Quem cuida de quem deve cuidar? A saúde mental dos profissionais de Recursos Humanos

May 30, 2017 | Autor: Mariana Rezende | Categoria: Psicologia Organizacional E Do Trabalho
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA – IEC ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO

Mariana Márcia Rezende da Costa

QUEM CUIDA DE QUEM DEVE CUIDAR? A saúde mental dos profissionais de Recursos Humanos

Belo Horizonte 2016

Mariana Márcia Rezende da Costa

QUEM CUIDA DE QUEM DEVE CUIDAR? A saúde mental dos profissionais de Recursos Humanos

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu, do IEC PUC-MG, no curso de Psicologia Organizacional e do Trabalho.

Orientadora: Profª Draª Giselle Reis Brandão

Belo Horizonte 2016

RESUMO A área de Recursos Humanos deve prestar assessoria e subsídio à direção da organização no direcionamento de suas práticas de Gestão de Pessoas. Isso significa, atuar de forma a minimizar conflitos, melhorar a comunicação interna e aproximar os objetivos dos trabalhadores aos da organização, para assim, elevar a satisfação interna e tornar o clima organizacional mais harmonioso. Para que isso aconteça, o RH deve juntamente com a liderança, desenvolver uma atuação voltada para o cuidado das pessoas que ali trabalham no que se refere às questões de saúde e segurança no trabalho, bem como ajudar a promover relações profissionais mais humanas, maduras e assertivas. Com o acúmulo de responsabilidades e deveres, bem como de um novo posicionamento das organizações que os colocam como parceiros estratégicos, os profissionais de RH tendem a ser mais exigidos em sua atuação, capacitação profissional e apresentação de resultados. Porém, o dever de atender a organização, muitas vezes pode ter como consequência agir de maneira contrária as necessidades de seus trabalhadores e/ou de forma incondizente com a realidade. As diferenças entre os valores pessoais e os da organização podem levar o profissional de RH ao sofrimento psíquico, bem como ao adoecimento mental. Buscou-se neste estudo, compreender qual o impacto da organização do trabalho e de seus paradoxos na saúde mental dos profissionais de RH: suas angústias, dificuldades e dilemas. Para que isto fosse possível, foram feitas tanto a pesquisa teórica, quanto a de campo, envolvendo entrevistas semiestruturadas com profissionais de RH de empresas privadas de Minas Gerais. Palavras-chave: Trabalho; Paradoxos; Recursos Humanos; Adoecimento mental.

ABSTRACT

The Human Resources should provide advice and benefits to the direction of the organization in the direction of their people management practices. This means, act to minimize conflicts, improve internal communication and approach the goals of workers to the organization, to thereby raise the internal satisfaction and make the most harmonious organizational climate. For this to happen, HR must along with the leadership, develop a focused action for the care of people who work there with regard to health and safety issues at work, and help promote more humane professional relationships, mature and assertive. With the accumulation of responsibilities and duties, as well as a new positioning of the organizations that place as strategic partners, HR professionals tend to be required for its activities, professional training and presentation of results. However, the duty to meet the organization often may result to act contrary to the needs of its employees and / or incondizente way with reality. The differences between personal values and the organization can lead the HR professional to psychological distress, as well as mental illness. We sought in this study to understand the impact of work organization and its paradoxes in the mental health of HR professionals: his troubles, difficulties and dilemmas. For this to be possible, both were made theoretical research, as the field, involving semi-structured interviews with private companies HR professionals of Minas Gerais. Keywords: Work; Paradoxes; Human Resources; mental illness.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ARH – Administração de Recursos Humanos AERH – Administração Estratégica de Recursos Humanos CEO – Chief Executive Officer (Diretor Executivo em português) DP – Departamento Pessoal INSS – Instituto Nacional de Seguro Social RH – Recursos Humanos

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 6 2 TRABALHO E SUBJETIVIDADE ........................................................................................ 8 2.1 Trabalho e Saúde ............................................................................................................ 11 3 A CARREIRA PROFISSIONAL EM RECURSOS HUMANOS ........................................ 16 4 OS PARADOXOS DA CARREIRA EM RECURSOS HUMANOS ................................... 25 5 METODOLOGIA E ANÁLISE DE DADOS: a prática dos profissionais de Recursos Humanos ................................................................................................................................... 28 5.1 Análise dos dados ........................................................................................................... 29 6 CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 48 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 51 APÊNDICE ─ Entrevista realizada com os profissionais de RH ............................................. 54

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1 INTRODUÇÃO

Os profissionais de Recursos Humanos (RH) transitam entre atender os interesses da organização, bem como os de seus funcionários. Esse paradoxo entre o capital financeiro e o humano pode levar os profissionais ao sofrimento mental e em longo prazo, ao adoecimento mental. Diante disso, esse estudo buscou compreender melhor a realidade do profissional de RH, bem como o impacto da organização do trabalho na saúde mental deles: suas angústias, dificuldades e dilemas. Além disso, a pesquisa teve como objetivos verificar por meio de dados secundários, a existência de doenças mentais nestes profissionais; quais os recursos utilizados por eles para se proteger e manter íntegra a saúde mental e compreender qual o impacto da pressão exercida nestes profissionais ao ter que atender demandas entre o capital financeiro versus o humano. A partir desta compreensão puderam ser mapeadas as principais questões que afligem os profissionais da população pesquisada, o que os preocupa, como percebem sua ocupação, sua capacidade de atuação e participação na tomada de decisões. Com esses dados, pode-se apreender com maior assertividade como é a vivência desses trabalhadores e quais são suas necessidades de cuidados e atenção, para que assim como os demais, a eles também sejam dirigidas práticas de cuidado e promoção da saúde mental no trabalho. Com esta pesquisa, podemos obter benefícios para os profissionais de RH que abrangem a melhoria da qualidade das relações de trabalho, o maior otimismo quanto à carreira e a provável melhoria nos índices de absenteísmo e rotatividade da organização. Além disso, o tema ainda é pouco discutido no Brasil e o estudo certamente contribuirá para suscitar a realização de outras pesquisas com temas semelhantes e fortalecer a discussão de que os mesmos também precisam ser acompanhados e assistidos em suas necessidades e funções. A pesquisa é de cunho qualitativo e caráter descritivo. Foram feitas entrevistas semiestruturadas com profissionais que atuam na área de RH de empresas privadas, em Minas Gerais, que têm nível superior de escolaridade concluído, independentemente do curso que tenham realizado ou cargo ocupado na organização. Após a realização das entrevistas, foi feita a transcrição das mesmas, com posterior análise do conteúdo.

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Quanto à pesquisa bibliográfica, o primeiro capítulo aborda a realidade do trabalho na atualidade, em como as relações profissionais se configuram e qual o impacto delas na organização e na saúde mental de seus trabalhadores. Foi debatido como o trabalho que, primordialmente, deveria ser fonte de desenvolvimento e integração do homem, passou a representar um fator de adoecimento mental. O segundo capítulo discorre sobre a história da área de Recursos Humanos: como ela surgiu, desenvolveu-se e assumiu a configuração que tem hoje. O capítulo também apresenta informações sobre o perfil dos profissionais de RH, suas perspectivas e as mudanças que vêm ocorrendo na área: de um papel operacional para o estratégico, no qual a área se torna mais participativa e importante para o desenvolvimento do negócio. O terceiro capítulo aborda o paradoxo vivenciado pelos profissionais de RH entre atender às demandas da organização em detrimento às de seus funcionários. É levantada a questão sobre o impasse entre os valores da organização e os valores pessoais dos profissionais de RH e como isso tem consequências na motivação, satisfação e saúde mental dos trabalhadores da área. O último capítulo se trata da análise dos dados obtidos nas entrevistas semiestruturadas. Os dados obtidos são apresentados a fim de obter uma maior compreensão da realidade de trabalho desses profissionais, com o intuito de fomentar maiores discussões e planejar intervenções que sejam mais assertivas e benéficas para os mesmos.

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2 TRABALHO E SUBJETIVIDADE

“Sem trabalho, toda vida apodrece, mas sob um trabalho sem alma a vida sufoca e morre”. Albert Camus

Trabalhar possibilita a construção de subjetividades correspondentes a cada época histórica, o que significa que “é pelo trabalho que o homem se faz homem, constrói a sociedade, transforma-a e faz a história” (ARAÚJO; SACHUK, 2007, p.55). Seguindo essa lógica, ele integra não apenas a dimensão material, mas toma para si a dimensão afetiva entre a organização e o trabalhador. O trabalho organiza e dá sentido a existência humana, ele ocupa um lugar central na vida do homem, o que significa que se coloca além da subsistência, pois é fator de construção da identidade, ambiente de realização e socialização, fonte de autoconhecimento e transformação de si mesmo. Trabalhando, o homem se reinventa socialmente, o que significa que no contato com o outro, surge uma nova percepção de si e consequentemente, uma possível redefinição de sua identidade e noção de coletividade. Através do trabalho, o homem tem a chance de construir novas referências de como conviver, tem a oportunidade de explorar novos ambientes e planejar seu futuro de forma mais confiante. O trabalho é terreno fértil para o despertar de afetos, potencialidades e desejos, o que permite ao homem se expressar, compreender-se e se realizar nas esferas sociais, cognitivas, financeiras e principalmente psicológicas, visto o impacto no julgamento e percepção de si mesmo através de sua produção laboral. O trabalho é grande provedor de saúde mental, pois amplia a capacidade do homem de agir no mundo e de transformá-lo ao transformar a si mesmo através da produção. Ainda assim, trabalhar exige do sujeito o ajustamento a um contexto diferente do seu, que se impõe sobre ele através do estabelecimento de uma rotina e o cumprimento de normas, bem como o relacionamento com pessoas de valores e personalidades diferentes dos seus. Isso demanda na maioria das vezes, uma revisão ou no mínimo uma reflexão de seus préconceitos.

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As conjunturas organizacionais atuais exigem do trabalhador uma alta performance (FISCHER, 1998; CHANLAT, 1995) o que significa capacidade de entregar uma grande demanda de trabalho, em curto espaço de tempo e com o maior nível de qualidade. O sujeito trabalha sob um ritmo intenso, com um baixo orçamento, metas cada vez mais altas e ainda existe a cobrança pela polivalência, ou seja, a capacidade de desempenhar várias funções diferentes de seu próprio cargo. Os problemas surgem na medida em que o capital, representado normalmente pela gestão, tende a não considerar os critérios de quem faz o trabalho, bem como as diferenças individuais no que se refere ao tempo e ritmo necessário de cada um para o aprendizado e entrega dos resultados. Há uma tendência à padronização não só dos produtos e serviços, mas fundamentalmente dos comportamentos, o que suprime perspectivas de singularidades, da identidade e da criatividade dos mesmos. O trabalho, então, tende a se precarizar, como nos mostram os autores abaixo: Em formas de organização pautadas no just in time, na gestão pelo medo, nas práticas participativas forçadas, na imposição sutil de autoaceleração, na multifuncionalidade, dentre outros métodos voltados ao controle maximizado. São processos de dominação que mesclam insegurança, incerteza, sujeição, competição, proliferação da desconfiança e do individualismo, sequestro do tempo e da subjetividade (FRANCO et al, 2010, p.231)

As relações interpessoais são impactadas pela busca das promoções, reconhecimento e status ─ valorizados de forma individual ─ o que reforça a indiferença entre os homens e tende a fazer com que os mesmos reproduzam práticas de trabalho pautadas na competição e não na colaboração. Ou seja, as referências que o trabalho trazia para o sujeito, antes pautadas pela relação com o seu fazer, tornam-se cada vez mais exteriorizadas e distanciadas do cerne dialético atividade-subjetividade. O trabalhador vivencia estados de insegurança e desproteção, pois se torna uma mercadoria, que facilmente pode ser descartada. Ele já não tem fortalecida a presença do sindicato, pois com a flexibilidade dos empregos e novas práticas de gestão, tudo passou a ser resolvido na própria organização, sem a mediação de terceiros (DRUCK; FRANCO; SILVA, 2010). Tudo isso, tende a afetar negativamente a autoestima do trabalhador, bem como a sua confiança nos outros, o que impede a construção de uma identidade coletiva e de relações mais éticas e humanizadas.

