QUEIROZ, Francisco - O ensino das artes industriais no Porto do século XIX. In \"O Tripeiro\".

May 19, 2017 | Autor: Francisco Queiroz | Categoria: Ensino De Artes Visuais
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P U B L IC A Ç Ã O M E N S A L • 8 5 0 5 0 0

» PORTE PAGO

A SSO C IA C A O IN D U STR IA L PORTUENSE

CO ISA S DO PORTO

O ano em que

se comemora o 150~ Aniversário da Associação Industrial Portuen­ se, estando a His­

0 ENSINO D AS ARTES I NDUS TR I A IS N0 PORTO 00 SÉCULO XIX

ses industriais. Porém, os pres­ supostos da necessid ad e de instrução operária erarn bem diferentes dos actuais. O prot

cesso foi difícil. Muitas vezes, os protagonistas políticos comi

toria da Industria no Porto a

uma visão mais larga tiveram

merecer um crescente interes-

de «remar contra a maré», na

se. propusemo-nos elaborar um trabalho que abordasse

am bição de tornar os operários portugueses c a d a vez

o nosso processo de industrialização do ponto de vista

mais dotados.

do ensino das artes industriais, já que os dois aspectos

Por volta de 1 8 5 2 , o Porto era uma cid ad e extremamente

se ligaram intimamente. Pretendemos, porém, dar ape-

industrializada, embora o tecido fabril fosse quase todo

nas uma imagem resumida e generalista do ensino ar-

constituído por pequenas fábricas, por vezes á escala fa-

tístico-industrial no Porto do século XIX, já que o assun-

miliar, de tal modo rudimentares que permaneciam seme-

to é vasto e requer maior estudo(1).

lhantes às oficinas dos séculos anteriores. O s tecidos de­ tinham a primazia, especialmente a tecelagem de algodão.

INTRODUm

Porém, os estabelecimentos fabris de outras áreas proli­ feravam, criando a oferta necessária de todos os artigos

Q uando nos referimos a artes industriais, implicitamente

que uma

admitimos que os vários artistas do século XVIII viram os

N essa épo ca, eram poucas as escolas de primeiras le-

seus ofícios progressivamente mecanizados com o século

tras na cid ad e. N a sua m aioria, eram privadas, iniciati-

XIX. O ra , não só essa m ecanização exigia formação su-

va ¿e alguns professores que se propunham fazer, eles

plementar para que as oficinas se mantivessem competi­

próprios, a instrução completa de tudo quanto um rap az

tivas, como a extinção que o Liberalismo fez das corpo­

portuense deveria saber: ler, escrever, contar e ter também

rações de ofícios abalou de forma irremediável o sistema

algumas noções de comércio e contabilidade. Isto porque

de aprendizagem tradicional. Algo teria de mudar.

estas escolas estavam sobretudo vo cacio n ad as para os

N o Porto, a hierarquia oficinal mestre-oficial-aprendiz

filhos dos muitos comerciantes existentes no Porto.

não desapareceu de forma total no século XIX. Pelo con­

Houveram também algum as experiências, mais ou me­

trário, persistiu durante d é ca d a s. Uma das razões para

nos efémeras, de instrução das classes mais desfavore­

este facto foi precisamente a ausência de suportes insti­

cidas, como as aulas de instrução primária que existiram

tucionais alternativos que fizessem a formação prática das

no Asilo Portuense de M e n d icid a d e e no Asilo dos ra­

classes artísticas. Estucadores, pedreiros, caldeireiros,

pazes das obras de calcetaria (2).

abridores, serralheiros, canteiros, e outros, continuavam

Após uma instrução b á sica , era possível o ingresso no

a ingressar bem cedo nas oficinas existentes e a fazer o percurso tradicional de aprendizagem , baseado na

cid ad e relativamente grande necessitava,

Liceu N a c io n a l, na A cad em ia Politécnica (vo cacio nad a para formar engenheiros, condutores de obras públicas,

o b servação e na transmissão oral de conhecimentos. Permaneciam quase analfabetos, trabalhavam duramente e ganhavam , geralmente, muito pouco. O Liberalismo português revelou algumas personalida­ des políticas que insistentemente defenderam a instrução das classes laboriosas como urna ferramenta muito im­ Prit a n t e para a a c e le ra ç ã o do crescimento fabril em curso. C orn Passos M anuel, por exemplo, foi contemp o d o para o Porto um Conservatório Artístico, que não sairia do papel. Só com a Regeneração foram reunidas todas as condições políticas e sociais que permitiram a efecti/a cria çã o de estruturas de instrução para as clasU MA E S C O L A . I L U S T R A C A O DO S É C U L O X I X

140 ij T M I I J K O

etc.), na Escola M édico-Cirúrgica ou na A cad em ia de

durante três anos, as grandes /aniagens desta união

Belas Artes, conforme as aptidões reveladas. Para se se-

industrial mantiveram a a sso cia çã o , que congregava fa-

guir a carreira de leis, era necessário o ingresso na Uni-

bricantes dos mais variados sectores industriais e também

versidade de C o im bra.

proprietários de pequenas o ficin a s li).

Com o se percebe, só tinha acesso ao ensino uma cla s­

A A sso ciação Industrial Portuense conta/a também corr

se média bem favorecida e, consequentemente, a pros­

o importante apadrinhamento de homens das letras e

secução dos estudos só se a p lica v a aos mais dotados

das ciências que entendiam como prioritária a instrução

e mais ab astado s, contando sempre com a boa vonta­

das classes laboriosas. Daí que, desde o com eço, esta

de dos pais. O n d e é que os operários entravam neste

tivesse sido uma bandeira da A sso cia çã o . Duas d es*

sistema de ensino? Simplesmente não entravam.

tas importantes personalidades foram José Vitorino Damás io (4) e jo s é de Parada e Silva Leitão(5), ambos concei­

R IMPORTANCIA 00 RSSOCIRTIVISMO INDUSTRIAL Com o engrossar da classe operária portuense, foram sur­

tuados professores da Academ ia Politécnica.

