Qualidade Social da Aprendizagem e a Disciplina Química no Sistema de Avaliação do Estado do Rio de Janeiro

May 23, 2017 | Autor: Waldmir Araujo Neto | Categoria: Accountability, Educational evaluation, Measurement and evaluation in education
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Copyright © by organizadores, 2017 Revisão de textos Mara Regina Lemes de Sordi (org.) Adriana Varani (org.) Geisa do Socorro C. Vaz Mendes (org.) Luana Almeida Costa Luana Ferrarotto Marcos Santos Margarida Montejano da Silva Maria Clara Ede Amaral Mônica Cristina M. de Moraes (org.) Sandra Cristina Tomaz Sara Badra Oliveira

Núcleo Editorial FE/UNICAMP Av. Bertrand Russell, 801 – Cidade Universitária 13083-970 Campinas - SP Tel: (19) 3521-5632E-mail: [email protected] Tiragem Eletrônica (E-book)

Catalogação na Publicação (CIP) elaborada por Simone Lucas Gonçalves de Oliveira – CRB-8ª/8144

Se52a

Seminário Avaliação da Escola Pública Sob o Viés da Qualidade Social (1. : 2017 : Campinas, SP) Anais [recurso eletrônico] / Seminário Avaliação da Escola Pública Sob o Viés da Qualidade Social, 2017; organização: Adriana Varani, Geisa do Socorro Cavalcanti Vaz Mendes, Mara Regina e es de d ampinas, SP: FE/UNICAMP, 2017. ISBN: 978-85-7713-203-4. Contém textos completos. 1. Escola pública – avaliação. 2. Qualidade social. I. Varani, Adriana. III. Mendes, Geisa do Socorro Cavalcanti Vaz. IV. Sordi, Mara Regina Leme de. V. Título. 20a CDD - 379.81

14-030-BFE

20a CDD – 375

ORGANIZADORES DO EBOOK Adriana Varani Geisa do Socorro Cavalcanti Vaz Mendes Mara Regina Lemes de Sordi ORGANIZADORES EVENTO Luana Ferrarotto Mara Regina Lemes de Sordi Margarida Montejano da Silva Sara Badra Oliveira COMISSÃO CIENTÍFICA Adriana Varani Antonio Carlos Miranda Geisa do Socorro Cavalcanti Vaz Mendes Iria Aparecida Stahl Merlin Luana Almeida Costa Maria Clara Amaral Ede Mônica Cristina Martinez de Moraes Regiane Helena Bertagna COMISSÃO TÉCNICA Ana Paula Carra Tuschi Charles Duraes Leite Jean Douglas Zeferino Rodrigues Jordana de Sousa Silva Marcos Henrique Almeida dos Santos Sandra Cristina Tomaz Thaís Carvalho Zanchetta Penteado Simone Andrea Gon

Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................. 5 DESIGUALDADES SOCIAIS NA ESCOLA............................................................................................ 7 DA COMPREENSÃO DE UM CONTEÚDO ESPECÍFICO À ELABORAÇÃO DE SABERES DIDÁTICOS: EDIÇÃO DE TEXTO PUBLICITÁRIO COM O USO DAS FERAMENTAS DAS TIC.................................. 16 SEMINÁRIO – UMA PRÁTICA SOCIAL COMO DISPOSITIVO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ..... 27 CICLOS E REPROVAÇÃO – UM CASO MAL RESOLVIDO ................................................................. 39 O DESENVOLVIMENTO DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA PARA A ANÁLISE DAS HIPÓTESES DE ESCRITA NOS 2ºs ANOS INICIAIS .................................................................................................. 45 A PRODUÇÃO DA QUALIDADE EDUCACIONAL A PARTIR DA POLÍTICA DE AVALIAÇÃO SISTÊMICA MINEIRA NAS REDES MUNICIPAIS DE UBERLÂNDIA E ITUIUTABA ................................................ 56 O TRABALHO DO GRUPO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA CONTRIBUINDO PARA O APRIMORAMENTO DA PRÁTICA DOCENTE ........................................... 66 INOVAÇÃO PEDAGÓGICA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA .. 75 MASSIFICAÇÃO DO ENSINO ESCOLAR RELACIONADA ÀS SINGULARIDADES DOS EDUCANDOS... 84 O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO NA REDE MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO: UM OLHAR SOBRE ESCOLAS DA REGIÃO DA GRANDE TIJUCA .................................................................................... 95 QUALIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO: UMA PERSPECTIVA PELA VOZ DE ESTUDANTES DO TRIÂNGULO MINEIRO ................................................................................................................ 106 A CONCEPÇÃO DE QUALIDADE EDUCACIONAL IMPULSIONADA PELO SARESP.......................... 116 SARESP E QUALIDADE DO ENSINO: ALGUNS APONTAMENTOS ................................................. 125 QUALIDADE SOCIAL DA APRENDIZAGEM E A DISCIPLINA QUÍMICA NO SISTEMA DE AVALIAÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ................................................................................................ 136 A CONSTRUÇÃO DOCENTE DO CURRÍCULO EM AÇÃO ............................................................... 147 OS PROCESSOS CRIATIVOS E O DESENVOLVIMENTO DO PSIQUISMO HUMANO ....................... 156 INFLUÊNCIAS DO SISTEMA MINEIRO DE AVALIAÇÃO NA PRODUÇÃO DA QUALIDADE DA ESCOLA PÚBLICA: A realidade de uma escola da rede municipal de Ituiutaba-MG ................................ 165 REPENSANDO O TRATAMENTO PEDAGÓGICO NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO A PARTIR DE UMA TURMA DE ACELERAÇÃO DE APRENDIZAGEM .................................................................. 174 INTEGRAÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS ÀS PRÁTICAS DE LEITURA DE TEXTOS LITERÁRIOS: PROPOSTA DE FORMAÇÃO HUMANA ........................................................................................ 181 A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM E DE DISCIPLINAS EM UM CONTEXTO DE FORMAÇÃO DOCENTE: DESAFIOS.................................................................................................................. 191 GRÊMIO ESTUDANTIL - UMA CONSTANTE BUSCA DEMOCRÁTICA............................................. 201 PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO E COMPROMISSO SOCIAL: O REVERSO DO AVESSO DAS ESCOLAS PÚBLICAS EM MINAS GERAIS..................................................................................................... 211 MÚSICA E PSICOLOGIA NA ESCOLA: PROMOVENDO O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO POR CONCEITOS DE ADOLESCENTES ......................................................................................... 222

QUALIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO ESCOLAR COMO FORMAÇÃO HUMANA E O FAZER DO SUPERVISOR EDUCACIONAL: Um pensar e um fazer em construção......................................... 231 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO MÉDIO: UMA PROPOSTA FORMATIVA ................................................................................................................................ 242 NÓS, OS FORMADORES DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA, E A FORMAÇÃO CONTINUADA SOBRE AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA ............................................................... 253

