QUEIROZ, Francisco - Subsídios para a história da indústria no concelho de Gaia. II - Da consolidação do Liberalismo à Regeneração (1834-1851): a Fábrica de Vidros de Paço de Rei e as origens da indústria de fundição em Crestuma.

May 19, 2017 | Autor: Francisco Queiroz | Categoria: Industrial History, Cast Iron, Glass (Art history)
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SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA INDÚSTRIA NO CONCELHO DE GAIA II - Da consolidação do Libera lismo à Regeneração (1834-1851): a Fábrica de Vidros de Paço de Rei e as origens da ind ústria de fundição em Crestuma

FRANCISCO QUEIROZ

Retomando a série de artigos que nos propusemos

t6ria da Fábrica de Vidros de Paço de Rei, sobre a sua

elaborar sobre a história da indústria no concelho de Gaia

importância e sobre algumas das razoes Que não permitiram o seu sucesso duradouro.

• baseados sobretudo na imprensa do século XIX- desta feita abordaremos dois proje ctos industriais interessan-

tes nas áreas do vidro e da fundição, os quais se relacionam lambém com as primeiras tentativas consistentes

de constituição de sociedades anónimas industriais na

região do Porto.

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A Fábrica de Vidros de Paço de Rei Esta fábrica foi ja objecto de análise por parte de Manuel Leão (') • que revelou interessantes documentos sobre a connata ção dos mestre s fabris, vindos de vários

locais do paIs e mesmo do estrangeiro. Ora , através destes dados já publicados e da imprensa da época, podemos hoje ler uma ideia mais objectiva sobre a hls-

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Esta fábrica partiu da iniciativa de Francisco da Rocha Soares, homem que é hoje sobretudo referenciado como o proprietário da antiga Fábrica de Louça de Miragaia. Francisco da Rocha Soares era . aliás. filho de um outro Francisco da Rocha Soares já com interesses na industria cer âmlca e ligação ao Bra sil. Segundo Manuel Leão. foi em 1831 que Francisco da Rocha Soa res (filho) começou a montar uma fãbnca na Ouinta de Paço de Rei (situada em Mafamude). destinada á produçã o de vidro. Embora não te nha descurado a qualidade da produção - contratando mestres vindos de fora do Porto (2) - inicialmente Francisco da Rocha Soares surge isolado como proprietário da fãbrica (seu pai tinha falecid o dois anos antes). Porém. a Fábrica de Paço de Rei foi incendiada em 1832 pelas tropas miguelistas (3), o que não é de admirar. já que o seu proprietário era um liberal assumido . Supomos que este terá sido um rude go lpe na fábrica. em bora Francisco da Rocha Soares tivesse mantido a intenção de montar uma indüstria vidreira que viesse a satisfazer o mercado de toda a região do Porto. Com o triunfo do Liberali smo. Francisco da Rocha Soares volta a assumir o seu papel de preponderante empreendedor fabril. procurando consolidar a sua fortuna. Em 1834. era Vereador da Câmara Muniopal do Porto e morava na Calçada da Esperança . n.o 142. junto a fabrica de louça que explorava e que vinha já do seu pai (" ) . Tr ês anos depois. a imprensa faz menções interessantes a Fabrica de Vidros de Paço de Rei. a qual alegadamente - tinha iniciado h avia pouco tempo a laboraçã o (5) . Na verdade. este inicio de labOração cerrespondia a uma nova fase da história desta fâbrica. a qual s6 pode ser melhor co mpreendIda atrav és de um outro projecto fabril pioneiro. hoje ainda mal conhecido. A Associação de Industria Fabril Portuense e e fundiç.to em Crestuma Ouando a Fábrica de Paço de Rei es tava a dar os primeiros passos - ap6s a destruiçã o a que foi sujeita durante a guerra civil - surgiu na imprensa do Porto a

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notic ia da aprovação dos estatutos de uma companhia ind ustria l. os quais foram publicados como apenso a um periódico portuense: "Com 8 folha de hoje distribuimos 8 nossos Assignantes os Estatutos da Nova Empreza de nominada PRIMEIRA ASSOCIAÇAO DE INDUSTRIA FABRfL PORTUENSE. A lista para os Accion istas acha-se patente na sala da Associação Commercial desta cidade. As pessoas das provincias que quizerem ser accionistas podem dirigir-se a qualquer dos instituidores, na certeza de Que serão inscriptos os seus nomes" (6) .