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A objetividade nas relações trabalhistas pode impedir que o trabalho seja efetivo no que tange ao desenvolvimento moral, ético e humano dos sujeitos. Surge, assim, o paradoxo: se por um lado, através do trabalho “o sujeito tem acesso ao reconhecimento de si mesmo e, simultaneamente, pela via da alteridade, ao inelutável reconhecimento do outro.” (VIEIRA et al, 2007, p.156), por outro, a lógica hipermoderna (individualista, hedonista e efêmera) ditada pela forma de produção capitalista, faz com que esse mesmo trabalho distancie e reforce a indiferença e a solidão entre os homens, bem como influencie o julgamento de si mesmo de forma negativa. A frieza do mundo corporativo somada à supressão do potencial humano pelo trabalho automático e/ou desprovido de autonomia, prazer ou de realizações, pode causar a ruptura entre trabalho e afeto, o que tende a transparecer na percepção do homem da falta de sentido no que ele faz. Tudo isso, pode levá-lo a fazer críticas severas a si mesmo, ter perspectivas negativas em relação ao futuro e um distanciamento social. Os autores abaixo reiteram esse pensamento: O trabalho como regulador social é fundamental para a subjetividade humana, e essa condição mantém a vida do sujeito; quando a produtividade exclui o sujeito podem ocorrer as seguintes situações: reatualização e disseminação das práticas agressivas nas relações entre os pares, gerando indiferença ao sofrimento do outro e naturalização dos desmandos administrativos; pouca disposição psíquica para enfrentar as humilhações; fragmentação dos laços afetivos; aumento do individualismo e instauração do pacto do silêncio coletivo; sensação de inutilidade, acompanhada de progressiva deteriorização identitária; falta de prazer; demissão forçada; e sensação de esvaziamento. (CAPITÃO; HELOANI, 2003, p. 106)

A carga e volume desproporcionais de trabalho, a inflexibilidade de horários, o excesso de controles, a baixa participação na tomada de decisões, o pouco apoio social, dentre outros fatores, podem levar o homem ao sofrimento mental e em longo prazo, ao adoecimento mental. Tudo isso, pode ser manifestado por sintomas que incluem a psicossomatização, a alteração do bem-estar e dificuldades de relacionamento interpessoal. Sendo assim, o trabalho assume um papel paradoxal: se por um lado, é através dele que o sujeito se expressa, desenvolve-se e consegue compreender e/ou transformar a si mesmo, expandindo suas potencialidades de ação e de crescimento cognitivo e social, por outro, o trabalho pode também representar (trazer) um potencial psicopatológico, em razão de sua precarização, da usurpação do saber do trabalhador e consequentemente, a vulnerabilidade a que ele se expõe.

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Esse paradoxo do papel do trabalho gera implicações que vão além do âmbito individual, seu impacto tem proporções também sociais e organizacionais, o que significa consequências à seguridade social, ao desenvolvimento do país (tornando-se menos produtivo e competitivo) e à necessidade de substituição de mão-de-obra, o que eleva os custos de pessoal, treinamentos, benefícios, dentre outros, além de limitar o know-how da organização.

2.1 Trabalho e Saúde

A organização do trabalho incide sobre as perspectivas, valores e atividades de cada trabalhador, ou seja, em seu funcionamento psíquico. Isso significa, que a divisão do trabalho, suas condições, o grau de iniciativa e autonomia permitida ao trabalhador, o tipo de comunicação, a integração da equipe, bem como o status nela e a relação entre o prescrito e o real da atividade podem contribuir para a construção ou não de um sentido no trabalho. Sendo assim, o prazer e o sofrimento mental nas organizações estão condicionados aos efeitos subjetivos que um determinado método de gestão exercerá sobre o trabalho, e consequentemente sobre o sujeito. Quando esses métodos desqualificam o trabalho do homem, tornando-o desprovido de sentido e de interesse, consequências graves à saúde mental podem ocorrer. Utiliza-se neste trabalho, a perspectiva de saúde de George Canguilhem (2005; 2009), também apropriada por Clot (2010), por meio da Clínica da Atividade, na qual a saúde é caracterizada como a capacidade do homem de agir no mundo e transformá-lo. Isso significa possibilitar a expressão de suas potencialidades e a promoção de mudanças tanto no ambiente em que atua, quanto na organização do trabalho e sobre si mesmo. Um homem impedido de agir se torna passivo diante da realidade e pode representar um conjunto de possibilidades não realizadas, o que não seria sem efeitos sobre sua saúde psicológica e física. Sendo assim, podemos notar que: A saúde apresenta também um sentido existencial, ligado à história do homem no seu meio, uma vez que a vida é também instituição do seu próprio meio e não só submissão a ele, sendo este permanentemente construído a partir das escolhas que fazemos, individual e coletivamente. (CANGUILHEM apud BRANDÃO, 2012, p. 81)

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Definida a noção de saúde com a qual identificamos, passemos para uma perspectiva organizacional e prática do tema. Nela, normalmente, um dos fortes indicadores de saúde mental de uma organização é o seu índice de absenteísmo1, como sabemos. Ou seja, a frequência e/ou duração do tempo perdido quando os colaboradores não comparecem ao trabalho. O absenteísmo constitui a soma dos períodos em que os colaboradores se encontram ausentes do trabalho, seja por falta, atraso ou algum motivo interveniente. (CHIAVENATO, 2008, p. 88)

As ausências ao trabalho se tornam graves quando se configuram casos de afastamento do trabalho, situações em que o trabalhador fica incapacitado de desempenhar as funções de sua ocupação, em consequência de alterações morfopsicofisiológicas, sejam por doença ou acidente. No Brasil, cabe à Perícia Médica do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) avaliar a necessidade de afastamento do trabalho quando este é superior a 15 dias e atestada por médico. Até esse período, cabe à organização manter o pagamento do trabalhador e se o período for prorrogado, o profissional é encaminhado para a perícia. Se comprovada à incapacidade contínua, o trabalhador é amparado financeiramente pelo INSS, através da concessão do benefício de “Auxílio Doença”, até a sua completa recuperação e retorno ao trabalho, também verificados através de outras perícias médicas pelo mesmo instituto. Dados mais recentes do Ministério da Previdência Social (BRASIL, 2013), dão conta de que os transtornos mentais e comportamentais são a 3ª maior causa de afastamentos no trabalho. Eles são caracterizados por “alterações do modo de pensar e do humor (emoções), ou por comportamentos associados à angústia pessoal e/ou deterioração do funcionamento”. (FALAVIGNA; CARLOTTO, 2013, p. 364). À frente deles, estão apenas afastamentos por LER (Lesão por Esforço Repetitivo) e lesões traumáticas, como torções, lacerações, estiramentos ou ossos quebrados (Ibidem, 2013).

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É importante ressaltar que, essa é uma perspectiva funcionalista, muito praticada em organizações que não reconhecem outros caminhos para identificar problemas de saúde do trabalhador, que não seja pelo absenteísmo. Diferentemente, numa perspectiva clínica do trabalho, os anúncios e apontamentos de adoecimento ou de comprometimento da relação do sujeito com o trabalho podem ser identificados por meio das intervenções propostas.

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Tais transtornos podem ter como fonte, os mais diversos fatores, normalmente associados, tais como os citados por Borges; Tamayo (2001), Dittrich (1999), Jaques (2007), dentre outros: 

Condições ambientais: riscos químicos, físicos, biológicos e ergonômicos;



Conteúdo do trabalho: metas abusivas, ritmo acelerado, alta cobrança por

qualidade, pressão por resultados, percepção de desequilíbrio entre esforço x recompensa (segurança no emprego, financeira, reconhecimento profissional); 

Organização do trabalho: horários, turnos, escalas, intensidade e quantidade do

trabalho, horas extras, dentre outros; 

Diferenças entre o trabalho real e o trabalho prescrito: impedimento do

trabalhador modificar ou ajustar sua atividade, a fim de se adaptar ao trabalho e lidar com as variabilidades entre o que é exigido no discurso sobre a prática e o que o trabalhador experimenta na realidade; 

Alinhamento de valores: conflitos entre os valores da organização e os valores do

profissional; 

Excesso de controle: falta de autonomia, inflexibilidade de horários, baixo nível

de participação na tomada de decisões; 

Práticas de assédio moral: humilhações, constrangimentos, intimidação, dentre



Incerteza diante do futuro: possibilidade de desenvolvimento e ascensão da

outros;

carreira, dependência econômica, manutenção/elevação da qualidade de vida; 

Incompatibilidade do perfil com a função: execução de atividades desinteressantes

e/ou incondizentes com as perspectivas ou formação do trabalhador. Subutilização das habilidades; 

Relacionamentos interpessoais de má qualidade: competitividade, desalinhamento

com a equipe, problemas com a liderança, isolamento físico ou social;

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Hábitos ou estilo de vida: socialização, condições de saúde, sexo, idade, eventos

traumáticos (morte de pessoas próximas, separação, problemas financeiros, perdas) consumo de drogas ou álcool, escolaridade, estado civil; Infere-se que para todos os possíveis fatores que podem levar ao adoecimento mental, o que ocorre na base do fenômeno é da ordem de um crescente empobrecimento do sentido do trabalho. Assim é menos da quantidade de trabalho e mais da qualidade do trabalho que importa quando falamos de saúde no trabalho. É Clot (2013), quem nos ensina isso, pois: Somos feitos para fabricar contextos para neles vivermos. Uma vez que essa possibilidade esteja diminuída, e principalmente se ela desaparece de modo continuado, não vivemos, apenas sobrevivemos, submetidos que estamos aos contextos profissionais, sem poder verdadeiramente nos reconhecer naquilo que fazemos. (CLOT, 2013. p 5)

A falta de sentido no trabalho pode comprometer o funcionamento de diversas funções psíquicas, o que gera consequências negativas na capacidade do trabalhador de resolver problemas, tomar decisões, relacionar-se com os outros, fazer julgamentos sobre si e ter uma perspectiva mais positiva sobre o seu trabalho e o seu futuro. Ou seja, afeta a tão esperada produtividade. Tudo isso pode se manifestar por meio dos mais variados sintomas (DALGALARRONDO, 2008):  Distúrbios cognitivos: alterações nos níveis de atenção e concentração, dificuldades de memorização, de aprendizado e raciocínio, confusão mental, fuga de ideias, aumento da sensação de cansaço mental;  Distúrbios da personalidade: despersonalização, desrealização, autodepreciação, baixa autoestima e autoconfiança, não reconhecimento de si próprio naquilo que faz;  Distúrbios afetivos: alterações do humor (ansiedade, angústia, desânimo, irritabilidade, tristeza), emoções exaltadas ou embotoadas, pobreza de sentimentos, distanciamento afetivo, anedonia, indiferença afetiva;  Distúrbios volitivos: dificuldade de tomar decisões ou de realizar atividades, fadiga ou por outro viés, atos impulsivos e/ou compulsivos; Somam-se a esses fatores as doenças psicossomáticas, os quadros de insônia e de fobias de estresse.