R ESCOLR DR RSSOCIflCRO INDUSTRIAL PORTUENSE

gindo asso ciaçõ es que procuraram defender os seus in­ teresses. As primeiras foram algo efémeras, até porque

Q uando o Duque de Saldanha veio ao Porto, esperando

os estatutos frequentemente careciam de ap ro vação go­

obter o apoio popular necessário para consumar o golpe

vernamental. Por outro lado, até à Regeneração, as mu­

político, José Vitorino Damásio foi recebê-lo como repre­

d anças políticas eram muito fortes e não existiam con­

sentante dos artistas do Porto e ofereceu-lhe os braços ar­

dições para um consenso associativo generalizado.

mados de toda a numerosa classe operária portuense,

Em 1 8 4 9 , surge a A ssociação Industrial Portuense, como

caso ele necessitasse (o que não viria a suceder). Este

reacção a um contexto desfavorável para a indústria do

facto foi determinante para a legalização da Associação

Porto. Apesar de não ter sido reconhecida pelo Governo

Industrial Portuense, em 1 8 5 2 (6). A partir de então, tornava-se possível a criação de uma escola para os seus sócios. O s trabalhos para a sua constituição iniciaram-se em Agos­ to de 1 8 5 2 , tendo a inauguração ocorrido em 2 2 de Novembro de 1 8 5 2 . Em Dezembro desse ano, tinha já 3 6 7 alunos. O ano lectivo seguinte terá começado com mais de 2 .0 0 0 matrículas(7). Como se pode verificar, a necessidade de uma escola deste tipo era tremenda. Para professores, foram escolhidos, de entre os sócios da A sso ciação Industrial Portuense, aqueles que se no­ tabilizavam mais nas várias matérias que podiam inte­ ressar aos operários. José Vitorino Damásio foi o escolh ido para Reitor. Porém, como este estava quase sempre ausente em Lisboa, substituía-o José de Parada e Silva Lei­ tão. A escola abriu com 15 cursos:

Construtores de máquinas e caldeiras de vapor usa­ das nas diversas indústrias; alambiques e máquinas de destilação. Serralheiros mecânicos. Forjadores de 19 classe. Carpinteiros construtores. Carpinteiros de moldes. Carpinteiros de carros, máquinas e instrumentos agrí­ colas.

O

T R 1 1 151 K G

141

Construtores cie motores, aparelhos e máquinas hi­

O ra , em Agosto de 18 5 3 , José de Parada e Silva Leitão

dráulicas.

foi nomeado Director interino da Escola Industrial do Por­

— Construtores de fornos, fornalhas, chaminés e ca lo ­

to e lente da sua 4 g cad eira. Dava-se assim início ao pro­

ríferos para a indústria e para a economia domésti­

cesso de criação desta escola, que punha em causa a Es­

ca .

cola da A ssociação Industrial Portuense: não se justificava

— Contramestres de produtos químicos.

a existência de duas escolas semelhantes na cid ad e.

— Tintureiros.

Parada Leitão ainda chegou a acumular a d irecção de

— Fabricantes de cores e vernizes para pintura.

am bas as escolas, mas viria a abandonar a d irecção da

— Desenhadores industriais.

Escola da A sso ciação Industrial Portuense*151, para se de­

— Fundidores e moldadores em metais.

dicar ao estabelecimento da escola industrial pública.

— Estampadores de estofos, oleados e papéis.

Com o consequência deste processo, foi sendo drastica­

— Administradores e guarda-livros industriais.

mente diminuído o número de disciplinas da Escola da A sso ciação Industrial Portuense. Em 1 8 5 4 mantiveram-

Com o se pode verificar (quadro 11, a estrutura curricu­

-se ap enas: o francês, o inglês, o desenho de ornato e

lar da Escola da A sso c ia ç ã o Industrial Portuense era

m o d e la ç ã o (16) e a leitura e escrita repentina. C u rio sa­

muito a v a n ça d a para a ép o ca. Talvez também por isso,

mente, o professor desta última ca d e ira , José de M a c e ­

o sucesso desta escola não tenha sido duradouro. Aliás,

do Araújo Júnior, tinha estado em Lisboa antes da criação

a função da escola ia sendo e s v a z ia d a com a pers­

da escola, em finais de 1 8 5 2 , para aprender este mé­

pectiva da cria çã o , a curto prazo, de uma escola indus­

todo com o seu autor: António Feliciano de Castilho.

trial pública. De facto, pouco mais de um mês após a

Q uando a Escola da A sso cia çã o Industrial Portuense de­

inauguração da Escola da A sso ciação Industrial Portuen­

sapareceu oficialmente, continuaram as aulas de instrução

se, Fontes Pereira de M elo instituía o ensino industrial pú­

prim ária, em versão a c e le ra d a , na sede da A sso cia çã o

blico, através da cria çã o do Instituto Industrial de Lisboa

Industrial Portuense. António Feliciano de Castilho viria,

e da Escola Industrial do Porto.

mais tarde, a experimentar pessoalmente o seu método

Cadeiras da Escola da A.I.P.

Professores

Francês

Augusto Villers

Inglês

N arciso José de M orais Júnior

Aritmética, álgebra e geometria elementares aplicadas às artes e à indústria

Francisco de Soles Gom es Cardoso

Geometria descritiva e desenho linear aplicado às artes e à indústria

Gustavo Adolfo G onçalves e S o u sa |8) António José de Sousa A z e v e d o (9)

Desenho de ornato e modelação

Emídio Carlos A m atucci|10)

Estereotomia

António Luís Soares

Física geral e industrial

José de Parada e Silva Leitão

Mecânica industrial

G a sp a r da Cunha Lim a,n)

Estudo sobre construção e desenho de máquinas José Vitorino Damásio

Estudo sobre construção e desenho de máquinas a vapor

Joaquim de Santa Cloro Sousa Pinto1121 Sebastião Betâ mio de A lm e id a (13)

Química geral e industrial, tinturaria e estamparia

Arnaldo Anselmo Ferreira Braga Francisco Pereira de Amorim e Vasconcelos Félix da Fonseca Moura

Higiene privada e pública aplicada às fábricas (higiene industrial)

António Ferreira de M aced o Pinto Aires Baptista Pinto

Economia industrial (incluindo escrituração e contabilidade)