APRESENTAÇÃO Ao longo de sua história o Laboratório de Observação e Estudos Descritivos tem sido protagonista de pesquisas no campo da avaliação educacional, passando pelos seus três níveis: aprendizagem, larga escala e institucional. Nos últimos anos tem associado a discussão dos processos avaliativos com a construção da qualidade social no campo da educação, numa perspectiva crítica que não se sujeita aos discursos e práticas de uma avaliação de cunho meritocrático, expressão de política pautada na responsabilização unidirecional. Tem defendido a necessária discussão sobre a responsabilização partilhada e a reflexão sobre a formação humana no campo das práticas pedagógicas, especialmente, de avaliação. Nesta linha de trabalho em 2013, o Laboratório submete um projeto de pesquisa ao OBEDUC CAPES (2013-2017), intitulado “A qualidade da escola pública: um estudo longitudinal para sustentação da responsabilização partilhada”, que tem intenção em dar continuidade a um conjunto de estudos que toma a Secretaria Municipal de Educação de Campinas (SME) como cenário privilegiado de experimentação de políticas alternativas de avaliação que recuperam o protagonismo dos vários atores sociais implicados na construção da qualidade educacional da escola pública. Mais especificamente o projeto objetiva avaliar o nível de enraizamento dos princípios avaliativos adotados e que revelem indícios de responsabilização partilhada na qualificação da escola pública. Pretendeu-se elaborar um instrumento de avaliaçãodaqualidadedaescolaqueincorporecomponentesqualitativosaos dados da avaliação de larga escala de modo a potencializar as reflexões que sustentam os processos decisórios nas escolas na direção de um trabalho pedagógico inovador e de qualidade social. Com a perspectiva de ampliar o debate no campo e colaborar com as discussões oriundas da pesquisa do OBEDUC, em 2016, propôs a realização do SEMINÁRIO: AVALIAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA SOB O VIÉS DA QUALIDADESOCIAL. As políticas de avaliação externa estão consolidadas em nosso país.Nas últimas duas décadas, além das avaliações federais, estados e municípios estão implementando seus próprios programas de avaliação, em um movimento de alinhamento a uma concepção de qualidade da escola pública voltada a índices, os quais além de não serem construídos com a participação da comunidade escolar, espelham uma proposta de formação estreita, com foco em apenas dois componentes curriculares. Em defesa da qualidade social da escola pública, enquanto aquela que considera os índices das avaliações externas, mas não se reduz a eles e, portanto, tem o protagonismo da comunidade escolar em seu processo de autoavaliação, o seminário procura debater com pesquisadores e educadores as práticas que expressam tal qualidade e contribuem para a formação humana dos estudantes. Para tanto, além dos debates que realizamos com mesas redondas sobre a temática, o LOED e a equipe organizadora convidou educadores da rede pública de ensino a socializarem suas experiências de qualidade social e formação humana. Convidou, ainda, para a reflexão coletiva acerca dos dados obtidos em uma pesquisa realizada pelo LOED, cujo objetivo é mapear as marcas da qualidade social nas escolas públicas da Rede Municipal de Ensino de Campinas. Para atender aos rumos da discussão foram relevados alguns eixos de trabalho a saber: 5

• Eixo I – Práticas de Participação na escola e seus reflexos na sala de aula •Eixo II – Indicadores sociais de qualidade educacional da escola pública • Eixo III – Práticas de Avaliação e Compromisso Social • Eixo IV – Práticas Pedagógicas voltadas à Formação Humana Neste ebook constam vinte e seis trabalhos completos apresentados dentre comunicações e pôsteres. Convidamos a todos a tomar conhecimento das reflexões realizadas ao longo do seminário e que ocorrem em território nacional.

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QUALIDADE SOCIAL DA APRENDIZAGEM E A DISCIPLINA QUÍMICA NO SISTEMA DE AVALIAÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Helio Alves Ribeiro [email protected] PEQui-UFRJ e SEEDUC-RJ Waldmir Araújo Neto [email protected] PEQui-UFRJ e FAPERJ Resumo Este trabalho trata da política de avaliação externa da rede estadual fluminense, tendo como objetivo discutir os resultados do indicador de proficiência em química, oriundos do Saerjinho. A análise é feita a partir da disputa sobre o tipo de qualidade da educação que deve ser priorizada para a transformação da realidade social. Para buscar essa compreensão, contrapomos a qualidade defendida pelos reformadores empresariais da educação versus a qualidade social. Utilizaram-se quatro indicadores contextuais: nível socioeconômico, proficiência em português e matemática e formação docente para confrontar os índices de proficiência em química. Ainda que os índices do Saerjinho indiquem valores entre baixo e intermediário, procuramos discutir esses resultados pari passu com a proposta educacional de responsabilização do professor pelo fracasso da aprendizagem. Apresentamos como espaço de enfrentamento para essa situação a proposição de uma “Rede de Qualidade Social” com uma agenda de debates e formação sobre os sentidos atribuídos aos resultados das avaliações externas especificamente para os colégios estaduais. Palavras-chave: Qualidade Social. Saerjinho. Ensino de Química. Introdução Apesar de não ser novidade, o tema qualidade da educação vêm adquirindo certa centralidade. Isso se deu mais fortemente a partir da década de 90 quando as atenções se voltaram para dentro da escola, em especial para as questões da permanência e conclusão do ensino básico. A retórica da qualidade na educação, em boa medida, emergiu nesse cenário, porque se relaciona diretamente as questões supracitadas (TEDESCO; REBELATTO, 2015). Mas, o que significa ter uma educação de qualidade? A resposta a essa pergunta pode ser formulada de formas distintas, de acordo com os pressupostos teóricos adotados. Na atualidade, constatam-se dois projetos dicotômicos sobre qualidade da educação. De um lado o projeto da qualidade social, dos movimentos dos educadores e do outro o programa de qualidade dos reformadores empresariais da educação (FREITAS, 2012). 136