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.As doenças mentais que mais tendem a afastar o homem de seu trabalho são as de cunho de episódios depressivos, transtornos de ansiedade e Reações ao Estresse Grave e Transtornos de adaptação (BRASIL, 2013). Porém, a grande dificuldade quanto se trata de transtornos mentais, é a comprovação do nexo causal com o trabalho, visto que o adoecimento não se mostra tangível ou de fácil observação ou apenas relacionado a fatores únicos. Neste caso, segundo Mendes e Dias citados por Silvestre (2012, p. 40), rompe-se a concepção hegemônica de relação unicausal do adoecimento por agentes biológicos, físicos ou químicos presentes no ambiente de trabalho passando a prevalecer análise multifatorial dos riscos ocupacionais. Assim, ao se trazer à tona determinantes sociais, reduz-se o olhar sobre o processo produtivo e se ampliam as questões subjetivas relacionadas ao exercício das profissões. (MENDES; DIAS apud SILVESTRE, 2012, p. 40)

A dificuldade de se estabelecer assertivamente essa correlação pode levar a conclusão de que não há relação entre o adoecimento e o trabalho, o que gera consequências graves para o trabalhador, como exposição prolongada aos fatores que provocaram ou intensificam os transtornos mentais ou comportamentais, conflitos com os colegas de trabalho, práticas inseguras de trabalho, tensão e queda acentuada do desempenho e produtividade. Consequências que também impactam na sociedade de maneira mais ampla, como na previdência social, nos serviços de saúde, nas empresas públicas e privadas, nas famílias de trabalhadores inválidos ou afastados. Soma-se a isso, o tratamento inadequado dos transtornos, a possibilidade de isolamento social e o risco da intensificação dos sintomas, que pode levar o profissional à crise extrema de saúde, bem como ao desemprego e à invalidez.

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3 A CARREIRA PROFISSIONAL EM RECURSOS HUMANOS

A área de Recursos Humanos tem em sua fundação, o movimento de Administração Científica, emergido no final do século XIX, em consonância com o desenvolvimento advindo da Revolução Industrial. Neste momento, o objetivo era racionalizar o trabalho, tornando sua execução mais rápida, simples e produtiva. Os empregados eram considerados como fatores de produção, e, como tais, o interesse volta-se predominantemente para o registro de seus dados (horas trabalhadas, faltas, remuneração, dentre outros). A primeira evolução se deu na década de 20, do século XX, quando surgiu o movimento da Escola de Relações Humanas, cujo representante mais conhecido foi Elton Mayo, acompanhado por seus colaboradores. Havia uma preocupação com a pesquisa e com os estudos, acompanhado de uma mudança na perspectiva de se ver a relação entre empregados e empregadores, para que os resultados fossem otimizados (DAVEL; VERGARA, 2001). Sendo assim, as condições do trabalho como iluminação, riscos e condições psicológicas dos trabalhadores começaram a ser analisadas e consideradas como elementos impactantes no resultado final da produção. Ao dito “fator humano” começou a ser dada maior atenção. Desde então, cresceram o número de estudos sobre o comportamento humano nas organizações e assim, surgiu a Administração de Recursos Humanos (ARH), por volta da década de 60, na América. O foco de suas tarefas é funcionalista, com o desenvolvimento de técnicas e procedimentos de recrutamento e seleção, treinamento, avaliações, remuneração e análise do ambiente e avaliação dos comportamentos. Cabia ao departamento de Recursos Humanos elevar a produtividade da organização, atuar em conformidade legal e favorecer a vantagem competitiva da organização. Segundo Davel e Vergara (2001), nesse modelo Em geral, toda e qualquer mudança é percebida como fruto de decisões adequadamente estruturadas do “Departamento de RH”, em função: (a) da posse da totalidade de informações, (b) do poder de afirmar suas preferências nas margens de manobra existentes e (c) do poder de implantar as soluções planejadas. O elementochave desse processo de intervenção é, sem dúvida, a ARH ao serviço da direção da empresa. (DAVEL;VERGARA, 2001, p.36)

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Diante das mudanças tecnológicas, da globalização da economia e do aumento da competitividade entre as empresas, as organizações vêm passando por mudanças em suas práticas e modelos de gestão, o que implica também numa mudança de perspectiva da área de Recursos Humanos, passando do nível operacional para o estratégico. Isso significa, alinhar suas funções aos objetivos estratégicos da organização, através da assessoria e subsídio à alta direção no direcionamento de suas práticas. Surge então a Administração Estratégica de Recursos Humanos (AERH), que leva a uma redefinição das atividades próprias da área e conforme ressalta Albuquerque citado por Braga e Tonelli (2008), a necessidade de se pensar em recursos humanos de forma estratégica decorreu, principalmente, do reconhecimento da importância de se considerar o ambiente externo na formulação das estratégias de negócios, e da existência de um gap entre as necessidades previstas para a implantação destas estratégias e as realidades que as organizações enfrentavam em termos de pessoas para implantálas. (ALBUQUERQUE apud LACOMBE; TONELLI, 2008, p 160)

Essa administração estratégica de Recursos Humanos agora não está apenas a serviço da direção da organização, mas de todos aqueles que nela trabalham, pois sob essa nova lógica, todos se tornam seu maior recurso. Cabe ao RH identificar as etapas do processo de negócio que podem ser positivamente afetadas por ações focadas em pessoas e trabalhar em todas elas de forma a discernir o conhecimento, potencializar a comunicação, definir práticas sustentáveis de trabalho, fortalecer os valores da organização e melhorar o clima organizacional. Ampliando o escopo de suas intervenções, o RH deve, juntamente com a liderança, desenvolver uma atuação voltada para o cuidado das pessoas que ali trabalham no que se refere às questões de saúde e segurança no trabalho, bem como ajudar a promover relações de trabalho mais humanas, maduras e assertivas. Com o acúmulo de responsabilidades e deveres, bem como de um novo posicionamento das organizações que os colocam como parceiros estratégicos, os profissionais de RH tendem a ser mais exigidos em sua atuação, capacitação profissional e apresentação de resultados. Conforme Bolomé e Azevedo (2001), Siqueira Borges (2006), dentre outros, a eles são demandadas: 

Um maior embasamento teórico e prático para tomar suas decisões;

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Saber do negócio da organização e se informar sobre seu mercado;



Apresentar resultados em forma de indicadores, fazer medições e prognósticos;



Conseguir circular e se comunicar assertivamente com todos os demais setores da

organização. Nota-se que o profissional de RH diante desta realidade, é forçado a sair de sua zona de conforto e ir muito além do que aprendeu em sua formação educacional, pois deve instruirse sobre outras áreas, sobre outras ferramentas de trabalho e formas de apresentar seus resultados, sempre quantitativamente e com clareza e objetividade.

Quadro 1 - Diferenças entre o RH Funcional e o RH Estratégico

RH Funcional

RH Estratégico

Operacional

Estratégico

Qualitativo

Quantitativo

Policiamento

Parceria

Curto prazo

Longo prazo

Administrativo

Consultivo

Voltado para a função

Voltado para o negócio

Foco interno

Foco externo

Reativo

Preventivo

Foco na atividade

Foco na solução

Fonte: Conforme referência dada pela professora Maria Tereza Lopes Costa, na aula do curso de pósgraduação lato sensu de Psicologia Organizacional e do Trabalho, do IEC PUC-MG.

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Um dos maiores desafios desse novo RH é o de fazer a conversão do operacional para o estratégico para atuar de forma mais sistêmica e globalizada e assim contribuir para a transformação e mudança organizacional. Temos ainda, há titulo de conhecimento, a abordagem política de RH, na qual segundo Davel e Vergara (2001), “a ação gerencial é, prioritariamente, de arbitragem racional e ética entre ARH e as pessoas, por intermédio de decisões relacionadas à partilha de poder e ao design organizacional”. Hoje, profissionais de diversas áreas do conhecimento têm atuado em RH, tais como psicólogos, engenheiros, administradores, pedagogos, dentre outros. Para que isto seja possível, é indicado que sejam feitas especializações na área como MBA’s e cursos de Pós graduação latu sensu e por vezes, strictu sensu (em menor escala). Numa perspectiva mais aplicada e restrita, no que concerne à formação (em termos de conhecimento, análise crítica e reflexiva), há ainda, a possibilidade de se capacitar diretamente neste campo, através de Curso Superior em Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos, que desde 2002, foi reconhecido pelo Ministério da Educação, como um curso superior. Entretanto, a prática tem mostrado que esses profissionais vêm ocupando lugares mais operacionais, com menores salários e pouca condição teórica e metodológica de inovar e alavancar a gestão da área. O campo de atuação para os profissionais é bastante amplo, incluindo estatutos e contratos distintos de trabalho, como: vínculo empregatício nas organizações, trabalho em consultorias especializadas e/ou o trabalho autônomo em orientação profissional (atendimentos individuais, coaching), independente da formação profissional de base. Apesar do avanço histórico da função de RH e da mudança de perspectiva e valorização política da área, ao longo dos anos, nota-se que o seu desenvolvimento no âmbito das organizações sociais de maneira geral, infelizmente, não veio acompanhado de um desenvolvimento de sua base teórica, metodológica e técnica consistente. Isso significa que ainda falta uma construção mais sistematizada do conhecimento sobre a função e a área politicamente falando, de cunho mais científico e fidedigno e que possa realmente contribuir para as necessidades dos grupos de profissionais que representa ou que deveria representar. O que se nota é uma generalização de seus papéis e competências,

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sendo uma área que tende a absorver conhecimentos de outras, sem de fato, construir algo propriamente seu (SIQUEIRA BORGES, 2006). Enquanto função e campo de conhecimento, o RH ainda precisa de critérios, de escolhas conscientes e de identidade para reafirmar quais são seus fundamentos e consolidarse de forma independente e efetiva na lógica organizacional. Diferente disso, ela ainda vive um momento de atender às expectativas do mercado e dos negócios, exclusivamente, em promover intervenções baseadas em teorias aplicadas e métodos que não orientados por questões concretas ligadas a relação homem-trabalho e em assimilar visões e missões de terceiros. Ainda falta muito para o RH desenvolver uma postura mais autônoma, crítica e sistemática. Enquanto isso não acontece, cabe o questionamento feito por Maria Elisa S. Borges (2006): suas práticas de trabalho chegam a se configurar como uma profissão ou como uma ocupação? No que concerne à qualificação do profissional de Recursos Humanos, o que temos visto é a crença baseada no senso-comum, de que, para se atuar na área basta ser alguém que “goste de gente”. Essa banalização da qualificação do profissional tende a fazer com que qualquer um se sinta preparado para atuar na área, o que tende a fragilizar ainda mais suas bases teóricas e práticas. Muito além disso, é imprescindível que ele possua uma capacidade reflexiva e analítica, como à capacidade de análise organizacional, de análise de coletivos, capacidade de posicionamento ético-crítico, de habilidade oral e escrita, dentre outras. É preciso também que o profissional de RH seja aquele que torne as pessoas protagonistas de seu trabalho, intervindo de forma que elas se impliquem em suas atividades e se tornem responsáveis por elas, num sentido mais de apropriação de seus critérios, de seus resultados e de suas estratégias, para cumpri-las com qualidade, saúde e sentido. Assim, eles serão mais autônomos por meio de suas atividades. Atuar em RH significa dar espaço para ir além do prescrito, mas também discutir o prescrito, ouvir, estabelecer uma relação de confiança com os funcionários e gestores, apresentar possibilidades de transformação e aumentar o poder de agir dos trabalhadores, como nos ensina Clot (2006). É ser, também, provedor de condições para uma saúde mental. A fim de visualizar melhor a representatividade e a identidade desses profissionais e como eles se distribuem, foi realizado, em 2014, um estudo pela Consultoria Carreira Muller,