Barão de Massarelos) e o negociante Bento Lu is Ferreira Carmo (posterior fundador da F ábrica de Papel de Ruães. perto de Braga). Quanto ao Secretario, era o também negociante Manuel Pereira Gu imarães. que foi Vice-presidente da Associação Comercial do Porto, em 1837, morando en tão na Rua das Hortas, 7. Manuel Pereira Guimarães pertencia à Assembleia Portuense. foi Tesoureiro da Câmara Municipal do Porto aquando do Cerco e manteve cargos directivos na Associação Comercial do Porto durante a década de 1840. O própri o Joaquim Augusto Kopke esteve muito ligado à Associação Comercial do Porto e veio a ser seu Presidente. Percebe-se. assim . melhor porque estava a lista para os accionistas disponivel na Associação Comercial do Porto e porque a dita Assembleia Geral se realizou atê na sede desta Associação (8) . Vejamos alguns dos ma is intere ssantes aspectos destes estatutos:

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-Estatutos da Associação de Indústria Fabril Portuense, approvados em Assemblea Geral de Instituidores no dia 27 de Março de 1836. Capitulo 1. Da Associação. Artigo primeiro: O Título desta companhia de Accionistas he = PRIMEIRA ASSOCIA çÃO DE INDÚSTRIA FABRIL PORTUENSE = • o seu Emblema, duas figuras representando as Artes e o Commercio. dando-se 8S mãos, com o titulo da Associação em volta, e no fundo a Era de 1836. Artigo segundo: O seu Capital são trezentos contos de reis, divididos em seis mil Acções de cincoenta mil réis cada nume; das quaes se imittirão somente duas mil, reservenao-se as outras para se imittirem, quando a prosperidade e interesses do Estabelecimento assim o demandar, e seja approvado em Assembléa Geral. Artigo terceiro: O fim desta Associação he fazer manufacturar Ioda a espécie de obra de ferro ou qualquer outro metal. seja batido ou fundido; e bem assim todos os mais obj ectos de Industria fabril, que convierem á prosperidade do Estabelecimento, e da Indústria Nac ional. Artigo quarto: O seu principal Estabelecimento será a Fábrica de Crestuma da Companhia dos vinhos· e para tratar da sua compra. aceitando a proposta da mesma Companhia, são authorizados os directores da Associação 8 darem parte do preço da compra em Acções desta Associação. Três Instituidores serão ulteriormente authorizados pela Assembléa Instituidora para assignarem o contracto de compra- (9) .

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BARÃo

DE CASTELO OE PAIVA

Apesar de não serem referidos nos estatutos, sebem os o s nomes de alguns dos seus principais promotores. De facto. em Abril de 1836. os instituidores desta Co mp anhia trataram de a publicitar: "Quem pertender tomar acções nesta Empreza , póde dirigir-se as seguintes pessoas e logares. a saber: na eene da Associação Commercial: em casa do Sr. Joaquim A. Kopke, rua do Calvimo, n.c 41; em casa do Sr. Bento t ua Ferreira Carmo, de fronte de S. Bento das Freiras . Porto, 18 de Abril de 1836. Joaq uim A. Kopke, Director" (7) . Em 2 de Julho de 18 36. quando a im pre nsa anuncia a convocação da As sernblera G era l de sta Compa nhia. é referenciado o no me de Manuel Pere ira G uim arãe s como Secretário. Em sum a. d ois dos d irectores da Compa nhia eram o g rand e capitalista Joaquim August o Kopke (posterior

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Como se pode verificar, a constituição desta companhia fabril pretendia aproveitar o edifício da antiga fabrica de fundição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, situado em Crestuma. Esta fâbrica de fund ição situava-se estrategicamente junto ao Douro, tendo servido sobretudo para produzir arcos de tanoaria . Contudo , para a época , a fundição da Companhia das Vinhas do Alto Douro não era uma fabrica qualquer. Embora tenhamos encontrado referências apontando para uma fundaçã o desta fábrica por volta do ano de 1831 (10) . a verdade é que a origem da