Domingos de Alm eida Ribeiro

Leitura e escrita repentina

José de M aced o A raújo Júnior1141

QUADRO I

42

o

r i

i i u

K

i

de escrita e leitura repentina, em aulas nocturnas d ad as

Curiosamente, José Vitorino D a másio foi o homem es

na c a sa que a A sso ciaçã o Industrial Portuense ocupava,

colhido para dirigir o Instituto Industrial de Lisboa, pro­

ao C o rp o da G u a rd a . N ã o era um método muito p a c í­

va do rnérito que este homem possuía na área e fambérr

fic o ,17). A liás, a própria ideia das aulas nocturnas não

da simpatia que g o zava junto do Duque de Saldanha

era também p a cífica : uma grande acum ulação de ra­

Deste modo, os dois amigos (Parada Leitão e D a másio),

pazes (muitos dos quais certamente sem grande interes­

talvez os maiores paladinos da instrução industrial da épo­

se no estudo] chegou a provocar alguns problemas com

c a , viarn-se à frente das duas instituições de ensino mais

os m oradores1181.

importantes para a indústria nacional. Seria de esperar

Em 1 8 5 6 , na sede da A sso cia çã o Industrial Portuense

uma gestão irrepreensível à frente destes estab eleci­

apenas se ministrava a instrução primária (e também o

mentos, como nos parece terá sucedido.

fra n cê s1191). As classes laboriosas não podiam frequen­

Note-se, porém, que alguns industriais portuenses julga­

tar a normal instrução primária porque trabalhavam du­

ram de forma negativa a ch a m a d a de José Vitorino

rante todo o d ia. Note-se que era necessário saber ler

D a másio para o Instituto Industrial de Lisboa, já que a

e escrever para que os artistas e operários pudessem

entenderam como uma forma de enfraquecer o corpo

posteriormente ingressar na Escola Industrial do Porto.

académico portuense nessa área. Aliás, em 1858, quando

Assim se compreende a razão da A sso ciação Industrial

Sebastião Betâmio de Almeida (então professor na Es­

Portuense ter mantido estas aulas nocturnas por mais a l­

cola Industrial do Porto) foi cham ado para substituir uma

guns anos, enquanto a A ssociação se manteve activa*201.

vaga no Instituto Industrial de Lisboa, um jornal portuense

Em Dezembro de 1 8 6 0 , as aulas de instrução primária

criticava o systemo de centralisação, já que a Escola In­

da A sso ciação Industrial Portuense tinham 6 2 alunos*211,

dustrial do Porto não estava a ser convenientemente apoia­

havendo também a funcionar um curso sobre o novo sis­

da, retirando-se-lhe até os melhores professores*221.

tema métrico, com 7 alunos.

Parada Leitão teve de lutar com muitas dificuldades para conseguir manter a escola, que funcionava numa ala do

R ESCOLR INDUSTRIAL 00 PORTO, m o

LECTIVO DE 18U

18 ? M

A criação da Escola Industrial do Porto foi um dos maio­ res contributos da política regeneradora para a instrução das classes laboriosas portuenses. Porém, «o presente saiu envenenado». Enquanto que em Lisboa foi criado um ins­ tituto industrial, no Porto, apenas foi criada uma escola in­ dustrial, com menos disciplinas, menos professores e me­ nor atenção governamental. A injustiça da situação era tanto mais gritante quanto era voz comum no Porto de que a ideia de criar escolas industriais públicas fora precisamente ins­ pirada na Escola da Associação Industrial Portuense.

o E nfadante

u . i t c i m l i l e — 2. roA ldcoor d esp a ch o » d a

Ou seja, não só o Governo tinha morto à partida uma

—- —

—-

-»*-*

----------







p a r a c o n f i t a r so l a v r o n c u te t e r m o q u e o d i t o C i l n d a n t r , n > l ; o o o e o m n i l

N cerotarlo do la a titn to . Secretario

moderna, como também criava uma nova escola com

KiiuJante

meios rudimentares. Tão rudimentares, que o homem es­ colhido pelo Governo para a dirigir, José de Parada e Silva Leitão, teve de «mendigar» aquilo que era da Es­ cola, por direito. Isto sucedeu nos primeiros anos após a sua criação , face ao distanciamento do poder central

F e c h a n a m a tric u la cui «Secretario

RutuJartfc

e ao consequente alheamento das opções de qualida­ de mínima que Parada Leitão pretendia para uma es­ cola que viria a abraçar como o seu maior projecto, nesta fase da sua vida.

T E R M O DE M A T R Í C U L A DE UM C A R P I N T E I R O NO I N S T I T U T O I N D U S T R I A L DO P O R T O , EM 1 8 8 2

O T R IP E IR O

143

edifi cio da Academ ia Politécnica (actual Faculdade de

por parte do Duque de Saldanha. Ern 1 8 5 2 , forarn-lhe confia­

Ciências do Porto) mas que, no início, até funcionou nas

das missões governamentais que colidiam mesmo com as com­

instalações da Associação Industrial Portuense e, no ano

petências de alguns ministros. Por exemplo, foi Darnásio quem negociou com a Associação Comercial do Porto o empréstimo

seguinte numa outra casa alugada (à Trindade). Só em

dos negociantes da cidade para que o Governo construísse a

2 0 de Dezembro de 1 8 ó 4 , a Escola Industrial do Porto

estrada do Porto a Coimbra, quando isso deveria ser assunto do

foi oficialmente equiparada à de Lisboa, passando a

Ministério das Obras Públicas.

chamar-se Instituto Industrial do Porto.

(7) Guio do forasteiro no Porto e província do Minho. Por F. Lo­

A partir desta altura, Parada Leitão optou pelo afastamento gradual da direcção do Instituto, tendo sido Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa

191. (8 ) Viria a ser professor da Escola Industrial do Porto, chegan­

FRANCISCO QUEIROZ

o seu substituto.

pes. Porto, Typ. da Empresa Litteraria e Typographica, s .d ., p.

(Continuo no próximo número) * Esle trabalho é a adaptação de uma comunicação proposta ao ‘ III Encontro de História Regional e Local: História e memó­ ria da escala» (Portalegre, 1 5 a 17 de Outubro de 1998), que

do a Director da mesma. Também foi engenheiro da Câm ara Mu­ nicipal do Porto.