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situada em São Paulo, capital, sobre o perfil dos profissionais de Recursos Humanos no Brasil. A pesquisa foi desenvolvida através de entrevistas com mais de 3.000 profissionais, de cerca de 1.000 empresas clientes da consultoria. As empresas são brasileiras, e algumas delas, com capital estrangeiro. Com relação à idade desses profissionais, no nível de assistentes, eles possuem idade média entre 18 e 25 anos (56,25%): os analistas possuem idade entre 31 e 35 anos (30,66%) assim como também os níveis de coordenação (25,49%). Os especialistas na área estão entre 36 e 40 anos (23,81%) e os supervisores, entre 31 e 35 anos (31,58%). Dentre gerentes e diretores a faixa etária fica entre 46 a 50 anos, sendo 34,48% diretores e 22,32% gerentes. O estudo aponta também que o tempo médio de experiência em cada nível é variável. A maioria dos assistentes entrevistados têm cerca de 2 a 5 anos (37,50%) de carreira e o cargo é ocupado em sua maioria por mulheres (57,14%). Os analistas possuem entre 2 e 10 anos (19,71%) de experiência e também têm proporção maior de mulheres (69,67%). Entre os especialistas, a média de experiência é de 7 a 10 anos, com 60% das posições ocupadas por mulheres. Tendem a ser profissionais que já definiram o que querem para a carreira profissional e pretendem continuar trabalhando na área em que se especializaram. Entre os coordenadores, o tempo de experiência varia entre 7 e 15 anos na área de RH, esses profissionais estão no momento de afirmação entre carreira de gestão ou especialização. Aqui também, a maioria dos cargos é ocupado por mulheres (63,46%). Os supervisores têm entre 10 e 15 anos de experiência em gestão de RH e são representados em 69,23% por mulheres, as quais ivenciam um momento em que têm que decidir entre estacionar ou prosseguir na carreira. No caso de diretores e gerentes, temos uma média entre a maioria de 15 a 20 anos de experiência (30%). Porém, em ambos os casos, os cargos são ocupados em sua maioria por homens, destes 51,82% são gerentes e 70% diretores. Observa-se com esses dados que o fator idade quando relacionado à promoção, tem um impacto maior nos níveis operacionais, visto que nos níveis estratégicos não se vê na idade uma regra para o alcance de novas posições, devido aos movimentos culturais e econômicos que favorecem o acesso de pessoas mais jovens a esses cargos, possibilitados pela capacitação que o profissional adquiriu. É possível verificar também que a predominância de atuação na área é do sexo feminino, isso pode ser explicado pelo fato do RH ser o setor na organização que deve acolher

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a todos, exigindo determinadas competências que têm maior probabilidade de estarem mais desenvolvidas nas mulheres, como: predisposição para cuidar, empatia, realizar tarefas simultâneas, capacidade de ouvir e negociação menos conflituosa. No entanto, podemos notar que, em cargos executivos ─ de alta liderança ─ a predominância é de homens. Dado explicado, pelo fato de ainda predominar em nossa cultura, uma ideologia machista na qual as mulheres são discriminadas, pois se acredita que as mesmas não conseguiriam conciliar trabalho e família e seriam muito emotivas ou passionais. Além disso, a elas são impostos processos de seleção e promoção mais rígidos, bem como são submetidas a uma provação moral também mais severa. Em 2015, a mesma Consultoria realizou uma nova edição da pesquisa, com o mesmo público, só que voltada para a percepção do profissional de Recursos Humanos sobre a construção de sua carreira, o que eles planejam fazer para alcançar postos mais altos e se é realmente isso que desejam. Mais de 1100 profissionais participaram do estudo. Os resultados das entrevistas apontam um percentual de 93% dos entrevistados de nível operacional, afirmando almejar uma posição de nível tático durante a carreira e entre os de nível tático, 86% pretendem assumir uma posição de nível estratégico durante a trajetória de trabalho.2 A incidência dos 7% que não desejam uma promoção apresenta as seguintes características: no nível operacional estão aqueles a partir dos 31 anos, com maior índice entre os 41 e 45 anos de idade. Já os 14% entre o nível tático, a idade vai de 26 a 30 anos (1,5% do total de entrevistados), com pico entre 41 e 50 anos (8%). Dentre os motivos mais apontados de desinteresse entre esses, tem-se as perspectivas da aposentadoria, do empreendedorismo e da qualidade de vida que almejam. Os profissionais de nível operacional, em sua maioria (48%), pretendem se especializar na área de RH, outros 37% querem passar por todas as áreas da organização, pensando em adquirir o máximo de experiência possível, pois seu foco na carreira é a gestão. Um total de 12% também quer transitar por entre as áreas, porém para decidir em qual área seguir. Cerca de 3% pretende mudar de área.

2

Descrição dos níveis: Nível operacional: analista, auxiliar, assistente e estagiário. Nível tático: gerência, coordenação/supervisão, especialista/consultor. Nível estratégico: presidência, CEO, direção geral, direção, alta gerência ou gerente executivo.

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Entre os profissionais de nível tático, 75% deles não pretende assumir outra área: os demais (25%) que pretendem mudar de carreira, teriam como intenção, seguir as áreas de marketing, projetos e/ou carreira acadêmica. Em segundo plano, vêm as áreas jurídica, financeira e a atuação em consultorias. O caminho percorrido por esses profissionais para chegar a este nível, foi, em sua maioria o generalista ─ atuação em diversos subsetores de RH ─ (38%), ou seja, uma atuação mais sistêmica e flexível. Seguido por 20% em remuneração, 17% na folha de pagamento, 14% desenvolvimento organizacional, 8% recrutamento e seleção e 3% vem de outra área que difere do RH. Infere-se que a capacitação generalista em RH torna mais tangível a possibilidade de promoção, devido a suas características de maior contato com as demais áreas da organização e consequentemente maior conhecimento, além do profissional conseguir construir mais vínculos e conexões de atividades. Com relação aos profissionais estratégicos, a pesquisa buscou conhecer quais são seus fatores de motivação, visto que já estão no topo de sua carreira e a promoção já não é mais um estímulo. Mais de 300 executivos responderam o estudo e 74% deles argumentam como incentivo, propósitos muito particulares, o que significa maior poder de influência na tomada de decisões em curto prazo e, desenvolver-se profissionalmente agregando responsabilidades à carreira, com o intuito de adquirir poder político, em longo prazo. Desses, 19% trabalham com propósitos de forma planejada, com etapas e metas a cumprir. Outros 26% alegam como estímulo propósitos coletivos, o que significa capacidade de persuasão e interferência nas massas, pois os profissionais almejam deixar um legado. Os executivos, oriundos, em sua maioria (49%), do subsistema generalista, seguido pelo desenvolvimento organizacional (21%). Dentre esses profissionais, 64% não pretende mudar de área. Os que buscam mudança (36%) gostariam de retornar a outra área que trabalharam anteriormente (15%), sendo em primeiro lugar operações, seguido por comercial, marketing, direção geral, dentre outras. Quanto ao caminho de capacitação dos profissionais do RH, nota-se que as formações são bem diversificadas, sendo as três predominantes: Administração de Empresas (47,74%), Psicologia (15,81%) e Direito (7,74%).

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Nota-se que 67,60% dos profissionais já concluíram uma especialização (pósgraduação lato-sensu3), enquanto outros 16,72% ainda não começaram uma, mas pretendem fazer isso em até dois anos. Um percentual de 7,32% está cursando e 5,23% parou o curso. Outros 3,14% não possuem pretensão de realizar a especialização nos próximos dois anos. Fica claro que temos no mercado um número cada vez maior de pós-graduados, o que em perspectiva, aumenta a competitividade entre os profissionais por uma vaga no mercado ou uma promoção, bem como demonstra um desenvolvimento na área, com a elevação do nível de instrução de seus profissionais, bem como a provável melhoria de valorização da área. Dentre os cursos mais procurados, estão os ligados a Administração de Recursos Humanos: como os de desenvolvimento de lideranças e de gestão estratégica de pessoas. Também há procura por Gestão de Negócios, Direito (relações de trabalho e legislação) e também da Psicologia. Quanto à formação scricto sensu4, temos 68,77% de profissionais que não têm e/ou não pretendem ingressar nos próximos dois anos. Além de outros 26,39% que não têm, mas pretendem ingressar nos próximos dois anos. Apenas 2,97% têm mestrado completo e 1,86% estão com o mestrado em curso. É esperado que o número seja menor nesse tipo de especialização devido à acessibilidade ser mais difícil e também pela perspectiva de em longo prazo dos que escolhem fazê-lo, de optar por ingressar na carreira acadêmica. Outra forma de adquirir conhecimento é através dos cursos extracurriculares (até 90 horas). O mais procurado pelos profissionais de RH tem sido Gestão Estratégica de Pessoas (32%), seguido de Cargos e Salários (28%) e Coaching (16%). A busca por qualificação do profissional de RH é importante, pois fornece os meios para que a área dê o salto de qualidade na sua prestação de serviços. Isso significa sair da zona de trabalho operacional para atuação estratégica, como mencionado anteriormente. É a possibilidade de demonstrar que a área pode se tornar cada vez mais imprescindível para as organizações, bem como ser também mais valorizada e prestigiada.

3 4

Programas de especialização e MBAs. Programas de mestrado e doutorado.

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4 OS PARADOXOS DA CARREIRA EM RECURSOS HUMANOS

"O homem pode suportar tudo, menos a falta de sentido em sua vida." Viktor Frankl

O profissional de RH necessita conciliar de forma assertiva os interesses da organização, bem como os de seus trabalhadores. Deve atuar em prol dos resultados, principalmente o aumento da produtividade e da competitividade, mas também a favor do desenvolvimento humano. A sua atividade profissional é perpassada por relações de poder e condicionada para a manutenção do capital e maximização dos lucros. Porém, inclui-se também o dever de mediar essas exigências, associando-as inclusive ao bem-estar coletivo dos funcionários. O profissional de RH está a serviço da produção (capitalismo), mas também de todos os envolvidos nela. Ele circula entre os anseios dos acionistas e sócios e os das pessoas que nela trabalham e deve mediá-los, junto com a liderança para que não entrem em conflito. A sua responsabilidade é dupla, mas a sua decisão não pode ser. E no que isto difere dos demais profissionais que também passam pelos mesmos processos? O paradoxo entre o cuidar e o cobrar, entre o capital financeiro versus o humano, entre os limites do real versus o prescrito. Diante disto, surgem os dilemas: 

Ser um instrumento de adaptação do trabalhador em prol da produção ou

promover a emancipação dos trabalhadores? 

Ser um mero reprodutor de técnicas ou um agente de transformação, de

mudança? 

Com quem se comprometer?