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fabrica é bem mais remoia. Em Setembro de 1821, esta fabrica já devia existir há muitos anos. Efectivamente, nesse ano, Manuel José das Neves, morador em Orestuma, pediu licença para abrir uma fábrica de fundição em Crestuma (" ) . Ora, Manuel José das Neves tinha sido até então o mestre serralheiro da fábrica da Companhia das Vinhas do Alto Douro . Manuel José das Neves pretend ia edificar uma outra fabrica em local pr6ximo, que se ded icasse a toda a obra em ferro e arame (de ferro e "metal amarelo"). Para isso, possu ia experiência e conhecimentos técnicos, bem como terreno e uma parte do novo edificio fabril ja constru ido (em lousa, com 45 palmos de comprido e 30 palmos de largo). O terreno situava-se em socalcos junto ao Douro, sendo na época constituido por pinheiros e outras árvores. Curiosamente, Manuel José das Neves apresenta como testemunhas os serralheiros Nicolau João da Costa, de cerca de 40 anos (do Campo de Santo Ovidio, no Porto) e Pedro José da Costa, de cerca de 46 anos (da Rua do Almada, no Porto). Não apurámos se esta outra fábrica de fund ição chegou a laborar e em que moldes o fez. Sabemos apenas que, em 19 de Dezembro de 1832, D. Miguel terá visitado a Companhia de Ferro e Fundição de Crestuma, então propriedade de Domingos Gonçalves (12) . Não fica claro se esta se tratava da fábrica da Companhia das Vinhas do Alto Douro ou da outra fábrica de fundição que Manuel José das Neves pretendia edifICar cerca de dez anos antes. Oe qualquer modo, parece-nos que a fábrica da Companhia das Vinhas do Atia Douro era bem maior que a sua sucedânea, mesmo não sendo uma verdadeira fábrica de fundição polivalente e moderna. Apesar de tudo, terá sido a segunda fábrica do Porto e arredores a empregar uma máquina a vapor (13) , o que denota a importãncia do vinho na economia portuense de então. Aliás, esse factor vai também condicionar a escolha de muitas das primeiras áreas fabris em Gaia, como a pr6pria industria de vidros tão necessária para a fabricação de garrafas.

duração da companhia seria de vinte an os (artigo 6°) A associação teria seis directores eleitos anualmente. havend o tamb ém três directores substitulos (artigos 22° e 24°). Um dos directores dirigiria o escnt ónc principal da associação, que seria no Porto; outro director teria w a seu cargo a -inspe cç~o das (ábricas (artigo 25°). Ou seja , a Asscciaçêc de Indústria Fabnl Portuense não se destinava apenas a explorar a antiga fundição da Companhia das Vinhas do Alto Douro. em Crestuma . Entre as atribuiçõe s dos directore s da Associação de Industria Fabril Portuense contava-se também -a ccmpra de máquinas, instrumentos, utensitios. modelos. gravuras, traetados, &c. Que (orem necessárias para se montar o Estabelecimento, ou aperfeiço ar suas producções· (artigo 30C', parágrafo 2-). Os directores estavam igualmente incumbidos de escolher e nomear empregados. operá rios. etc.• e também ' fazer vir de peizes estrangeiros os mestres e officiaes, que forem predzos para o melhoramento da nossa industri a. e instrucção de naecnaes, que os possão substituir" (artigo 300, parag rafo 3°). Também pod iam mand ar os mestres ao estrangeiro para estudarem novos métodos fabris. Os direClores do primeiro ano administrativo, logo depois da sua eleiçã o. deviam pedir ao Governo a necessâ ria autorização para o funcionamento da associação, bem como a isenção de direitos de máquinas. instrumentos. gravuras ou tratados que se mandassem vir durante esse ano (artigo 33-) (14 ) . Podemos verificar que as áreas fabri s a que a Associação de Industria Fabril Portuense pretendia dar mais atenção estavam dentro das artes industriais. A fundição era uma delas. O vid ro ou a cerâmica seriam certamente hip óteses viáveis para investimento. Ora, embora

A fábrica de fundição da Companhia das Vinhas do Alto Douro terá sofrido bastante com o periodo conturbado do Cerco do Porto, no conte xto de uma crise vinlcola. Tendo a Companh ia dos Vinhos sido dada como extinta em 1834, a sua fábrica em Crestuma foi colocada a venda, explicando-se melhor a iniciativa da Associação de Industria Fabril Portuen se.

A Companhia de Indústria Fabril de Paço de Rei Fazer a histôria da Associação de Industria Fabril Portuense não é tarefa fácil, dada a sua efemeridade, o seu pioneirismo e a ausência de documentos sobre a mesma. Porém, através dos estatutos podemos tirar mais algumas conclus6es. Assim, a associação MO podia possuir bens de raiz para além dos prédios necessârios á sua actividade (artigo 5-). Esta actividade com eçaria logo que a associação estivesse legalmente constituída e a

