Quantificadores negativos em posição não-temática no português brasileiro, no espanhol platense e em inglês.

July 31, 2017 | Autor: R. Cavalcante de ... | Categoria: Syntax, Comparative Syntax, Negation, Brazilian Portuguese, Negative Quantifiers
Share Embed


Descrição do Produto

Castilho – II Congresso Internacional de Linguística Histórica | 07-10/02/2012 — USP

Quantificadores negativos em posição não-temática Rerisson CAVALCANTE de Araújo Universidade de São Paulo / FAPESP [email protected] 1. Introdução Questão motivadora deste trabalho: (1)

Quais as formas de codificação da negação enfática no português brasileiro?

Dois tipos de quantificador negativo em função não-temática: (i) um modificador de predicados com função enfática de minimizador. Posição argumental, mas nãotemática (cf. Bayer 2009). Línguas: germânicas e ibéricas (entre outras). (ii) um modificador de proposições com função de marcador de negação enfática. Posição nãoargumental e não-temática. Línguas: ibéricas (português e espanhol). 1.1. Literatura prévia sobre negação enfática no PB: o não final como negação enfática. Cunha (1996, 2001), Roncaratti (1996): o não pós-verbal (i.e. pós-VP) tem função de reforço, intensificação e/ou ênfase da negação; deriva de um processo de gramaticalização semelhante ao ciclo de Jespersen. (2)

a. Não/num aceito não.

b. Não/num vou ao cinema hoje não.

Ciclo de Jespersen: marcador negativo pré-verbal se torna foneticamente fraco e é reforçado por expressões enfáticas não-negativas pós-verbais, que adquirem o conteúdo negativo e se tornam o verdadeiro marcador. (3)

Etapas do ciclo I. Neg V.

(4)

II. Neg V (PRT). III. Neg V Neg.

IV. V Neg.

Ciclo de Jespersen em francês a. Jeo ne di.

(1600 d.C.)

b. Je ne dis (pas).

(1600-1700 d.C.)

c. Je ne dis pas. d. Je (ne) dis pas. e. Je dis pas.

(francês moderno escrito) (francês moderno falado) (francês moderno coloquial)

eu NEG digo NEG ‘Eu não digo’ Problemas: sentenças como o não final não precisam ser enfáticas; Cavalcante (2012): o não final exerce uma função anafórica semelhante às partículas iniciais yes/no (e equivalentes); requer que a proposição (negada/confirmada) tenha sido previamente ativada no discurso e no contexto (cf. Schwenter 2005). 1

Rerisson Cavalcante de Araújo | Quantificadores negativos em posição não-temática

Sentenças com [não VP] são aceitáveis em contextos neutros (out of the blue); [(não) VP não], não são. (6a) e (6b) são boas apenas se a proposição sobre a crença na Terra chata ocorrer anteriormente. (5)

Os contemporâneos de Colombo não acreditavam que a Terra era chata.

(6)

a. Os contemporâneos de Colombo não acreditavam que a Terra era chata não. b. Os contemporâneos dele não acreditavam nisso não.

(7) pode ser dita como instrução geral a passageiros de um ônibus independentemente de haver indicação de intenção de praticar a ação proibida. (8) pode ocorrer apenas diante da iminência, intenção ou prática da ação. (7)

Não fale com o motorista!

(8)

(Não) fale com {o motorista / ele} não!

Cavalcante (2012): sentenças com [(não) VP não] têm a mesma distribuição das sentenças com yes/no iniciais (cf. Farkas 2010): (i) em declarativas versus em réplicas a declarativas (9)

A: Alice já chegou.

A’: Alice has just arrived.

B: Sim/é, ela chegou. / Não, num chegou.

B’: Yes/no, she has(n’t).

(10) Alice num chegou não. (ii) em imperativas versus em réplicas a imperativas (11) Mãe: Vá limpar seu quarto! Pai: Sim/É, vá limpar seu quarto!

Mother: Go clean your room! Father: Yes/no, (don’t) go clean your room!

