Que número em Libras, devo usar?

June 19, 2017 | Autor: Claudio Assis | Categoria: Algebraic Number Theory, Mathematics Education, Sign Languages, Deaf Education
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Me. Cláudio de Assis Mestre pela Universidade Anhanguera de São Paulo

Que número em Libras, devo usar? Cláudio de Assis clá[email protected]

Resumo

Neste

texto

apresentamos

algumas

particularidades

relacionadas

a

representação dos números quando a língua empregada no discurso é a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Iremos abordar algumas caracteristicas da formação dos números em Libras e da estrutura sintática desta língua. A existência de dois sistemas de números cardinais em Libras e das variações de sinalizações regionais. Diferenças entre a forma de representação numérica do sistema arábica para as formas faladas ou escritas nas línguas orais e da Libras. Influências da forma de representação numérica no entendimento dos conceitos transmitidos. Concluindo com a necessidade de pesquisa sobre a forma de se expressar em Libras temas da Educação Matemática.

Palavras chaves

Libras, Surdos, Surdez, Números cardinais, Educação matemática

Introdução

Este texto é um recorte de uma pesquisa desenvolvida para elaboração de dissertação exigida no nosso Curso de Mestrado na Universidade Anhanguera de São Paulo. Sobre pesquisas com tema de Libras encontramos com certa facilidade assuntos com base em: linguística, ensino de língua portuguesa, atuação de 1

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interpretes entre outros, mas quando lidamos nas formas de expressão de conteúdos matemáticos as pesquisas cientificas se tornam escassa, raras e pouco profundas. Esta nossa pesquisa teve como objetivo analisar e identificar as formas de comunicação em Libras1, quando Surdos usuários desta língua se comunicam sob os conceitos envolvidos na representação fracionária dos números racionais. Durante essa pesquisa, nos encontramos diante diversos questionamentos investigáveis, neste artigo iremos abordar um destes questionamentos. A questão que abordaremos, foi o uso de dois grupos de sinais, diferentes, para representar números em Libras, fato que ocorreu especificamente em um dos vários problemas oferecidos. Existem, em Libras, dois sistemas de configuração de mão para expressar números, estas se relacionam com o contexto do discurso. Assim segundo Felipe (2007) os números cardinais em Libras se subdividem em: “cardinal” e “quantidade”. Independentemente das demais classes numéricas (ordinais e múltiplos2)

É erro o uso de uma determinada configuração de mão para o numeral cardinal sendo utilizada em um contexto onde o numeral é ordinal ou quantidade, por exemplo: o numeral cardinal 1 é diferente da quantidade 1, que é diferente do ordinal PRIMEIR@, que é diferente de PRIMEIRO-ANDAR, que é diferente de PRIMEIROGRAU, que é diferente de MÊS-1(FELIPE, 2007, p. 53).

A fim de evitar conflitos, com as restrições exigidas pelos rigores da Matemática, sabendo que ambos os sistemas de configuração de mão representam números cardinais. Optamos por usar, neste artigo, uma nova nomenclatura para este artigo: “quantidade” para nos referimos a algarismos que especifiquem uma quantidade e “qualitativo” para os que Felipe (2007) chama de “cardinal”. Mas com a ressalva que apesar da nomenclatura que adotamos para os números “qualitativos” estes podem assumir outras funções além de meras etiquetas. 1

Língua Brasileira de Sinais Assim como em Português temos os verbetes “dobro, triplo, ...” existem em Libras sinalizações equivalentes. 2

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Segundo Quadros e Karnopp (2004), que cada língua tem sua própria estrutura sintática, sendo esta aceita e compreendida por seus interlocutores. Fora desta estrutura sintática, outras construções frasais são consideradas “erradas” e sua compreensão fica prejudicada ou duvidosa. Ainda segundo Quadros e Karnopp (2004), a estrutura padrão da Libras determina que, preferencialmente, todos os numerais devem vir após o substantivo, independente de sua função sintática. Assim, por exemplo, na construção da frase “Eu moro na casa de número quatro”, o número quatro atribui uma “qualidade” para o substantivo, enquanto que na frase “Eu moro em quatro casas” o número especifica “quantidade”. Em Português esta diferenciação é feita pela posição do número na frase. Em Libras segundo Felipe (2007) fazemos a diferenciação, das frases anteriores, da pela forma de sinalizar o algarismo, usando, no primeiro caso, na forma “qualidade” e no segundo na de “quantidade”. Assim o uso do sinal, especificadamente o uso do algarismo inadequado pode dificultar a compreensão do conteúdo de uma frase. De acordo com Nogueira e Silva (2013, p.81) no Português, assim como em outras línguas orais (Inglês, Francês, Espanhol, Alemão e outras), “as expressões numéricas não são posicionais”, algo passível de longas discursões entre Matemáticos e Linguistas, mas de interesse marginal em nosso estudo. Em Libras segundo Felipe (2007), temos situações variáveis quanto a montagem de números. Segundo Felipe (2007) em Libras existem situações em que temos sinais específicos (únicos) para representar um número como, por exemplo, nos dos casos de: dez, doze,..., mil e milhão. Outras em que a sinalização é claramente posicional, com um leve deslocamento lateral ou temporal na execução de cada algarismo, como nos casos de: dezesseis, dezessete,..., cem, cento e um entre outros. Este sistema de montagem dos números, aparentemente de menor importância, deve ser considerado, pois segundo Nogueira e Silva (2013) é possível que influencie o processo de entendimento figurativo do sistema numérico escrito, 3

