QUEIROZ, Francisco - Memórias de Carlos Alberto no Porto. In \"O Tripeiro\", 7ª série, ano XVIII, n.º 6, Junho de 1999, p. 173-176.

May 19, 2017 | Autor: Francisco Queiroz | Categoria: Historia Da Italia
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PUBLICAÇÃO MENSAL - 850S00

PORTE PAGO

A CAPELA FAROL DE S. MIGUEL O ANJO Contributo poro a sua caracterização histórica COISAS DO PORTO

A MEMÓRIA ÁRABE NO NORTE DE PORTUGAL MEMÓRIAS DE CARLOS ALBERTO NO PORTO TRIPEIROS ILUSTRES

UM PORTUENSE NA CORTE DOS CZARES

I

I

ASSARAM 150 anos

MEMÓRIAS DE CARLOS ALBERTO

Porque foi o Porto escolhido? Os

desde a marte do Rei

vários autores coevos que sobre

Carlos Alberto da Sar­

este assunto escreveram sugerem

denha, na sequência

a importância da cidade e a sua

do seu exílio no Porto.

auréola de liberdade. M as tal /ez

Vários artigos foram já

tenham existido outras razões. O

escritos sobre este desafortuna­

Porto era uma cidade nem muito

do Rei, nomeadamente em O Tri­

pequena, nem muito grande: o

p e ir o ™ . Porém, há que relembrar a sua história e dar al­

ideal para que o Rei se pudesse afastar do mundo ex­

gumas novas perspectivas sobre as memórias que dele

terior, sem ficar propriamente isolado. Por outro lado,

ficaram no Porto.

era uma cidade extremamente hospitaleira. Também no Porto o Conde de Barge não passou in­ cógnito. Aquando da sua chegada, o povo acorreu a rodos para ver a face de um rei e de um herói falado

Cario Alberto Amadeo era filho de uma das casas rei­

em toda a Europa. O seu aspecto abatido e infeliz como­

nantes mais antigas da Europa — a de Sabóia. N asci­

veu os portuenses.

do em 1 7 9 8 , foi educado em França e na Suíça. Tor­

As autoridades civis, militares e religiosas procuraram

nou-se Príncipe Real da Sardenha através do casamento

recebê-lo com honras reais. Mas ele esquivou-se dessas



/

com a Arquiduquesa da Áustria, M aria Teresa Francis­

cerimónias e teve mesmo de interromper um discurso do

co de Toscana. Viveu a sua juventude no meio da ten-

Presidente da Câmara para reafirmar a sua necessida­

/

são entre a hegem onia d a Áustria sobre os estados ita­

de de descanso.

lianos e a ideia de uma Itália unida. C o m o resultado de

Foi então encaminhado para a melhor hospedaria da ci­

vá ria s lutas políticas e militares, em Abril de 1 8 3 1 , C a r ­

dade, que não era sequer luxuosa: a Hospedaria do

los Alberto passou de regente a Rei do estado da S ar­ denha e, a par d a g o ve rn a çã o , foi acalen tan d o o d e­ sejo de uma Itália u n ificad a. Este desejo transformou-se quase numa c ru za d a Rom ântica, na linha do que d e­ fendia também o Papa Pio IX. Em 1 8 4 8 , C a rlo s A lber­ to percebeu que era altura de m archar contra as forças austríacas instaladas em terras italianas. Algumas vitórias retumbantes in iciais não evitaram que, na batalha de N o v a ra , a derrota deitasse por terra o seu ideal de uni­ fic a ç ã o . C a rlo s Alberto desejou morrer nesse d ia . M a s, como isso não sucedeu, optou por a b d ic a r do trono e exilar-se. Estávam os a 2 4 de M a rç o de 1 8 4 9 . A co m p an h ad o ap en as por dois criados e viajan d o in­ cógnito, sob o nome de C o n d e de Barge, rumou a oci­ dente por terra, certamente com o propósito de só parar quando estivesse bem longe das suas desventuras e da sua terra. Ao longo da viagem , foi várias vezes reconhecido, mas sempre recusou a hospedagem digna de Rei que lhe iam oferecendo. Percorrendo o norte de Espanha, che­ gou a Vigo p assad as três sem anas. M ais para ocidente não poderia ir, pois esperava-o o mar e Carlos Alberto es­ tava já muito debilitado, na mente e no corpo. Precisava escolher um local para o seu exílio. Rumou então ao Por­ to, a cavalo , onde chegou a 19 de Abril.

