\"Quem conta como “humano”?\" (tradução - Costas Douzinas - Núcleo de Direitos Humanos/UNISINOS)

July 7, 2017 | Autor: D. Carneiro Leão ... | Categoria: International Human Rights Law, Resistance (Social), Costas Douzinas
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Tradução do texto de autoria do Professor Costas Douzinas publicado na página “The Guardian” no dia 01 de abril de 2009. Link de acesso: http://www.theguardian.com/commentisfree/libertycentral/2009/apr/01/deconstructinghuman-rights-equality Tradutor: Daniel Carneiro Leão Romaguera Revisão: Profª. Fernanda Frizzo Bragato Quem conta como "humano"? Aqueles que pertencem a uma classe, gênero, cor ou sexualidade indesejada sempre foram deixados do lado de fora da "humanidade" – o que isso diz sobre uma carta de direitos?

Diversas mensagens em resposta a esta série argumentaram que os direitos humanos são autoevidentes, que são expressões da boa sociedade ou, de forma mais extravagante, que são propriedades naturais inerentes a pessoas como braços ou pernas. Comum a estes argumentos é a afirmação de que os direitos pertencem a seres humanos em virtude da sua humanidade e não de uma associação mais estreita com a nação ou estado. Este é um pensamento reconfortante. Mas, quando examinamos isso mais de perto, parece ser um dessas meias-verdades paradoxais que desarrumam a nossa compreensão dos direitos humanos.

A história da “humanidade” A ideia de "humanidade" é moderna. Atenas e Roma tinham atenienses ou romanos, mas não "homens" no sentido de membros da espécie humana. A palavra humanitas apareceu pela primeira vez na República romana e significava eruditio et institutio em Bonas artes (erudição e formação de boa conduta). A humanidade não era uma qualidade compartilhada, mas um padrão de comportamento utilizado para separar os homines Humani (os romanos educados) do homines barbari (o resto), como Cícero colocou. O cristianismo minou as hierarquias clássicas. A afirmação de São Paulo que não há grego nem judeu, homem ou mulher, homem ou escravo livre (Epístola aos Gálatas 3:28) introduziu o universalismo espiritual. Todos os seres humanos têm uma alma e podem ser salvos no plano da salvação de Deus, mas somente se eles aceitarem a fé, pois os não cristãos não têm lugar no plano providencial. Essa divisão radical fundou a missão e proselitismo de unidade ecumênica da Igreja e do Império. No Império Romano, e aqueles que sucederam no domínio sobre grandes partes do mundo, a linha entre seres humanos e bárbaros dividiu o globo de forma diagonal entre fiéis e pagãos. O sentido cristão de humanidade foi vigorosamente contestado em um dos debates mais importantes da história. Em 1550, o filósofo aristotélico Gines de Sepulveda e o clérigo

Bartolomé de las Casa debatiam a atitude dos conquistadores espanhóis para com os índios do México. Sepulveda argumentou que “os espanhóis governam com total direito sobre os bárbaros que, na prudência, talento, virtude, humanidade são tão inferiores aos espanhóis quanto crianças a adultos, mulheres a homens, o selvagem e cruel ao erudito e educado, eu poderia dizer como macaco para homens”. Las Casas discordou, argumentando que os índios tinham costumes bem definidos e formas estabelecidas de vida. Eles são cristãos "inconscientes", disse ele, como Adão antes da queda, mas iriam se converter ao cristianismo e aceitar a autoridade espanhola dos conquistadores respeitando as suas tradições, leis e cultura. Las Casas uniu teologia e utilidade política em um exemplo inicial do multiculturalismo. Mas seu universalismo cristão era, como todos os universalismos, exclusivo. Ele repetidamente condenou “turcos e mouros, os verdadeiros bárbaros das nações”. Las Casas venceu o argumento moral, mas o conselho de Sepulveda foi adotado por colonialistas e imperialistas variados. O próximo passo na história da “humanidade” foi tomado no começo da modernidade pelos filósofos políticos e revolucionários do século XVIII. A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão afirma que “os homens nascem e são livres e iguais em direito”, mas passa a conceder esses direitos em seu sentido real, jurídico e político, apenas para alguns franceses: os cidadãos. Deste ponto em diante estatalidade, soberania e território seguiram um princípio nacional. A diferença entre “homem” universal e cidadão nacional é preenchida por estrangeiros - eles não têm direitos, porque eles não são cidadãos e como resultado eles não são totalmente humanos. Ao separar a humanidade da cidadania, a Declaração Francesa (e, hoje, os tratados de direitos humanos) apresentou duas alternativas: o imperialismo em que a nação afirma ser a expressão da humanidade e espalha sua influência civilizatória através da conquista. As guerras napoleônicas são um exemplo precoce, o Iraque contemporâneo. Ou, o cosmopolitismo em que os valores universais substituem idiossincrasias locais. Coube à revolução haitiana que emancipou os escravos e deu direitos políticos para as pessoas coloniais defender o universalismo contra seus inventores. O “homem” dos “direitos do homem” não tem características concretas, exceto pelo livre-arbítrio, razão e alma. Estes elementos universais foram responsáveis por secularizar a crença cristã na sacralidade da vida e pela elevação da humanidade com dignidade e respeito. Ao mesmo tempo, esse “homem” é uma abstração sem corpo, cor, sexo ou história, como Hegel, Burke e Marx concordaram. No entanto, o homem empírico que realmente gozava de direitos foi, literalmente, um homem - um bem-off, branco, cristão, homem urbano. Ele condensa a dignidade abstrata da humanidade e os privilégios dos poderosos. Desde então, a “humanidade” integral é construída num contexto de pré-requisitos (cidadania, classe, gênero, raça, religião, sexualidade) que

excluem a maioria dos seres humanos. Se os direitos são universais, os refugiados, os imigrantes universais "ilegais" ou os detentos Guantánamo que não têm nenhum país para protegê-los deveriam ter os direitos da humanidade. Mas eles não têm nenhum apenas a vida nua sem proteção. Os direitos humanos não pertencem aos seres humanos, mas constroem uma gradação de “humanidade”. O movimento de direitos humanos pode ser visto como a contínua luta em curso, mas que falha em fechar a lacuna entre o homem abstrato das declarações e o ser humano empírico. Convenções de antidiscriminação para as pessoas de cor, mulheres, crianças, gays e lésbicas adicionam carne, sangue e sexo para o contorno pálido do “humano”. Eles conseguiram? Sim e não. O conceito de uma “humanidade” comum introduziu a vocação da dignidade universal. A história nos ensinou, porém, que não há nada de sagrado em qualquer definição de humanidade e nada eterno fora de alcance. O domínio da Humanidade como a onipotência de Deus inclui a capacidade de redefinir quem ou o que conta como humano e até mesmo para destruir a si mesma. A dialética do Iluminismo levou à emancipação e ao nazismo. Da mesma forma, os direitos são tanto uma forma de proteger o indivíduo quanto uma ferramenta para os governos disciplinarem as sociedades, e, recentemente, o mundo.

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