(9) Viria a ser professor da Escola Industrial do Porto. ( 10) Sobre este importante escultor portuense veja-se Q U EIRO Z, J. Francisco F. — A primeira oficina de contaria de mármores no Porto. Notos para uma biografia de Emídio Carlos Amatucci (181 1-1872). In «O Tripeiro», 7 9 série, ano XVII, n.9

não chegou a ser apresentada por não ter sido terminada atem­

2, Porto, Fevereiro de 1 9 9 8 , pp. 51-55.

padamente. Tendo sido posteriormente pedida a sua conclusão

( 1 1 ) 0 Director da Fábrica de Fundição de M assarelos.

por parte da organização do Encontro, a competente publica­ ção foi — lamentavelmente — recusada.

NOTRS

( 12) Era já professor na Academ ia Politécnica. (13) Viria a ser professor da Escola Industrial do Porto. (14) Acumulava as funções de bibliotecário. (15) Viria a ser substituido por José Frutuoso de Gouveia Osório. (16) E mbora com outro professor, que era escultor e docente nas

( 1 ) Para este trabalho consultamos sobretudo: o Copiador de

Belas Artes do Porto: Francisco Pedro de O liveira e Sousa.

Correspondência, n.9 1 (1 853-1 8 5 5 ), o Livro de Actas do Con­

(17) Sobre este assunto veja-se, por exemplo, Periódico dos Po­

selho Escolar, n.9 1 (1 854-1 865) e numerosos livros de matrícu­

bres no Porto n.9 13 1, 3 de Junho de 1 8 5 4 , Porto, Imprensa

las (distribuídos por anos e disciplinas), tudo documentação per­

Álvares Ribeiro, p. 5 6 7 e Ibidem, n.9 1 3 4 , 7 dejunho de 1 8 5 4 ,

tencente à antiga Escola Industrial do Porto e actualmente no

p. 5 8 4 . Veja-se ainda a defesa de António Feliciano de Casti­

Arquivo do Instituto Superior de Engenharia do Porto. Consultamos

lho em Ibidem, n.9 2 1 4 , 9 de Setembro de 1 8 5 4 , p. 9 3 7 . O

também o Livro de Actas n.g 1 do A.I.P. e o Relatorio sobre o Ins­

método de leitura repentina foi suprimido pela A ssociação In­

tituto Industrial e Commerciol do Porto para os anos lectivos de

dustrial Portuense, por ser considerado insuficiente, como se

1 886-1 8 8 7 , 1887-1 8 8 8 e 1888-1 8 8 9 , publicados pelo Minis­

pode ler em O Braz Tisana, n.9 4 5 , 21 de Fevereiro de 1 8 5 5 ,

tério das Obras Públicas, Comércio e Indústria e saídos da Imprensa

Porto, Typ. do Braz Tisana.

N acional. Outras fontes mais especificas vão sendo referidas em

( 1 8 ) Periódico dos Pobres no Porto, n.0i 1 6 0 e 16 7, 8 e 17 de

nota. A nossa gratidão ao Dr. José Manuel Lopes Cordeiro, do

Julho de 18 5 4 , pp. 6 9 3 e 7 2 4 .

Museu da Ciência e Indústria do Porto, bem como ao Instituto Su­

(19) O Ecco Popular, n.s 2 1 7 , 22 de Setembro de 1 8 5 6 .

perior de Engenharia do Porto (em especial ao Sr. Henrique), que

(20) Com

muito facilitaram a recolha de dados para este trabalho.

ciação Industrial Portuense apadrinhou a criação de múltiplas

(2 ) O Ecco Popular, n.9 2 3 0 , 10 de Outubro de 1 8 5 7 , Porto,

pequenas associações mais específicas: a dos pintores, a dos

Typ. de José Lourenço de Sousa. Este jornal contém uma estatís­

marceneiros, a dos tintureiros, a dos proprietários de estabele­

tica mais aprofundada do estado da instrução no Porto da época.

cimentos de tecidos, bem como algumas outras associações de

(3) Note-se que, nesta época, não havia ainda muita distinção

socorros mútuos para os artistas e operários. Eram claras as ne­

social entre «operário» e «patrão». O operário era um fabrican­

cessidades de protecção comum por parte dos mais pobres e tam­

te, tal como o patrão, corn a diferença de que este último pos­

bém a cada vez maior consciencialização de uma classe indus­

suía o edifício fabril, frequentemente um pequeno barraco sem

trial. Por isso, a Associação Industrial Portuense, como associação

condições. Por outras palavras, nestes primeiros assomos asso­

heterogénea, foi-se esvaziando nas suas competências e viria a

ciativos não existia urna clara hierarquia fabril.

passar por uma longa fase de recessão, em que funcionou pra­

(4) O grande impulsionador da criação da Associação Industrial

ticamente apenas como caixa de crédito industrial e montepio de

Portuense. Um dos melhores engenheiros portugueses da época.

socorros mútuos.

( 5 ) Sobre Parada Leitão veja-se SO U SA , Francisco de Almeida

(21) Predominavam os trolhas, os ourives, os alfaiates e os pe­

e O i grandes vultos do Porto. José Parada Leitão. In «O Tripei­

dreiros. Veja-se a estatística completa em O Com m ercio do Por­

ro*, 7'J séne, ano XI, n 9 2, Fevereiro de 1 9 9 2 .

to, n.9 2 8 0 , 5 de Dezembro de 1 8 6 0 , p. 2, Porto, Typ. do Com-

(6 ) Jo sé

mercio do Porto.