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os dados documentais sejam esca ssos. estamos ccnv e ncdcs que a Assocleçãc de Ind ustria Fabril Portuense fOI a inspIradora da amplia çã o do projecto fabril de Paço de Rei. O nome de Francisco da Rocha Soares nã o surge com o fig ura principal da constituição da Associação de Industria Fab ril Portuense. Porem . pouco tempo depois desta associação ter sido constituida. sabemos que Francisco da Rocha Soares tinha arrematado casas na dita QUinta de Paço de Rei (inicio d o ano de 1837). Supomos que o seu projecto indu strial tenha sido bastante ampliado e. certamente. graças injecção de capital. Alias. foi p assados alguns meses que a imprensa começou a referir a Fáb nca de Paço de Rei como tendo sido Inaugurada. quando foi , sim. re fundada. Agora. a fábrica era genda por uma sociedade anónim a - fórm ula empresaria l que estava então muito em moda em Londres (por onde muito s liberais portuense s andaram e xilad os por alturas do Miguelismo). As sociedades an ónimas eram vista s então co mo fundamenta is para a criação de grandes industrias, ja que seria mu ito diflcil que um sã industrial consegui sse m ontar fábrica s fortes e bem preparadas para enfren tar a concorrência dos complexos fabris estrangeiros. á

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projectos. C ertamente, Franci sco da Rocha Soares lerá convencido alguns d os accionistas desta efémera associação de que Paço de Rei era um bom investimento, já que o m ercado potencial era vestr ssimc - sobretudo numa cidade onde se e xigia grande produção de qarrafas, embora os produtos de vidro com ornato fossem ta mbém uma das prioridades da Fábrica de Paço de Rei. Atente-se nesta intere ssante noticia, publicada em 31 de Maio de 1837:

-FAbrtca de Vidros de Paço de Rei. Sem patriotismo nunca seremos verdadeiros Porluguezes. - Se em vez de promovermos a nossa industria fabril, oon'~ nuarmos a comprar aos Estrangeiros aquillo de que precisamos. então n õo deixaremos j amais de ser miseráveis colonos da França ou da Inglaterra; e uma tal sorte é realmente avi/tante e vergonhosa. - Um dos mais beneméritos cidadãos do Porto, o Sr. Francisco da Rocha Soares teve recentemente a feliz e patriótica lem brança de estabelecer na sua quinta de Paço de Rei uma fAbrica de vidros, para assim promover entre nós es te ram o de industria; desejando fazer trabalhar em grande este bom estabelecimento, cuidou de organizar uma Associação de Capitalistas e de Negociantes, que levou immediatamente a effeito de tal sorte que hoje se fazem naquella Fábrica vidros de todas as qualidades e por preços mui módicos. Náo podemos deixar de render mil graças ao digno cidadão ao qual a Nação de ve este rico elemento d 'industria. e aos Pat· tuenses que se apressArão em o coadjuvar em tão salutar empreza. - Muito desej amos que este grande exemplo de civismo seja imitado por todos os homens que estão nas c ircunstáncias, de organisar estabelecimentos industriaes pois que só asSIm poderemos um dia ser independentes do jugo dos Estrangeiros. Mas não ba sta o patriotismo dos grano des emprezários, é precisa também a activa coadju· vação de todos os Portuguezes, para das Fábricas tirar o Paiz todo o interesse posslvel. Visto existir en tre nós um novo Estabelecimento de vidros tetetos e de boa qualidade, convém aos habitantes do Porto e das 3 Províncias do Norte alli comprar todos os objectos = vidros = de que precisarem para o seu uso, assim porque desta maneira a Fábrica hirá por diante e nella se empregarão mais braços sos e indigentes como por se estorvar a importação dos vidros estrangeiros, que nos roubão grandes sommas. - Mesmo quando na Fábrica de vidros de Paço de Rei se não podessem preparar fabrefados por preços commodos, era do rigoroso dever dos verdadeiros Portuguezes alJi compra·1os fazendo algum sacriflCio pecuniário para assim darem pão a muitos desgraçados que aliás ou Mode morrer de fome ou nos hãode roubar para viver. mas feliz· mente não são precisos estes sacrific ios. porque os vidros do referido estabelecimento esréo no metcado muito mais baratos que os dos Estrangeiros. Seremos incançaveis em trib utar as devidos elogios aos cidadãos que se destinguirem por feilos de Ião sublime p atriotismo " (15) .

