QUEIROZ, Francisco – Francisco Maria Teixeira (1842-1889). Esboço biográfico de um original desenhador de arquitectura. Actas do 1.º Congresso de História e Património da Alta Estremadura (Ourém, 28, 29 e 30 de Outubro de 2011), p. 384-392

May 26, 2017 | Autor: Francisco Queiroz | Categoria: História Da Arquitetura E Do Urbanismo, Historical cemeteries
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I CONGRESSO DE HISTÓRIA E PATRIMÓNIO DA ALTA ESTREMADURA ARQUEOLOGIA . HISTÓRIA . HISTÓRIA DA ARTE . PATRIMÓNIO NATURAL E CULTURAL

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ARQUEOLOGIA

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Esta comunicação insere-se no nosso programa de Pós-doutoramento, intitulado “Arte Tumular do Romantismo em Portugal”, em curso no CEPESE - Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, ao abrigo do Programa Ciência 2008, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Em parte, a comunicação baseia-se em alguns capítulos de um estudo, em co-autoria com Ana Margarida Portela Domingues, intitulado O Cemitério de Santo António do Carrascal: Arte, História e Sociedade de Leiria no Século XIX. Este estudo, realizado entre 1998 e 2000 e apoiado pela Câmara Municipal de Leiria, esteve no prelo em 2002, por parte da editora Magno, da Marinha Grande, mas não foi concluída a edição, devido ao encerramento da referida editora. Na versão original do dito estudo, podem ser encontradas, em nota, as referências a algumas fontes que aqui não são mencionadas. Algumas das fotos que acompanham este texto são da mencionada Ana Margarida Portela Domingues, a quem agradecemos toda a colaboração dada, ao longo de anos, sobre o tema do Cemitério de Santo António do Carrascal.

FRANCISCO MARIA TEIXEIRA (1842-1889): ESBOÇO BIOGRÁFICO DE UM ORIGINAL DESENHADOR DE ARQUITECTURA José Francisco Ferreira Queiroz

Francisco Queiroz é Doutor em História da Arte, Investigador do CEPESE e docente do Mestrado Integrado em Arquitectura da Escola Superior Artística do Porto. O autor expressa o seu agradecimento às seguintes pessoas, que deram preciosos contributos para este texto: Ricardo Charters d’Azevedo; Ana Luísa de Azevedo Baeta Neves Gomes da Costa e seu marido Luís Filipe Teles Gomes da Costa; Pedro França; Ana Vilante Leitão; Teotónio de Souza; António Borges da Cunha; Conceição Cordeiro Bagagem; Fernanda Sousa; Leonoreta Leitão; Ana Rita de Azevedo Baeta Neves; Jaime Teixeira de Oliveira; João Trigueiros; e Carlos Fidalgo. As fotografias antigas aqui reproduzidas foram cedidas por Ana Luísa de Azevedo Baeta Neves Gomes da Costa e por Ana Vilante Leitão.

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1. ASCENDÊNCIA DE FRANCISCO MARIA TEIXEIRA E DA SUA MULHER Francisco Maria Teixeira nasceu em Goa em 2 de Julho de 1842, tendo sido baptizado na freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Vila de Pangim. Era filho de António Joaquim Teixeira (de Leiria) e de Henriqueta Rosa de Jesus (de Belém), então a viver em Pangim, possivelmente por ele ali servir em algum emprego militar.

