (jornada adequada, baixo risco e ambiente salubre); 3) uso e desenvolvimento de capacidades (autonomia, conhecimento de todo o processo produtivo); 4) oportunidade de crescimento e segurança (perspectiva de crescimento no emprego e sua manutenção); 5) integração social na organização (igualdade, mobilidade e relacionamento interpessoal), 6) constitucionalismo (privacidade e liberdade de expressão); 7) trabalho e espaço total de vida (equilíbrio entre vida profissional e lazer); e 8) relevância social da vida no trabalho (visão da empresa pelo trabalhador e como suas políticas afetam a vida dele). O Quadro II resume as oito categorias de Walton (1974) e seus respectivos indicadores. Walton (1974) advoga que um dos fatores mais relevantes para se ter qualidade de vida no trabalho é a empresa, em seu projeto de trabalho, privilegiar trabalho de maior conteúdo, menos rotineiro, prover o trabalhador de autonomia para realizar suas tarefas e dar-lhe feedback sobre seu desempenho de modo a melhorar sua performance. Ainda segundo Walton (1985), as relações de trabalho deveriam sair do âmbito do controle para o âmbito do comprometimento, e a gestão de QVT seria a ponte entre eles. Para esse autor, deveriam ser entendidos todos os desejos e necessidades do trabalhador e toda estrutura organizacional, para que o processo fosse

Quadro II – Categorias conceituais de Walton (1974) Critérios Compensação justa e adequada

Condições de trabalho

Uso e desenvolvimento de capacidades

Oportunidade de crescimento e segurança

Integração social na organização

Constitucionalismo

Indicadores de QVT Equidade interna e externa Justiça na compensação Partilha de ganhos na produtividade Jornada de trabalho razoável Ambiente físico seguro e saudável Ausência de insalubridade Autonomia Autocontrole relativo Qualidades múltiplas Informações sobre o processo total do trabalho Possibilidade de carreira Crescimento pessoal Perspectiva de avanço salarial Segurança de emprego Ausência de preconceitos Igualdade Mobilidade Relacionamento Senso comunitário Direitos de proteção ao trabalhador Privacidade pessoal Liberdade de expressão Tratamento imparcial Direitos trabalhistas

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O trabalho e o espaço total de vida

Relevância social do trabalho na vida

Papel balanceado no trabalho Estabilidade de horários Poucas mudanças geográficas Tempo para lazer da família Imagem da empresa Responsabilidade social da empresa Responsabilidade pelos produtos Práticas de emprego

Fonte: WALTON apud FERNANDES, 1996, p. 48.

o mais completo e melhor possível para ambas as partes, assim, o resultado final seria uma empresa com funcionários comprometidos, autônomos e um ambiente organizacional melhor. Piccinini e Tolfo (2007), partindo da compreensão de trabalho como central na vida das pessoas, mostra relações entre QVT e os sentidos do trabalho. As autoras basearam-se nos estudos de Hackman e Oldhan1 para quem um trabalho que tem sentido é importante, útil e legítimo para aquele que o realiza e apresenta três características fundamentais: (a) a variedade de tarefas que possibilita a utilização de competências diversas, de forma que o trabalhador se identifique com a execução; (b) um trabalho não-alienante, onde o trabalhador consegue identificar todo o processo – desde sua concepção até sua finalização – e perceber seu significado do trabalho, de modo que contribua para o ambiente social, a autonomia, a liberdade e a independência para determinar a forma com que realizará suas tarefas, o que aumenta seu sentimento de responsabilidade em relação a elas; e (c) o retorno (feedback) sobre seu desempenho nas atividades realizadas, permitindo ao indivíduo que faça os ajustes necessários para melhorar sua performance. Ou seja, essa abordagem contempla varias categorias de QVT, propostas tanto por Walton (1974) quanto Dupuis e Martel (2006). Goulart e Sampaio (apud BITTENCOURT, 2004) advogam que a aplicação do conceito de QVT nas empresas não deve se limitar ao cumprimento de leis ou à discussão de direitos trabalhistas; deve também interferir nos “processos mentais” e em padrões culturais da organização para que haja um amadurecimento e transformação da própria cultura organizacional em favor da qualidade de vida no trabalho. Nas empresas, um dos mecanismos usados para promover as transformações necessárias no sentido de uma melhor qualidade de vida no trabalho são as políticas de recursos humanos.