/Não, num vá limpar (agora)! (iii) em interrogativas polares versus em réplicas a interrogativas polares (12) A: Alice já chegou? B: Sim, já chegou. / Não, num chegou.

A’: Has Alice arrived? B’: Yes/no, she has(n’t).

(iv) inaceitabilidade em interrogativas QU e em réplicas a interrogatias QU (13) A: Quem comprou esse bolo? B: # Sim/é/não, Sílvia.

A’: Who brought these cookies? B’: # Yes/no, Sylvia.

1.2. Proposta (14) a. O não final do PB não é inerentemente enfático, mas anafórico. b. O marcador negativo enfático do PB é o item nada em posição não-argumental.

2

Castilho – II Congresso Internacional de Linguística Histórica | 07-10/02/2012 — USP

2. Nada em posição não-argumental 2.1. Marcador enfático nada no PB e no espanhol platense Posição argumental: (15) a. Eu não vi nada.

b. Nada aconteceu.

c. Nada causaria esse defeito na máquina.

d. Eu não perderia isso por nada.

Posição não-argumental: (16) A: — Ele fez o trabalho que eu pedi?

B: — Fez (o trabalho) nada!

(17) A: — Você fala muito palavrão!

B: — Falo (palavrão) nada!

No espanhol platense: Di Tullio (2008): (18) a. No voy nada!

b. No se lo dijo nada!

Propriedades do nada enfático: segundo Di Tullio (2008), o nada enfático do espanhol platense possui as propriedades abaixo. A comparação mostra que o PB também os possui. (i) Ocupa posição não-argumental. (19)=(18)

a.No voy nada!

b. No se lo dijo nada!

(ii) Pode se juntar a predicados transitivos ou intransitivos, indistintamente. Ou seja, não depende das propriedades argumentais do predicado. (20)=(18)

a. No voy nada!

b. No se lo dijo nada!

(21) A: Você trabalhou até tarde ontem?

B: Trabalhei nada! A dor de cabeça não deixou...

(22) A: Você viu algum policial nas ruas?

B: Vi nada! Estão todos em greve...

(iii) Não admite expansão ou modificação por determinantes, modificadores adjetivais etc. (23) a. No le dijo nada de lo que habia pensado!

(uso pronomal)

b. No se lo dijo nada {* de eso / parecido / de lo que habia pensado} (uso enfático) (24) a. Ele não comprou nada que eu pedi.

(uso pronomal)

b. Ela não comprou nada azul.

(uso pronomal)

(25) a. * Comprei nada que você não pediu! b. * Comprei nada azul!

(intenção: uso enfático) (intenção: uso enfático)

(iv) Nunca ocorre em posição pré-verbal, mas sempre pós-verbal. (26) a. * Nada voy.

b. * Nada se lo dijo.

(27) a. *Nada fiz.

b. *Nada trabalhei.

c. *Nada comprei. 3

Rerisson Cavalcante de Araújo | Quantificadores negativos em posição não-temática

Diferenças entre o nada enfático do espanhol e do PB: (i) Espanhol platense: o nada enfático só pode ocorrer na presença de outro elemento negativo pré-V que funcione como seu licenciador. PB: o nada pode dispensar um elemento negativo pré-V. (28) a. * Voy nada.

b. * Se lo dijo nada.

(29) a. Fiz nada!

b. Falei nada!

c. Comprou nada!

(ii) No espanhol platense, o nada enfático não pode ocorrer como resposta isolada. No PB, pode. (30) A: ¿Qué le dijiste?

B: Nada.

(uso pronominal)

(31) A: ¿Se lo dijiste?

B: * Nada.

(uso enfático)

(32) A: A encomenda já chegou?

B: Nada!

(uso enfático)

(iii) No espanhol platense, o nada enfático ocorre imediatamente após o verbo, antes dos complementos; ordem [Iº nada VP]. No PB, apenas em posição final de VP; ordem [Iº VP nada]. (33) a. No se lo dijo nada a Luisa. (34) a. * Fez nada o trabalho!

b. * No se lo dijo a Luisa nada. b. Fez o trabalho nada!