Fig. 1 – Francisco Maria Teixeira e sua mulher, Amélia Carlota de Almeida e Silva

O padrinho de baptismo foi Francisco Maria Magalhães, Major do Batalhão Provisório, tendo sido madrinha Maria Genoveva Cabral de Barbuda, representada pelo seu marido Cláudio Lagrange Monteiro de Barbuda1. Francisco Maria Teixeira teve, pois, padrinhos influentes, até porque Cláudio Lagrange Monteiro de Barbuda serviu como Secretário Geral do Governo Português em Pangim. Note-se que Cláudio Lagrange Monteiro de Barbuda (Setúbal, 25 de Novembro de 1803 – Lisboa, 20 de Março de 1845) era também Tenente de Engenharia, tendo servido na construção das linhas de defesa de Lisboa, aquando da guerra civil de 1833-1834. Viria até a publicar em Goa uma memória sobre estas linhas defesa (em 1840), assim como foi autor de mais textos, sobretudo publicados em periódicos2. Não foi encontrado o assento de casamento dos pais de Francisco Maria Teixeira, entre 1821 e 1842, na Paróquia de Leiria. Terão talvez casado em Goa, ou em Lisboa. Também não apurámos quando Francisco Maria Teixeira veio para Leiria, mas sabemos que já aqui estava a residir antes de ter casado. Acrescente-se que Francisco Maria Teixeira era neto paterno de Manuel Joaquim Teixeira e de Susana Maria (ambos de Leiria), e neto materno de Manuel Vicente Ferreira e Mariana Rosa (do Algarve).

1 Informação que devemos a Teotónio de Souza, após busca no Arquivo Histórico de Goa. 2 Entre outras coisas, foi ainda fiscal da Empresa de Navegação do Tejo e Sado em barcos a vapor, no biénio 1838-1839 (I.A.N./T.T., Intendência das Obras Públicas, Registo de assentamento de oficiais, engenheiros e empregados na repartição, 1822-1840, fl. 59v.). Para aprofundamento, veja-se a entrada sobre Cláudio Lagrange Monteiro de Barbuda, na “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira”.

Francisco Maria Teixeira casou na Sé de Leiria, com 21 anos, em 21 de Setembro de 1863. A consorte foi Amélia Carlota de Almeida e Silva, nascida em Leiria a 1 de Fevereiro de 1842, filha de Francisco Manuel de Almeida e Silva (que foi escrivão da Câmara Municipal de Leiria) e de sua mulher, Maria Romana da Silva e Andrade 3.

3 A.D.L., Paróquia da Sé de Leiria, Baptismos, 1832-1844, fl. 191 e IDEM, Paróquia da Sé de Leiria, Casamentos, 1860-1871, fls. 63v.-64v., n.º 67. As testemunhas do casamento foram Dâmaso Carlos de Sousa Menezes (solteiro e proprietário) e José Sales Henriques (solteiro e comerciante).

Se, sobre os pais e avós de Francisco Maria Teixeira, ainda pouco se sabe, apurámos já bastantes dados relativamente à ascendência da sua mulher, os quais não iremos explanar aqui. De qualquer modo, diga-se que, pelo lado materno, Amélia Carlota de Almeida e Silva descendia de importantes famílias da região de Leiria. Os seus avós maternos eram o juiz Dr. José Joaquim da Silva e Sousa e a sua mulher, Ana Hilária de Andrade Mesquita, os quais casaram em Leiria (na

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Igreja de Nossa Senhora da Encarnação) a 27 de Junho de 17964. Os avós paternos de Amélia Carlota de Almeida e Silva eram António Manuel Igrejinha (natural de Igrejinha, Arcebispado de Évora) e Maria José de Almeida e Silva (natural da freguesia do Santíssimo Sacramento da Vila de Alcobaça)5. Note-se que Amélia Carlota de Almeida e Silva era irmã de Eulália Amélia de Almeida e Silva, nascida em Leiria a 28 de Abril de 1843, a qual casou na mesma cidade com Baltazar Ferreira da Cunha Pessoa, a 15 de Setembro de 1873. Este foi escrivão da Câmara Municipal de Leiria, sucedendo ao sogro6.