Política é sinônimo de diretriz. Uma política ou diretriz é uma orientação genérica, que define em linhas gerais o curso de ação a ser seguido quando determinado tipo de problema se apresenta. Políticas de recursos humanos têm como missão orientar todas as políticas relativas aos funcionários, por exemplo, as políticas de remuneração, sobre quanto pagar a cada função, que benefícios, prêmios e bônus serão pagos e a quem pagar, além de analisar as políticas de remuneração de outras empresas. Segundo Chiavenato (2004), as políticas de Recursos Humanos dividem-se em diversas subpolíticas: • •

• •

provisão – trata do recrutamento e seleção; aplicação – trata da análise de cargos, plano de carreiras e avaliação de desempenho; tem como objetivo melhorar a relação funcionário e Recursos Humanos; manutenção – diz respeito aos aspectos legais da contratação dos funcionários; desenvolvimento e monitoração do RH – envolvem o treinamento para melhorar as habilidades dos funcionários, e o próprio desenvolvimento de recursos humanos que explora o potencial de todos os funcionários.

Para Almeida (2005), as políticas de recursos humanos possuem três dimensões: •



1.2 Políticas de recursos humanos e qualidade de vida no trabalho

estratégica – garantem o comprometimento e a satisfação dos membros da organização. Compreendem ações para a melhoria das condições de trabalho e gestão participativa etc. Estão a cargo das altas gerências; tática – compreendem um conjunto de atividades técnicas tais como recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, avaliação de desempenho e sistemas de remuneração. Estão a cargo dos gerentes de nível médio; operacionais – referem-se às atividades burocráticas, tais como arquivo pessoal, gestão de contratos, processamento de salários e controle de horários. Estão a cargo da supervisão.

Para entender as políticas de recursos humanos é necessário que se defina política. E a definição de Maximiano (2005, p. 148) para política é:



HACKMAN, J.; OLDHAN, G. Development of job diagnostic survey. Journal of Applied Psychology, v. 60, p. 159-170, 1975.

O grau de formalização dessas subpolíticas varia de empre-

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sa para empresa, criando uma política de RH única para cada empresa, que pode ser, ou não, voltada à qualidade de vida no trabalho. De fato, Limongi-França (2004) confirmou junto às empresas que, na maioria dos casos, os programas de QVT são vistos como parte de Recursos Humanos. Porém, eles quase sempre estão voltados para o chão de fábrica, centrados em ações táticas e operacionais (programas de prevenção de acidentes, ações voltadas para a saúde dos trabalhadores como ginástica laboral), quando na verdade deveriam fazer parte das estratégias de RH da empresa. Isto é, contemplar ações para a capacitação e reciclagem de funcionários, ações de cidadania, de reestruturação do ambiente de trabalho e dos horários de trabalho, buscando equilíbrio entre trabalho e vida privada e tempo livre dos funcionários. Limongi-França (2004) identificou diversos fatores críticos que interferem na promoção de ações voltadas para QVT: o próprio conceito de QVT, que muda de empresa para empresa, a produtividade, a legitimidade e as práticas e valores da cultura organizacional. O conceito de QVT, que tem como barreira sua própria definição, que varia desde programas de prevenção de acidentes a propagandas relacionadas ao tabagismo. As ações para melhorar a produtividade esbarram nos fatores críticos de avaliações precárias, dificuldade de mensuração, subjetividade de resultados, feedback insuficiente e problemas no acompanhamento do processo e resultado. As ações para a legitimidade apresentam fatores críticos como falta de compreensão e conscientização dos programas de QVT, já que esses são vistos como custo e não investimento, além da resistência e descrença. Há também a carência de profissionais para gerir os programas que não são vistos como parte da estratégia da empresa. Com relação ao fator práticas e valores, destacam-se o imediatismo (foco no curto prazo e sem definição de continuidade) dos programas; as ações isoladas que não abrangem todos os níveis da empresa, a falta de recursos, programas superficiais e sem embasamento e as dificuldades de mudança de forma geral.



1.3 A hotelaria   Assim como em outras partes do mundo, o setor de serviços tem crescido de forma expressiva no Brasil e empregado um contingente de pessoas cada vez maior. No Brasil, o setor de hotelaria é um dos mais significativos. De acordo com dados do estudo setorial do portal Hotel On Line, até 2010 o setor hoteleiro no Brasil vai receber investimentos aproximados de R$ 5,3 bilhões na construção de meios de hospedagem. A renovação do atual parque deve ultrapassar o valor de R$ 4 bilhões. O parque hoteleiro no Brasil conta com aproximadamente 417.500 unidades habitacionais (quartos). Para Ingram e Medlik (2002), um hotel é uma reunião de cinco fatores: a localização, as instalações, a imagem, o serviço e o preço. Na reunião de fatores, um hotel é um bem tangível capaz de proporcionar serviços intangíveis de forma única para cada tipo de cliente. Os cinco fatores, em conjunto, são capazes de fornecer os mais variados serviços aos mais diversos clientes. A hospitalidade também é um fator que dentro da hotelaria interfere em todos os processos de funcionamento do hotel, pois é uma característica–chave de como o serviço de hospedagem vai

