Queerizando Sexualidades: Mídias digitais e o borramento das identidades fixas

June 1, 2017 | Autor: Cleyton Feitosa | Categoria: Queer Studies, Queer Theory, Gênero E Sexualidade
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Universidade Federal da Bahia, 4 a 7 de setembro de 2015

TÍTULO DO SIMPÓSIO: MÍDIAS DIGITAIS, PRÁTICAS CULTURAIS E DISSIDÊNCIAS DE GÊNERO. QUEERIZANDO SEXUALIDADES: MÍDIAS DIGITAIS E O BORRAMENTO DAS IDENTIDADES FIXAS Rafael dos Santos Morato1 Cleyton Feitosa Pereira 2 Palavras-chave: Sexualidades Dissidentes, Internet, Teoria Queer. Desde A História da Sexualidade de Michel Foucault, dizia que a sexualidade está permeada por discursos que moldam os corpos, os afetos, os desejos e as práticas sexuais (FOUCAULT, 1988). Com efeito, ele nos dá um panorama caro sobre o quanto a sexualidade foi modelada desde os tempos mais remotos pelas instituições e seus agentes, com destaque para a Igreja e a Ciência Moderna. Se em um dado momento histórico as práticas eróticas entre pessoas do mesmo sexo e as dissidências de gênero eram consideradas um pecado profano, chamado de sodomia, com o processo de racionalização do conhecimento novas categorias surgiram e a homossexualidade, em oposição binária à heterossexualidade, foi inventada. O aprofundamento nos estudos da sexualidade humana, durante muito tempo, foi um paradigma quase irrompível, visto que a discussão das suas vertentes no meio social, de forma mais difundida, está sendo possível nos dias atuais em virtude do diálogo da comunidade acadêmica com o meio social, através da ampliação de pesquisas, projetos de extensão e da ampliação das vagas que o Ensino Superior sofreu na última década e da atuação constante e resistente dos movimentos sociais por direitos sexuais.

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Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e Mestrando em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE│PPGDH). Endereço eletrônico: [email protected]. 2 Licenciado em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco│Centro Acadêmico do Agreste e Mestrando em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE│PPGDH). Endereço eletrônico: [email protected].

Nessa profusão de novos conhecimentos e epistemologias, ganha destaque nos últimos tempos a Teoria Queer (LOURO, 2008). Surgida no fim da década de 1980, essa corrente teórica defende a necessidade de se desconstruir as identidades sexuais e políticas e assume um papel de opositora crítica aos estudos sociológicos que sedimentaram as minorias sexuais e o gênero. Assim, as correntes tradicionais dos estudos de gênero, fundamentais para a compreensão do descolamento entre o biológico e o social, passam por um processo de revisão, atualização e desconstrução. Naquela perspectiva, homens e mulheres ocupavam lugares sociais diferenciados em virtude de uma construção social desigual e não fruto de uma determinação biológica. No entanto, ao reproduzir o pensamento binário (homem/mulher, heterossexual/homossexual), as correntes tradicionais não romperam essa lógica excludente e opressora desde sua origem. Nessa direção, “A teoria Queer permite pensar a ambiguidade, a multiplicidade e a fluidez das identidades sexuais e de gênero, mas, além disso, também sugere novas formas de pensar a cultura, o conhecimento, o poder e a educação” (LOURO, 2008, p. 47). Até então tidas como naturais, as identidades sexuais precisam romper com sua fixidez, passar por um processo de “queering”. Richard Miskolci em artigo intitulado “Não somos, queremos” ilustra a tensão entre assimilação (pela via da normalização) versus transformação e tece, a partir daí, uma crítica ao Movimento LGBT e seu pensamento identitário e, em certa medida, higienista (MISKOLCI, 2010). Na mesma direção crítica, Leandro Colling reflete o quanto o paradigma da igualdade e da afirmação das identidades LGBT tem produzido novos estigmas, exclusões e violências através da análise dos discursos e práticas políticas do Movimento LGBT. através de sua experiência de participação no Conselho Nacional LGBT (2013). Sua argumentação em prol de políticas das diferenças só pode ser formulada a partir de sua afinidade com a teoria queer e sua perspectiva pós-identitária. É partindo desses pressupostos que nos propomos a desenvolver esse estudo, olhando para o ambiente virtual e suas infinitas possibilidades interacionistas como tecnologias que tem permitido a perturbarção de identidades e práticas sexuais hegemônicas, tradicionais e historicamente formatadas como saudáveis, corretas e permitidas. Assim, acreditamos que sexualidades disparatadas estão podendo ser vivenciadas por meio de mídia digitais como filmes, fotografias, sites de conteúdos eróticos, salas de bate-papo, produções erótico-sexuais “caseiras”, entre outras tecnologias.