2. ESBOÇO BIOGRÁFICO DE FRANCISCO MARIA TEIXEIRA Francisco Maria Teixeira morou na Rua da Água, em Leiria (1870). Esteve muito ligado às artes cénicas, nesta cidade, tendo sido um dos responsáveis pelos estatutos do Teatro de S. Pedro. Aliás, foi Secretário da Direcção do Teatro de S. Pedro e interveio activamente no seu funcionamento7. Foi assinante de plateia deste teatro, tendo mais tarde sido assinante de camarote. Foi também accionista do posterior Teatro D. Maria Pia8. Quanto à carreira de Francisco Maria Teixeira, esta decorreu quase toda em Leiria, sobretudo nas Obras Públicas. Francisco Maria Teixeira era já desenhador na Direcção de Obras Públicas do Distrito de Leiria, em 1864. Em 13 de Setembro desse ano, pediu para realizar um exame para o lugar de aspirante a condutor de trabalhos. Talvez tenha realizado o dito exame. Porém, continuou como desenhador no mesmo serviço9. 4 A.U.C., Ordenações Sacerdotais, Processo de habilitação de José Severiano da Silva e Andrade, António Joaquim da Silva e Andrade, Joaquim Simão da Silva e Andrade e Patrício José Torcato da Silva, 1820 (referência que devemos ao Eng. Ricardo Charters d’Azevedo). 5 A.D.L., Paróquia da Sé de Leiria, Casamentos, 1839-1860, fls. 10v.-11. 6 Sobre a família Cunha Pessoa de Leiria, no século XIX, veja-se o volume III do nosso estudo A Casa do Terreiro. História da Família Ataíde em Leiria. 7 A.D.L., Fundo do Teatro de D. Maria Pia, Actas, 1871 e CABRAL, J. – O teatro amador em Leiria, p. 41. 8 A.D.L., Fundo do Teatro de D. Maria Pia, Registo de acções. 9 A.H.M.O.P., Processo individual de Francisco Maria Teixeira. 10 A.H.M.O.P., Processo individual de Francisco Maria Teixeira.

Em 1 de Abril de 1869, foi passada uma guia a Francisco Maria Teixeira para se apresentar no Governo Civil de Leiria, a fim de exercer o lugar de amanuense desenhador na Repartição de Obras Públicas de Leiria. Na altura, era empregado como desenhador na subdivisão de Leiria10. Em 1889, Francisco Maria Teixeira pertencia à categoria de condutor de 3ª classe, adido do corpo de engenheiros de obras públicas e seus auxiliares. Nesse ano, decidiu concorrer ao lugar de professor de desenho do Liceu Nacional de Leiria, para o que se achava aberto concurso, o qual terminava a 12 de Março de 1889. Pediu a respectiva licença do Ministério das Obras Públicas, em 5 de Fevereiro desse ano11.

11 A.H.M.O.P., Processo individual de Francisco Maria Teixeira.

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Francisco Maria Teixeira conseguiu ser nomeado professor de desenho do Liceu de Leiria, por despacho de 10 de Abril de 1889, já que era um “hábil desenhador d’obras públicas”. Contudo, não chegou a tomar posse da cadeira porque, estando doente, acabaria por morrer, com tísica pulmonar, a 11 de Maio de 188912. Em termos de obras concretas, comecemos por um projecto da Câmara Municipal de Leiria para uns novos paços do concelho, de forma a evitar que as repartições ficassem dispersas e com elevadas rendas devidas pelas casas que então ocupavam. Nesse sentido, em 9 de Março de 1874, a Câmara mandou chamar os engenheiros Carlos Augusto de Abreu e Jaime Augusto da Silva (ambos das Obras Públicas) que, como pessoas competentes, poderiam dar o parecer quanto aos desenhos e orçamento do edifício. Porém, o projecto que estes apresentaram tinha sido elaborado por Francisco Maria Teixeira. Os mesmos engenheiros propuseram que se abrisse um concurso, para que a escolha fosse mais vasta13. No entanto, a Câmara preferiu não realizar concurso. Assim evitava perder tempo e despender mais dinheiro. Por isso, em 23 de Março de 1874, o Director das Obras Públicas do Distrito (Carlos Augusto de Abreu) foi dado pela Câmara como pessoa mais que competente para elaborar um projecto e planta dos paços do concelho e, por esse motivo, muito mais competente para rectificar o já apresentado e elaborado por Francisco Maria Teixeira14. Ora, Carlos Augusto de Abreu afirmou, em 23 de Março de 1874, que, mesmo não tendo analisado o projecto de Francisco Maria Teixeira ao pormenor, confiava nele15. Este caso é sintomático da capacidade de Francisco Maria Teixeira, que mesmo não tendo chegado longe nas Obras Públicas era, talvez, tão ou mais capaz do que os engenheiros que dirigiam aquela repartição.

