Quantas são as crises no Brasil?

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Quantas são as crises no Brasil?1 Luiz Henrique Dias da Silva2 Segundo o entendimento do físico e filósofo da ciência, o norte-americano Thomas Kuhn (1998, p. 225), crises são a consciência comum de que algo deu errado. Partindose desse ponto de vista, não há dúvidas de que o Brasil passa por um de seus piores momentos desde a crise mundial de 2008. Entretanto, apesar da constatação de que há algo errado, inclusive com o reconhecimento tardio da profundidade dos problemas brasileiros por parte da presidente da República, Dilma Roussef, não há consenso sobre as causas da crise. Tanto partidários do governo quanto seus detratores falham ao apontar com clareza quando a atual crise teria começado, qual o melhor remédio para os problemas mais recorrentes e urgentes do Brasil e qual seria o nome salvador da economia e da república brasileiras, caso a presidente renunciasse ou sofresse impeachment. O que há é uma grande polarização das discussões, em que simpatizantes do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e do Partido dos Trabalhadores (PT) trocam ataques nas redes sociais, nas ruas e em veículos de comunicação. Há aqueles que defendem o impeachment da presidente com base em denúncias da Rede Globo de Televisão, das revistas Veja, IstoÉ e Época, enquanto partidários do governo e do PT preferem os argumentos da Carta Capital e do portal Carta Maior. Nesse sentido, podese dizer que há crise de desinformação, pois o impeachment só seria aplicável em caso de crime de responsabilidade (detalhado na Lei 1.079 de 1950), ou seja, atos que atentem contra a Constituição. Para que haja a abertura do processo de impeachment não basta pressão popular, o pedido deve ter fundamentação jurídica. Por isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou abrir processo de cassação do mandato da presidente Dilma. Nem mesmo o Partido Solidariedade (PS), que coleta assinaturas pelo impeachment, acusa a presidente de crime de reponsabilidade. Além disso, Dilma não pode ser processada por crimes de seu mandato anterior ou quando era ministra dos governos Lula. Segundo o parágrafo 1

Texto para discussão publicado no boletim RIup2date – A crise no Brasil, do Departamento de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte UNI BH, em Belo Horizonte, 13 de setembro de 2015. 2 Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI BH 2014/1). Mestrando em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas 2015 – 2017).

quarto do artigo 86 da Constituição, “o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2015). Também em conformidade com o entendimento do STF, até o momento, os pedidos de afastamento da presidente que chegaram à Câmara dos Deputados seguem sem cumprir os requisitos mínimos e estão sendo descartados pelo presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB – RJ), segundo o portal G1, da Rede Globo (2015). Nesse sentido, pedidos de impeachment parecem mesmo jogar com a crise de desinformação característica dos momentos políticos brasileiros. Dentre os 50 primeiros investigados pela Operação Lava Jato, que apura corrupção entre empreiteiros, políticos e doleiros em torno da estatal brasileira, a maioria pertence ao Partido Progressista (PP), há integrantes de quase todos os partidos, mas o PT segue como o maior vilão da história. No que diz respeito à possibilidade de golpe militar, a crise parece ser de desconhecimento da história recente do Brasil. Quem defende a volta dos militares ao poder parece não se afetar pelo sofrimento de centenas de famílias que continuam sem notícias de familiares desaparecidos durante os 21 anos de ditadura militar. Também não parecem saber que das ditaduras mais sangrentas da América Latina (AL), o Brasil é a única que permanece com seus arquivos fechados. Ou seja, uma ferida ainda não cicatrizada que alguns querem ver novamente aberta. Esta seria a crise de falta de empatia. São inúmeras as fontes históricas que informam do sofrimento daqueles dias, tais como matérias jornalísticas da época (O Estado de São Paulo, The New York Times, Jornal Última Hora), livros, filmes e documentários (Jango, O dia que durou 21 anos, Cabra Marcado para Morrer), além de sites e portais como o Tortura Nunca Mais. Mesmo o pouco de informação divulgada oficialmente corrobora as denúncias de violência dos tempos de ditadura, tais como o livro ORVIL, editado pelos governos militares (SILVA, 2014). Este texto defende a posição de que há não apenas uma, mas várias crises no Brasil, e elas estão ligadas tanto às peculiaridades da inserção brasileira no sistema internacional como uma potência médio emergente (PME), como a problemas históricos endêmicos inerentes à violência da desigualdade socioeconômica presente desde a formação do país. Nota-se na polarização do debate político uma grande preocupação em defender-

se interesses de classe, independentemente do que seja justo e desejável em termos de preservação de valores democráticos. Criticam-se políticas afirmativas como se essa necessária correção de desníveis históricos fosse a causa maior dos problemas econômicos e financeiros do país. Condena-se o projeto de poder do PT como se projetos de poder não fossem desde sempre a premissa maior dos partidos políticos de todos os tempos e em qualquer país, vide Weber, Bobbio, Foucault e Deleuze. Mais um ponto para a crise da desinformação. O problema maior não é querer o poder ou retomá-lo, mas os meios que se utilizam para tal. Nesse sentido, o Brasil ainda vive uma crise ética e moral, pois inúmeros congressistas que pretendem estar do lado da acusação de crimes de corrupção por parte do governo, são também investigados por improbidades praticadas no exercício de seus cargos. Sem contar o brasileiro comum, tão acostumado a jeitinhos e pequenas corrupções no dia a dia, como bem indicam Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Caio Prado Jr., Celso Furtado e Edson Nunes, ilustres pensadores da realidade brasileira. Ou seja, antes de colocar uma camisa do Brasil (patrocinada pela corrupta Confederação Brasileira de Futebol – CBF) e pedir o fim da corrupção, o brasileiro médio ainda tem muito que aprender da própria história, pois os erros podem ser sangrentos e, muitas vezes, irreversíveis. Sem contar que movimentos populares são a massa de manobra preferida dos verdadeiros donos do poder, a verdadeira elite, que ilude aqueles que pensam fazer parte do clube do poder. Nesse sentido, se há uma lição do período ditatorial que alguns querem reviver, é o quanto faz falta o exercício do voto livre, mesmo que nos arrependamos dele. Mesmo que o voto nos cause crise de consciência. REFERÊNCIAS FOLHA DE SÃO PAULO. Tudo sobre impeachment. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2015/04/119147-tudo-sobreimpeachment.shtml>. Acesso em: 08 ago. 2015. G1. Eduardo Cunha arquiva 4 pedidos de processo para impeachment de Dilma. Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/08/eduardo-cunha-arquiva4-pedidos-de-processo-para-impeachment-de-dilma.html>. Acesso em: 08 ago. 2015. KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Editora Perspectiva. Tradução: Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. Título original: The Structure of Scientific Revolutions. 5ª ed. 1998.

LEI Nº 1079, DE 10 DE ABRIL DE 1950: define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento. Presidência da República – Casa Civil – Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: . Acesso em; 08 ago. 2015. SILVA, Luiz Henrique Dias. Ligas Camponesas do Brasil 1954 – 1964: revolução comunista na América Latina? Trabalho de Conclusão de Curso. Centro Universitário de Belo Horizonte - UNI BH, 2014/1.

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