O trabalho está situado no embate dessas duas correntes, que no Brasil mais acentuadamente a partir do final do século XX, sob a égide do neoliberalismo, iniciaram um acirramento na disputa de projetos hegemônicos para a educação. Disputa essa materializada no discurso que introjeta a temática da qualidade na educação pública. A qualidade proposta pelos movimentos sociais de educadores defende uma perspectiva social, na qual a educação seja instrumento de transformação social. A educação com qualidade social, segundo Silva (2009), designa pensar a educação como prática social e um ato político, o qual não se confina a equações matemáticas, a modelos predeterminados, e tão pouco a medidas lineares descontextualizadas. Consequentemente, a escola imbuída pelo caráter da qualidade social deve estar atenta a diversos determinantes, tanto os extraescolares quanto os intraescolares. Os determinantes extraescolares, conforme Silva (2009, p. 224), estão elencados, para melhor compreensão, em quatro grupos: (i) Socioeconômico - condições de moradia, situação de trabalho dos responsáveis pelo estudante, renda familiar etc; (ii) Sociocultural escolaridade da família, formação cultural dos alunos e responsáveis, hábitos de leitura e lazer etc; (iii) Financiamento público: decisões coletivas referentes aos recursos da escola, conduta ética no uso dos recursos e transparência financeira e administrativa etc; (iv) Formação dos profissionais da educação - formação dos docentes e funcionários, valorização da carreira, ambiente e condições propícias ao bom trabalho pedagógico etc. Determinantes intraescolares estão associados à gestão democrática da escola; à organização do trabalho pedagógico e dos projetos escolares; as formas de diálogo com a comunidade escolar; ao ambiente saudável; a política de inclusão efetiva; ao respeito às diferenças; ao trabalho colaborativo; as práticas efetivas de funcionamento dos grêmios estudantis, dos conselhos escolares e das associações de apoio à escola (SILVA, 2009). Já a corrente capitaneada pelos reformadores empresariais da educação - que de acordo com Freitas (2012, p. 380), trata-se de “uma coalizão entre políticos, mídia, empresários, empresas educacionais, institutos e fundações privadas e pesquisadores alinhados com a ideia” de que as escolas devem funcionar como empresas - trabalha com a ideia que visa transpor práticas e conceitos de qualidade do campo econômico mercadológico para a educação escolar. A adoção desse formato introduziu, de forma mais enfática, os conceitos

de eficiência,

produtividade,

mensuração de resultados,

hierarquização,

estandardização, ou seja, um conjunto de instrumentos historicamente associados ao ambiente 137