Fig. 2 – Reprodução fotográfica daquele que se supõe ser o último retrato de Francisco Maria Teixeira

Mas continuemos a seguir o percurso de obras de Francisco Maria Teixeira. 12 A Opinião, n.º 11, 19 de Maio de 1889. 13 A.M.L., Actas, L.º 30, fl. 186. 14 A.M.L., Actas, L.º 30, fl. 194. 15 A.M.L., Actas, L.º 30, fl. 194v. 16 A.M.L., Actas, L.º 31, fl. 12. 17 A.M.L., Actas, L.º 31, fl. 76. 18 Sobre este cemitério, veja-se PORTELA, Ana Margarida / QUEIROZ, Francisco - O Cemitério de Santo António do Carrascal: Arte, História e Sociedade de Leiria no Século XIX. 19 A.M.L., Actas, L.º 31, fl. 149. Sobre Joaquim Ferreira de Sousa, veja-se Sobre este cemitério, veja-se PORTELA, Ana Margarida / QUEIROZ, Francisco - O Cemitério de Santo António do Carrascal: Arte, História e Sociedade de Leiria no Século XIX.

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Em 7 de Maio de 1874, Francisco Maria Teixeira e o Fiscal das Obras Municipais ficaram encarregues de fazer o orçamento de uma obra16. Em 9 de Julho do mesmo ano, Francisco Maria Teixeira pediu licença “para consertar o caminho que conduz aos banhos da fonte quente e Valle de S. Miguel”, para que pudesse “conduzir pedra da pedreira que ali possue”. A Câmara concordou17. Ficamos, pois, a saber que Francisco Maria Teixeira detinha uma pedreira, junto ao recém-inaugurado Cemitério de Santo António do Carrascal18. Terá talvez sido desta pedreira que saíram os materiais necessários para algumas obras que ele dirigiu no cemitério, e mesmo em obras particulares. Francisco Maria Teixeira possuía também um terreno na Rua de Trás da Sé, foreiro à Câmara de Leiria, o qual foi vendido, em 1875, a Joaquim Ferreira de Sousa19.

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Ainda em 1874, Francisco Maria Teixeira é apontado mais algumas vezes como fiscal de obras20. Aliás, em 21 de Novembro desse ano, recebeu 15$000, como gratificação pela fiscalização da construção de uma estrada nas Cortes21. Em Maio de 1875, Francisco Maria Teixeira ficou encarregue do estudo e organização do projecto para a construção de um caminho público na Abadia e para a construção do matadouro da Marinha Grande. Dirigiu também o calcetamento e canalização do Largo e Rua da Sé de Leiria, bem como a obra de muramento das margens do Lis. O Presidente da Câmara Municipal de Leiria propôs até uma gratificação pelos seus trabalhos, em Dezembro desse ano22. Em 1877, Francisco Maria Teixeira andava ocupado com plantas e outros trabalhos de conclusão do caminho entre as Cortes e as Mortas, e também no 3º lanço da estrada da Vieira ao Pedrógão (entre Ancião e Almofala). Nesse ano, porém, teve um problema com a autarquia leiriense, devido à sua pedreira na Fonte Quente. De facto, a serventia que ele estava a utilizar, com vários depósitos de cascalho, prejudicava os banhos na fonte. A Câmara decidiu retirar-lhe a licença (datada de 1874) e conceder o prazo de um mês para que todo o cascalho fosse retirado e devolvida a serventia à utilização pública23. Provavelmente neste contexto, Francisco Maria Teixeira pretendeu desfazer-se de uma propriedade nesse local, o que deu origem a um desentendimento com a sua mulher. Tudo leva a crer que esses terrenos, os quais incluíam a profanada Capela de S. Miguel, eram de Francisco Maria Teixeira por via do seu casamento com Amélia Carlota de Almeida e Silva24. Estas propriedades foram depois vendidas em hasta pública, por execução, feita em 1894, contra os penhorados herdeiros, José Joaquim Leitão, filhos, genros e noras25. 20 A.M.L., Actas, L.º 31, fl. 95v.