Q U A D R O DO REI C A R L O S A L B E R T O , O F E R E C I D O AO S E N A D O DO PO R T O POR SEU F I L H O . 1 8 3 2 ( M U S E U R O M Â N T I C O DA Q U I N T A DA M A C I E I R I N H A )

O T R IP E IR O

in

Peixe (que foro o palacete dos Viscondes de Balsem ão — na actual Praça C a rlo s Alberto). Aqui permaneceu uma sem ana.

A maior e mais interessante memória que ficou d a p a s­

Muitos lhe ofereceram melhores aposentos: o Paço Epis­

sagem de C a rlo s Alberto pelo Porto é a c a p e la man­

co p al, o Palácio dos Terenas, e até José James Forrester

d a d a erigir, no terreno em que viriam a ser os jardins do

colocou-lhe a sua c a sa à d isp o sição . M a s C arlo s Alber­

Palácio de Cristal, pela sua meia irmã Frederica Augusta

to procurava um local discreto onde pudesse retirar-se.

de Montléart. A personalidade desconcertante desta mu­

Foi escolhida uma c a sa na actual Rua de D. M anuel II.

lher justifica, em grande parte, o carácter extravag ante

Sendo esta ainda muito próxima ao bulício da c id a d e ,

e único da c a p e la que serve de cenotáfio a C a rlo s A l­

C arlos Alberto mudou-se para a bela Quinta das M a c ie i­

berto. Actualmente, esta c a p e la está d esp id a do seu c a ­

ras, residência de cam po da família Ferreira Pinto B as­

rácter fúnebre e encontra-se «perdida» por entre frondo­

to. N esta altura, o seu estado de saúde era |á muito pre­

sas árvores, quase esq uecid a dos roteiros turísticos. N o

cário , pelo que nunca mais pôde sair da Q uinta.

entanto, será provavelmente o maior e o mais interes­

Foi m andado cham ar o Dr. Francisco de Assis Sousa

sante cenotáfio Romântico existente em Po rtu g al(2).

Vaz, talvez por ser o médico mais prestigiado na c id a ­ de. Este acompanhou o monarca até à morte, que sucedeu

Dentre muitas outras memórias que nos ficaram do e xí­

em 2 8 de Julho de 1 8 4 9 e que consternou profundamente

lio de C a rlo s Alberto, há que registar as recom pensas

os portuenses.

recebidas então por alguns portuenses mais directamente

O cadáver foi embalsamado e, posteriormente, transferido

envolvidos na s u a v iz a ç ã o da a g o n ia de C a rlo s Alberto.

para a C a p e la de S. Vicente (na catedral], onde permane­

Estas recom pensas ch eg aram em forma de títulos ho­

ceu à espera da trasladação para Itália. Esta trasladação

noríficos, ofertas de objectos pessoais do Rei ou outros

deu-se em Setembro. O cad áve r foi conduzido para G é ­

objectos com ele directam ente re lacio n ad o s, bem como

nova, onde foi desem barcado num magnífico catafalco,

inúmeras cartas de agradecim ento e até gravuras e q u a­

e depois conduzido à sua cid ad e de origem: Turim.

dros. Francisco de Assis Sousa V az foi um dos que mais

f

Q U A R T O DO REI C A R L O S A L B E R T O ( M U S E U R O M Á N T I C O DA Q U I N T A DA M A C I E I R I N H A )

IM ( j T M I J II »