mercantil. A incorporação da ideologia empresarial no cotidiano escolar trouxe mecanismos de controle e fiscalização. Nessa direção, no final dos anos de 1990, várias medidas para quantificar e aferir a qualidade da educação foram adotadas, dentre elas, as avaliações externas em larga escala. Essas avaliações se consolidaram como um dos principais pilares para justificação de ações governamentais na educação. O enraizamento desse modelo de avaliação no Brasil foi impulsionado pelos resultados de experiências internacionais tidas como iniciativas bem sucedidas na área da educação pública (FREITAS et al., 2012). O paradigma dos reformadores empresariais engloba outro importante dispositivo, os indicadores socioeducacionais. Os indicadores, instrumentos elaborados por órgãos públicos e agências multilaterais, são constantemente utilizados pelas instituições públicas e privadas e pela mídia como ferramenta avaliativa da qualidade da educação oferecida pelos estabelecimentos de ensino. De tal forma que a educação atualmente é planificada, via de regra, através de indicadores, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Este dispositivo juntamente com as avaliações externas possui uma relação de interdependência, visto que o resultado das avaliações é um componente crucial para a construção dos indicadores. (JANNUZZI, 2012) Seguindo essa tendência, o Estado Rio de Janeiro criou, no ano de 2000, seu próprio sistema de avaliação, o Programa Nova Escola. Em 2008 o Nova Escola foi substituído pelo Sistema de Avaliação do Estado do Rio de Janeiro(SAERJ), que, atualmente, compreende dois programas de avaliação externa: o Programa Bimestral de Avaliação Diagnóstica do Desempenho Escolar (Saerjinho) e o Programa Anual de Avaliação (SAERJ). O atual sistema é um dos poucos que contempla, além de português e matemática, disciplinas ligadas às ciências humanas e da natureza, fato que acaba possibilitando estudos que normalmente não são realizados por meio desses testes (MARTINS, 2015). O presente trabalho apresenta o conjunto de resultados derivados de uma pesquisa originada no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Química (PEQui – UFRJ), situandose no contexto das avaliações do Saerjinho, tendo como escopo investigar as dimensões e produções dos resultados do componente curricular química. Para tanto, utilizou-se dados do SAERJ, Prova Brasil e censo escolar. O referencial teórico-metodológico adotado dialoga tanto quanto estabelece contrapontos com outras referências na literatura e parte das imbricações entre escola e 138

qualidade social na educação, tendo como orientação os vieses marxistas propostos por Antonio Gramsci. Face isto, o trabalho analisa a relação entre condições contextuais e a qualidade do ensino em química aferido pelo Saerjinho. Destarte, considerando-se os resultados obtidos no triênio 2012-2014 do Saerjinho, o objetivo é discutir e propor mecanismos que colaborem para a ampliação dos modos de interpretação do indicador de aprendizagem de química, fixando novos olhares a essa avaliação. Metodologia O recorte metodológico priorizou a escolha de indicadores que estivessem ligados diretamente ao aluno e ao professor, e que também apresentassem informações disponíveis e fidedignas. Isto posto, foram eleitos os indicadores de proficiência em português e matemática, formação docente específica e nível socioeconômico (NSE). Dessa forma, ficaram de fora diversos fatores intraescolar e extraescolar. O corpo empírico sobre o qual foram feitas as análises é constituído de documentos oficiais produzidos pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC) juntamente com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd), instituição desenvolvedora e operacionalizadora do SAERJ. Além desses, utilizou-se dados da Prova Brasil 2013 através do portal Qedu e do Censo Escolar 2013 pelo portal Observatório do PNE. A escolha do ano de 2013 ocorreu em consequência de não haver dados compilados de 2015.Acreditamos que o fato de contrastarmos dados de 2013 com os dados do Saerjinho de anos diferentes ao de 2013 não trará prejuízo, uma vez que não ocorreram mudanças significativas nas edições anteriores da Prova Brasil, 2009 e 2011. As edições do Saerjinho escolhidas foram aquelas acessíveis no sitio eletrônico do CAEd/SAERJ e referem-se aos anos de 2012, 2013 e 2014. Dessa maneira, a pesquisa ficou restrita ao triênio 2012-2014. Os valores dos índices obtidos foram calculados pela média simples referente ao primeiro, segundo e terceiro bimestre de cada ano. Cabe dizer que o Saerjinho não é aplicado no 4º bimestre. O estudo teve como foco a 1ª série do ensino médio da rede estadual fluminense. O ensino médio porque é a etapa que inicializa de forma mais intensa os estudos de química, e a 1ª série em virtude de duas situações: (i) pela intenção de trabalhar com dados das proficiências de matemática e português, disponíveis apenas para o 5º e 9º ano. Todavia, 139