Análise de Di Tullio (2008): o nada enfático do espanhol platense é gerado com especificador de FocP da periferia do VP. O movimento do verbo gera a ordem [V nada complementos] (35) a. No voy nada!

b. [CP [ΣP [Σº no [TP [Tº voyi [FocoP nada [VP ti ] ] ] ] ] ] ]

Análise de Cavalcante (2009, 2012): o nada enfático do PB é gerado como núcleo na periferia esquerda, como as partículas do tipo yes/no e o não final. Ordem [VP nada]: resultado de movimento de toda sentença. (36) a. Pedro disse a verdade nada. b. [CP [IP O Pedro disse a verdade ]i [CP [C’ nada [IP O Pedro disse a verdade]i ]]] Observação: em Cavalcante (2012), discuto também o nada como marcador negativo no PE, que apresenta propriedades intermediárias entre o nada do PB e o do espanhol platense. Ocorre, por exemplo, em posição imediatamente pós-verbal (i.e. pós-Iº), mas é analisado por Pinto (2010) como relacionado ao CP como em Cavalcante (2009). 2.2. Outros usos não-argumentais de quantificadores negativos Bayer (2009): quantificador nothing do inglês em uma posição aparentemente não-argumental e enfática. O nothing não-argumental ocorre com verbos tipicamente intransitivos.

4

Castilho – II Congresso Internacional de Linguística Histórica | 07-10/02/2012 — USP

(37) a. I know the Mayor and he looks nothing like that. b. She talks nothing like that. c. Geese walk nothing like that. d. A dodo flies nothing like that. Bayer (2009): no inglês anterior ao século XX, também com predicados adjetivais. Hoje, arcaico. (38) a. I was therein nothing blameful. b. She is nothing afraid. Bayer (2009): o nothing enfático corresponde à combinação entre um marcador negativo e um NPI: (i) é o único item que faz a sentença ser negativa e (ii) funciona como equivalente a NPI como anything (em contextos c-comandados por negação). (39) a. I know the Mayor and he looks nothing like that. b. I know the Mayor and he doesn’t look anything like that at all. Bayer (2009): quantificadores negativos equivalentes a nothing também são encontrados em função semelhante em holandês e alemão. (40) Alemão a. Karl hat nichts K.

gearbeitet.

has nothing worked

b. Da wird

(= ‘Karl não trabalhou nem um pouco’)

nichts gelogen.

there becomes nothing lied

(= ‘There will/must be no lying’)

(41) Holandês a. Je

bent niks

aardig.

you are nothing nice c. Ik heb

bijna niets

(= ‘You are not nice at all.’) geslapen.

I have almost nothing slept

(= ‘I have almost not slept at all’)

Análise de Bayer (2009): o NPI nothing/nichts está em competição por uma posição de um objeto introduzida pelo sujeito agentivo. (42) Generalization about the attachment of non-argumental NQP The non-argumental NQP nothing/nichts is merged in the structural object position of a predicate to which no theta-role has been assigned. Observação: a proposta de Bayer (2009), na verdade, define o nothing enfático como ocupando uma posição argumental, mas não-temática. 5

Rerisson Cavalcante de Araújo | Quantificadores negativos em posição não-temática