C A T A F A L C O DE C A R L O S A L B E R T O , A U T O R I A DE V A R NI , COM P I N T U R A S DE DE L E O N A R D I ag rad ecim entos recebeu por parte do governo sardo-

se deram em 1 8 4 9 : o exílio do Rei C a rlo s Alberto na

-piemontês, tendo sido então a g ra c ia d o com o grau de

c id a d e foi o acontecimento mais marcante que o Porto

C a v a le iro da O rdem de S. M au rício e S. Lázaro.

viveu nesse ano. Só a distância que nos sep ara dessa

R elacio n ad o s com C a rlo s Alberto ficaram também v á ­

ép o ca e xp lica o esquecimento em que esses factos c a í­

rios documentos manuscritos. O espólio do pintor Joaquim

ram no comum dos portuenses. Q uantos a s s o c ia rã o ,

Vitorino Ribeiro, por exem plo, inclui a correspondência

hoje, o nome da Praça C a rlo s Alberto a um Rei?

entre a Princesa Augusta de M ontléart e o Padre Antó­

A H o sp ed aria onde C a rlo s Alberto primeiramente per­

nio Peixoto S a lg a d o , confessor de C a rlo s Alberto. Esta

noitou foi posteriormente adquirida pelos Viscondes da

correspondência é importante sobretudo para compreen­

Trindade, que aí fixaram residência. O s Viscondes da Trin­

der a história d a construção da c a p e la de C a rlo s A l­

d a d e afeiçoaram -se bastante à memória do Rei e x ila ­

berto.

do, como o comprovam a manutenção do que fora o seu

H á que referenciar também os registos iconográficos que

quarto como a «Sala C a rlo s Alberto» e o seguimento

foram feitos na é p o c a . N om eadam ente, pelo pintor Go-

atento do processo de construção da c a p e la a C a rlo s

nin, que veio de Itália com o propósito de desenhar os

Alberto, bem como a relação estreita que mantiveram com

últimos aposentos do Rei exilad o .

a Princesa Augusta de Montlé a rt.

M a s existe também uma pintura de Jo ã o Eduardo Ma-

Talvez o facto deste Rei ter por ali p assad o tenha mes­

Iheiro, representando os últimos momentos de C a rlo s A l­

mo pesado na d e cisão de com pra do p alacete por par­

berto, da qual se encontra uma có p ia no Museu Român­

te dos Viscondes da Trindade. A liás, a sala de C a rlo s

tico d a Q uinta da M a cie irin h a . N este Museu existem,

Alberto foi por estes nobilitada de modo a tornar-se um

a liá s, muitas outras representações do Rei, da ca sa onde

dos seus motivos de orgulho. Isto exp lica — em parte —

passou os últimos d ias, da traslad ação para Itália e mes­

a sua existência actual, como continuação da sala de

mo dos seus feitos militares. Dentre estas representações,

baile.

destaca-se um quadro a óleo de grandes dim ensões,

A S a la C a rlo s Alberto do Palacete dos Viscondes da

pintado por A . C a p is a n i, representando o Rei, de corpo

Trindade, que actualmente alb erg a alguns dos serviços

inteiro. Por estas razõ es, recomenda-se-lhe uma visita.