/ítoríno Darnásio, que era então Director da Associa­

ção industrial Portuense, deve lei granjeado urna forle simpatia

144

C T IA ! I I I I vO

efeito, em finais dos anos 5 0 do século XIX, a Asso­

(22) O E cco Popular, n.,J 4 2 , 23 de Fevereiro de 18 5 8 sp

PUBLICAÇÃO M E N S A L - 8 5 0 S 0 0

PORTE PAGO

A CAPELA FAROL DE S. MIGUEL O ANJO Contributo poro a sua caracterização histórica COISAS DO PORTO

A MEMÓRIA ÁRABE NO NORTE DE PORTUGAL MEMÓRIAS DE CARLOS ALBERTO NO PORTO TRIPEIROS ILUSTRES

UM PORTUENSE NA CORTE DOS CZARES

0 ENSINO DOS ARTES INDUSTRIAIS O M O se p o d e v e r ¡fi c o i

p e lo s

q u a d ro s 2 e 3 ,

0 ENSINO DAS ARTES INDUSTRIAIS PORTO DO SÉCULO XIX

em série. Para dominar a con­ cep ção das peças em áreas tão diversas corno a m arcena­ ria, a cantaria, a serralharia, os estuques, a carpintaria de moldes, etc., era necessário

nos primeiros 10

saber criar e, consequente­

anos da Escola In­

mente, sa b e r d esen h ar. As

(Continuação do número anterior)

dustrial do Porto,

disciplinas de artes ap licad as

as disciplinas artísticas domi­

eram fundamentais.

navam a estrutura curricular e eram também as mais fre­

• A A cadem ia de Belas Artes do Porto (o locai privi­

quentadas. Isto sucedera já na Escola da A sso ciação

legiado para estudo das artes) não estava vocacionada

Industrial Portuense. Frequentemente, as turmas tinham

para formar os operários, já que era uma estrutura a c a ­

de ser desdobradas, tal era a concorrência de alunos.

dém ica, algo pesada, mais diletante do que ligada à

Julgamos terem sido estas as razões para a grande afluên­

prática. Por outro lado, as aulas da A cad em ia eram

cia de alunos às disciplinas de desenho:

diurnas. N a d é c a d a de 5 0 , foram experim entadas

• A indústria do século XIX ainda estava muito humani­

aulas nocturnas para operários, nas Belas Artes de Lis­

za d a (a m ecanização era ap licad a apenas em algumas

boa (na sequência dos debates havidos na C âm ara dos

tarefas e, frequentemente, limitava-se ao fornecimento

Deputados em Junho de 1 8 5 7 (23)). N o Porto, alguns jor­

de energia motriz).

nais lembraram também insistentemente essa necessi­

• A indústria do século XIX estava com um pé na moderni­

d ad e, de forma a aproxim ar a arte da produção in­

d ade e outro na tradição. Por um lado, já não se podia

dustrial. Porém, isso não foi possível, por razões que

chamar oficina à pequena fábrica, onde algumas tarefas

necessitarão certam ente de maior estudo. N a A c a ­

eram sectorizadas, procurando-se cada vez mais a eficiên­

demia Politécnica (criada em 1 8 0 6 ), também existia a

cia e a economia de tempo e materiais. Por outro lado,

disciplina de desenho. M as, esta Academ ia ministrava

a hierarquização antiquada dessas fábricas (à maneira

um nível de ensino de difícil acesso aos operários (e.

das oficinas de séculos anteriores, mas apenas em maior

igualmente, diurno). Mesmo assim, neste estabelecimen­

escala) ainda permitia canais de expressão do virtuosis­

to de ensino a procura da aula de desenho foi também

mo de cad a fabricante que, não por acaso, era chamado

intensa na época de c ria ç ã o da Escola Industrial do

artista. Com efeito, muito do produto final ainda de­

Porto(24).

pendia da habilidade do mestre. E a questão estética era fundamental, sobretudo numa época em que a arte tan­

Por estas razões, compreende-se a importância que a

to foi valo rizad a, ao ponto de se ter pretendido reviver

Escola Industrial do Porto teve na formação artística dos

todos os estilos do antigo, misturando-os. Vivia-se o Ro­

operários portuenses ligados a áreas onde esta era in­

mantismo. O s padrões de gosto exigiam , assim, que os

dispensável. Aliás, refira-se que algumas disciplinas da

produtos industriais continuassem a ser bonitos e, de a l­

área da química e da física tiveram, em certos anos,

gum modo, personalizados, mesmo que já feitos quase

tão diminuto número de alunos que, muito provavelmente

ESTRUTURA CURRICULAR DA ESCOLA INDUSTRIAL DO PORTO, NOS SEUS PRIMEIROS ANOS Cadeiras

Professores

Descrição

l9

Aritmética, álgebra e geometria

João Vieira Pinto

|

29

Desenho de ornato e modelação

António José de Sousa Azevedo

!

Desenho de máquinas e geometria descritiva

49

Elementos de química e física

Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa ■— . ■ ■■ ■ — - 1-— ■ -■ ■ ■ ■ ■ — ■| José de Parada e Silva Leitão

79

Química aplicada às artes

Sebastião Betâmio de Almeida

39 e 5 9

■■■■■

- — ■

,

QUADRO 2

C T R IP E IR O

111

desmotivariam os respectivos docentes. Este fenómeno

• ourives

vinha já desde a criaçào da Escola, como se pode ver

• fabricantes de tecidos

no quadro 3. Pela sua análise podemos também concluir

• marceneiros, entalhadores, carpinteiros e escultores

por um claro predomínio dos artistas, ou seja, os que

• pedreiros, pintores, estucadores e canteiros.

trabalhavam em artes industriais1261. De facto, muito pou­ cos se declaravam estudantes. Qualquer rap az come-

Podemos, pois, admitir que,

çava a trabalhar cedo numa determinada área, aprovei-

cola Industrial do Porto, o ensino aí ministrado era qua-

tando a escola nocturna para aprender um pouco mais.

se só de artes industriais. Porém, este tipo de ensino de-

numa primeira fase da Es-

O s estudantes seriam normalmente filhos de pessoas com

batia-se com três grandes problemas:

maiores recursos, que até possivelmente não iriam in-

• o excesso de alunos para o número de salas e pro-

gressar na indústria, mas talvez preparar-se para outros

fessores disponíveis (as aulas de desenho necessitavam

voos.

de ser mais individualizadas que as restantes, o que era

A classe artística escolhia massivamente as disciplinas

quase impossível);

de desenho, sobretudo a de ornato, facto inteíramen-

• a falta de material didáctico (que,

te compreensível, já que os grupos profissionais mais

nho, era muito mais sentida);

representados necessitavam muito desse tipo de forma-

• a falta de uma vertente prática, em co lab o ração com

ção:

as fábricas (embora isso tivesse sido previsto inicialmente).

no caso do dese-

ESTÁTÍ$TICA DAS MATRÍCULAS NO PRIMEIRO ANO DE FUNCIONAMENTO EFECTIVO DA ESCOLA INDUSTRIAL DO PORTO (1854-55) l 9 cadeira:

Artistas: 154

aritmética, álgebra e geometria

N ão artistas: 25 Canteiros: 3 Ourives e entalhadores de moldes para fundição: 3 6 Lavrantes de metais, entalhadores de ornato, pintores de ornato, estampadores, encadernadores, pintores de louça Artistas: 188

2 9 cadeira: •

e estucadores: 39 M arceneiros e carpinteiros: 2 6

desenho de ornatos e modelação

Fabricantes de instrumentos de p re cisã o , serralheiros mecânicos e forjadores: 1 Ofícios e artes não designadas acim a: 83

1

I

N ão artistas: 16

I 1

Carpinteiros construtores e canteiros: 1 3 Serralheiros m ecânicos, fabricantes de instrumentos de precisão, serralheiros ajustadores e forjadores: 9 32 cadeira:

Artistas: 1 36

Caldeireiros, funileiros e latoeiros: 1

geometria descritiva e desenho de máquinas

M arceneiros, segeiros e carpinteiros de obra branca: 34 Fundidores de ferro, bronze e outros metais (-) Ofícios e artes não designadas acim a: 7 9

1

N ão artistas: 17

f -------------------------------------------- -------------------------------------------------- ------------------------------------------------------------------------- —

-- ------------------- -----

-



--------

4 9 cadeira:

Artistas: 3

elementos de química e física

N ão artistas: 3

77 cadeira:

Farmacêuticos: 2

Artistas: 3

Serralheiros: 1

química aplicad a òs artes N ão artistas: 4

TOTAL DE ALUNOS

3 2 8 1«1 ’

1« O T R Í F E 1 R O

” ‘1



1

---



Com efeito, nos primeiros anos da Escola Industrial do

N o ario lectivo de 1 8 5 4 / 5 5 , só cerca de 20% dos a lu-

Porto o ensino artístico deve ter sido algo pobre. Siste-

nos matriculados ficaram aprovados em exam e (a es-

maticamenle esquecida pelo poder central, a Escola teve

rnagadora maioria nem sequer frequentava as aulas até

grandes dificuldades para adquirir material apropriado,

ao final do ano). Este fenómeno repetiu-se nos anos se-

sobretudo modelos e álbuns de estampas, material caro

guinfes. Julgamos que as razões para este facto eram as

e que não se produzia no país. Assim, ao longo dos

seguintes:

anos e «a conta gotas», foi sendo adquirido variado ma-

• O s horários de trabalho fabril eram muito alargados,

terial, vindo sobretudo de Paris.

daí que a sobrecarga de aulas a noite era muitas /ezes

N o entanto, existia um outro problema adicio nal: prati-

incompatível com uma verdadeira aprendizagem .

camente nenhum aluno entendia outra língua que não o

G ra n d e parte dos alunos era dos subúrbios da ci-

português. Este facto tornava, em certa medida, inúteis

dade, de modo que perdia muito tempo corri a ida e

alguns dos livros importados. Contudo, com professores

vinda para as fábricas. Restava pouco tempo para o

bem dotados, como eram os da Escola Industrial do Por­

estudo.

to, julgamos que muitos alunos adquiriam, ainda assim,

• Muitos alunos matriculavam-se por arrastamento dos cole-

uma bagagem importante: quando se realizou no Porto

gas e queriam sobretudo arranjar uma desculpa para,

a Exposição Industrial de 1 8 6 1 , a Escola Industrial do

alguns dias por semana, pedir aos seus mestres para

Porto foi premiada através de trabalhos de desenho dos

sair mais cedo. Aliás, nos anúncios anuais de abertura

seus alunos.

das matrículas, Parada Leitão advertia que não se deviam

Atentemos, agora, na questão do absentismo escolar, que

matricular os rapazes sem interesse no estudo e que ape­

era enorme na época e que terá sido talvez o maior en­

nas queriam iludir os seus pais e mestres, para depois

trave a que esta Escola tenha tido ainda mais importância.

nessas horas irem vadiar.

^ 9 ALA C lO fr

»»i i H T L K N S K

> e / e c ja a n a

P rem ia d a nas a 1889'Lisbuu. lõtfac I E X E M P L O DE A P L I C A Ç Ã O DAS A R T E S À I N D Ú S T R I A : L I T O G R A F I A . C A T Á L O G O DE F E R R A G E N S DE M A N U E L F R A N C I S C O DA C OS T A & C . 9, S A Í D O DA L I TH O G R A P H I A P 0 R TUGUEZA, DE S. S A N H U D O ( I N I C I O DO S E C U L O X X )

O 111 \ I 1 1 1 K O

m

Em 1 8 8 4 , também o Porto recebeu duas novas escolas industriais: a Faria Guimarães[29) e a Infante D. Henri­

que. O Instituto Industrial do Porto passou então a assu­ mir um carácter de escola industrial de nível superior. Daí ter diminuído o seu número de alunos, em especial de algumas áreas que frequentavam sobretudo as dis­ ciplinas de artes ap licad as: estes passaram a preferir as novas escolas industriais, pela própria estrutura curricu­ lar destas ser mais polivalente. De facto, ca d a nova es­ cola industrial detinha os cursos que mais interessavam E X E M P L O DE A P L I C A Ç A O DA S A R T E S A I N D U S T R I A : E S T U Q U E S P O R M E N O R DE UM T E C T O DA C A S A DE A N T Ó N I O A L M E I D A DA C OS T A ( I N Í C I O DO S É C U L O X X )

à comunidade operária de ca d a pólo fabril. Por exem­ plo, a Escola Industrial de G a ia foi vo cacio n ad a quase só para actividades fabris ligadas à cerâm ica.