A actividade de Francisco Maria Teixeira na condução de obras, continuou intensa. Em 1878 e 1880, dirigiu, entre outras obras, a construção da estrada de Leiria aos Milagres26. Fez também estudos para a construção de motas no Lis, entre a ponte do Arrabalde e a última ponte do passeio público27. Em 1879, projectou uma nova rua no Bairro dos Anjos, e interveio em obras do seu encanamento, bem como em reparações na Fonte Quente e no jardim das Amoreiras28. Dirigiu igualmente a construção de parte da estrada de Leiria à Alcaidaria, entre 1879 e 188129. Em 1881, também fez o projecto para esgotos no Largo do Espírito Santo. Assinalemos que, entre 1881 e 1882, ficou encarregue de elaborar o orçamento da obra da margem esquerda do Rio Lis, até à ponte do Arrabalde30. É precisamente de 1881 um dos poucos desenhos subsistentes de Francisco Maria Teixeira, para obras municipais. Trata-se do projecto para a construção de um

21 A.M.L., Actas, L.º 31, fl. 114. 22 A.M.L., Actas, L.º 32, fl. 61. 23 A.M.L., Actas, L.º 33, fls. 17v. e 56v. 24 “Correspondência de Leiria”, n.º 139, 23 de Junho de 1877. 25 BERNARDES, J. – A Freguesia de Santiago dos Marrazes, p. 200. 26 A.M.L., Actas, L.º 33, fl. 148 e L.º 34, fl. 307. 27 CABRAL, J. - Anais do Município de Leiria, vol. I, p. 225. 28 A.M.L., Actas, L.º 33, fl. 218v. 29 A.M.L., Actas, L.º 34, fls. 105 e 429. 30 CABRAL, J. - Anais do Município de Leiria, vol. I, p. 227.

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edifício destinado aos banhos da Fonte Quente31. Encarregado da construção, Francisco Maria Teixeira, assinou o desenho a 3 de Dezembro de 1881. A planta é também dele, assinando-a como encarregado dos estudos (Fig. 3). Neste projecto, nota-se o gosto neoclássico – bem patente em todos os seus desenhos – e ainda uma certa contenção, talvez por via do carácter formal e pragmático do tipo de edifício pretendido. Fig. 3 – Projecto para os banhos da Fonte Quente (detalhe do alçado principal, existente no Arquivo Municipal de Leiria)