Nesse sentido, é possível encontrar no ambiente virtual pessoas se relacionando sexualmente das mais diversas maneiras. Pessoas mais velhas mostrando seu desejo pelas mais jovens (e est@s3 por sua vez pelas pessoas mais velhas), sexo entre homens , entre mulheres, pessoas trans com pessoas cisgênero, sexo entre anãs travestis e não anãos, o acesso facilitado as mais variadas expressões de parafilia4 entre tantas outras possibilidades existentes. Ainda que virtualmente, é fácil enxergar que o sexo na internet é mais livre, dada a sua dinâmica própria. Com um clique tod@s se deliciam com a forma de prazer que @s estimula mais intimamente. Assim sendo, destacamos a possibilidade de se encontrar no ambiente virtual, os inúmeros tons das identidades e práticas sexuais. Sem dificuldades encontram-se vídeos categorizados contemplando várias identidades e interesses. São exemplos concretos disso as seguintes temáticas: “oral”, “gozada”, ”latino” “jovem e maduro”, “pai e filho”, “vintage”, “musculoso”,”suruba”, “amador”, “bissexual”, “consolo”, “dominação”, “dupla penetração”, “urso”, “voyer” entre tantas outras categorias existentes. Ou seja, estão disponíveis para o consumo imediato as mais diversas temáticas contemplando ou não as categorias identitárias. 5 Nessa perspectiva, é perceptível a compreensão do que Gayle Rubin quis dizer quando afirmou que a maioria das pessoas não consegue compreender com facilidade que aquilo que é sexualmente repulsivo para si, não necessariamente o será para outrem, podendo, inclusive, ser a maior fonte de prazer Del@ e que isso não implica ausência de inteligência, saúde mental ou mau gosto d@ outr@. A universalização de preferências sexuais é um equívoco (RUBIN, 1986). Portanto, esse estudo tem por objetivo identificar algumas mídias digitais existentes que tem permitido a vivência de prazeres e desejos que provavelmente não o seriam fora desse espaço. Também pretendemos descrevê-las e analisá-las mais atentamente entendendo que a sociedade é composta por contradições. Por exemplo, temos visto com muita animosidade o quanto aplicativos como o Tinder, o Scruff e o 3

Buscando subverter a linguagem machista e utilizando-se do fato desse texto problematizar a vivência das sexualidades através da internet, utilizaremos o caractere “@” para expressar a pluralidade de identidades. Aqui ela procura romper o binarismo de gênero e assume uma identidade indefinida. 4 A Parafilia é uma designação para práticas sexuais, definidas pela psicanálise, como transtornos de uma estrutura psicopatológica caracterizada pelos desvios de objeto e finalidades sexuais. A pessoa portadora da perversão sente-se atraída por aquilo que é pessoalmente ou socialmente proibido e inaceitável. Disponível em http://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/pedofilia 5 Sites como o soloboys.club, www.xvideos.com e o www.redtube.com trabalham com as categorias acima levantadas (e muitas outras) demonstrando a pluralidade de interesses sexuais, muitas vezes suprimidas socialmente. Ainda assim reconhecemos que esses sites não abarcam a heterogeneidade de expressões sexuais e eróticas. Em uma rápida busca foi possível notar a ausência de vídeos eróticos envolvendo homens trans, por exemplo.