agir em relação aos hóspedes. Para Camargo (2004), a hospitalidade pode ser entendida como quatro fatores: acolher, alimentar, hospedar e divertir. É também um processo de agregação do outro à comunidade e a inospitalidade é o processo inverso. Ou seja, quanto maior o nível do hotel maior deve ser esse sentimento de agregação sentido pelo hóspede. Para Vallen e Vallen (2003), hotéis de luxo são aqueles que aliam alto conforto e excelente serviço no atendimento aos hóspedes. Além da prestação de serviços em hotelaria ser complexa e muito delicada, é intensiva em mão de obra, e este fator requer especial atenção a aspectos relativos à gestão de recursos humanos. Até os anos 2000, a hotelaria no Brasil se caracterizava por pequenos hotéis de gestão familiar, sem gestão profissionalizada, sem especialização da mão de obra e sem atenção à qualidade dos serviços prestados. De acordo com Saab e Daemon (2002), com a entrada das grandes redes internacionais no país, este panorama mudou significativamente. A influência americana e japonesa trazidas pelos gigantes hoteleiros fez com que todos os hotéis que quisessem sobreviver no mercado revissem seus conceitos e gestão a fim de vencer a concorrência. A profissionalização da administração, o aumento na qualidade dos serviços prestados e a qualificação da mão de obra estão mudando o perfil da hotelaria nacional. Como sistema de produção de serviço, a hotelaria de luxo é altamente dependente de mão de obra e exige dos funcionários grande disponibilidade de horários. Assim, a gestão de recursos humanos é o aspecto central. A literatura sobre esse assunto enfoca extensivamente aspectos relativos à seleção e treinamento de funcionários. Faz referência também à existência de uma relação entre satisfação do funcionário e a qualidade do serviço percebido pelo cliente (ver FITZSIMMONS; FITZSIMMONS, 2005); satisfação essa que pode estar atrelada à qualidade de vida no trabalho. 2. Material e método Trata-se de um trabalho de caráter qualitativo, com os dados coletados por meio de entrevistas em profundidade com funcionários. Foi escolhido um hotel da categoria de luxo na cidade de Ribeirão Preto-SP e algumas reuniões iniciais foram feitas com duas gerentes, para explicar as etapas da pesquisa e para colher informações sobre o hotel e as políticas de recursos humanos do hotel. Em seguida, foram conduzidas entrevistas em profundidade com quatro funcionários: um recepcionista e três camareiras. A escolha dos indivíduos ocorreu em função da disponibilidade e aceitação em participar da pesquisa. As entrevistas foram realizadas em julho de 2008 e duraram cerca de uma hora e meia. A entrevista foi escolhida devido ao fato de ser uma importante técnica de coleta de dados em pesquisa social. É mais que um diálogo; é uma discussão orientada para um objetivo definido, que através da comunicação leva o entrevistado a expor sobre temas específicos gerando, dessa forma, os dados para pesquisa (ARNOLDI; ROSA, 2006). Mas a entrevista pode ir além: ela funciona como um meio de captar outros dados além daqueles predefinidos, pois é flexível a ponto de permitir novas indagações durante o processo de captura de dados. O uso da entrevista é útil quando se pretende extrair da entrevistada uma série de dados