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Refira-se que a Associação de Industria Fabril Portuense - afinal. um projecto de sociedade anãnim a industner - acabou por não empreender a ideia de reabilitar a antiga fu nd ição da Companhia dos vinhos. Esta Ccmpantna vma a ser reerguida pouco mais de um ano depois e a t ust óne da fundição em Crestuma iremos continuar a eoorc á-ta em outro artigo. ASSim . o capital da Associação de Industria Fabril Portuense lera sido naturalmente ca na lizado para outros

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Como se pode verificar, Francisco da Rocha Soares conseguiu reunir capitalistas á sua volta, certamente alguns dos mesmos que tinham subscrito a Associação de Industria Fabril Portuense. Segundo Manuel Leão, a constitu içã o da Companhia de Industria Fabril de Paço de Rei data de Março de 1637 , tendo sido aprovada superiormente em 26 de Abril desse ano. Surgem à testa da direcção fab ril Francisco da Rocha Soares, Bernardo José Ribeiro de Oliveira e José Joaquim de Araujo Guimarães (16) . Entre os nomes dos accionistas encontrámos João da Rocha e Sousa (industrial de cer ámtca). Lucian o Simões de Carvalho (que era Presidente da Cãmara Municipal do Porto e industrial de curtumes), José Antônio de Castro Pereira (grand e negociante), José Henriques Soares (posterior Barão de Ancede ). Jacinto da Silva Pereira (Iend àrio industrial de tecidos do Porto) e vários outros negociantes (17) . Em Junho de 1837, a imprensa portuense publicava o projecto de estatutos para a Companhia Fabril Lanifi cia do Porto, cuja fábrica deveria ser implantada no Vale do Ave. Francisco da Rocha Soares não integrava tal projecto. Porém, comentando esta iniciativa e elogiando o recente espirita de associação dos industriais e capitalistas portuenses para fundarem grandes fábricas. um períhá pouco o cidadão Francisco da ôdico afirmava: Rocha Soares acabou de estabelecer na sua Quinta (...) uma excelfente Fabrica de vidros. que entregou a uma Associação den ominada de Industria Fabril, de que é accionista e Director, e esta Associação que é do capital de cem contos de rs. principia a dar grande impulso e aperfeiçoamento áquelfa Fabrica mandando vir Mestres de todas as obras de vidro, e j â manufactura excellente vidraria de cristal e lapidada. garrafas de todas as qualidades. vidros de chapa, e em breve poderá ebestecer esta cidade de garrafas de quartilho e meio. Grande número de braços se emprégão neste estabelecimento, e uma grande somma de capital circula na Nação, em vez de ir para os estrangeiros em pagamento destes géneros que até agora nos vendião~ (18).

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Note-se a semelhança entre a designação Companhia de Industria Fabril de Paço de Rei (neste artigo referenciada mesmo como Associação de Industria Fabril) e a designação Associação de Industria Fabril Portuense. Parece-nos evidente ler existido alguma relação, até porque O capital inicial da Associação de Industria Fabril Portuense também era de cem contos de reis e a duração da companhia seria também de vinte anos. Em 1836, a Companhia de Industria Fabril de Paço de Rei estava assim dirigida (19) : Presidente - Dr. António da Costa Paiva (médico e posterior Barã o de Castelo de Paiva, morador na Rua Chã, n." 66); Vire-presidente - António Joaquim Pereira (morador na Rua das Flores, 62); Secretários ~ António de Matos Pinto (morador na Esperança, n." 11) e Francisco Gonçalves de Aguiar. Os directores eram Francisco da Rocha Soares (morador na Esperança. n." 1), José Joaquim de Araújo Guimarães (morador na Ferraria de Baixo, n.o 113) e Bernardo José Ribeiro de Oliveira (morador na Rua das Hortas, n.o 137).

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Em 2 de Agosto de 1836 , um Interessante artigo na imprensa alude prcduc êc da Fábrica de Paço de Rei: é

-Progressos da Industria . Entre os estabelecimentos que modernamente se tem formado. merece part,.