Em 1884, Francisco Maria Teixeira ficou encarregue de orçamentar e designar o número de serventias para a obra do caminho que ia de Souto da Carpalhosa para a Estrada Real32. Várias outras obras municipais de vulto, ao nível de infra-estruturas urbanas, foram sendo dirigidas, nesta época, por Francisco Maria Teixeira33. Porém, a partir de meados da década de 1880 não se terá dedicado tanto a obras municipais. Pelo menos, diminuem as referências em acta ao seu trabalho. Note-se que Francisco Maria Teixeira interveio nas obras de ampliação da Igreja dos Marrazes, sobretudo ao nível da fiscalização. Aliás, chegou mesmo a manifestar o seu desagrado pela obra das cantarias, a cargo de Manuel Rodrigues Barroca Novo34. Este último deveria ser parente de José Rodrigues Barroca que, em 1889, explorava a pedreira de Opeia35. Nesta altura, Francisco Maria Teixeira era referenciado como o “engenheiro da Câmara”. Não sabemos ainda se Francisco Maria Teixeira o era oficialmente, julgamos que não. Porém, de tal maneira a Câmara de Leiria se apoiava nas suas aptidões e solicitude, que Francisco Maria Teixeira era – na prática – o engenheiro da Câmara de Leiria. Consequentemente, Leiria deve-lhe muito. As constantes gratificações que a Câmara de Leiria lhe atribuía pela sua solicitude, reflectem isso mesmo.

3. O PAPEL DE FRANCISCO MARIA TEIXEIRA NO CARÁCTER ORIGINAL DO CEMITÉRIO DE SANTO ANTÓNIO DO CARRASCAL Francisco Maria Teixeira terá tido um papel importantíssimo, quer na construção e concepção do Cemitério de Santo António do Carrascal (ou seja, o cemitério municipal de Leiria), quer mesmo na definição de um estilo para a arte tumular de Leiria dessa época. De facto, a sua intervenção no cemitério foi constante.

31 A.M.L., Obras Municipais, n.º 2. 32 A.M.L., Actas, L.º 35, fl. 106. 33 A.M.L., Actas, L.º 34, fls. 430 e 458.

A primeira intervenção que lhe conhecemos nas obras do cemitério deu-se em Fevereiro de 1870, quando arrematou a construção de três aquedutos, duas serventias e um muro de suporte, na estrada do cemitério36. É então chamado “empreiteiro”. De facto, ele não se limitava a desenhar, mas já então dirigia obras

34 BERNARDES, J. – A Freguesia de Santiago dos Marrazes, p. 53-54. 35 M.O.P.C.I. – Inquérito Industrial de 1890, vol. 1, p. 226. 36 A.M.L., Actas, L.º 26, fls. 145v.-146.

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públicas distritais, municipais, e mesmo particulares. Em 1872, Francisco Maria Teixeira recebeu dinheiro por reparos feitos na estrada do cemitério, os quais haviam sido realizados por alguns trabalhadores à sua ordem. No mesmo ano, também teve a seu cargo a reconstrução de um aqueduto na dita estrada. Foi ele quem forneceu e mandou plantar os ciprestes no cemitério, bem como forneceu as estacas para as covas, em 1873. Tudo isto foi sucedendo enquanto Francisco Maria Teixeira ia dirigindo obras (sobretudo de estradas) no concelho de Leiria, quer através das Obras Públicas, quer através da própria Câmara. E Francisco Maria Teixeira deveria ser um homem com opinião muito respeitada ao nível de obras. Por várias vezes, fez sugestões quanto à evolução de obras em Santo António do Carrascal que nem sequer tinham sido por ele arrematadas. Temos mesmo indícios de que ele próprio escriturou algumas despesas no caderno de receita e despesa do cemitério37. As suas “intromissões” nas obras de acabamento do cemitério foram continuando ao longo de vários anos, até mesmo na concepção do retábulo para a capela mortuária. Francisco Maria Teixeira poderá mesmo ter sido o autor do projecto da referida capela38, muito embora a actual edificação não apresente um estilo evidente de Francisco Maria Teixeira. É claro que a capela é hoje bastante diferente do que era originalmente e, além do mais, por se tratar de uma obra pública, talvez Francisco Maria Teixeira tenha concebido um desenho mais formal e mais contido, tal como terá feito no projecto de edifício para os banhos da Fonte Quente.

