Que tal uma pizza de tofu com rabanetes Voce vai adorar

May 29, 2017 | Autor: Bruno Bioni | Categoria: Privacy, Privacy and data protection
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Renato Leite Monteiro  

Favoritar 

Advogado, Professor de Direito Digital e Doutorando em Engenharia da Computação

Que tal uma pizza de tofu com rabanetes? Você vai adorar! Publicado: 11/06/2015 18:49 BRT 

Atualizado: 11/06/2016 06:12 BRT

Por Renato Leite Monteiro e Bruno Bioni

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Cliente: (...) Eu queria encomendar duas pizzas, uma quatro queijos e outra calabresa... Telefonista: Talvez não seja uma boa ideia... Cliente: O quê? Telefonista: Consta na sua ficha médica que o Sr. sofre de hipertensão e tem a taxa de colesterol muito alta. Além disso, o seu seguro de vida proíbe categoricamente escolhas perigosas para a sua saúde. Cliente: É, você tem razão! O que você sugere? Telefonista: Por que o Sr. não experimenta a nossa pizza Superlight, com tofu e rabanetes? O Sr. vai adorar! (...) Telefonista:  Senhor,  o  regulamento  da  nossa  promoção,  conforme  citado  no  artigo  3095423/12,  nos  proíbe  de  vender  bebidas  com açúcar a pessoas diabéticas... Cliente: Aaaaaaaahhhhhhhh!!!!!!!!!!! Vou me atirar pela janela!!!!!!!!!!!!!!! Telefonista: E machucar o joelho? O Sr. mora no anda térreo... No  longínquo  ano  de  2004  circulou  na  internet  um  texto  que  simulava  um  simples  pedido  de  pizza  no  futurístico  ano  de  2010  .  Este inclusive chegou a ser reproduzido na prova de redação do processo seletivo do  Instituto  de  Tecnologia  da  Aeronáutica.  O  texto  descrevia uma situação em que o atendente de um delivery tinha acesso a um banco de dados que centralizava as mais diversas informações sobre o

cliente,  como  seu  histórico  de  saúde,  gostos,  preferências,  situação  creditícia,  financeira,  sua  composição  familiar  e  até  mesmo  sua  ficha criminal. Tudo era pesquisado através de um número identificador único que permitia cruzar, aglutinar e agregar os mais diferentes dados e  traçar  um  perfil  preciso  para  sugerir  a  pizza  mais  adequada,  e,  assim,  maximizar  a  satisfação  e  experiência  do  consumidor.  Ao  final,  o cliente  se  sentia  tão  invadido  com  a  quantidade  de  informações  de  posse  do  atendente  que  ameaçava  se  atirar  da  janela,  mas,  até  mesmo esse comportamento, fora inviabilizado por um dado disponível na central de dados. Ficção? Nem tanto... Em termos de internet, o ano de 2004 parece uma eternidade. Uma época em que o Facebook estava disponível apenas em redes fechadas de  universidades  americanas  e  era  infinitamente  menor  que  o  Orkut;  que  o  Youtube  ainda  disputava  terreno  com  o  Google  Vídeos; Instagram não existia; e até mesmo o Google não era tão onipresente na vida das pessoas como é hoje. Muito menos falava­se seriamente no uso  de  inteligência  artificial  no  cotidiano,  de  carros  autônomos  e  drones.  E  mesmo  assim,  o  cenário  descrito  no  texto  ficcional  já  era plenamente possível. Imagina se este conto se passasse nos dias atuais, com a quantidade de dados disponíveis livremente na Internet. Mas, opa, ele se passa! Recentemente, a Pizza Hut anunciou a utilização de sistemas de análise preditiva para sugerir pizzas com base em "desejos subconscientes" dos seus clientes, e tornar, ao mesmo tempo, suas estratégias de marketing, promoções, preços e operações mais eficientes. Talvez a empresa pudesse analisar preferências de seus consumidores através dos seus "Likes" no Facebook ou, ainda, afiliar­se às companhias de seguro de saúde  que  têm  a  capacidade  de  prever  quando  uma  pessoa  ficará  doente,  visando  sugerir  opções  mais  saudáveis  e,  assim,  fomentar  sua estratégia  de  marketing.  Poderia  até  mesmo  recusar  a  venda  a  clientes  com  problemas  de  crédito  ou  sugerir  meios  alternativos  de pagamento  com  base  na  sua  atual  situação  financeira  e  na  classe  social  a  que  pertencem  seus  potenciais  clientes.  Produtos  diferentes poderiam  ser  ofertados  para  regiões  mais  precárias  das  cidades.  Estas  esparsas  informações,  por  mais  que  sejam  oferecidas  por  fontes diversas,  poderiam  todas  serem  agregadas  por  meio  do  Registro  Civil  Único,  quando  este  fosse  implementado  pelo  Governo  Federal, conforme recentemente sugerido através de projeto de lei elaborado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