trabalhamos somente com dados do 9º ano; (ii) e por se tratar da porta de entrada para o ensino médio, sendo o melhor momento para inferir como os alunos estão iniciando essa etapa. Resultados e discussão Sob a influência do projeto neoliberal para educação, a SEEDUC, via consultoria do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), atual Falconi Consultores de Resultado, implantou o Planejamento Estratégico para toda rede estadual. Esse plano adotou várias estratégias, tais como a adesão do modelo de Gestão Integrada da Escola (Gide), o currículo mínimo e o Saerjinho (GODOY; OLIVEIRA, 2015). Essas três estratégias atuam sinergicamente no processo de responsabilização dos resultados, associando o desempenho do aluno nos testes externos ao desempenho do professor. Isso fica nítido no anúncio do plano de metas, divulgado no início do ano letivo de 2011, onde a SEEDUC comunicou dentre várias coisas os objetivos do Saerjinho: No sentido de fortalecer a prática pedagógica dos professores, acompanhando mais de perto a evolução do processo ensino-aprendizagem, foram criadas estas avaliações bimestrais com a finalidade de se obter de forma rápida o caminhar deste processo e propiciar intervenções tanto de reforço na aprendizagem como de capacitação dos docentes. Para isso, são feitas avaliações bimestrais [...] com o objetivo de identificar necessidades imediatas de intervenção pedagógica. Seus relatórios fornecerão informações sobre a evolução da aprendizagem dos alunos, a produtividade das atividades curriculares e a qualidade do trabalho escolar. (SEEDUC, 2011).

No pronunciamento percebe-se o intuito da avaliação centralizar o processo de ensinoaprendizagem na prática pedagógica do professor, responsabilizando-o pelos resultados obtidos. Essa culpabilização fica nítida quando a SEEDUC declara a possibilidade de intervir, solicitando a capacitação do docente. Tal intervenção poderia ser pertinente desde que a análise contemplasse os diversos fatores interferentes no processo de ensino-aprendizagem. A elaboração de diagnósticos adequados sobre a qualidade do ensino de química deve abarcar diversas dimensões, a fim de não imputar culpa somente no docente, uma vez que não são analisadas as condições contextuais específicas de cada unidade da rede. A análise empreendida pela SEEDUC é realizada através de uma escala de aprendizagem, dividida em quatro níveis, de acordo com o número de acertos no Saerjinho, cuja classificação é a seguinte: Baixo - até 25% de acerto; Intermediário - 25,1% a 50% de 140

acerto; Adequado - 50,1% a 75% de acerto; Avançado - 75,1% a 100% de acerto. A investigação gerada unicamente pela observação do indicador de proficiência em química para a 1ª série, do Estado como todo, conforme descrito na tabela 1 revela um nível de aprendizagem abaixo do que pode ser considerado adequado. Isso significa, de acordo com o relatório da SEEDUC, que na média, os alunos não obtiveram um ensino de qualidade, uma vez que não alcançaram minimamente o nível adequado de aprendizagem. Tabela 1 - Porcentagem média de acertos no Saerjinho de química da 1ª série

Ano Saerjinho

2012

2013

2014

Acertos

27,3 %

24,4 %

27,3 %

Fonte: Relatórios de resultados gerais do Saerjinho.