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conceituais oriundos de seu “mundo vivencial”. Para a realização da entrevista foi construído um roteiro. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. A categorização das falas dos respondentes baseou-se no modelo de QVT proposto por Walton (1974). A utilização de entrevistas em profundidade limita as possibilidades de generalização dos resultados. No entanto, permitem a verbalização de pensamentos, sentimentos e pontos de vista sobre o tema, aprofundando o conhecimento sobre um determinado fenômeno e dos significados a eles atribuídos (KIDDER; JUDD, 1986). O hotel estudado situa-se em Ribeirão Preto (SP), possui 116 apartamentos e 246 leitos e pertence ao segmento de negócio. Possui 103 funcionários, sendo 51 no hotel e 52 na área de alimentos e bebidas. Possui um gerente geral, para o qual respondem a chefe do departamento de pessoal e mais quatro gerentes: a gerente de hospedagem (que coordena o chefe de recepção e a chefe de governança, que são os encarregados dos recepcionistas e camareiras, respectivamente); a gerente de marketing, o gerente de alimentos e bebidas (A&B) (que coordena os garçons e cozinheiros) e a gerente comercial. Apenas os funcionários que trabalham na segurança são terceirizados. A exigência do perfil dos funcionários contratados é ter disponibilidade total de tempo para atender às demandas de funcionamento do hotel. O hotel segue o maior piso salarial da categoria. Como prática de gestão ambiental, o hotel realiza coleta seletiva do lixo, tem sensores inteligentes de iluminação, conscientiza os hóspedes para economia de água e possui aquecedores solares. Para os funcionários o hotel oferece: refeitório, banheiro, estacionamento e espaços de descanso para os funcionários. O acesso para funcionários deficientes, principalmente cadeirantes, é complicado e pouco estruturado. Quanto aos entrevistados, nenhum é portador de necessidades especiais ou problemas de saúde, e as tarefas realizadas por eles podem ser realizadas tanto por homens quanto por mulheres. O Quadro III abaixo apresenta os perfis dos entrevistados. A partir das entrevistas realizadas foi possível identificar aspectos sobre políticas de RH e QVT que foram analisadas segundo as categorias propostas por Walton (1974), como será mostrado a seguir.

4. Resultados A seguir serão apresentados os resultados das entrevistas segundo as categorias de QVT propostas por Walton (1974). a) Categoria: compensação justa e adequada Nesta categoria, um dos aspectos mais importantes a serem tratados é a compensação justa adequada à carga de trabalho. A percepção da remuneração como justa e adequada é positiva para o bem-estar do trabalhador (WALTON, 1985). Quanto a isso, as respostas foram diferentes: os funcionários de menor nível educacional alegaram estar satisfeitos com a remuneração, conforme ilustra a fala a seguir: – E não sou uma pessoa formada, você entendeu, eu só terminei o primeiro grau escolar, e pra mim ganhar um salário mais do que eu ganho aqui, eu tinha que ser uma pessoa formada que tava numa área um pouco mais alta. Porque aqui na região, uma camareira ganhar o salário que eu ganho, é uma coisa assim impossível. Aí fora a faixa é 400, 450 (reais) e aqui eu tenho dentista, eu tenho tudo. Já os funcionários de maior nível educacional afirmam que a remuneração é baixa, pois o serviço executado por eles é essencial para o hotel e deviam ser melhor remunerados por isso. – Não, porque eu tenho muito serviço e eu acho assim que camareira devia ganhar um pouquinho a mais porque o hotel depende da camareira, se não tem apartamento limpo não tem hotel, não tem hospedagem num tem hotel... Essa diferença de opinião pode ser explicada pela falta de expectativa de encontrar um emprego melhor pelos trabalhadores de menor escolaridade. O hotel tem como política de remuneração clara de pagar

Quadro III – Perfil dos entrevistados Perfil Entrevistado

R1

R2

R3

R4

23

38

32

28

Solteiro

Divorciado

Casado

Solteiro

Nível Educacional

Superior completo

Primeiro grau

Primeiro grau

Segundo grau

Salário individual

R$ 590,00

R$ 800,00

R$ 700,00

R$ 525,00

Idade Situação afetiva

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acima do mercado na região. No entanto, há uma percepção de inadequação do salário por parte de funcionários de maior educação formal, o que reflete negativamente sobre a qualidade de vida no trabalho.

Não há também uma política de gestão participativa em curso no hotel. E isso se refletiu na fala dos entrevistados quando perguntados sobre as discussões relativas à realização das suas tarefas e à supervisão. Percebeu-se que há pouca autonomia para agir e em situações difíceis pode até haver lentidão nas decisões.