Fig. 4

Fig. 5

A capela tumular da família Silva Ataíde da Costa (Fig. 4) – a mais antiga do Cemitério de Santo António do Carrascal – pode ter sido projectada por Francisco Maria Teixeira. Embora não haja certezas, em Leiria, só Francisco Maria Teixeira poderia ter desenhado uma obra como essa, a não ser que Francisco Maria Teixeira tenha sido imitador do estilo de algum outro desenhador, ainda não identificado, que tivesse concebido a dita capela da família Silva Ataíde da Costa. Seja como for, esta capela tumular foi o primeiro jazigo particular em Santo António do Carrascal. Por circunstâncias já descritas em outro trabalho39, teve de ser de grande superfície e, apesar de não ter sido imitada no seu todo, funcionou como importante precedente estético e tipológico.

Fig. 6

37 Caderno existente no Arquivo Municipal de Leiria.

39 PORTELA, Ana Margarida / QUEIROZ, Francisco - O Cemitério de Santo António do Carrascal: Arte, História e Sociedade de Leiria no Século XIX.

Em 1873, Francisco Maria Teixeira fez o projecto para o jazigo do Dr. José Manuel Pereira da Costa (Fig. 5) e, em 1874, para o jazigo de José da Silva Santos (Fig. 6). Talvez tenha dirigido a construção de ambos os jazigos, ainda subsistentes no Cemitério de Santo António do Carrascal. Refira-se que José da Silva Santos terá

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38 PORTELA, Ana Margarida / QUEIROZ, Francisco - O Cemitério de Santo António do Carrascal: Arte, História e Sociedade de Leiria no Século XIX.



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Fig. 7 (reconstituição do autor, com base em fotografias)

Fig. 9

sido bastante próximo de Francisco Maria Teixeira, uma vez que lhe emprestou dinheiro para ele construir a sua casa. Em 4 de Março de 1872, foi mesmo realizada uma escritura de confissão de dívida, na qual são enumerados os bens do casal dados como garantia40, caso Francisco Maria Teixeira não pudesse pagar os 99$000 que lhe haviam sido emprestados. Curiosamente, as boas relações com esta família continuaram mesmo após a morte de José da Silva Santos. Em 1876, Francisco Maria Teixeira obteve outro empréstimo por parte de Maria da Luz Cabeleira (viúva de José da Silva Santos) e do seu segundo marido Joaquim Jorge da Silva Teixeira, para arranjos na sua casa41.

Fig. 8

Francisco Maria Teixeira poderá eventualmente ter feito o projecto para a capela de José Alves de Oliveira (1873), também no Cemitério de Santo António do Carrascal. Fez certamente o projecto para a desaparecida capela de Miguel Joaquim Leitão, por volta de 1874 (Fig. 7) - capela essa onde viria a ser sepultado - e para a capela dos Viscondes da Barreira, em 1876 (Fig. 8), ambas no dito cemitério. Nesta última obra, não pudemos deixar de notar as semelhanças existentes com vários elementos da arquitectura indo-portuguesa, certamente inspirações que Francisco Maria Teixeira recolhera em Goa42. Aliás, podemos aventar a hipótese do tipo de colunas da capela da família Silva Ataíde da Costa (atribuível, com reservas, a Francisco Maria Teixeira) ser também inspirado na arquitectura de Goa43.

Fig. 10 – Três capelas tumulares projectadas por Francisco Maria Teixeira, no Cemitério de Santo António do Carrascal

40 Eram duas propriedades: uma terra de criar pão, no sítio do Castelo, no limite do Arrabalde de Aquém, freguesia da Sé, confrontando com a Fazenda Nacional pelo norte, com Inácio Xavier Figueiredo de Oriol Pena pelo sul, com o castelo e com o Pe. João Augusto Dias pelo nascente e com caminho público pelo poente (valia 40$000 e rendia anualmente 1$400); três partes de uma terra de criar pão na baixa do Vieiro, limite de Leiria, freguesia da Sé. Esta propriedade tinha vinha e olival. Confrontava com o Pe. João Augusto Dias e com estrada pública, pelo norte pelo poente, com Gertrudes Magna Lopes pelo nascente. Rendia 2$800 anuais e valia 60$000. 41 A.D.L., 1º Cartório de Leiria, Notas, 1876-1877, fls. 39v.-42. 42 Veja-se CARITA, Helder – Palácios de Goa. Modelos e tipologias de arquitectura civil indo-portuguesa. Lisboa, Quetzal Editores, 19962.