3.3. Nada enfático versus nothing/nada enfático PB apresenta o mesmo tipo de uso do quantificador nada modificando predicados verbais e adjetivais. (43) a. Ele não se comportou nada como/conforme o esperado. b. O quarto (do hotel) não parece nada como no website. c. Ele não é nada inteligente. Diferenças entre o nada no PB em (43) (e nothing em inglês, alemão e holandês) e os usos apresentados anteriormente no PB e no espanhol platense? Entre o nothing/nada como NPI e o nada como marcador? (i) o nothing/nada como NPI ocorre com predicados intransitivos em posição (livre) de argumento interno; o marcador nada ocorre com predicados transitivos e intransitivos indistintamente (cf. Di Tullio 2008). (ii) o nothing/nada como NPI pode ser modificado (por expressões como like that, por ex.); o marcador nada não é modificável (cf. Di Tullio 2008). (43) a. Quantificador (semi-)argumental e não-temático: nothing/nada como NPI. b. Quantificador não-argumental e não-temático: o marcador nada. Questões adicionais: (44) a. Qual a relação entre os dois tipos de quantificadores não-temáticos e a marcação de ênfase? b. Qual a relação entre os dois tipos de quantificadores não-temáticos e o ciclo de Jespersen? 4. Tipologia da expressividade A discussão sobre a natureza enfática do não final e dos dois tipos de nada não-temáticos pressupõe um conceito objetivo de ênfase, que não é oferecido nas discussões sobre o papel enfático das negativas finais. Schwenter (2005: 1429): “... emphasis is an intuitive label that is most typically left undefined by those who employ it, though other scholars who have not worked on BP negation have in fact given principled definitions of the concept.” O termo ênfase é usado de modo impreciso para caracterizar um amplo conjunto de fenômenos. 4.1. Quatro tipos de fenômenos enfáticos I. Recursos morfossintáticos de ênfase ou focalização de constituintes Processos que se realizam através de recursos sintáticos como movimento, clivagem e a focalização através morfologia. Parte da literatura caracteriza caracteriza esses fenômenos como enfáticos (cf. por exemplo Casteleiro 1979; Gonçalves 1999; Ross 2004; Pinto 2008: 7). (45) a. John, I saw.

b. De Beatles, eu gosto.

(focalização) 6

Castilho – II Congresso Internacional de Linguística Histórica | 07-10/02/2012 — USP

(46) a. It was London that I visited.

b. É/foi Pedro que Maria viu. (clivagem)

Função de pôr em evidência um determinado determinado constituinte da sentença1. II. Recursos prosódicas de ênfase ou focalização de consituintes Foco atribuído através de uma prosódia especial — um stress ou acento distintivo — em uma parte da sentença que permanece, ainda assim, in situ. (47) a. Eu dei UMA BOLA pro Pedro.

b. I saw a grey DOG. (Not a cat...)

c. I saw a GREY dog. (Not a black one...) III. Forma ilocucional de ênfase Sentenças exclamativas e sentenças não-exclamativa usadas exclamativamente. (48) a. Que dia lindo!

b. What a beautiful day!

(exclamativa)

(49)2 a. He’s so cute!

b. Isn't he the cutest thing!

(declarativas “exclamativas”)

IV. Formas léxico-semânticas de ênfase Ênfase produzida pela presença de determinados itens lexicais que provocam um efeito de “intensificação” no conteúdo das proposições em que ocorrem. Israel (1996, 1998, 2001): uma proposição é enfática se é mais informativa, ou seja, se excede a quantidade de informação normalmente esperada em uma enunciação. 4.2. Definição informacional de ênfase Informatividade: é definida em termos de escalas. Uma proposição é mais informativa quando instancia algum degrau mais elevado em uma determinada escala introduzida pela sentença. Israel (1996, 1998, 2001): itens de polaridade introduzem escalas de quantidade e intensidade. Maximizadores e minimalizadores expressam as graus extremos das escalas consideradas. Maximizadores: PPIs como a heap, insanely e outrageously expressam o grau mais elevado de uma escala. Sentenças como (40) são mais informativas do que suas versões sem esses PPIs. (50) a. Boy, are you in a heap of trouble! b. She is insanely good-looking, and outrageously cruel.

(Israel 1996) (Israel 2001)

(51) a. Boy, are you in trouble! b. She is good-looking, and cruel.

1 Com isso, não quero dizer que os efeitos semânticos da focalização e da clivagem se resumam a evidenciar um elemento, mas que que essa é uma propriedade comum dos diversos tipos de construções de foco. A literatura sobre as leituras semânticas veiculadas por esses dois processos é bastante ampla e o tópico vai além dos limites deste trabalho. Para uma visão geral sobre o tema, vide XXXXXXX. 2 Retiradas de Zanuttini & Portner (2003: 41) 7

Rerisson Cavalcante de Araújo | Quantificadores negativos em posição não-temática

Minimizadores: NPIs como a drop e a wink expressam grau mais baixo de uma escala, ou seja, a mínima quantidade ou intensidade possível. (52) a. She didn’t drink a drop of her milk.