b) Categoria: condições de trabalho Essa categoria engloba o ambiente físico de trabalho, a jornada, assim como o conteúdo do trabalho. Todos os entrevistados disseram que suas tarefas são simples ou normais. No entanto, há momentos nos quais algumas tarefas novas ou não esperadas podem surgir. Por exemplo, trocar uma televisão de lugar ou sintonizar a internet. Porém, os entrevistados alegaram que o dimensionamento da carga de trabalho não considera os dias de maior movimentação do hotel, como pode ser visto pelo trecho a seguir. – Quando o hotel tá cheio é muita coisa pra fazer, só que você tem aquele tempo. Com as sete horas e pouco, tem dia que você acaba não fazendo horário de janta, ficando direto... Todos afirmam ser fundamental o trabalho em grupo, mas como foi apurado através das entrevistas o trabalho é realizado “com outras pessoas”, mas não caracteriza uma organização de trabalho em grupo. O trabalho realizado pelos entrevistados é rotineiro, o que segundo Walton (1974), impacta de forma negativa na QVT. A rotina impede que novas habilidades sejam aprimoradas, gerando perdas de produtividade ao hotel, o que será abordado na próxima categoria “Uso e desenvolvimento das capacidades”. Além disso, a carga de trabalho excessiva alegada e a falta de autonomia no trabalho também impactam negativamente a QVT, segundo Walton (1974). Verificou-se que o hotel não tem uma política de RH voltada para o desenho de trabalhos de maior conteúdo e de equilíbrio da carga de trabalho. c) Categoria: uso e desenvolvimento das capacidades Essa categoria trata da adequação da formação profissional e técnica do trabalhador ao trabalho, do desenvolvimento dessa formação pelo funcionário auxiliado pela empresa e do grau de autonomia do trabalhador. Em relação à adequação do trabalho à formação educacional, dois dos entrevistados disseram que, por hora, sua formação está adequada para as atividades realizadas, mas que logo se sentirão subutilizados, pois não aproveitariam seu potencial no hotel. Os outros dois disseram estarem satisfeitos com uso do seu arcabouço profissional e técnico, mas durante a entrevista levantouse que o menor nível educacional destes poderia influenciar a questão. O hotel não possui uma política clara de treinamentos, a fim de melhorar e ampliar as capacidades técnicas e profissionais dos seus funcionários. Há alguns programas de aprimoramento e motivação, mas sobre aperfeiçoamento e melhoramento técnico muito pouco foi dito.

– Como sou subordinado, quem toma as decisões é a gerente (de hospedagem) e o chefe da recepção. Então antes de tomar uma decisão, eu tenho que pergunta pra gerente, e se ela não tá, eu tenho que perguntar pro chefe de recepção. Antes de eu tomar uma decisão referente a alguma da recepção, eu tenho que falar com eles, aí se eu não conseguir aí eu tomo a decisão, aí acaba complicando, mas tem sempre que perguntar ou pro chefe de recepção ou pro gerente de hospedagem. Do ponto de vista dos teóricos estudados acerca do tema QVT, a autonomia é um importante fator positivo para a qualidade de vida no trabalho. Assim, segundo Walton (1974), a falta de autonomia prejudica a categoria “uso e desenvolvimento de capacidades”. d) Categoria: crescimento e segurança Esta categoria lida com a possibilidade de crescimento pessoal e profissional na empresa, e da segurança no emprego. Todos os entrevistados esperavam crescer no hotel, mas na verdade isso não era oferecido a todos e nem se manifestava claramente: – Ser promovido aqui no hotel eu acho que não. Aqui não, aqui no hotel não. É um hotel único, não tem nenhum outro hotel, não é uma cadeia de hotéis, só vou ser promovido se por acaso se alguém perceber que eu tenho jeito pra aquilo... Foi levantado que pelo fato de o hotel ser familiar e não de rede, as chances de promoção se tornam menores. Ao que parece, não há uma política efetiva de ascensão profissional no hotel, o que, segundo Walton (1974), não é coerente com a promoção de QVT na empresa. Por outro lado, nenhum dos entrevistados se sentia ameaçado ou intimidado por colegas e superiores e todos disseram sentir-se seguros em relação à permanência no emprego; aspectos esses importantes para QVT (WALTON, 1974), apesar de considerarem que segurança total não é possível em lugar nenhum. e) Categoria: integração social Essa categoria tem como variáveis a igualdade, a ausência de preconceitos, o relacionamento entre funcionários e o senso comunitário. Os entrevistados consideraram o hotel um lugar de respeito e consideração pelos funcionários e a relação com os colegas, todos os entrevistados descreveram como bom e respeitoso. Em relação