O  cruzamento  de  dados  permite  a  construção  de  perfis  precisos  e  cada  vez  mais  detalhados  de  cidadãos,  agregando  dados  coletados  não somente através de serviços na internet, mas também em shoppings e estabelecimentos offline. A metodologia de construção de perfis ­ que não  pode  ser  confundida  com  os  perfis  que  criamos  nas  redes  sociais  ­  é  conhecida  como  profiling  e  se  vale  da  tecnologia  do  Big  Data. Diferentemente da técnica "tradicional" de mineração de dados, o Big Data é uma tecnologia que descarta a etapa prévia de estruturação de dados, o que possibilita o processamento de dados em um volume, velocidade e variedade maior (os seus três famosos "Vs"). É, justamente, tal progresso qualitativo e quantitativo que permite tomar decisões automatizadas com base nas preferências e características inferidas de análises realizadas por algoritmos que os cidadãos não têm, na maioria das vezes, qualquer conhecimento de como funcionam. O principal argumento empregado por quem se utiliza de sistemas de profiling é que estes visam apenas melhorar a experiência do usuário e/ou tomar decisões mais efetivas, que podem, inclusive, beneficiar a sociedade como um todo.

Todavia,  estas  decisões  e  conclusões  podem  afetar  inadvertidamente  a  vida  das  pessoas.  Imagine  ser  negado  um  plano  de  saúde  devido  a mera  possibilidade  de  ficar  doente;  ou  um  financiamento  devido  a  sua  classe  social;  ser  ofertado  um  preço  superior  em  razão  da  sua capacidade  financeira  de  pagar  mais  pelo  mesmo  serviço  (prática  conhecida  como  "price  discrimination");  um  emprego  devido  às  suas preferências  e  notícias  que  compartilha  na  rede  sua  rede  social;  ou  até  mesmo  ser  suspeito  de  práticas  criminosas  simplesmente  porque existe  uma  maior  chance  das  pessoas  que  residem  no  seu  bairro  praticarem  ilícitos.  Os  nossos  dados  pessoais  redimensionam,  portanto,  a autonomia  e  o  livre  desenvolvimento  da  personalidade  de  cada  um  de  nós.  Não  se  trata  de  um  elemento  fantasmagórico  de  um  futuro cinematográfico, trata­se da de uma situação real que perfilha nossas vidas.