Esse profissional tem tarefas a executar e metas a cumprir para que mantenha seu emprego e são nestes momentos que o paradoxo tende a maltratá-lo, pois ele deve cumprir o prescrito, o que muitas vezes exige uma tomada de decisão que difere de sua formação moral, ética ou profissional ou é incondizente com a realidade. O dever de atender à organização,

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muitas vezes pode ter como consequência agir de maneira contrária às necessidades de seus trabalhadores e/ou de forma a comprometer a saúde mental dos mesmos. O homem tem valores que regulam e orientam suas atitudes e esse contexto de dilema entre as demandas profissionais e os valores pessoais pode levar o profissional a apresentar uma diminuição de sua motivação, bem como vivenciar a perda de sentido de seu trabalho. Isso tem impacto em sua autoestima e em suas relações interpessoais, bem como em seu comportamento. O trabalhador pode apresentar julgamentos negativos sobre si mesmo e se sentir culpado por agir de forma não condizente com seus valores. Tudo isso, pode levá-lo ao sofrimento psíquico, manifesto quando não verbalizado ou percebido, por doenças psicossomáticas e também ao adoecimento psíquico, com a constatação de transtornos mentais graves como a síndrome de Burnout5. Os profissionais que se encontram neste tipo de situação tendem a não ter a quem recorrer na organização, além de seu líder, que, muitas vezes, pode não ser de confiança para o profissional ou não se colocar inteiramente à disposição de ouvi-lo. E sendo o RH quem acolhe os trabalhadores e os ampara, quem cuida de quem deve cuidar? Na maioria das organizações, ninguém. Há políticas de atenção para todos, menos para os profissionais de RH. Eles são os profissionais que devem se lembrar e zelar por todos os componentes da organização, promovendo ações de reconhecimento e melhoria do clima e satisfação interna. Porém, não há quem olhe para eles com a mesma intenção de cuidar, quem os apoie em suas dificuldades emocionais e dilemas ocupacionais. Soma-se a isto, a postura que é exigida destes profissionais, pois os mesmos devem ser sempre, exemplos de educação e discrição: tacitamente, sabe-se que não é permitido a esses profissionais sequer externalizar opiniões pessoais a respeito da organização. Tudo isto, faz com que os próprios integrantes da equipe de RH tenham receio em manifestar suas angústias, pois sua credibilidade profissional pode ser colocada em jogo.

5

Síndrome caracterizada por um estado de tensão emocional e estresse crônico provocado por condições de trabalho desgastantes. Em geral, a síndrome atinge profissionais que lidam direto e intensamente com pessoas e influenciam suas vidas.

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Como aceitar um profissional que foi contratado para cuidar dos trabalhadores, mas está doente e também precisa de cuidados? Na medida em que o profissional não é tratado, não é ouvido ou não percebe que sofre, muitas mudanças podem ocorrer em seu comportamento e em sua personalidade. Sintomas como irritabilidade, desânimo e tristeza podem ser frequentes, bem como isolamento social e queda da confiança em si e num futuro promissor. O profissional de RH dificilmente irá se afastar do trabalho ou apresentar muitas ausências através de atestados médicos, pois tem como valor, em sua maioria, o comprometimento e a responsabilidade com o seu trabalho e com os outros. Além disso, sobre ele paira um olhar mais rigoroso da organização quanto à sua postura profissional, que deve ser sempre exemplar, o que significa não se ausentar. Ele estará na empresa de corpo presente, mas sem a concentração necessária para executar suas funções e nem contribuir inteiramente para a organização, bem como ajudar aqueles que mais precisam: os funcionários.

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5 METODOLOGIA E ANÁLISE DE DADOS: a prática dos profissionais de Recursos Humanos

A presente pesquisa é descritiva, pois teve “como objetivo estudar as características de um grupo: sua distribuição por idade, sexo, procedência, nível de escolaridade, estado de saúde física e mental, etc.” (GIL, 2010, p.131). Soma-se a isso, a intenção de levantar opiniões da população estudada. O método utilizado foi o qualitativo, visto que se busca trabalhar “com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores, atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações” (MINAYO apud LAKATOS; MARCONI, 2011, p 271) e para a coleta de dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas. Participaram da pesquisa, sete profissionais (seis do sexo feminino e um do sexo masculino) que atuam na área de Recursos Humanos de empresas privadas em Minas Gerais, com nível superior de escolaridade concluído, independentemente do curso que tenham realizado ou cargo ocupado na organização. Variações relacionadas à idade não se aplicam nesse caso. As entrevistas foram realizadas individualmente pela entrevistadora no dia e horário indicados pelos entrevistados, que são contatos profissionais da autora desse estudo. Buscouse com o instrumento, conhecer a opinião dos profissionais sobre suas vivências profissionais e perspectivas de carreira. A análise dos dados foi organizada através da análise de conteúdo sobre as respostas e falas dos entrevistados.

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Quadro 2 – População pesquisada

IDENTIFICAÇÃO IDADE SEXO EXPERIÊNCIA CARGO NA GRADUAÇÃO PÓSRAMO DA COM RH ORGANIZAÇÃO GRADUAÇÃO ORGANIZAÇÃO G.R.P.

25

F

7 anos

Assistente

Psicologia

Não possui

Serviços

J.C.C.

26

M

3 anos e 6 meses

Analista

Psicologia

Em curso: lato sensu (outra área)

Serviços

J. M.

34

F

12 anos

Supervisora

Psicologia

Não possui

Serviços

L.F.A.

27

F

2 anos e 6 meses

Analista

Psicologia

Em curso: lato sensu (área correlata a RH)

Varejo

M. K.S.F.

35

F

6 anos

Analista

Psicologia

Em curso: lato sensu (área correlata a RH)

Serviços

P.M.

36

F

17 anos

Especialista

Ciências Contábeis

V. R. D.

34

F

3 anos

Assistente

Gestão de RH

Possui duas pós-graduações lato sensu (área correlata a RH)

Em curso: lato sensu (área correlata a RH)

Serviços

Varejo

Fonte: Quadro elaborado pela autora

5.1 Análise dos dados

A carga horária de trabalho de 6 (seis) dos entrevistados é de 44 horas semanais e/ou 220 horas mensais, o que corresponde à jornada de trabalho máxima prevista pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A única exceção foi de uma das entrevistadas, sua carga horária de trabalho é de 40 horas semanais (200 mensais). Não foi verificada a necessidade de realização de horas extras no momento, na amostra entrevistada. O que não significa que não haja sobrecarga de trabalho entre eles. Notam-se, dificuldades entre esses profissionais de conciliar a vida pessoal com a profissional, ou seja, a carga horária de trabalho, bem como o conteúdo do trabalho tem afetado negativamente as relações sociais, estudos, saúde e lazer dos participantes:

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“A gente acaba tendo que se desdobrar.” (J.M.) “É uma luta porque eu “tô” morando em Itabirito (MG), aí eu acordo muito cedo, venho pra cá, eu chego aqui 7h30 da manhã, saio 17h 30, então eu chego em Itabirito por volta de 19h/20h na minha casa, durante a semana eu não tenho vida social, porque eu tenho que dormir cedo pra eu acordar bem, porque senão eu chego aqui (trabalho) morta.” (M.K.S.F.) “Eu perdi três matérias por falta” (na pós-graduação devido ao trabalho) (M.K.S.F.) “A vida pessoal fica mesmo pra sábado à tarde, domingo. À noite quem cuida dos meus filhos é minha mãe, meu marido chega mais cedo do trabalho e já adianta algumas coisas pra mim em casa.” (V.R.D.) “Vida pessoal eu tenho é final de semana, porque querendo ou não são 40 minutos de viagem pra ir e chegava tarde em casa... academia eu faço no horário de almoço e aí eu vou tentando dar uma qualidade de vida à medida que tenho oportunidade lá (trabalho).” (J.C.C.) “É bem complicado, porque na verdade a profissional acaba sobrepondo a minha vida pessoal, eu não consigo separar as duas. Quando eu tenho uma demanda maior, uma questão maior eu acabo tendo que ficar na empresa e deixando de lado um pouco a minha relação pessoal com o meu marido, no caso. Viagens, família também, eu cheguei a ficar uns três meses sem conseguir ir pra casa da minha mãe aos finais de semana, trabalhando direto realmente. Então, é praticamente impossível às vezes.” (P.M.) “Eu colocaria uma auxiliar pra mim, porque eu fico com toda parte de recrutamento e seleção e desenvolvimento de profissional, eu sou a única psicóloga responsável por dez lojas, então eu precisaria de alguém pra me ajudar principalmente na questão operacional.” (L.F.A.)

É possível inferir que a redução do tempo disponível para cuidar de si e de sua família, tende a prejudicar os profissionais de forma sistêmica. Sua saúde é afetada na falta de tempo para se alimentar melhor, para se exercitar ou praticar atividades de cuidados com o corpo e a mente, como terapias, sejam elas de qualquer tipo. As relações sociais fora do trabalho tendem a ser colocadas em segundo plano devido à falta de tempo em se encontrar com parentes e amigos, bem como também, devido ao grande cansaço laboral. Esses profissionais podem ficar muitos dias dedicados apenas ao trabalho e/ou sua casa, o que os leva a perder momentos significativos em suas vidas. E

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quando esses momentos acontecem, podem ser vivenciados com pouca ou nenhuma qualidade, o que significa a existência de atritos com os demais, devido a sintomas de estresse e cansaço mental, como citado anteriormente por Dalgalarrondo (2008). Além disso, a estafa profissional pode provocar alterações de humor, indiferença afetiva, falta de atenção às necessidades dos outros, atos impulsivos, dentre outros. O trabalhador está presente na situação, mas pode não se identificar com ela ou se colocar a parte, em razão das dificuldades de conexão. A maioria desses profissionais (85,7%) trabalha exclusivamente com RH, com similaridade

quanto

às

atividades

de

Recrutamento

e

Seleção,

Treinamento

e

Desenvolvimento, Comunicação Interna, realização de eventos, dentre outros. Apenas uma entrevistada atua também com Departamento Pessoal (DP), executando funções de folha de pagamento, benefícios, controle de ponto, comissionamento, dentre outros. Porém, nota-se que ambos os setores são interligados, pois precisam trabalhar juntos nos procedimentos que afetam os funcionários da organização em que trabalham. Foi possível perceber através dos relatos, que existem ruídos na comunicação entre DP e RH. Como exemplo, quando um gerente toma a decisão de desligar um trabalhador. Nesse processo, o setor de DP deve executar os procedimentos de rescisão do contrato de trabalho e o RH só vem a tomar conhecimento desse fato, no momento em que ele acontece ou até mesmo depois. “Era muita demissão que já tinha acontecido e a gente do RH não ficava sabendo. (J.C.C.)

Isso tende a afetar negativamente as relações entre os setores, pois os profissionais de RH são pegos de surpresa, o que muitas vezes, os impede de conduzir de forma mais assertiva, junto com o gerente, o desligamento do funcionário ou até mesmo, reverter essa demissão. Além, de serem impossibilitados de colher informações importantes sobre o motivo do desligamento, bem como a visão do desligado sobre a organização (entrevista de desligamento). Ressalta-se aqui, que a responsabilidade de comunicar ao RH o desligamento, é do gerente que fará a demissão, porém o que chama a atenção no que se refere ao relacionamento entre RH e DP nesse caso, é a dificuldade de estabelecer uma parceria, na qual a comunicação eficiente evite transtornos e indisposições entre os setores.

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Todos os entrevistados têm contato direto com os gerentes dos demais setores da organização, o que significa comunicação direta, mas não necessariamente tomada de decisão em conjunto. Já com a diretoria da organização, isso tende a acontecer com bem menos frequência, com exceção de dois casos (28,5%), nos quais os líderes diretos dos profissionais entrevistados são diretores de RH ou de outras áreas. Observa-se que em 28,5% dos casos, os profissionais de RH entrevistados também executam funções além das relacionadas ao RH, ou seja, distintas de sua formação profissional. “A gente tem que ajudar em inventários, tem que ir pra loja ajudar a organizar as gôndolas, ajudar a contagem, organização do setor, ajudar no caixa, a gente tem que ir lá abrir o caixa. Você perde horas e horas, perde a parte da manhã ou tarde toda lá no caixa e isso atrapalha demais o nosso trabalho.” (V. R. D.) “Eu entrava em negociações e nós tínhamos um setor comercial para isso. Eu fechava toda a logística: quem vai buscar, qual caminhão que vai vir, de onde que vai vir.” (J.C.C.)