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levando o aprendiz a erros de interpretação entre o que esta sendo sinalizado e os dados numéricos envolvidos. Frizzarini e Nogueira (2013, p.93) declaram que “quando as informações não são congruentes, os dois conteúdos são entendidos como objetos diferentes”.3 Em nossas pesquisa encontramos ainda variações de sinalizações regionais, tanto em material impresso e disponível na Internet (p.e. Capovilla e Raphael (2008), AcessoBrasil e Dicionário Libras). Variação que podemos dividir em basicamente dois grupos (Figura 1). Ambas as formas são mutuamente compreensíveis.

Figura 1 “Qualidade” e “Quantidade” “RJ” e “SP” Fonte: Assis, 2013

A pesquisa

Ao definirmos quais os problemas que seriam apresentados, preferimos escolher alguns que já tinham sido estudados por outros pesquisadores4, de modo, que se necessários, comparar os resultados. Os problemas eleitos abordam alguns subconceitos que integram segundo Malaspina (2007) e Damico (2007) o conceito dos números racionais na sua representação fracionária.

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Assim num problema do tipo: “somando dois bonés com outros três bonés, resulta em quantos bonés?”, se traduzidos para Libras usando números qualitativos, o problema pode ser entendido como “somando o boné numero 2 com o boné número 3, resulta em quantos bonés? 4

Malaspina (2007) e Damico (2007)

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Assim, segundo Damico (2007), podemos agrupar estes subconceitos em cinco grupos, sendo eles: parte-todo; quociente; medida sendo que este engloba a ideia de medida, de um número que pode ser comparado, somado, subtraído, multiplicado e dividido por outro número e pertencente ao conjunto dos números reais, uma extensão dos números naturais; coordenada linear; e operador que engloba as ideias de equivalência de frações, bem como suas operações. Foram sujeitos de nossa pesquisa dez Surdos severo-profundos usuários e fluentes em Libras. Sendo que nove com formação superior, e um que nove brasileiros e um americano (Libras é sua segunda língua de sinais), nove moradores do estado de São Paulo e um da Bahia. Todos concordaram espontaneamente em participar desta pesquisa, sendo que esta se realizou com dois pesquisados, juntos, em cada seção. Durante a pesquisa os sujeitos puderam interagir livremente sobre as questões apresentadas. As entrevistas contaram com interprete surdo quando necessário e foram filmadas com duração média de quinze minutos cada. Durante a análise dos vídeos-entrevistas, pudemos observar o uso de varias estratégias para o entendimento da operação matemática a ser feita, bem como a sua representação. Sendo a forma de representação numérica que pretendemos estudar e tentar entender qual a razão desta opção. Em seis dos sete problemas apresentados, foram coletados, somente o uso de números de “quantidade”, como podemos ver nas Figuras 2, 3. 4 e 5 onde os entrevistados raciocinavam sobre as questões.

Figura 1 Laércio leitura do Problema 1 Fonte: Assis, 2013 5

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Figura 2 Fabrizio solucionando Problema 2 Fonte: Assis, 2013

Figura 3 João o Problema 3 Fonte: Assis, 2013

Figura 4 Bento sinalizado Problema 2 Fonte: Assis, 2013

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Já no problema que envolvia o subconceito operador (Figura 5). Notamos, deferentemente dos casos anteriores, neste problema ocorre que parte de nossos entrevistados passam a usar a forma de “qualidade” quando se referem aos números envolvidos na representação fracionária. Problema que aborda o subconceito Operador: “Um estojo contém 20 lápis coloridos. Marina deu 3⁄4 dos lápis para sua amiga. Quanto lápis Marina deu? ”

Figura 5 Operador Fonte: Malaspina (2007)

Podemos notar na Figura 6, que quando Bento sinaliza a fração 3⁄4 todos os algarismos envolvidos são do formato “qualidade”. Nos mostra assim que neste raciocínio, para ele esta fração é uma representação de uma quantidade.