cular mençào a Fabrica de Vidros de Paço de Rei, junto a S. Christovào de Mafamude, que a conssencia e disve llos de seu instituidor deve unicamente o bom estado em que já se conhece. - temos visto alguns cop os e garrafas dos que alli se fabricam. os quaes si olhar-mos à qualidade do vidro, nada tem que invejar aos que de f6ra se imp ortam, a menos que nào prevaleça a mania de continuar a dar preferencia aos productos estranhos. - Quanto ao bem trabalhado d 'algumas obras mais delicadas, força é confessar que não sabemos que de França ou Alemanha nos possam vir cousas mais perfeitas. ou acabadas com tanto gosto. - Sexta feira passa da levados da força da torrente fomos também visitar este estabelecimento. que tanto honra o nosso paiz. Uma multidào de gente era alfi reunida com o fim de satisfazer a curiosidade, que se prasia de vér que no Porto já existe uma fabrica de vidros . que pelos bel/os productos, que no seu genero tem criado. póde julgar-se em circunstâncias de indemenisar seu proprietário das avultadas despesas, que sam inherentes a estabelecimentos desta natureza. Felizmente era o dia um dos que semanalmente se destinam para a fabricação. Deleitava os olhos o ver como em um momento se fasia um copo de cálix, uma manga de vidro, ou qualquer outro objecto d 'uso comum, e tudo isto por meio de tubos {de] ferro, a que. segundo nos parece, davam o nome de cannas. - Os limites deste artigo não penniftem que demos uma relação circunstanciada da maneira porque se faz esta fabricação, além de que, muito que disseramos seria pouco, quando nossos leitores teem a commodidade de poder examinar com os proprios olhos, a que vale mais, e melhor se percebe, do que quantas descripçães poderamos fazer. O Snr. Rocha Soares, a quem se deve a vantagem desta instituição , pode lisongear-se de que criou entre nós uma fabrica, que muito contribuirá para o progresso da industria nacional. e que dentro em pouco impossibilitará a importação. que neste genero se possa fazer de qualquer paiz estrangeiro. - Sabemos as difficuldades de toda a espêcie, os grandes embaraços que se oppoe ao desenvoMmento destas empresas e que é mister decedida constância para vencer todos estes obstaculos: mas nada disto, quanto a nós, fallece ao Snr. Rocha. e ajudado pelos bons artistas a quem fornece o trabalho. é de esperar que pouco e pouco sinta as vantagens do progresso daquel/e estabelecimento. cuj a prosperidade desejamos. como bons Poftuguezes, que nos prezamos de ser. - Bastantes vezes o temos dito; si tivessemos 8 ventura de ter mais cedo governos disvelados pela nossa indüstria, as

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coisas nAo chegan'am 8 0 estado miserável em que tem jazido. e de que só podem sair continuando a protecção do systema das pa utas que é o finico que pode salvar-nos da superioridade que ainda nos levam alguns dos Productos estranhos.

cristal, assim /izos, como lapidados e floridos : bem como de vidraça cortada, e em chapa, e que se vendem por preços ccmmcaos. Na mesma Fábrica se apromptão todas as encomendas, tanto pa ra o interior como para fora : e por tanto as pessoas que precizarem dos ditos géneros podem dirigir-se à Fábrica referida, na qual c0mpra-se também vidro quebrado- (22) . Também em Ag osto de 1840, a Fábrica de Paço de Rei participou na Exposição da Socied ade Promotora da Industria Nacional , em Usbo a. Fo i uma das poucas fábricas da reg ião do Porto a participar nesta primeira exposição industrial. Na categoria dos vidros e cristais. expuseram apenas duas fábrica s: a da Vista Alegre e a de Paço de Rei . Ambas apresentaram cristais trabalhados e lapidados, que eram -muito perfeitos, e nada cedem aos estrangeiros · (23) . Refira -se que a Fabrica de Paço de Rei tinha então um arma zém de venda em Lisboa. na Rua Direita do Corpo Santo. n.o 2 (24) . Este arma zém servia também para escoar a produção da Fábrica de Louça de Miragaia (25 ) , Efectivamen te, a Fábrica de Louça de Miragaia, situada na Rua da Esperan ça. junto ao n.o 8A, vivia igualmente um period o próspero (26) . Era uma fábrica

êsccece-nos parncuransar o Snr. João Fe rreira {RIbeiro). artista de muita inlelligencia e habilidade. Que Vimos trabalhand o em abrir flores e outros ornatos , o Que tazra com tal prim or e delicadeza. Que não pudemos ceuar d'applaudir-nos por ver que entre Portuguezes não e impossivel cner óptimos artistas. uma vez que saibamos apreciar o seu ta tento e aptidão. - Volta remos ao assumptc" (20) . Por esta época. a Fábrica de Paço de Rei parecia goza r de um certo des afogo e alguma fama. como se comprova por um curioso anuncio pu blicado em Maio de 1839 : 'estaocc algumas p essoas desejosas de ver trabalhar a FaMca de Vidros de Paço de Rei, faz-se saber as ditas pessoas que a fábrica trabalhará no domingo 19 do corren te. de manhã desde as B horas até ao meio-dia, e de tarde das 3 até á s 6 · (21) .

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Em Agosto de 1840. a fa brica fez publ icar o seguinte anuncio ' -Na Fâbfl ca de Vidros, sila em Paço de Rey. há grónd6 sot1imento de toda a quafidade de vidros de

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com mu itos clientes, pois sabemos Que um armazém de vinhos estabeleceu -se ao lad o precis amente para poder beneficiar dessa clie ntela (21)!