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aos superiores, apenas um dos entrevistados disse que a relação poderia ser melhor e que se sente pouco reconhecido, pois não tem um retorno de como está realizando seu trabalho e diz que dessa forma não se sente reconhecido. – Aqui dentro eu considero como se seje uma família minha. Eu não tenho nenhum estranho aqui dentro, eu tenho intimidade assim com as pessoas, me dou muito bem, e assim eu trato como se fosse na minha casa, eu considero como se fosse uma família minha e todos os funcionários consideram assim. Para Walton (1974), esse fator é visto como positivo dentro da categoria de integração social na empresa. Quando o funcionário considera a relação com seus superiores respeitosa e harmoniosa, as pressões tendem a diminuir dentro da organização, tornando o ambiente de trabalho menos estressante. f) Categoria: constitucionalismo Essa categoria aborda os fatores de privacidade, direitos e benefícios trabalhistas, imparcialidade, liberdade de expressão. Todos os entrevistados declararam que o hotel cumpre com as leis trabalhistas e pagam salários de acordo com a categoria. O hotel tem política clara de recursos humanos sobre esse aspecto. Sobre as políticas de premiação do hotel, o que ficou claro durante as entrevistas é que os funcionários sequer sabiam se recebiam prêmios, se o hotel distribuía lucros, e como eram feitas essas distribuições. Os entrevistados confundiram uma prática de pontuação usada para remunerar todos os funcionários. Esses pontos têm determinado valor e cada cargo tem um número designado de pontos. A remuneração é calculada pelo valor do ponto no mês vezes o número de pontos. O hotel também possui a política de distribuir brindes nas festas de confraternização. Ou seja, falta clareza sobre a conduta do hotel nesse aspecto. Os funcionários têm direito ao plano de saúde, vale-transporte (o hotel paga metade) e seguro de trabalho. Nessa categoria têm-se, de um lado, algumas políticas bem definidas que contribuem a qualidade de vida no trabalho dos empregados do hotel, como o respeito às leis trabalhistas, um conjunto de benefícios e segurança no emprego. Por outro lado, têm-se aspectos negativos, como a falta de clareza sobre plano de carreiras e premiações, que acabam por gerar insatisfação no trabalhador e comprometer sua qualidade de vida no trabalho, segundo Walton (1985). g) Categoria: trabalho e espaço de vida Essa categoria lida com a estabilidade dos horários e dessa forma a relação trabalho e lazer. Todos os entrevistados trabalham 7 horas e 20 minutos por dia, para no fim da semana ter 44 horas semanais (jornada de seis dias). No tempo livre, todos fazem atividades de que gostam, mas como só há uma folga por semana algumas atividades ficam comprometidas, como atividades físicas de um entrevistado, ou o retorno ao curso de computação que teve que ser abandonado devido ao horário de trabalho de outro entrevistado.

O sistema de trabalho atrapalha de certa forma a vida familiar e o tempo livre. Os entrevistados disseram se sentirem um pouco afastados da família devido à carga horária. – A gente tem uma folga por semana e um domingo só por mês; então é meio complicado almoçar com a família, fazer um aniversário. Uma coisa assim é meio complicado, tudo tem que ser quando dá. Tem muitas coisas que eu deixei de ir porque ia trabalhar. Se eu pudesse escolher, abriria meu próprio negócio e sairia daqui... Porque aí eu teria mais tempo livre. De você tá mais perto da família e ter semana pra ficar em casa, já é um motivo bem grande. Os outros entrevistados afirmaram ter que fazer alguns sacrifícios, como perder festas ou não estar com as pessoas de que gostam, mas que conseguem lidar com isso. Outro problema gerado pode ocorrer quando há necessidade de cobrir algum faltante ou quando o hotel está nos períodos de maior ocupação. Os entrevistados reclamaram também do distanciamento das pessoas, já que devido à carga horária e ao próprio turno, mal se comunicavam com as pessoas ao seu redor, a não ser no hotel, ou seja, seus únicos contatos se restringiam aos seus colegas de trabalho, como pode ser observado acima. Pelo exposto, o trabalho no hotel ocupa um grande espaço na vida desses trabalhadores e acaba por interferir no tempo destinado à família, aos amigos e à família, aos amigos e ao lazer. O equilíbrio entre o tempo livre e o trabalho importante aspecto para o QVT. No entanto, o hotel adota como política exigir disponibilidade de tempo de seus funcionários. A falta de políticas da empresa para suporte à família pesa negativamente para a qualidade de vida no trabalho, de acordo com Walton (1985). Isso sugere insatisfação com o trabalho em si e com a necessidade de disponibilidade de tempo dos funcionários demandados pelo hotel. À luz de Walton (1974), tem impacto negativo no QVT. h) Categoria: relevância social do trabalho Essa categoria aborda a relevância do trabalho, a responsabilidade social e a imagem da empresa. Quando perguntados sobre a relevância do trabalho, todos os entrevistados disseram que seu trabalho é relevante, mas nenhum soube especificar de que forma, o que, para Walton (1974), tem impacto negativo para a QVT. Quando inquiridos se o hotel reconhecia a importância do seu trabalho, houve posições divergentes, como pode ser observado nos trechos a seguir: – Eles percebem, mas a gente corre bastante, então podia reconhecer mais. Eu acho que sim, percebe sim pelo que eu vejo, eu fico muito feliz e pelo que eu sei, deles ter eu como uma profissional muito boa.