A julgar pelos índices de proficiência de química, conforme preconizado pela SEEDUC, poder-se-ia concluir que há problemas no processo de ensino, o que acarretaria, em boa medida, a responsabilização do professor. Entretanto, se analisarmos de forma multidimensional, tal análise tomaria outro sentido. A transformação do olhar unidimensional para o multidimensional se faz necessário, pois guarda relação com diversos fatores externos ao processo de ensino de química. A omissão desses fatores tem sido muito caro, pois limita a possibilidade de um ensino de melhor qualidade, que na nossa visão seria um ensino da qualidade social. Nessa perspectiva, Urata e Silveira (2011, p.2) relatam que a omissão “limita a função social do ensino de química a uma educação com foco na transmissão e memorização de conteúdos”. As proficiências de português e de matemática são fatores externos ao ensino de química. A opção dessas disciplinas ocorre devido aos impactos negativos que a defasagem na aprendizagem desses componentes causa no processo de ensino-aprendizagem desta área do conhecimento. No que tange a matemática, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2000, p. 34) reforçam a importância desse componente, relatando que “a química utiliza também uma linguagem matemática associada aos fenômenos macro e microscópicos. O domínio dessa linguagem servirá para desenvolver competências e 141

habilidades”. Os indicadores de proficiência de matemática da Prova Brasil das escolas municipais e estaduais situadas no Estado do Rio de janeiro, mostraram que apenas 13% dos alunos que avançaram para 1ª série estavam aptos a prosseguir os estudos desse componente. Isso retrata um grave problema, já que essa linguagem é de extrema importância para o bom desenvolvimento da aprendizagem da química. No tocante aos percentuais em português observou-se que 26% dos alunos avaliados estão qualificados a continuar os estudos na série seguinte. A relevância desse componente decorre da importância do domínio da leitura e da escrita para o ensino. Em pesquisa realizada com estudantes de química do ensino médio Lima e Leite (2012, p. 82) relatam que “em geral, os estudantes não conseguem compreender o que leem e não têm capacidade de produzir um texto simples e inteligível”. Esses resultados revelam que a maior parte dos alunos chega ao ensino médio com problemas de aprendizagens em áreas que são intensamente solicitadas no ensino de química, contribuindo para o fracasso do processo de ensino aprendizagem. A insuficiência na formação docente específica é outro problema que assola as escolas brasileiras, tendo hoje grande parte dos profissionais atuantes em sala de aula, em especial as disciplinas ligadas às ciências da natureza, possuindo outra formação acadêmica. Logo, são pessoas que exercem função diferente daquela que foram formados para atuar. Com isso, encontramos profissionais formados em outras áreas lecionando química (FLÔR et al.; 2014). Essa lacuna foi evidenciada e veiculada na grande mídia recentemente com a divulgação dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) referentes a 2014, na qual se constatou que 40% dos professores atuam no ensino médio sem formação adequada na disciplina lecionada. Em matéria divulgada pelo jornal O Globo, o então Secretário Estadual de Educação, Antônio Neto, comentando sobre esse problema, admitiu que há correlação entre formação docente e as deficiências na aprendizagem dos alunos da rede estadual. Na mesma matéria, Neto, referindo-se a sua secretaria, ilustrou que os maiores problemas estão nas disciplinas de matemática, química, física e biologia (O GLOBO, 2015). Os dados colhidos através do censo 2013 mostram números parecidos com os do ENEM 2014, retratando que no Estado do Rio de Janeiro 63,4% dos profissionais que ministram aula de química possuem diploma de licenciatura de química ou complementação pedagógica para atuar nessa área. Portanto, podemos depreender que a carência de professores 142