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Como podemos concluir, Francisco da Rocha Soares foi um grande empreendedor e um dos primeiros em Portuga l a tentar uma concentração fabri l dentro do sector cerâmico. tendo estabelecido uma rede de distribuição que servia simultaneamente os produtos de louça e os de vidro, rentabilizando os custos de instalação desses entrepostos. Segundo Joaquim de Vasconcelos , (28) Francisco da Rocha Soares criou depósitos e venda em Luanda (1839), Funchal (1841), Lisboa (1842) e Setúbal (1844). Porém , como verificamos, o depósito de Lisboa já existia em 1840. Francisco da Rocha Soares tinha também tnteresses em outros negócios , tendo sido fiscal da empresa da ponte pénsil sobre o Douro, em 1842 (29) . Nesse ano , faz publicar o seguinte anúncio: "Fra ncisco da Rocha Soares, participa ao respeitável público, que a sua fábrica de louça em S. Pedro de Miragaya esta continuando sua laboração. e também que se achão abertos os armazêns de vidros, tanto a da rua da Esperança, como o da rua das Flores; e por isso todas as pessoas que pretendão os ditos generos podem alli concorrer, na certeza de que hão·de ser muito bem servidas, tanto nos preços como nas qualidades; e as pessoas de fora da cidade podem. querendo, fazer suas encomendas dos generos referi· dos, p ois lhes serào satisfeitas com a maior brevidade, e exactidão", (30). Como se pode verificar, o vidro da Fábrica de Paço de Rei era vendido no dep6sito da c ompanh ia, na Rua das Flores , e também na sua fábrica de louça. Ironicamente. dois dias depois deste anúncio. Francisco da Rocha Soares anuncia : "Quem quizeralugar a Fábrica de Vidros de Paço de Rey por um ou mais annos. com todos os seus pertences, falle com O seu dono Fran cisco da Rocha Soa res. morador na Fábrica de Louça em S, Pedro de Miragaya ~. No mesmo jornal, Francisco da Rocha Soares anuncia pretender alugar também a sua quinta e casa em Paço de Rei (31) . Francisco da Rocha Soares não estaria talvez contente com o desempenho da Companhia de Paço de Rei , pelo que procurou trespassar o ediflcic fabril. Não o conseguiu de imediato, De facto, encontramos uma conta discriminada de vidros produzidos na Fábrica de Paço de Rei, com data de Dezembro de 1842, Estes vidros destinaram-se ás vária s casas da familia de Ant6nio Bernardo Ferreira (célebre negociante de vinhos ). no Porto. Curiosamente, esta conta, no valor de 206$605, s6 foi paga em 4 de Junho de 1845 (32) , Em Agosto de 1843, Francisco da Rocha Soares reafirma pretender arrendar "a grande Fábrica de Vidros situada em Paço de Rei, e isto pelos annos que con vier (. ..) adverlindo que a dita fábrica de vidros tem dous fomos de fundição, dous ditos de calcinar, e um dito de estender vidraça: bem como engenhos para lapidárias, e floristas, quantidade de utensflios e alguns materiaes; estando por isso em circunstâncias de começar desde j á sua laboração" (33) . Tal significa que a fábrica já não laborava por esta altura. A Companhia de Indústria Fabril de Paço de Rei tinha sido, pois, extinta . Um projecto como Paço de Rel - tão elogiado e produzindo obras de tão boa qualidade - acabaria por não ter sucesso duradouro, dado o elevadissimo investimento de capital , a concorrência estrangeira e várias outros factores que não

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DEZEMBRO 2002

podemos aqui esmiuçar. até porque ccrrerlemos o rISCO de entrar em pura especulação nist ónca . Porem. Francisco da Rocha Soares manteve a sua fábrica de louça em Miragaia durante mais algung anos. fábrica essa que voltará a ser abordada em futuro artig o desta série. A parte da Quinta de Paço de Rei que não servia como fábrica manteve-se na po sse de FranCISCO da Rocha Soares por mais alguns anos. De facto. Fran cisco da Rocha Soares interveio activamente nas revoltas de 1846 (Maria da Fonte), tendo organizado uma milícia na sua Quinta de Paço de Rei. Por tal iniciativa . üzeram-nte depois um jantar de homenagem . Temos até notícia de três padres do concelho de Cambra implicados com a guerrilha cabralista. os quais foram presos por Francisco da Rocha Soares, como comandante de uma força militar activa na s terras de Sobrado de Paiva (34) . Sabemos também que Francisco da Rocha Soares conservou em seu poder uma porção de armas (114 e alguns aprestos militares). do tempo em que tinha sido comandante de um batalhão popular da Junta , durante o periodo conturbado de 1846, tendo entregue o material militar apenas em Outubro de 1848 (3S) . É apenas para 15 de Novembro de 1851 que encontrámos referência á arrematação de toda a quinta. campos anexos e fabrica. pertencentes massa falida da Fábrica de Paço de Rei (36) , Veremos em artigo posterior que a fábri ca em Paço de Rei passou depois a outro ramo industrial. O Comendador Francisco da Rocha Soares faleceu em 20 de Março de 1857, sendo então casado (em segundas nüpcias) com Maria Emilia Pereira. Foi sepullado no antigo Cemitério da Ordem do Carmo . Posteriormente, a familia construiu o jazigo n.o 10215 do Prado do Repouso, mandado erigir em 1866 por Maria Emilia Pereira (falecida em 1896), através de Nicolau Joaquim Pereira. Supomos que este último fosse parente da viúva de Francisco da Rocha Soares o que indicia. pela coincidência de apelidos. ter havido parentesco entre Francisco da Rocha Soares e António Joaquim Pereira o vlce-presidente da Companhia de Industria Fabril de Paço de Rei, em 1838. á