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Mas mesmo os que alegaram que o hotel reconhece o seu trabalho declararam em outros momentos da entrevista que não têm perspectivas de crescimento no hotel, ou conformismo diante da pouca educação formal que limita as possibilidades de melhores empregos. Assim, esses dados sugerem que os empregados se sentem pouco reconhecidos pelo seu trabalho no hotel, o que é negativo para a QVT. Outro resultado importante obtido nesta pesquisa foi o entendimento dos entrevistados sobre o que é QVT. Eles relacionaram QVT a fazer o que se gosta, ao respeito no ambiente de trabalho, ter uma boa alimentação, ter um tempo melhor dimensionado: – Eu acho que é você fazer alguma coisa que você gosta, principalmente. Você trabalha em alguma coisa que você não gosta não tem porque trabalhar, qualidade de vida no trabalho é isso, trabalhar com alguma coisa que você gosta, ganhar bem, evoluir, crescer, tem que crescer no ramo do seu ambiente de trabalho, crescer pessoalmente, é isso. É saber executar um serviço bem executado, você ter respeito como funcionário e que todo mundo possa ter respeito por você; você ser uma pessoa honesta, ser uma pessoa seja o quer for falar sempre a verdade, porque na verdade você ganha em tudo. Porque tem que ter isso... um bom relacionamento, um tempo de descanso e uma boa alimentação eu acho. Quando solicitados a elencar ações específicas do hotel voltadas a QVT, a principal citada foi a ginástica laboral. Há algum tempo houve uma tímida iniciativa com a adoção de ginástica laboral. Porém, o formato não foi aceito, uma vez que era executada fora do horário normal de trabalho, aumentando ainda mais a jornada de trabalho dos funcionários. No momento está em estudo retornar à ginástica laboral, em outro formato. Outra política citada são festas de confraternização de fim de ano, em que são distribuídos prêmios. Ou seja, parece não haver até o momento ações coordenadas e efetivas no sentido de promover QVT no hotel, o que reflete, em grande parte, a concentração das políticas de RH nos níveis táticos e operacionais. 4. Discussões A partir do objetivo proposto podem-se apontar algumas importantes conclusões. Em primeiro lugar, as entrevistas realizadas com trabalhadores de um hotel de luxo na cidade de Ribeirão Preto (SP) mostraram, no geral, uma tendência ao excesso de trabalho, ao trabalho rotineiro e pouco complexo, pouca autonomia e o trabalho “invadindo” um espaço considerável da vida das pessoas, com reflexos negativos na vida familiar dos funcionários; aspectos esses que, à luz de Walton (1974), têm impactos negativos na qualidade de vida no trabalho. Assim, detectou-se uma distância entre as proposições de Walton (1974, 1985) e as situações vivenciadas pelos entrevistados. Há deficiências de caráter estrutural do trabalho que acabam por prejudicar a qualidade