A maioria dos profissionais de RH acredita que ainda não fazem o que deveriam na organização em que trabalham, por diversos motivos: baixa autonomia na organização, falta de recursos, desvalorização do setor, acúmulo de funções de outras áreas, cultura da organização, dentre outros. “Eu queria fazer mais de desenvolvimento sabe... não é bem aceito aqui, não os donos, mais por parte dos gestores, não é valorizado.” (M.K.S.F.) “As tarefas de RH são substituídas por tarefas de loja.” (V.R.D.) “A gente executa uma tarefa de RH muito operacional e pelo que estudei, eu sei que essa não é a rotina de RH mesmo.” (V.R.D.) “Na minha ética sim, mas em contrapartida é a questão de você direcionar a empresa por um certo caminho e ela acaba fazendo algo que fere a legislação no caso. Me sinto muito pra baixo, é como se tivessem machucando a minha ética, ferindo a minha ética, personalidade, minha questão, a minha integridade, vamos dizer assim.” (P.M.) “Falta à parte um pouco mais humana do RH, no sentido assim, tem profissionais às vezes que surtam e agente vai saber disso depois que já aconteceu, tem funcionários que sofrem acidente, a gente não é comunicado... a parte do cuidado com o outro, de sentar, perguntar se

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“tá” tudo bem, se precisa de ajuda, isso ainda falta muito. A gente só fala de números, números, números, mas cadê as pessoas? Acho que isso ainda está faltando muito.” (G.R.P.)

Dentre todos os entrevistados, apenas uma afirmou que se considera bem remunerada. Os demais relataram que não consideram sua remuneração condizente com o mercado, justa ou satisfatória em relação à quantidade de trabalho que executam e/ou responsabilidades assumidas. “Há uma desmotivação em relação à área... No mercado, entre as áreas administrativas, a nossa área é a pior remunerada, desde uma empresa nacional a uma multinacional. Se você for comparar com qualquer outro profissional de outra área, ela é bem aquém, até de gerente.” (J.M.) “Ou eu abandono o RH por questão salarial ou por uma questão que eu tenho visto no mercado. A gente trabalha aqui sempre com grandes clientes, que têm nome no mercado, todo mundo conhece e toda vez que a gente recebe alguma vaga de gestão eles pedem profissionais mais jovens (até 35 anos).” (M.K.S.F.) “As pessoas acham o RH supérfluo... uma coisa que não é necessária, que pode ficar sem. Aqui os salários mais baixos são o do RH.” (M.K.S.F.) “Pelo tanto que você trabalha, pelo tanto que você faz, pela responsabilidade que você tem em mãos, eu não sou.” (J.C.C.) “É questão de mercado, a gente tem muita tarefa, mas valorização mesmo é o mínimo possível que eles pagam pra gente.” (P.M.) “Não, porque acho que poderia ganhar mais por todas as responsabilidades que tenho.” (L.F.A.)

Quanto a sua liderança, nem todos os entrevistados (42,8%) têm líderes com experiência e/ou formação profissional na área de RH. Há casos em que o líder é o diretor geral da organização, por exemplo. O principal impacto disso se dá quanto ao conhecimento técnico para conduzir a equipe, quanto à consideração que o líder dá sobre a importância da área de RH para o desenvolvimento da organização e forma como ele conduz e cuida de sua própria equipe, principalmente nos momentos de dificuldades ou conflitos. “Meu líder não conhece muito os procedimentos de RH, a questão mesmo da parte humana das pessoas, ele quer saber de vendas.” (V.R.D.)

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“O nosso trabalho muitas vezes, não é vislumbrado, até mesmo pelo nosso CEO.” (J.C.C.) “Não é o foco dele a nossa área, é mais um dos setores em que ele faz a direção. Tecnicamente ele não tem conhecimento suficiente para nos supervisionar.“ (J.M.) “Ela ainda deixa a desejar na parte de Gestão de Pessoas, ela é gerente de Gestão de Pessoas, mas ainda não exerce a Gestão de Pessoas. Ela infelizmente divide às vezes pessoas, aquela que ela tem mais afinidade ela trata melhor do que aquela que ela não tem afinidade, às vezes a pessoa “tá” falando com ela e ela não dá a mínima atenção. São exemplos assim de Gestão de Pessoas que ela deveria ter mais habilidade.” (G.R.P.)

Porém, verificou-se nesse estudo, que não há correlação entre formação profissional e/ou experiência na área de RH e assertividade na Gestão de Pessoas, ou seja, não necessariamente o líder com capacitação na área de RH será considerado pelos subordinados como um bom gestor, o que significa saber desenvolver sua equipe, ampará-la nas dificuldades, administrar conflitos e principalmente, influenciá-la. Apesar das insatisfações que alguns exprimem com os líderes, há reconhecimento de que eles tendem a considerar as sugestões de seus subordinados, o que não significa colocálas em prática. Um percentual de 85,7% dos profissionais entrevistados, afirma que o líder não realiza avaliações de desempenho e/ou acompanha sistematicamente o desenvolvimento do profissional de RH. O que tende a acontecer são feedbacks tardios sobre sua atuação profissional, desconectados com o momento em que o trabalho aconteceu e/ou que não definem de forma clara, quais os pontos positivos e os que devem ser melhorados no desempenho do profissional. “Talvez tenha RH na empresa pra cumprir alguma regra, alguma coisa da lei, porque a gente não tem acompanhamento nenhum, não é uma coisa assim que a empresa faz questão e acha importante dar continuidade, dar crescimento.” (V.R.D.). “Feedbacks sim, avaliações não. Nós fazíamos as das pessoas e não éramos avaliados.” (J.C.C.) “Ela avalia o meu trabalho muito mais pelo meu movimento, pelo resultado final de ter acontecido um processo ou não, ter acompanhado e melhorado um resultado junto do profissional ou não,

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mas acompanhar mesmo, avaliar de ter uma avaliação de desempenho, não tem.” (L.F.A.)

Em apenas um dos casos (14,2%), há realização de uma avaliação de desempenho formal e documentada dos profissionais, feita pelo líder, como segue: “Além de ter a avaliação de desempenho né, de seis em seis meses, ele dá feedback constante pra gente. Conforme você vai entregando, ele vai dando o feedback.” (P.M.)

Essa ausência de avaliação e acompanhamento do profissional de RH pode ter um impacto negativo em sua atividade e também em sua carreira, pois a ele deixam de ser proporcionados momentos de reflexão acerca de seu trabalho, que seriam importantes para o seu desenvolvimento profissional e ascensão na organização. Realizar a avaliação, contribuiria para o autoconhecimento do trabalhador, para que o mesmo saiba quais são seus pontos de destaque e quais competências ainda deve desenvolver para se tornar mais capacitado. Não se trata de desenvolver o que o profissional é, mas de desenvolver o que ele é capaz. Soma-se a isso, a possibilidade deste crescer pessoalmente ao ter que elaborar críticas que podem ser importantes para o seu desenvolvimento emocional, o que impacta diretamente na forma com que se relaciona com os outros. As avaliações seriam muito importantes para que os profissionais aprendessem a lidar mais assertivamente com frustrações e também se surpreendessem com as atividades que eles executaram e que talvez eles sequer imaginassem que fariam tanta diferença para a organização ou para os que nela trabalham, ou seja, a sua autoestima e autoconfiança também seriam fortalecidas. Além disso, através da avaliação é aberta a possibilidade de ouvir os profissionais, pois são eles que vivem a realidade, que conhecem as limitações e potencialidades dela, que se relacionam com pessoas que apresentam visões que os líderes, muitas vezes não percebem. É o trabalhador que conhece os riscos da atividade e suas particularidades, sendo assim, é ele que pode apresentar soluções mais benéficas e criativas para os impasses e para o próprio crescimento da organização.·. Quanto à equipe de trabalho, houve consenso quanto à existência de integração e colaboração entre todos. As alterações apontadas pelos entrevistados que poderiam ser feitas

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na equipe de RH de suas organizações, foram indicadas em sua maioria, na intenção de aumentar o quadro de pessoal, para que as atividades pudessem ser melhor divididas. “Eu fico preocupada extremamente com a auxiliar (de RH), porque o processo lá de DP fica de responsabilidade da auxiliar e a parte dela (líder), eu acho que isso não é dividido de parte igual.” (L.F.A.) “Nós temos afinidade, nós temos amizade, se tem erro nós duas juntas vamos sanar o erro, nós vamos trabalhar para que isso não aconteça mais, se uma esquece uma atividade pra fazer, a outra pega e faz, só comunica.” (G.R.P.)

Ficou explicito também que os profissionais têm pouco ou nenhum apoio psicológico de seus líderes ou qualquer outro membro da organização que não seja de sua equipe. São os próprios membros dela que se ajudam e minimizam a dor do sofrimento no trabalho. “Nós cuidamos de nós, nós nos policiamos e consequentemente nós cuidamos do nosso gerente, era eu cuidando deles e eles (equipe) cuidando de mim.” (J.C.C.) “Têm os gestores da gente, mas nem sempre eles estão preparados pra isso (amparar).” (P.M.) “Às vezes, a gente fica muito desmotivada pela postura da nossa gestora, porque ela não passa confiança às vezes. O dia que ela falta, o dia que ela “tá” de férias é a melhor época. Fica mais leve, a gente produz muito mais, hoje ela “tá” prejudicando muito as atividades da saúde de cada colaborador.” (G.R.P.) “Nem a ela (líder). Fica reservado a ela questões burocráticas da função. Às vezes compartilho algo, mas percebo que ela não consegue guardar as coisas para si mesma. Eu não tenho a quem recorrer, levo pra terapia.” (L.F.A.)

A equipe de trabalho tende a assumir um papel muito significativo para esses profissionais, pois seus integrantes vivenciam sentimentos semelhantes no que concerne as dificuldades de realização de seu trabalho, a postura de seu líder, a valorização na organização como um todo e principalmente, na ausência de cuidados, como mencionado no capítulo anterior. É em sua própria equipe que os profissionais de RH tendem a encontrar um amparo para sua solidão profissional, a empatia para compreender seus problemas e acolher a sua

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humanidade, que muitas vezes, é desconsiderada pela organização quando esta exige desses profissionais a todo o momento, um modelo angelical de ser humano. Em relação à valorização profissional da área de RH, todos os entrevistados demonstraram insatisfação, que vai muito além da remuneração, mas aborda também questões sobre os preconceitos com os profissionais, a falta de apoio a área, a escuta na tomada de decisões e o olhar dos outros sobre o seu trabalho. “A gente ainda tem muito preconceito em relação à área de RH, apesar da gente estar avançando em relação a isso. A gente escuta no corredor “Eu faria tudo o que elas fazem, isso aí é muito fácil, a única coisa que eu não posso fazer é aplicar testes (psicológicos).”6 Administradores, enfim, vários profissionais meio que subestimam as atividades porque não entendem a realidade.” (J.M.) “Eu gosto muito do meu trabalho, tirando essa parte que ninguém valoriza. Mas eu gosto do que eu faço, mas às vezes eu me questiono assim: será que eu vou querer ficar nessa área mesmo gostando? Porque desmotiva, você pensa: nossa ninguém valoriza o trabalho da gente.” (M.K.S.F.) “Eu acho que o RH falta muito apoio, base, alguns treinamentos que a gente poderia ter até mesmo para se atualizar no mercado. Tem muita ferramenta nova que a gente poderia usar. Tudo que a gente usa é muito antigo.” (V.R.D.) “A gente não tem amparo dos outros setores, muitas vezes eles acham que a gente é atoa, porque a gente fica na sala o dia inteiro quando há entrevistas via telefone ou skype.” (J.C.C.) “O maior número de cortes está relacionado ao RH, à redução é só no RH. Eles acham que simplesmente não precisa. Se você não tem um diretor que banca, você não faz nada, você não tem condição nenhuma de trabalhar.” (J.C.C.) “A parte de treinamento, eles (gestores) acham que é coisinha banal qualidade de vida eles falam que é só pra poder cumprir... sabe eles não dão valor a essas coisas.” (P.M.) “Eu sou ouvida quando algo falta ali que ela acha que eu posso colaborar, mas nem sempre eu me sinto escutada. Tem muita coisa que eu bato o olho ali e falo, mais isso não é levado em consideração. Talvez algumas tomadas de decisão não é conveniente ouvir mais uma pessoa, ou me ouvir. Quando menos pessoas souberem melhor.” (L.F.A.)