Grindr tem proporcionado a troca de afetos e prazeres entre a comunidade gay ao mesmo tempo que olhamos com preocupação a posição que corpos brancos, musculosos e másculos ocupam na hierarquia do desejo. Com isso ficamos a nos questionar: em que medida as mídias digitais reproduzem modelos excludentes, cisnormativos, racistas, machistas e homofóbicos? Essas são questões que pretendemos abordar no elastecimento do texto. Se despir dos rótulos e viver, ainda que através de uma tela, os seus mais profundos desejos sexuais, seja o simples voyerismo, nas salas de bate-papo com sexo em tempo real, ou quaisquer outras formas de “perversões” sexuais parece ser atrativo e possibilitador de um alargamento das experiências sexuais ao mesmo tempo que indicam as velhas repressões e moralismos da sociedade ocidental. Como nesse ambiente não existe de forma sistemática um padrão social limitador de condutas, como ocorre nos ambientes sociais externos às redes, é possível que qualquer pessoa exerça a sua sexualidade sem ao menos saber com quem se está falando (e essa ausência de identificação muitas vezes é o canal possibilitador dos desejos e realizações sexuais) Tanto os vídeos quanto as salas de bate-papo destinadas ao sexo virtual são acessadas das maneiras mais simples e anônimas, o que traz certa tranqüilidade. A própria formulação do seu nickname, um apelido que é solicitado no acesso às salas de bate-papo e que tem especial importância por indicar uma identidade ou intenção de quem acessa esse ambiente (PASTOR e LOGRONO, 2006), desperta criatividade e desejo. O fato de poder ser quem quiser, com outro nome, inclusive, permite uma liberdade quase que irrestrita. Tod@s podem ser “Ana”, “João”, “Dercy”, “Pauzudo”, “Chupadora”, “Passivo Nerd”, enfim, pode ser e indicar tudo o que deseja em termos de sexualidade, pois no ambiente virtual as identidades conseguem ser mais fluidas. É nesse contexto que se verifica o ambiente virtual como fomentador do desenvolvimento de uma sexualidade queer. Quando ninguém necessita mais se encaixar numa identidade sexual fixa, percebe-se nitidamente que é possível deixar sua “placa de identificação” de lado e ser ampl@ e complex@ como ser humano. Esse fenômeno pode ser observado também na vida offline em espaços mais abertos e propícios para essas vivências como saunas, casas de suingue, entre outras. Por outro lado, se dentro da internet os desejos de tod@s fluem quase que instantaneamente, na vida social, sob os limites de uma sociedade patriarcal, machista e opressora, essa liberdade praticamente inexiste. Desta forma, a vivência da sexualidade livre acaba sendo uma utopia. Ser dissidente sexual publicamente na vida cotidiana e se

desprender do papel de pai/mãe, empresário/empresária, cristão/cristã, entre outros binarismos, que exerce há tanto tempo, é assinar um pedido de violação a sua dignidade. Fugir dessas categorias parece ser um caminho platônico diante das repressões que se pode sofrer no mundo offline É nesse sentido que se percebe o quão crucial é o estímulo ao desenvolvimento das sexualidades nos ambientes virtuais, para que se consolide ao menos uma oposição crítica às construções sociais no reforço da conformidade sexual, pois não se espera um acolhimento por parte das instituições tradicionais, como a família, a igreja ou o Estado, à não conformidade (RUBIN, 1984). Sendo assim, Viver uma sexualidade virtual ou nos guetos permissores, como as saunas e casas de suingue, ainda parece ser uma das poucas, senão as únicas formas de exercer uma sexualidade dissidente de forma mais livre, sem precisar fazer cálculos mentais de comportamentos nem ter seus direitos humanos (e consequentemente sua dignidade humana) violados. REFERÊNCIAS COLLING, Leandro. A igualdade não faz o meu gênero – Em defesa das políticas das diferenças para o respeito à diversidade sexual e de gênero no Brasil. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, v. 3, n. 2, jul.-dez. 2013, pp. 405-427. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. 17ª Edição. São Paulo: Graal, 1988. LOURO, Guacira Lopes. Uma política pós-identitária para a Educação. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. MISKOLCI, Richard. Não somos, queremos – reflexões queer sobre a política sexual brasileira contemporânea. In: COLLING, Leandro (Org.). Stonewall 40 + o que no Brasil? Salvador: EDUFBA, 2011. PASTOR, Ana Ortigosa; LOGROÑO, Ana Ibáñez. Comunicación em Internet: constructivismo social e identidad virtual (2006). Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=15802727. Acesso em: 01.05.2015. RUBIN, Gayle. El tráfico de mujeres: notas sobre la "economía política" del sexo. Revista Nueva Antropología, Vol 8, Iss 30, Pp 95-145 (1986), 1986.Pensando o Sexo: Notas para uma teoria radical das políticas da sexualidade (2012). Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/1229/rubin_pensando_o_sexo.pd f?sequence=1. Acesso em: 01.05.2015.

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