com instrução adequada pode ser mais uma causa para o baixo índice nos testes de química. O NSE, segundo Alves e Soares (2013), é um dos fatores mais importantes para análise de resultados educacionais. Essa afirmação é corroborada por pesquisas como a de Travitzki (2013), que mostra que as escolas que atendem alunos de menor nível socioeconômico têm piores resultados, mesmo com o controle de outras características. O NSE dos colégios estaduais pesquisados revelou que a maioria exibe nível médio na escala do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). O nível médio sinaliza que o conjunto dos alunos atendidos nesses colégios apresenta renda familiar entre um e dois salários mínimos, podendo os responsáveis ter o ensino médio completo ou incompleto (INEP, 2014). Ainda que pese o alto investimento financeiro na aplicação de avaliações em larga escala, os resultados na área de química não demonstram padrão de crescimento da aprendizagem que permita afirmar que o emprego exclusivo desse instrumento seja um caminho virtuoso para aferir a qualidade de ensino. A proficiência em química deve ser interpretada à luz dos diversos fatores externos, já que esses fatores influenciam o processo educativo. Além disso, esse sistema fortalece a concepção vigente de responsabilização do docente pelo fracasso escolar, constituindo um consenso, conforme categorizado com base em Gramsci (SILVA; ZANELLA, 2013). Os escritos de Gramsci nos ajudam a refletir sobre a possibilidade e a necessidade de construção de outra realidade, onde a escola deixaria de ser, prioritariamente, produtora de conformismos e adesões junto à ideologia dominante. A escola pensada com os ideais gramscianos seria uma instituição que poderia fornecer esclarecimentos com vistas à ascensão cultural das massas (MOCHCOVITCH, 1992). O caminho para o florescimento dessa escola passa pela adoção de uma educação com qualidade social. Indubitavelmente parece haver uma incongruência aspirar educação com qualidade social com a diretriz educacional vigente, já que isso poderia gerar modificação na estrutura de poder existente. Essa consciência nos parece que já está bem internalizada pela classe dominante, e por isso historicamente desenvolveu e desenvolve constantemente mecanismos de perpetuação do poder, sendo a escola o principal deles. Isso nos coloca, de certa forma, numa situação de disputa pela escola, ou seja, em uma competição entre a educação com qualidade social versus a educação com a qualidade conveniente aos dominantes. Gramsci nos orienta quanto à viabilidade do triunfo da qualidade social, argumentando 143

que um grupo minoritário pode tornar-se um grupo líder através do desenvolvimento de suas próprias práticas e interesses de tal forma a incorporar as várias outras expressões do senso comum para produzir o bom senso. Em outras palavras, a classe subalterna, como uma identidade e prática, tem inerentemente o potencial de elaboração crítica e, portanto, a progressão do senso comum ao bom senso, de desunião à unidade e da hegemonia dominante marcada, em última análise pelo consenso e pela coerção, à hegemonia dos dominados (MOCHCOVITCH, 1992). Conclusões Depreendemos que apesar dos resultados obtidos nos testes de aprendizagem de química indicarem um péssimo rendimento, é imprescindível discuti-los conjuntamente com os outros elementos externos a avaliação em larga escala de química, a fim de proporcionar uma contraposição ao processo que centraliza no professor o fracasso da aprendizagem e desresponsabiliza o Estado de prover uma educação com qualidade social. A qualidade do ensino não pode ser analisada à margem de diversos fatores externos, que por vezes acabam influenciando o processo educativo. Como espaço de enfrentamento à situação está em curso uma “Rede de Qualidade Social no Ensino de Química”, a partir, do Laboratório de Estudos em Semiótica e Educação Química, vinculado ao Instituto de Química da UFRJ, com uma agenda de debates e formação sobre os sentidos atribuídos aos resultados dessas avaliações em larga escala. Defendemos que a Rede pode constituir-se em um elemento mediador neste processo, e agir, nos termos concebidos por Gramsci, como um "intelectual orgânico", cuja missão é propagar conhecimento através da educação com qualidade social. Nossos próximos estudos voltam-se para o entendimento de como a noção de intelectual orgânico pode ser um elemento de organização da Rede (SEMERARO, 2006). O movimento do senso comum ao bom senso, ou o desenvolvimento de uma nova hegemonia, envolve o intelectual orgânico, nesse caso o professor, na reconfiguração de poder. Esse elemento ativo do novo processo hegemônico deve se desenvolver também através do enfrentamento das posições estabelecidas nos sistemas de avaliação em larga escala.

Referências 144

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