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A aplicação de testes psicológicos só é permitida a psicólogos devidamente registrados nos Conselhos de Psicologia de sua região.

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“Hoje eu não “tô” motivada com o RH, tenho vontade de trabalhar com outra coisa, ao ar-livre... não sei ainda o quê. Mas hoje o RH não é tudo. O RH podia ser mais estratégico, ele deveria ser mais humano, não pensar somente em números, mas em pessoas, a parte que a clínica hoje ensina na faculdade (Psicologia), falta um pouco disso no RH. (G.R.P.)

Isso tende a levar os profissionais a questionar sua continuidade na área, pois é notório que há impacto negativo em sua motivação e relações com os outros membros da organização. A desvalorização da área faz com que o RH muitas vezes, não seja consultado na tomada de decisões, não seja comunicado sobre as estratégias da organização, não tenha recursos financeiros para seus projetos e fique em segundo plano nos investimentos em treinamento e capacitação profissional para os seus próprios membros. Quanto aos dilemas éticos no trabalho, os profissionais entrevistados afirmaram que eles existem e as formas de lidar variam de acordo com cada profissional. Elas podem ir desde o conformismo com a situação, devido à falta de poder para se mudar algo, até sentimentos de incongruência entre o que se faz e o que se gostaria de fazer de acordo com seus valores. Ressalta-se aqui, o que Clot (2013), citado anteriormente, afirma como um indicador de saúde no trabalho: o poder de se reconhecer naquilo que se faz. “Quando você começa no mercado, a gente acaba querendo ser justiceira, né, mas à medida que você vai conhecendo o mercado, conhecendo as maldades, você tem que ter um jogo de cintura, você tem que ter diplomacia, tem que ser mais político, então isso aí você vai conseguindo com a experiência, ao longo do tempo. No início não, no início a gente acha que o bem tem que estar acima do mal, acima de tudo e de todos, passa um tempo você vê que não tem poder para isso. Você “tá” sujeito a autonomia que você tem em cada lugar que você trabalha.” (J.M.) “Ou eu sou insubordinado ou eu faço coisas que muitas das vezes não estão dentro de mim.” (J.C.C.) “Porque ele (líder) tem que seguir o que os superiores dele solicitam e muita das vezes contradiz com que a gente necessita ou o que tem que acontecer realmente, então acaba eu tendo que gerenciar minha equipe, a insatisfação dessa minha equipe por causa disso.” (P.M.) “Eu acho uma sacanagem quando a pessoa (funcionário) sai no prejuízo, eu não gosto e fico muito... isso eu fico angustiada quando acontece.” (G.R.P.)

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As entrevistas ratificam a ideia apresentada no capítulo anterior, de que os profissionais de RH devem servir de modelo para todos, passando sempre a imagem de que estão bem, satisfeitos e dispostos. Os mesmos tendem a não ter a quem recorrer quando precisam relatar suas angústias, impasses ou dificuldades emocionais e adotam uma postura sobre-humana, na qual a organização exige que diante dos demais funcionários, eles não podem errar, reclamar ou apresentar os traços negativos de sua humanidade. “A gente é referência. Querendo ou não, você tem que dar exemplo mesmo, não tem jeito. A questão comportamental é muito importante.” (J.M.) “O RH dependendo da forma que você trabalha, você se torna um semideus, você absorve tudo. Você cuida de tudo, mas você não pode demandar nada. Eu recebo demandas de todo mundo e pra quem eu vou demandar as minhas? Quem eu vou recorrer?” (J.C.C.) “Semana passada se a gente conversasse isso aqui, eu não “tava” conseguindo falar com você sem chorar. Tem três anos que eu “tô”mexendo com coisa manual e eu nunca errei, eu errei um e devido a tantos outros erros que eles fazem, era o mínimo, me detonaram. A forma como ele te trata né...” (P.M.)

Quanto ao impacto de seu trabalho em sua saúde física e mental, os entrevistados afirmaram que sofrem uma influência negativa, mas que tentam não se deixar levar pelos problemas. Isso é feito através de diversas formas, como o afastamento das lembranças do trabalho, através da realização de outros afazeres e a tentativa de separar, assim que chegam em casa, o lado pessoal do profissional, numa tentativa também constante de não “levar” para casa as questões do trabalho. “Sim, lidamos o tempo todo com pessoas, e pessoas possuem conflitos não só profissionais como pessoais. Mesmo que sejamos parciais, profissionais, éticos e racionais carregamos também toda a carga psicológica envolvida nos processos.” (J.M.) “Na empresa que trabalhava anteriormente, trabalhava muito, fazia muitas horas extras e não gostava da empresa e do meu trabalho. Vivia doente, melhorava de uma coisa, aparecia outra e pela primeira vez em toda minha história profissional fui obrigada a ficar cinco dias de atestado médico devido a uma complicação médica. Isso nunca havia me acontecido antes. Pedi demissão, não aguentava mais ir trabalhar lá.” (M.K.S.F.)

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“No nosso dia a dia é fácil você se deixar impactar pelos problemas que as pessoas trazem, pelos conflitos que a gente vive dentro da empresa. É muito complicado.” (V.R.D.) “Se eu não fizer academia no horário de almoço, eu digo que eu não conseguiria vencer o meu dia, é a válvula de escape de todas as minhas tensões. Porque querendo ou não, as frustrações mesmo eu querendo não trazer pra casa mexiam comigo muito e eu falo que o que mais me deslocava desse desconforto é eu ir pra casa espírita, ler, ir conversar, ministrar palestra. Eu tenho mecanismo que não permitem que eu chegue no limite de uma estafa.” (J.C.C.) “Impacta muito, porque eu não tenho tempo de ir numa academia, eu não tenho tempo de um lazer, uma coisa que me faça desfocar do meu trabalho, por exemplo. É uma empresa hoje muito jovem, de geração muito “Y”, o povo te chama no Whatsapp o tempo todo e isso “tá” interferindo muito. Email, celular o tempo todo, né. Eu engordei muito de um tempo pra cá, não tenho ânimo pra muita coisa, eu “tô” com problema pra engravidar devido a esse estresse no trabalho, tudo isso a gente vem sentindo, a gente acaba não se envolvendo muito com a família, a gente só vai lá de vez em quando, você não participa de festas de fim de semana com a família, às vezes a noite você quer sair com um amigo e você não dá conta, você acaba desmarcando.” (P.M.) “Eu fico com medo assim, de seguir uma coisa que hoje eu não estou satisfeita e de amanhã eu ter algum adoecimento por isso. Tem dias assim que estou morta de cansaço, que eu chego em casa, eu “tô” afim de tomar um banho, comer e deitar, sem ânimo, sem energia... às vezes eu percebo muito estresse, sem paciência, em casa às vezes alguém me pergunta alguma coisa eu dou “patada”. (G.R.P.)

É interessante notar, que essas estratégias tendem a dicotomizar a relação casatrabalho, numa tentativa de não misturá-las para que as preocupações do trabalho não dominem os seus pensamentos e ditem os rumos de sua vida. Porém, esse tipo de alternativa para se tentar relaxar, vulgo não adoecer em razão do trabalho e conseguir viver plenamente seus momentos fora da organização, tendem a não ser efetivas, pois o trabalho não é algo a parte da vida do sujeito, pelo contrário, é constituinte dela. Além disso, não é o trabalhador que tem que se adaptar ao trabalho, a mudança tem que ser na organização, em seu modelo de gestão. Não são os trabalhadores que devem desenvolver estratégias defensivas para não adoecer, é a organização do trabalho que deve atuar de forma saudável no funcionamento psíquico do sujeito.

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Nessa pesquisa, não foi constatada entre os entrevistados, a necessidade de afastamento pelo INSS, até o momento. Mas houve relatos de afastamento de até 15 dias entre os profissionais no trabalho com RH, seja na organização atual ou nas anteriores. “Eu vivia doente enquanto estava lá (emprego anterior), enquanto eu não saí de lá eu não melhorei. Um cansaço extremo, sempre cansada, foi a primeira vez que eu peguei um atestado médico de uma semana. Me deu uma crise de sinusite que eu nunca tinha tido. (M.K.S.F.) “Eu trabalhava num escritório de contabilidade, o volume era muito intenso e eu comecei a tomar antedepressivo, e foi só entrando naquela zona de problemas. O médico me pediu pra me afastar um tempo, então eu peguei 15 dias pra dar uma aliviada, a gente não tirava férias, não fazia nada, então era direto.” (P.M.)

Quando perguntados sobre o que seria o RH, as respostas foram bem semelhantes no que tange as responsabilidades de se realizar boas contratações, desenvolver os profissionais e mediar à relação entre funcionários versus organização. O setor de RH é visto como o ponto de interseção entre os trabalhadores e a organização, no qual seus profissionais devem equilibrar as demandas de forma a atender a todos, com o mínimo de conflitos e o máximo de valorização. “O papel do RH em si, é se responsabilizar não como o ator principal, mas fazendo intervenções nos resultados, através dos relacionamentos internos. O RH tem esse papel de ser assertivo nas contratações e continuar o que eles chamam nas vendas de pós-venda, a gente continuar uma pós-contratação, o desenvolvimento até mesmo pra reter esse talento, então se preocupando com o clima interno, com a valorização, com o desenvolvimento de cada profissional, principalmente o desenvolvimento de líderes, porque acaba que os líderes que vão desenvolver cada profissional em cada setor. Fazer com que os colaboradores tirem o máximo de si, tanto em produtividade como em qualidade” (J.M.) “Eu gosto do ambiente organizacional, eu gosto desse ambiente dinâmico do RH, eu gosto do desenvolvimento de pessoas.” (M.K.S.F.) “Muitas das vezes a gente tem muitos clichês né... pra mim eu tenho uma visão diferente. Eu falo que o RH a gente trabalha com o que tem de mais valioso dentro de uma empresa, que são as pessoas. A gente trata o que é mais valioso nas pessoas, que é as questões das emoções, as questões comportamentais... eu acho que a integração ela ocorre, a partir do momento em que, a visão de pessoas muda, porque ali eu não tenho um funcionário, eu tenho um colaborador, é muito diferente.” (J.C.C.)