• Muitos dos proprietários das fábricas deviam pressio­

As escolas industriais criad as em 1 8 8 4 vieram dar um

nar bastante os aprendizes a desistir das aulas, sobre­

novo impulso à industrialização em curso e, também,

tudo se notassem que o seu rendimento fabril b aixava.

exigir novo material didáctico sobre artes ap licad as. N a

Outros eram mesmo contra a instrução dos seus apren­

circunscrição do norte, terá sido José Guilherme de Pa­

dizes, julgando-a perigosa para o domínio que sobre eles

rada e Silva Leitão (filho de Parada Leitão) o encarregado

deveria exercer o proprietário.

de adquirir material para apetrechar estas escolas: Du­

rante este anno [1 8 8 5 / 8 6 ] foi adquirido no paiz, na AlN a Escola Industrial do Porto encontramos também um ou­

lemanha e na França algum material de ensino para to­

tro fenómeno muito curioso, que tem relação directa com

das as escolas desta circunscripção. Tanto os modelos

a problemática do absentismo: muitos alunos matricula­

recebidos de Allemanha, como os que vieram de Fran­

vam-se anos seguidos na mesma cadeira sem nunca a con­

ça, foram escolhidos nas collecções empregadas nas

cluírem. Aparentemente, já de início não pretendiam fazê-

escolas daquelles paizes para o ensino do desenho1301.

-lo, provavelmente porque o diploma de pouco serviria perante os «patrões». Talvez quisessem apenas aprovei­ tar ao máximo todas as poucas vezes em que podiam as­ sistir às aulas. É uma questão a aprofundar no futuro.

R GENEHRLIZRÇflO DRS ESCOLRS INDUSTRIAIS EM TODO 0 PAÍS Em 1 8 8 4 , perante a progressiva industrialização de ou­ tros locais do país, foram também criadas escolas in­ dustriais em Braga, Coim bra, G a ia , Portalegre, e t c .(27). Até então, era muito sentida a necessidade de ensino ar­ tístico nestes nascentes pólos fabris. Em Coim bra, aliás, foi até criada uma Escola Livre das Artes do Desenho, em 1 8 7 8 . O seu fundador, António Augusto G onçalves, procurou assim suprir as carências do ensino artístico ap licad o (numa cid ad e que — paradoxalmente — tinha Universidade). A Escola Livre das Artes do Desenho, que era lí/re e gratuita, foi urn projecto notável, e acabou por

'v papel fundamental nas artes industriais de Coim bra err finais do século / I/ (e mesmo corn reflexos já no sé­ culo //), sobretudo na serralharia artística1281.

M

C

r i i l H o l PvO

E X E M P L O DE A P L I C A Ç Ã O DAS ARTES À I N D Ú S T R I A : C A NT A R I A M O N U M E N T O F U N E R Á R I O NO C E M I T É R I O DE A G R A M O N T E , SAÍ DO DA O F I C I N A DE ANT ÓNI O A L M E I D A DA COSTA ( F I N A I S DO S É C U L O X I X )

Com o se pode verificar, todo o material era escolhido

memente, não só pelas suas c a p a c id a d e s artísticas,

com grandes pieocupações de qualidade, e teria de ser

como também por ter sabido rodear-se de outras pessoas

quase todo adquiiido no estrangeiro. Isto já sucedia des-

instruídas nas artes industriais,

de a fundação da Escola Industrial do Porto: os seus

O seu principal sócio durante d é cad a s foi José Joaquim

professores das cad eiras de desenho (e mesmo José de

Teixeira Lopes (pai do escultor Teixeira Lopes), que tam-

Parada e Silva Leitão, já que era seu Director) sabiam

bém estudara na Escola Industrial do Porto, tendo obtí-

bem o material que com pravam .

do igualmente ap ro vação , na disciplina de desenho near. Almeida Costa e José Joaquim Teixeira Lopes viriarr

0 CONCEITO DE FRBRICR-ESCOLR E 0 EXEMPLO DE ANTONIO ALMEIDA DA COSTA

depois a fundar uma fábrica de cerâm ica (a das Deve­ sas), que se tornaria a maior da região do Porto na vi­ ragem do século (com cerca de 7 0 0 trabalhadores e

Parece-nos, hoje, evidente que as melhores fábricas do

imensas secções esp ecializad as, incluindo fundição, es-

século XIX seriam as que mais fortemente apoiavam a ida

tatuária cerâm ica, estuques, materiais de construção, te-

de seus aprendizes para as aulas nas escolas industriais.

lha, etc., para além da oficina industrial de cantaria,

Porém, na é p o ca, poucos compreenderam isso. Alguns

que era a área de origem de António Almeida da Cos-

dos industriais de maior sucesso, cuja memória das fá-

ta). Aliás, em 1 8 9 7 , a fábrica foi premiada por ser o

bricas chegou até nós pela sua prosperidade, foram pre-

maior e mais bem montado complexo cerâmico do país.

cisamente dos que mais apoiaram estas escolas.

A fábrica só deixou de prosperar quando António Al-

Vamos dar como exem plo paradigm ático António Al-

meida da Costa acusou a velhice, tal como José Jo a­

meida da C osta, nascido nos arredores de Lisboa em

quim Teixeira Lopes, que a ca b a ria por se desvincular da

1 8 3 2 e que terá vindo para o Porto ainda jovem, pro-

sociedade no início do século X X (32).

vavelmente para integrar uma oficina de canteiro(3,). An­ tónio Alm eida da Costa foi o primeiro canteiro a ins­ crever-se na Escola Industrial do Porto (tinha então 22 anos) e, curiosamente, conseguiu logo no primeiro ano de fre­ quência, concluir a cad eira de desenho de ornato. Este facto é muito interessante, já que outros canteiros que se matricularam nesse e nos anos seguintes geralmente re­ petiam a matrícula várias vezes e nunca iam a exame. É claro que não sabemos se António Almeida da Costa matriculou-se na Escola Industrial por vontade própria ou por encorajamento do mestre da oficina onde trabalha­ ria. Porém, isso não invalida que ele tivesse sido um pio­ neiro, auspiciando-lhe grande sucesso. De facto, pouco mais de um ano após ter montado a sua oficina própria, recebeu uma encomenda de vulto por parte da Santa C a sa da Misericórdia do Porto: o busto do abastado «bra­ sileiro» João Teixeira G uim arães, que foi elogiado pela imprensa, facto pouco comum no caso de um cantei­ ro/escultor ainda «sem nome». Parece-nos claro que a bagagem adquirida na Escola In­ dustrial do Porto muito influenciou o facto das suas c a ­ p acid ad es artísticas terem evoluído, ao ponto de ter re­ cebido importantíssimas encomendas poucos anos após estar estabelecido com oficina própria (o jazigo-capela do Visconde de Pereira M achado, por exemplo, ou o mo­ numento a D. Pedro V). O seu negócio cresceu enor-

E X E M P L O DE A P L I C A C A O DAS A R T E S A I N D U S T R I A : C E R A M I C A V A S O S A Í D O DA F A B R I C A DAS D E V E S A S ( F I N A I S DO S É C U L O X I X )

O T R IP E IR O

181

NOTAS (23) O E cco Popular, n.