do Pelouro da Cultura da C â m a ra M unicipal do Porto,

Considerem os também a memória colectiva que os por­

foi sendo enriquecida com várias memórias, sobretudo

tuenses retiveram de todos os tristes acontecimentos que

p lacas evocativas da passagem de importantes italianos

O TRIFElixO 17$

tido. talvez o facto de Ernídio ser filho de um italiano tivesse ajud ad o a que fosse aberta a e x c e p ç ã o , quan do outros escultores certamente não d esp erd içariam a oportunidade de possuir a m áscara original do Rei. o busto de tão importante personagem seria um bom pro­ duto de venda para qualquer oficina de escultura, numa cid a d e que se afeiçoou irremediavelmente a este mo­ narca. M eses depois, surgiram anúncios à publicação de retratos de C a rlo s Alberto, facto que obrigou E mídio Am atucci a reforçar que era ele o único a possuir a m áscara ori­ ginal do Rei e que iria dar início à produção de c ó p ia s. Aparentemente, foram feitas có p ia s deste busto, no ta­ manho natural. Porém, não localizam os nenhuma d elas. Existirá ain d a algum a, «escondida» em algum a c a s a da nossa c id a d e ? O busto do monumento da sala C a rlo s Alberto não d e­ verá ser uma dessas có p ia s, pois trata-se de uma m inia­ tura. Porém, não descartam os a hipótese de ter sido b a ­ seado no tal modelo. Talvez algum leitor d ' 0 Tripeiro nos possa aju d ar a esclarecer este mistério.

MONUMENTO A CARLOS ALBERTO, NO I N T E R I O R DO A N T I G O P A L A C E T E DOS V I S C O N D E S DA T R I N D A D E ( P R A Ç A DE C A R L O S A L B E R T O )

FRANCISCO QUEIROZ *

* Historiador de Arte.

por aquele local. Porém, o que chama mais a atenção

NOTflS

nessa sala é o singelo — mas nobre e muito bem exe­

(1 ) Para este artigo foram consultadas, entre outras, as seguin­

cutado — monumento, assinalando o quarto que tinha

tes obras: DA FIENO, Egídio — Breves noções a respeito da

sido ocupado pelo Rei.

vida, viagem, e morte no Porto de Carlos Alberto; assim como

Deste monumento em mármore sabemos ainda muito pouco. Porém, é notória a sua qualidade, inserindo-se numa tipologia bastante incomum, justificável pelo mo­

do funeral, ceremonias da trasladação, e recepção dos suas re­ líquias no Piemonte. Tradução de A. T. Macedo. Porto, Typ.

Commercial, 1850; BASTO, A. de Magalhães — Carlos Alber­ to no exílio. Diário do último período da sua vida. In «O Tripei­

tivo também incomum para que foi erigido. Pretende re­

ro», V Série, ano IV, n.9 6 (Outubro de 1948) a n.9 1 1 (Março

presentar uma espécie de trono memorial. Daí a almo­

de 1849); BASTO, A. de Magalhães — O Porto do Romantis­

fada que sustenta o ceptro e a coroa realí3).

mo. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1932, pp. 145-162;

Este monumento possui também um busto de Carlos Alber­

VITORINO, Pedro — A Capela de Carlos Alberto. In «O Tripei­

to, o qual nos remete para uma polémica interessante: Após a morte de Carlos Alberto, o escultor portuense

ro», IV Série, n.9 1, 1930, pp. 10-1 2; SÁ, S. Ribeiro de — Car­ los Alberto. In «Revista Universal Lisbonense», 1848-49, pp. 474-

-475; Guia Historico do viajante no Porto. Por Francisco Gomes

Emídio Amatucci foi incumbido pelo encarregado dos ne­

da Fonseca [Porto, 1864], A nossa gratidão à Divisão de Cul­

gócios da Sardenha em Lisboa (De Launay) de tirar a más­

tura e Património da Câmara Municipal do Porto e à Directora

cara em gesso ao cadáver, com o objectivo de produ­

do Museu Romântico, Dra. Maria da Luz Paula Marques, por te­

zir um modelo, de forma a enviar algumas cópias para

rem permitido a recolha de imagens para este trabalho.

a viúva e família real sarda. Isso foi efectivamente rea­ lizado. Porém, A matucci conseguiu, a custo, ficar com o mo­

( 2)

Contamos, num futuro breve, apresentar novas contribuições

sobre este monumento. (3 ) Estas peças não se vislumbram na imagem porque se en­ contram em restauro. No entanto, podem ser vistas no artigo de

delo original para si, corri o propósito de fazer cópias

João Paulo Freire, O Porto e a Casa de Saboia, na página 55

e comercializá-las, algo que o Rei nunca teria consen­

de «O Tripeiro», V Série, Ano II, n.9 3.

I » O cm i P fc l K O

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