(Israel 1998)

b. Margo didn’t sleep a wink before her big test.

(Israel 1996)

(53) a. She didn’t drink her milk. b. Margo didn’t sleep before her big test. Em suma: Maximizadores em contextos afirmativos e minimalizadores em contextos negativos produzem efeito de ênfase.3 Quadro 1: Tipologia das fenômenos enfáticos FUNÇÃO

FORMA

TIPOS

Recursos morfossintáticos de Ex.: focalização, clivagem e Evidenciar

focalização de constituintes

marcação morfológica de foco

constituintes

Recursos prosódicos de

Ex.: atribuição de acento

focalização de constituintes

prosódico; foco in situ.

Recursos léxico-semânticos

Ex.: NPIs e PPIs com efeitos de

Intensificar a

de intensificação

minimalizadores e maximizadores

proposição

Recursos ilocucionários de

Ex.: sentenças exclamativas e

intensificação

pseudo-exclamativas

RÓTULO Foco Destaque Ênfase Exclamação

4.3. Definição informacional de ênfase e o ciclo de Jespersen O ciclo de Jespersen se enquadra na definição de ênfase formulada por Israel (1996, 1998, 2001). Ex.: no caso do francês, pas (‘passo’) era uma forma nominal que exercia função equivalente a de um minimizador. Quando pas perde conteúdo léxico-semântico e se torna marcador negativo, perde o conteúdo enfático. Esse conceito é, então, apropriado como critério para julgar a natureza enfática/não-enfática dos itens negativos. 5. Ênfase e os marcadores negativos 5.1. O não pós-VP Pela definição de Israel (1996, 1998, 2001), o não pós-VP não pode ser considerado uma marcador de negação enfático nem na sincronia nem na diacronia, pois não introduz uma escola de intensidade ou de quantidade nem expressa um posição extrema nessa escala.

3 Talvez neste grupo possam ser incluídas as construções que Fonseca (1985) denomina de emblemáticas, que são os casos de sentenças comparativas como as de (i) e (ii). (i) João é tão simpático como Pedro. (ii) Pedro é (tão) alto como uma torre. (p. 223, 230) 8

Castilho – II Congresso Internacional de Linguística Histórica | 07-10/02/2012 — USP

(54) a. (Não) quero sair hoje não. b. (Não) assista esse filme não! 5.2. O nada/nothing modificador de predicados O nothing não-temático do inglês e o nada do PB em exemplos como os de (55) e (56) podem ser considerados enfáticos no sentido de Israel (1996, 1998, 2001), pois funcionam como minimalizadores que expressam o grau mínimo em uma escala de intensidade. Correspondem às primeiras fases do ciclo de Jespersen: ainda são elementos nominais, mas adquiriram conteúdo negativo (adicional). (55) a. I know the Mayor and he looks nothing like that. b. She talks nothing like that. c. She is nothing afraid. (56) a. Ele não se comportou nada como/conforme o esperado. b. O quarto (do hotel) não parece nada como no website. c. Ele não é nada inteligente. O mesmo vale para o nichts do alemão e o niets do holandês com valor não-temático. 5.3. O marcador negativo nada do PB e do espanhol Já o marcador nada do PB e do espanhol tem um sabor de expressão de maior intensidade, mas não é reduzível a nenhum dos tipos de expressividade apresentados anteriormente: não é um processo de focalização sintática de constituintes, nem de destaque (focalização prosódica), não introduz uma escala de quantidade nem de intensidade relacionada ao predicado negado. (57) A: Você ganhou algo no sorteio? B: Num ganhei nada.

(quantidade zero itens “ganhados”)

(58) A: Você ganhou livro no sorteio? B: Ganhei livro nada!

(negação da proposição, do evento)

(59) A: Você trabalhou ontem? B: Não trabalhei nada ontem.

(quantidade zero de trabalho)

(= ‘Não trabalhei nem um pouco’) (60) A: Você trabalhou ontem? B: Trabalhei ontem nada!