Figura 6 Bento conjectura uma solução no Problema 5

Devemos alertar que esta alteração de sinalização de “quantidade” para “qualidade” não foi observados em todos os casos, e que existe variação

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relativamente muito sútil, entre as duas formas nas sinalizações no “dialeto paulista5” como pode ser visualizado na Figura 1. Assim, ao diferenciar a forma de sinalizar quando os conceitos matemáticos envolvidos não possuem uma clara identificação com uma quantidade. Este fato nos permite pensar, tal qual Nogueira e Silva (2013), que a representação utilizada influenciar a compreensão do tema que os usuários de Libras. E que o sistema de numeração usado deve ser o mais coerente as caracteristicas da língua, já que segundo Frizzarini e Nogueira (2013) o uso de informações incongruentes, que podem levar o aprendiz a entender o conteúdo de modo diverso ao desejado.

Conclusões

Diante das observações mostradas podemos concluir a necessidade de estudos detalhados e amplos onde o mais importante seja entender as implicações do uso dos signos para a compreensão dos conceitos matemáticos passíveis de serem utilizados na Educação Matemática. Observamos neste estudo que existem formas de sinalização numérica, em Libras, diferentes quando trabalhamos com conceitos aparentemente distintos. Quando refletimos sobre as variações apresentadas vemos que estas são compatíveis com a estrutura linguista-gramatical de Libras. Na Educação Matemática nos utilizamos de numerosos conceitos e definições que são próprios de matemática. Estes mesmo conceitos matemáticos podem embutir em si subconceitos, como no caso aqui apresentado. Estas

representações

matemáticas

são,

com frequência,

estudados,

pesquisados e analisados quanto a sua tradução ou versão para as línguas orais principais. Mas o que pode acontecer quando a língua usada nas interações é uma língua visual-espacial? 5

Terno nosso, utilizado entre aspas, pois as diferenças entre os falares de Libras não nos permitirem considerálos dialetos formais.

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Não observamos, em nenhum momento desta pesquisa razões que pudessem nos levar a afirmar que os Surdos teriam, por causa das características da língua que utilizam dificuldades para compreender o conceito de números racionais, na forma de fracionária. Na verdade, observamos que algumas particularidades da Libras a tornam um instrumento de mediação criativo e rico em possibilidades para o processo de ensino e de aprendizagem da matemática. Temos, todavia de fazer uma ressalva a respeito da utilização de uma das estratégias de ensino e avaliação da Educação Matemática que devemos a tradução pura e simples de conteúdos do Português para Libras. Por fim, reafirmamos nossa crença no momento histórico que vivemos onde e um número crescente de Surdos, não oralizados, estão chegando ao ensino médio e fundamental (estamos a apenas 9 anos da regulamentação da Libras6), assim neste momento especial temos na necessidade de mais pesquisas que como esta outros tópicos das relações da Educação Matemática e da língua de sinais.

Referencias Acessobrasil.(2006) Dicionário de Libras. http://www.acessobrasil.org.br/libras. Acesso em 02 jan 2013.

Disponível

em

Explorando a ideia do número racional na sua Representação Fracionária em libras. Dissertação de mestrado. ASSIS,

C.

UNIBAN/SP, São Paulo. 2013. BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de Dezembro de 2005. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso 08 out 2012. DAMICO, A. Uma investigação sobre a formação inicial de professores de matemática para o ensino de números racionais, no ensino fundamental. Tese de doutorado – PUC/SP, São Paulo. 2007 DICIONARIO LIBRAS, disponível em www.dicionariolibras.com.br. Acesso em 05 mar 2014. 6

Decreto 5626/2005

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CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W.D. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da língua de sinais brasileira. – 3º ed. – São Paulo – Ed. USP, 2008.

FELIPE, T. A. Libras em Contexto: Curso Básico: Livro do Estudante / Tanya A. Felipe. 8ª. Edição. - Rio de Janeiro: WalPrint Gráfica e Editora, 2007 FRIZZARINI, S.T., NOGUEIRA, C.M.I. Uma avaliação diagnóstica da linguagem algébrica do ensino médio com alunos surdos fluentes em Libras In NOGEIRA, C.M.I. (Org.) Surdez, inclusão e matemática. Curitiba – CRV, 2013. MALASPINA, M, C. O. O início do ensino de fração: uma intervenção com alunos de 2º Série do ensino fundamental. Dissertação de mestrado. PUC/SP, São Paulo. 2007. NOGUEIRA, C.M.I., SILVA, M.C.A. Possíveis relações entre linguagem e escrita numérica de Surdos. In NOGEIRA, C.M.I. (Org.) Surdez, inclusão e matemática. Curitiba – CRV, 2013. QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. 1ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. SILVA, M. C. Reta graduada: um registro de representação dos números racionais. Dissertação de mestrado - PUC/SP. São Paulo. 2008.

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