128 e 1 3 0 , 8 e 10 de Junho de

1857.

(24) Periódico dos Pobres no Porto, n.- 2 6 9 , 14 de Novembro de 18 5 3 , pp. 1249-1 2 5 0 .

(25) Ao longo do ano foram-se inscrevendo mais alunos. N o to­ tal, foram atingidas as 4 8 8 inscrições.

(26) Note-se que também no Instituto Industrial de Lisboa os ar­ tistas predominavam: no ano de 18 5 4 / 5 5 , em 4 0 2 alunos ma­ triculados, 3 8 8 eram artistas. Periódico dos Pobres no Porto, n.9 2 5 5 , 2 7 de Outubro de 1 8 5 4 , p. 1 1 0 2 .

E X E M P L O DE A P L I C A C Ã O DA S A R T E S À I N D Ú S T R I A : F U N D I Ç Ã O D E T A L H E DE UM P O R T Ã O EM F E R R O F U N D I D O , S A I D O DA F A B R I C A DAS D E V E S A S NA D É C A D A DE 8 0 DO S É C U L O XI X

(27) Alg umas destas escolas ¡á tinham sido previstas aquando da reforma do ensino industrial, de 1 8Ó 4. Nom eadam ente, as de Guim arães, Portalegre e C ovilhã. A liás, em 1 8 6 4 chegou a

Quanto a nós, a Fábrica das Devesas expandiu-se so­

ser feita uma proposta de lei para a criação de escolas de de­

bretudo porque possuía mestres muito qualificados. Eram

senho industrial em todas as capitais de distrito, a qual não teve

todos nacionais e dotados de capacidade fabril fora do

seguimento.

commuml33). Essa cap acid ad e fabril derivava certamente

(28) Talvez até mais do que a Escola Industrial de Coim bra (a actual Escola Avelar Brotero), que, aliás, teve António Augusto

da instrução operária. António Almeida da Costa com­

G onçalves como seu primeiro Director. Sobre este tema veja-se

preendia perfeitamente que só assim a fábrica se po­

G U IM ARÃES, Feliciano de — Ferros de Coim bra. Coim bra, s.n .,

deria distinguir das restantes. Foi por isso que, em 1 8 8 4 ,

1 9 4 9 , pp. 4 0 -4 5 .

Almeida Costa cedeu as instalações da fábrica para

(29) Em homenagem a este grande industrial, Presidente da pri­

que pudesse ser criada a escola industrial em G a ia , já

meira Direcção da A ssociação Industrial Portuense.

que não existia edifício disponível. A Escola Industrial de G a ia (que tomou o nome de Passos M anuel), funcionou nas Devesas até 31 de Agosto de 1 8 8 7 (34>. Almeida Cos­

(30) M . O . P . C . I . D I R E C Ç Ã O G E R A L DE C O M M E R C IO E INDUSTRIA — Relatório sobre as escolas industriais e profissionaes e d e desenho industrial da circum scripção do norte. Por José Guilherme de Parada e Silva Leitão. Lisboa, Imprensa N a ­

p. 4 1 .

ta aproveitou a proximidade física da escola para for­

cional, 1 8 8 6 ,

mar convenientemente os seus aprendizes. Aliás, já an­

(31) Sobre este canteiro veja-se Q U EIR O Z, J. Francisco F. — Um

tes de ter sido instalada a escola industrial na Fábrica

virtuoso do mármore. Gutros notas paro uma biografia de Ant&

das Devesas, tinham aí funcionado aulas de desenho,

nio Almeida da Costa ( 18 3 2 - 1 9 1 5 ) . In «Boletim da A sso ciação

promovidas pelos seus directores, António Almeida da Costa e José Joaquim Teixeira Lopes.

Cultural Amigos de G a ia » , n.9 4 4 , Dezembro de 1 9 9 7 , pp. 49-54.

(32) Sobre este assunto veja-se VILA, Romero — A Fábrica do

M as o conceito de fábrica-escola não era novo. Q u a n ­

Costa das Devezas. G a ia , A ssociação Cultural Amigos de G a ia ,

do José Vitorino Darnásio e Joaquim Ribeiro de Faria

1979.

G uim arães fundaram a Fundição do Bolhão (em 1 8 4 7 ),

(33) Relatório apresentado ao Fxc. mo Snr. G o vern a d o r Civil

pretendiam já que a fábrica fosse dinam izadora da crea-

do Districto do Porto (presidente da Com m issão Districtal do In­

çõo e introdução de novos ramos de industria no nosso

quérito às Industrias) pela Sub-Commissõo en ca rreg a d a das vi­

p aizi3S). Esta fábrica chegou a receber aulas da Escola

sitas aos estabelecim entos industriaes. Porto, Typ. de António José da Silva Teixeira, 1 8 8 1 , p. 2 9 1 .

da A sso ciação Industrial Portuense, em 1 8 5 3 (36). Uma

(34) M . O . P . C . I . — Relatório sobre as escolas industriais e pro-

d écad a depois, quando Luís Ferreira de Sousa C ruz fun­

fissionaes e d e desenho industrial da circum scripção do norte,

dou a Fundição do O uro, logo criou na fábrica uma

p. 16.

escola para os operários (onde se incluía a disciplina

(35) Alm anaque da C id a d e d o Porto e Villa N o v a d e G a y a

de desenho). Também não foi por a c a so que Luís Fer­

1 8 4 8 , p. 118.

reira de Sousa C ru z se tornou urn dos

(36) Alm anaque da C id a d e do Porto e Villa N o v a d e G a y a

mais bem sucedidos industriais do Porto, na é p o ca .

IU (j < m i I I J K i

para o anno d e ¡ 8 4 9 . Porto, Typ og raphia de S. J. Pereira,

para o anno d e 1853. Porto, Typ. de Faria G uim arães, 1 8 5 3 ,

F. Q.

p. 143.

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