de vida no trabalho dos trabalhadores. Isso, no entanto, reflete a falta de uma política estratégica de recursos humanos no hotel, que garanta melhorias nas condições de trabalho, conforme descrito por Almeida (2005). Essa falta de visão estratégica nas políticas de RH, incorporando práticas de QVT é, segundo Limongi-França (2004), uma das principais barreiras à promoção de QVT nas empresas. Em segundo lugar, os indicadores de QVT descritos pelos entrevistados, que apontam para qualidade de vida no trabalho, são os relativos ao cumprimento das leis trabalhistas e à estabilidade relativa no emprego. Há, no hotel, políticas claras quanto à remuneração e o cumprimento de leis trabalhistas. Estas, no entanto, se enquadram nas políticas táticas e operacionais de RH (ALMEIDA, 2005). Essas ações, segundo Walton (1974, 1985), podem atuar positivamente na qualidade de vida no trabalho, porém seus impactos são restritos. Isso se verificou na pesquisa, por exemplo, na constatação da insatisfação com salários, no sentimento de pouco reconhecimento e na alegação por parte dos funcionários que buscariam outro trabalho. Além disso, os entrevistados não possuem a percepção da relevância social do seu trabalho, o que, segundo Walton (1974), seria um aspecto importante da qualidade de vida no trabalho. As diferentes concepções de QVT também são uma barreira importante à consolidação de políticas de RH voltadas à QVT (LimongiFrança, 2004): os funcionários entendem QVT como fazer o que se gosta e ter boa alimentação e tempo para a família; já o hotel o compreende como ginástica laboral. Sobre esse fato, ressalta-se a experiência do hotel de implantação da prática de ginástica laboral que foi interrompida. Pode-se dizer que se tratou de uma ação isolada, pautada pelo imediatismo e sem definição de continuidade, ou seja, partiu de uma visão superficial sobre QVT, o que pode ter contribuído para o desgaste do programa (DUPUIS; MARTEL, 2006; LIMONGIFRANÇA, 2004). Assim, do ponto de vista das políticas de RH, há muito a ser feito no sentido de desenvolvimento de políticas estratégicas de RH com ações coordenadas voltadas à QVT, como a contemplação de aspectos de QVT no design do trabalho, no equilíbrio entre trabalho e vida privada e nas políticas de salários, premiações e reconhecimento. Este artigo analisou as práticas de QVT e as políticas de recursos humanos de um hotel de luxo em Ribeirão Preto. Verificou-se que a aplicação do conceito de QVT limitou-se às ações de ordem tática e operacional de RH. Considera-se que políticas estratégias de RH voltadas à qualidade de vida no trabalho poderiam ser mecanismos importantes no sentido de promover as transformações necessárias para a qualidade de vida no trabalho no hotel. Ressalta-se que esses resultados devem ser considerados dentro das limitações do tipo de pesquisa realizada, de caráter qualitativo, e não devem ser generalizados para a totalidade de hotéis. No entanto, a análise dos resultados abre outras questões como, por exemplo, a existência ou não de percepções diferentes de QVT entre gerentes e trabalhadores, que podem ser exploradas em pesquisas futuras.

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Agradecimentos Ao CNPq pela bolsa de iniciação científica concedida. Referências ALBUQUERQUE, L. G.; FRANÇA, A. C. L. Estratégias de recursos humanos e gestão da qualidade de vida no trabalho: o stress e a expansão do conceito de qualidade total. R. Adm., São Paulo, v. 33, p. 40-51, abr./ jun. 1998. ALMEIDA, F. Gestão de recursos humanos nas organizações. In: LISBOA, J. et al. Introdução à gestão das organizações. Porto: Vida Econômica, 2005. ARNOLDI, M. A. G. C.; ROSA, M. V. F. P. C. A entrevista na pesquisa qualitativa: mecanismos para validação de resultados. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. BITENCOURT, C. (Org.). Gestão contemporânea de pessoas: novas práticas, conceitos tradicionais. Porto Alegre: Bookman, 2004. CAMARGO, L. O. L. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004. CHIAVENATO, I. Recursos Humanos: o capital humano das organizações. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2004. DUPUIS, G.; MARTEL, J. P. Quality of Work Life: theoretical and methodological problems, and presentation of a new model and measuring instrument. Soc. Indic. Res., v. 77, p. 333-368, 2006. FERNANDES, E. Qualidade de vida no trabalho: como medir para melhorar. Salvador: Casa da Qualidade, 1996. FITZSIMMONS; FITZSIMMONS. Administração de serviços: operações, estratégia e tecnologia de informação. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. INGRAM, H.; MEDLIK, S. Introdução à hotelaria. São Paulo: Elsevier, 2002. KIDDER, L. H; JUDD, C. M. Research methods in social relations. 5. ed. New York: Holt, Rinehart and Winston; CBS College Publishing, 1986. LACAZ, F. A. C. Qualidade de vida no trabalho e saúde/ doença. Ci. e Saúde col., Rio de Janeiro, v. 5, p. 151-161, 2000. LIMONGI-FRANÇA, A. C. Programas de Qualidade de Vida no Trabalho. Compensações e benefícios, v. 1, p. 30-32, 1992. MAXIMIANO, A. C. A. Introdução à administração. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. LIMONGI-FRANÇA, A. C. Qualidade de vida no trabalho – QVT: conceitos e práticas nas empresas da sociedade pós-industrial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. PICCININI, V. C.; TOLFO, S. R. As melhores empresas para trabalhar e a Qualidade de Vida no Trabalho: disjunções entre a teoria e a prática. R. Adm. contemp., v. 5, p. 165-193, jan./abr. 2001. SAAB, W.; DAEMON, I. Qualidade na hotelaria: o papel dos recursos humanos. Rio de Janeiro. BNDES, 2000. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2007. VALLEN, G. K.; VALLEN, J. J. Check-in, check-out: gestão e prestação de serviços em hotelaria. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2003.

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