Ainda sobre Alexandre Teodoro Glama A abordagem â índústria no concelho de Gaia não se desliga de outros aspectos históricos. sendo interessante que no boletim n.o 53 dos Amigos de Gaia (paginas 51 e 52) tenha sido publicado um artigo referenciando Alexandre Teodoro Glama - o pioneiro industrial dos lacncrnlos que abordámos em artigo publicado nesse mesmo boletim. Através do referido artigo, de Fernanda Nogueira , fica claro que a instalação da sua fabrica de manteiga nos Carvalhos esteve certamente ligada a motivos familiares, por via do casamento com Rita Emitia França (37) , Por outro lado. as ligaçOes de Alexandre 'recdoro Glama a região de Riga - que Fernanda Nogueira aponta no referido artigo - podem ser reforçadas com algumas noticias que encontrámos em documentos e jornais de meados do século XIX. Efectivamente. Alexandre Teodoro Glama vendia no Porto a famosa

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das 'Ilbricss de fundiç i o do Porto no MCU/o X/X. ln "Boletim dll Associaç30 ClJltlJral AmigolS do Porto", 4." lSérie. n." 19, 2oot. (II) AROUIVO HISrORlco DO MINISTERIO DAS OBRAS PÜBlJ. CAS, Prc cnlS~ o.licenciamenl~ de f~brien. 1160-1833. Reqllel ii Oi!i ikl de 30 oe Setembro de 1821. (~ GUIIMAAES, Ioac:p'm Anlônio Gonç.IIYes " MenlOria ~ dOIS . 11i901S ..... ,..,c:iantes e ~ de Vila Nota de Ga;a, liwo do ~ ela AssOCi"Çâo Corr!etciaJ • Industrial ele ~Ia NovlI ele Gaii 1891/1991, p. 181. . (U) QUEIROZ. José F,iIIll;isco FetTeÍB " &a ~ pal1I a l-istlln.I ctlIlS 1ãbric:a1S ele fundiçao do PoI1o no lSéo..olo XIX. ln "'Boletim dõlloq~ çAo Cü'lural Amigo$ do PolIo", 4.' __, n.. ' 19. 2OO t . (\oiI 1 Estal1JfosdaAsSOCi1lÇ1o de IndUstria FlIIri Portuertse. ~ ~s ..." ~ Geral de l/1$fllllidorws no dY 27 de Março de 1B3t'. PoI1o.u , 1836.

CONDE DE MOSER

madeira de Riga, destinada â con strução naval (38) _Por outro lado, encontramos mesmo noticia de um a viagem que AJe xandre Teodoro Glama fez ã RUssia (por Espanha e França), com a sua mulher Rita Emilia de França, em 1867 (39) , Nessa altura, Alexandre Teodoro Glama resid ia na Praça de Santa Teresa, no Porto. Não apurámos se ainda existia então a fabrica nos Carvalhos, já que as referências â mesma na imprensa consultada não chegam a entrar sequer na década de 1850. Quanto à sociedade que Alexandre Teodoro Glama teve com Jerânimo Cameiro Geraldes antes de montar a sua fábri ca nos Carvalhos, podemos acrescentar que esta sociedade se iniciou em 3 de Maio de 1838 e term inou em 13 de Setembro de 1839 (40) , tendo sido efectivamente liquidada poucos meses depois.

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15. Porto, 31 1M Maio de 1831. p. 1. ('I) LEAo, t.lanuel - O VidrunolenroodoPono./n"BoletimctllA.ss
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