Estas colunas são muito semelhantes às do túmulo do Barão de Porto de Mós, no Cemitério da Pederneira (Fig. 9), o qual, embora alguns anos anterior, certamente teve um executante ou desenhador comum com o jazigo-capela da família Silva Ataíde da Costa. Encontrámos igualmente semelhanças entre a capela tumular do Dr. José Manuel Pereira da Costa e a seiscentista Igreja de Santa Ana44, em Tallauli (perto de Pangim), no jogo das colunas gémeas e pilastras da fachada, e ainda no particular gosto pelas platibandas com remates, pouco comum na arquitectura tumular dessa época em Portugal. Em 1878, Francisco Maria Teixeira fez o projecto para o jazigo de Manuel do Nascimento Fernandes (Fig. 10, em primeiro plano). Em 1880, fez também o projecto para o jazigo de Manuel dos Santos Ferreira e de seu irmão, o qual foi apresentado à Câmara de Leiria apenas em 1881. Também estes jazigos-capela deverão ter sido construídos debaixo da sua orientação, situando-se no Cemitério de Santo António do Carrascal.

44 HUTT, Antony - Goa. A traveller’s historical and architectural guide, imagem da capa.

Francisco Maria Teixeira será o autor provável do projecto para o jazigo de Joaquim Manuel Ribeiro, em 1881, e do projecto para o jazigo da família Xavier Negreiros, em 1882, ambos no mesmo cemitério.

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43 HUTT, Antony - Goa. A traveller’s historical and architectural guide, p. 48.



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Porém, a partir da década de 1880, também as referências a Francisco Maria Teixeira como autor de projectos de jazigos começam a escassear: não lhe conhecemos nem atribuímos mais nenhum projecto de jazigo a partir de 1886. O último que lhe atribuímos é o do mausoléu para o Dr. José Lopes Vieira da Fonseca, de maior simplicidade, até porque é o único no Cemitério de Santo António do Carrascal, atribuível a este desenhador, que não assume forma de capela. Apesar de tudo, podemos concluir que Francisco Maria Teixeira foi, claramente, o maior responsável pela originalidade estética e tipológica do Cemitério de Santo António do Carrascal. Durante cerca de 15 anos, projectou a maior parte das suas primeiras construções, que também foram as mais monumentais e interessantes45. Francisco Maria Teixeira poderá ter sido também o autor da capela de Mónica da Conceição Mota, que é somente a maior e mais interessante capela tumular do Cemitério de Porto de Mós e uma das mais originais construções sepulcrais românticas em Portugal. As semelhanças desta capela com a da família Silva Ataíde da Costa, em Leiria, são bastante evidentes. É possível que Francisco Maria Teixeira tenha desenhado capelas tumulares para outros cemitérios do país, nomeadamente para Castelo Branco e para o Porto, por efeito de relações de amizade, ou de parentesco. Contudo, isso será, forçosamente, tema para um outro trabalho, mais aprofundado. De qualquer modo, tendo sido Francisco Maria Teixeira o autor de algumas das mais originais construções sepulcrais românticas em Portugal, merece muito maior destaque do que aquele que actualmente possui ao nível da história da arquitectura portuguesa do século XIX, uma vz que é ainda praticamente ignorado.

45 Para aprofundamento, veja-se PORTELA, Ana Margarida / QUEIROZ, Francisco - O Cemitério de Santo António do Carrascal: Arte, História e Sociedade de Leiria no Século XIX.

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