(negação do evento de trabalhar)

9

Rerisson Cavalcante de Araújo | Quantificadores negativos em posição não-temática

Conclusão parcial: o marcador nada do PB e do espanhol platense não podem ser considerados minimalizadores e não apresentam o mesmo tipo de ênfase presente no processo do ciclo de Jespersen. Questão: o que o marcador nada expressa, então? Esboço de uma solução Hubler (1983) diferencia dois tipos de atenuação: hedge e understatement. Atenuação é uma estratégia de “sayng less than one means”, ou seja, corresponde ao oposto da ênfase, por veicular uma quantidade de informação menor do que o esperado. Hubler (1983): Understatement (ou atenuação propriamente dita): recurso de minimalização do conteúdo expresso pela proposição. Compare-se (61b) com (61a). (61) a. Stella is very clever. b. Stella is fairly clever.

(understatement)

Hedge: estratégia de minimalização do comprometimento do falante com o conteúdo da proposição veiculada. Compare-se (62b) com (62a) (= (61a)). (62) a. Stella is very clever. b. I guess Stella is clever.

(hedge)

Proposta: (63) a. Minimalizadores ligados ao sistema VP (como nothing e nada como NPI e como o pas do francês antigo) expressam uma ênfase informacional, aumentando a expressividade ou informatividade do conteúdo proposicional (negativo). b. Marcadores enfáticos (relacionados à periferia do CP ou do VP4, como o nada do PB e do espanhol) expressam um uso exclamativo de sentenças declarativas, aumentando o comprometimento do falante com o ato de denegação.

4 Ou, alternativamente, ligados ambos ao CP, se for possível derivar os casos do espanhol como gerados com o nada no sistema CP. 10

Castilho – II Congresso Internacional de Linguística Histórica | 07-10/02/2012 — USP

6. Questões finais O marcador nada do PB e do espanhol platense parece corresponder às fase finais do ciclo de Jespersen, quando o elemento minimizador ganha conteúdo negativo e se torna um marcador de negação. Ele também perde o conteúdo de ênfase enquanto aumento da informatividade, mas não se torna o marcador negativo neutro e default como o pas do francês atual, mas passa a indicar ênfase na veracidade da sentença. Temos uma situação desviante em relação ao ciclo de Jespersen? No PB, surgiu um padrão [V Neg] sem a substituição do marcador negativo pré-verbal e, portanto, sem o desaparecimento do padrão [Neg V]? Referências BAYER, Josef. (2009). Nominal negative quantifiers as adjuncts. J Comp German Linguistics (2009) 12:5– 30. CAVALCANTE, Rerisson. (2007). A negação pós-verbal no português brasileiro: análise descritiva e teórica de dialetos rurais de afro-descendentes. Salvador: UFBA. Dissertação de Mestrado. CAVALCANTE, Rerisson. (2009). Relatório de qualificação do projeto de tese “Derivação de construçoes negativas pós-XP no português brasileiro: negação sentencial e negação de constituinte”. Universidade de São Paulo. CUNHA, Maria Angélica Furtado da. (1996). Gramaticalização dos mecanismos de negação em Natal. In: MARTELOTTA, Mario Eduardo; VOTRE, Sebastião Josué; CEZARIO, Maria Maura. (Orgs.). Gramaticalização no português do Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, v. , p. 167- 189. CUNHA, Maria Angélica Furtado da. (2001). O modelo das motivações competidoras no domínio funcional da negação. DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 1-30. DI TULLIO, Ángela L. Palabras negativas en contexto enfático: nada, ningún. [impresso] FARKAS, Donka F. (2010). Polarity in English and Romanian. Comunicação apresentada no Linguistic Symposium on Romance Languages. University of Washington, Seattle. 26 a 28 de março. PINTO, Clara. (2010). Negação Metalinguística e Estruturas com nada no Português Europeu. Universidade de Lisboa. Dissertação de Mestrado. RONCARATI, Cláudia. (1996). A negação no português falado. IN: MACEDO, Alzira Tavares de; RONCARATI, Cláudia; MOLLICA, Maria Cecília. (orgs). Variação e discurso. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, p. 97-112.

11

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.