E se você não se encaixar no perfil? Ou se as conclusões estiverem erradas? Ou se você for, simplesmente, diferente de todos os membros do grupo que lhe foi atribuído? Seria possível ter o direito de escolha a não ser submetido a essas decisões automatizadas? Senão, deveria ser. E para  tanto,  é  preciso  ter  uma  regulamentação  abrangente  sobre  proteção  de  dados  pessoais,  que  forneça  aos  cidadãos  ferramentas  para controlarem o que é feito com seus dados, de como estes influenciam a sua vida e de que forma sua personalidade será moldada e percebida pela sociedade. O Anteprojeto  de  Lei  de  Proteção  de  Dados  Pessoais,  atualmente  em  fase  de  discussão  pública  através  da  Internet,  outorga  ao  titular  de dados pessoais o direito de oposição, garantindo­lhe o: "direito a solicitar revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses, inclusive as decisões destinadas a definir o seu perfil ou avaliar aspectos de sua personalidade". Este  direito  se  insere  nos  chamados  direitos  ARCO:  Acesso,  Retificação,  Cancelamento  e  Oposição,  que  visão  garantir  ao  titular  meios  de controle  sobre  o  destino  dos  seus  dados  pessoais.  Dentro  desse  prisma,  sob  a  influência  do  princípio  da  transparência,  o  responsável  pelo processamento de dados pessoais: "deverá  fornecer,  sempre  que  solicitadas,  informações  adequadas  a  respeito  dos  critérios  e  procedimentos  utilizados  para  a  decisão automatizada". A utilização de quaisquer dados para fins discriminatórios também é vedada pelo Anteprojeto, principalmente quando se tratarem de dados sensíveis, como dados médicos, de orientação sexual, ideológicos, que podem de imediato ensejar discriminação. Mas isso não significa que empresas não poderão criar perfis comportamentais de seus clientes. Essa é, em muitas indústrias, a base de funcionamento dos modelos de negócio. E a economia digital deve ser fomentada. Nesse sentido, a autorização: "para o tratamento de dados pessoais não pode ser condição para o fornecimento de produto ou serviço ou para o exercício de direito, salvo em hipóteses em que os dados forem indispensáveis para a sua realização". Isso  não  significa,  contudo,  que  o  tratamento  de  dados  não  deverá  obedecer  a  princípios  balizadores  para  coibir  abusos:  como  o  da necessidade  que  vincula  o  tratamento  dos  dados  pessoais  aos  estritamente  necessários  para  se  atingir  o  propósito  específico  ensejador  da sua  respectiva  coleta;  limitação  de  propósito  que  afirma  que  os  dados  somente  devem  ser  utilizados  e  mantidos  até  o  momento  que  o propósito original for atingido; adequação ao estipular que todo o tratamento dos dados pessoais deve observar as legítimas expectativas do seu titular. Em outras palavras, se dados pessoais são coletados para facilitar um cliente escolher que pizza ele comprará num domingo a

noite,  a  empresa  não  precisa  saber  o  nome  completo  e  o  telefone  de  todos  os  seus  amigos,  muito  menos  sua  situação  financeira  e  do  seu estado de saúde, ou até mesmo a foto do seu perfil em determinada rede social.

A Lei 12.965/14, conhecida Marco Civil da Internet, implementa muito desses princípios, mas a sua atuação se limita a serviços oferecidos através da Internet; o Código de Defesa do Consumidor também dispõe especificamente sobre bancos de dados creditícios; a lei 12.414/11, que versa sobre a metodologia conhecida como "credit scoring" impõe maiores limites, mas, novamente, é uma lei que se aplica somente a um  determinado  setor  e  a  uma  determinada  prática.  É  necessário,  portanto,  termos  uma  lei  abrangente,  robusta,  que  proteja  o  cidadão tanto  no  mundo  online  quanto  no  offline,  independente  do  setor  da  economia  ou  do  mercado,  e  confira,  ao  mesmo  tempo,  segurança jurídica para os mais diversos modelos de negócio. A atual discussão sobre o Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais é apenas o pontapé inicial para a implementação de um sistema eficaz de proteção de dados pessoais. E somente por meio de uma participação ampla teremos uma lei que refletirá os reais anseios da sociedade, mesmo que seja para simplesmente conseguirmos escolher uma pizza.  Curta a gente no Facebook |   Siga a gente no Twitter |   Siga a gente no Instagram

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