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“É a base da empresa, eu acho que a gente “tá” ali pra dar apoio no que diz respeito a todos os setores, nas estratégias de vendas, mas com aquele olhar mais pra pessoas né, cuidando mesmo de pessoas pra que elas sejam integradas, sejam motivadas a fazer o seu melhor, dar resultado da melhor forma possível. (V.R.D.) “Seria um setor que realmente ficasse entre a empresa e o empregado, que soubesse mesclar bastante o interesse de ambos, hoje não está tendo essa convicção realmente.” (P.M.) “O RH pra mim já foi muito bom, a minha trajetória toda na faculdade... Quando as pessoas me perguntavam, você quer trabalhar com o quê? Meus olhos brilhavam com o RH. Eu gosto do RH, eu gosto das atividades, só que eu acho que hoje, eu não sei se é pelo momento que eu “tô” passando na empresa, com o gestor e tal, mas hoje eu não “tô” motivada com o RH. Tenho vontade assim, de trabalhar com outra coisa, ao ar-livre, não sei ainda o quê, mas hoje o RH não é tudo igual até dois anos atrás. O RH deveria ser mais humano, não pensar somente em números. (G.R.P.) “É quem desenvolve o profissional, é quem encaixa o profissional no lugar certo, no momento certo, desenvolvendo as atividades com eles e cuida desse profissional. Acompanha o processo, acompanha o desenvolvimento dele. Saindo dos conceitos de livros, o RH transita ali entre as necessidades da empresa e as necessidades do trabalhado. A gente tem que ter um jogo de cintura muito grande pra que a gente ganhe o capital humano, mas não prejudique a empresa e vice-versa. Hoje o RH pra mim, ele é praticamente o rim da empresa, ele filtra tudo que perpassa ali, ele separa o que serve e descarta o que não serve, ele cuida do que serve, trata aquilo.” (L.F.A.)

Nota-se, que em nenhuma das falas foi feita alguma articulação entre RH e saúde mental, ou seja, não foi apresentado, pelo menos nesse momento, como papel do RH, orientar suas práticas de trabalho com foco na promoção e prevenção da saúde mental. Apesar disso, infere-se que, exista por parte desses profissionais de RH, a preocupação com a saúde ocupacional, porém os conceitos do que ela vem a ser, suas práticas e formas de intervenção ainda não sejam conhecidos e/ou elaborados de forma concreta e, além do que a literatura organizacional, fundamentada na Administração, apresenta a esses profissionais. A Gestão de Pessoas ainda é vista de um ponto funcionalista, como Davel e Vergara (2001) apontaram no capítulo III. Busca-se um “bom clima organizacional” e “relações interpessoais mais amistosas”, mas para que o local de trabalho se torne menos conflituoso, já que são pessoas diferentes, trabalhando juntas. O desenvolvimento do trabalhador é almejado,

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porém no nível de competências profissionais e se prega a valorização do profissional, mas ela se dá por recompensas. A escuta do profissional se torna interessante, mas na medida em que atrai ideias que aumentem a produtividade. Ressalta-se aqui, o que Siqueira Borges (2006), refletiu acerca da necessidade do RH criar uma visão sobre a relação homem-trabalho mais independente da lógica organizacional, cujas teorias e métodos tendem a ser orientados por interesses do capital financeiro, que almejam potencializar os resultados através das pessoas, sem se preocupar com o impacto em sua saúde. Nota-se, que esses profissionais se sentem angustiados diante dessa realidade e tentam resgatar a humanidade em meios aos números, como já foi mencionado. Porém, mostram-se confusos em como fazer isso, e principalmente, com quem poder contar para promover as mudanças. Também quando perguntados por que optaram em trabalhar com Recursos Humanos, as respostas foram semelhantes. “Eu em particular, porque eu sou uma pessoa muito objetiva e prática. As áreas da Psicologia, a única que poderia me dar, não 100%, resultados rápidos e objetivos, seria o RH. Então é a única área que eu me identifico dentro da Psicologia, é a organizacional.” (J.M.) “Na verdade caiu na minha mão. Eu já tinha feito estágios na área clínica e eu precisava de um estágio na área organizacional, porque na faculdade X você tinha que transitar por três áreas diferentes. Junto com o estágio eu fui me identificando, a partir disso, quando eu formei, eu recebi o convite pra ficar, minha intenção não era ficar na área, mas eu recebi o convite, aí eu peguei e permaneci.” (J.C.C.) “Eu não tive opção né, na época eu me formei e me jogaram no Departamento Pessoal e é onde eu “tô” fazendo carreira. Aí eu fiz acontecer, porque eu precisava de salário, eu precisava me manter, então eu falei, é a minha chance, deixa eu correr atrás.” (P.M.) “É uma coisa que eu gosto, estudei, sempre “tô” buscando me atualizar nessa área e é uma coisa que eu gosto de fazer, que é estar com pessoas.” (V.R.D.) “Eu optei porque o meu primeiro emprego, eu era recepcionista, lá era uma empresa de RH, de recolocação e aí lá fazia R&S, aí eu achei muito legal, as minhas gestoras iam me ensinando as atividades, foi onde me despertou o interesse em RH.” (G.R.P.)

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“Porque eu gosto, eu optei primeiramente porque foi meu contato inicial, era o que apareceu no mercado, mas depois eu fui me interessando muito.” (L.F.A.)

Observa-se que, com exceção de duas profissionais (28,5%), os demais seguiram o fluxo de oportunidades que surgiram em sua carreira, ou seja, aproveitaram as chances que o mercado proporcionou naquele momento e até hoje seguem nesse caminho. Porém, isso não significa que isso era o que almejavam para sua carreira, pois fatores como pressões sociais por uma colocação no mercado, situação financeira, status que um emprego pode conferir, apreensão sobre o futuro e influência de amigos e/ou família tenderam a pesar na tomada de decisão pelo ingresso nessa área. Ressalta-se, porém, que o ingresso por qualquer uma dessas circunstâncias, não excluiu a possibilidade de alguns deles gostarem realmente de atuar com RH. Tratando-se principalmente da carreira em Psicologia, o curso da maioria dos entrevistados, a área para atuação profissional que oferece oportunidades em maior número, desde aproximadamente a metade do curso (como estágios remunerados) e com retorno financeiro mais rápido (mas não necessariamente melhor), tende a ser a de Recursos Humanos. O que pode ser uma explicação possível do ingresso de muitos profissionais, ainda enquanto estudantes. Isso tende a acontecer de forma contrária em outras áreas de trabalho da Psicologia, como a clínica. A diferença é que se o psicólogo clínico consegue se consolidar no mercado, ele tende a obter um retorno financeiro de seu trabalho maior, além de trabalhar de forma autônoma, com flexibilidade de horários e atender demandas apenas de seu interesse. Quanto aos planos para o futuro, alguns profissionais demonstraram o interesse em mudar de área de atuação, pelos diversos motivos já citados: desvalorização da área, baixa remuneração, pequena capacidade de influência ou por descobrirem novas habilidades e prazeres, bem como a revisão de suas prioridades na vida, principalmente quanto à família e ter prazer no que fazem. “Estou num dilema agora, eu gosto muito de gastronomia. Ou eu abandono o RH por questão salarial ou por uma questão que eu tenho visto muito no mercado, toda vez que a gente recebe uma vaga de gestão, (cliente diz) “ai eu não quero pessoa velha, eu quero um profissional mais jovem”. “Qual a idade dessa pessoa?” (cliente) Até

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35 anos. Eu tenho 35 anos. Então eu fico me perguntando daqui a 5 anos eu vou ter espaço no mercado. Vai ter vaga pra mim? Porque eu já vou ser velha por mercado. Aí eu fico me perguntando, será que vale a pena eu continuar investindo nessa área, se daqui a pouco eu “tô” velha pro mercado de trabalho? Será que não é melhor eu procurar uma coisa pra eu fazer por conta própria e eu “tô” pensando nisso. “Tô” me decidindo assim se eu vou decidir pelo curso de coaching ou vou mudar totalmente de área, se eu vou pra área de gastronomia. Eu “to” nesse dilema, não porque eu não goste do RH, eu gosto muito, mas é porque eu tenho medo de daqui a pouco, não conseguir emprego.” (M.K.S.F.) “Eu me vejo com meu consultório montado, uma clientela boa, fazendo palestra por aí afora e se for do meu merecimento, também dando aula. Mas no operacional mesmo não sei...O sistema de RH a partir do momento que você vai pra prática, ele é muito falho no sentido de que não adianta você ir pra uma mega multinacional, sendo que você não tem um grande setor, sendo que você é visto simplesmente como a pessoa que contrata, a pessoa que recruta ou a pessoa que conversa comigo quando eu vou ser mandado embora. Você não tem aquele reconhecimento profissional que eu digo na seguinte questão: “o analista de RH ele é indispensável pra empresa”. Você não vê isso, se você for analisar hoje, corte nos gastos, se você for pegar aí, o maior número de cortes que a gente teve hoje, corte no setor administrativo, está relacionado ao RH. Porque eles acham simplesmente que não precisa. Eu acredito num RH, mas eu penso muito em que RH acreditar.” (J.C.C.) “Me vejo casada, com filho, não pretendo estar aqui porque eu vou morar longe né, em Lagoa Santa e pra eu vir aqui todos os dias é complicado. Pretendo estar trabalhando, seja na área com RH ou não, isso pra mim não fico focada porque eu estudei Psicologia, eu tenho que trabalhar com Psicologia. Pretendo estar trabalhando na região de Lagoa Santa, pensando no meu bem-estar, na minha qualidade de vida. De pegar menos trânsito possível, trabalhar mais perto de casa possível. Trabalhando com uma coisa assim que me deixa mais a vontade, mais leve, mais motivada.” (G.R.P.)

Há os que desejam permanecer na área, especializar-se nela, expandir as áreas de atuação entre os seus subsistemas e fazer carreira nesse segmento, bem como abrir seus próprios negócios. “Eu não sou aquela pessoa ambiciosa na questão de querer ser uma gerente, uma diretora, não. Eu gosto de lideranças intermediárias, eu gosto de ser referência, eu gosto de ser uma profissional de confiança em todos os lugares que eu trabalho e acaba sendo sempre assim. Então, todo lugar que eu entro, eu posso entrar como a responsável pelo setor, eu posso entrar como uma analista, como consultora,

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enfim, eu acabo me tornando alguém de confiança, eu acabo me tornando o braço direito de uma líder principal aí. E é assim que eu me vejo aqui cinco anos, eu me considero uma liderança intermediária e é isso que eu busco. Mas eu tenho que me especializar, “tô” bem atrasada em relação à especialização. A parte mais operacional do RH eu já domino, mas a parte de desenvolvimento, eu tenho que me desenvolver, muito, muito, muito.” (J.M.) “Eu quero me ver em outra empresa, porque eu quero exercer mesmo a função de RH. Eu gosto muito da parte de treinamento, de palestras e na empresa X eu não consigo fazer esse trabalho do jeito que eu queria fazer. E fazer outras coisas, usar novas ferramentas, usar coisas novas, dar uma atualizada e lá eu não consigo, é tudo muito antigo.” (V.R.D.) “Pretendo buscar coisas novas pra mim, eu não quero ficar aqui onde eu “tô” hoje por muito tempo, não. Quero uma coisa mais tranquila, que eu trabalhe menos e tenha mais vida social. Não consigo fugir do RH dentro de cinco anos, mas algo menos agressivo como “tá” hoje.” (P.M.) “Eu me imagino dentro de uma empresa, liderando o setor de RH de uma empresa. Mas eu me imagino também com um consultório, voltado pro cuidado dos executivos, dos empresários, dos donos das empresas. Porque se a gente parte do pressuposto que a cultura da empresa ela é criada na cabeça de uma pessoa e disseminada, então eu acho que a gente tem que pegar aquilo e só coar. Então eu tenho pensado muito nisso, criar espaço pra cuidar dessas pessoas, acolher essas pessoas, mas com pessoas que também falem a mesma língua que eu.” (L.F.A.)

Observa-se que todos os profissionais entrevistados, demonstram prazer em trabalhar na área, foi notório para a pesquisadora, não só pela expressão através da fala, mas também pelas emoções demonstradas nas entrevistas. Todos eles enxergam as pessoas que compõem a organização, como o centro de atenção para toda política e prática de RH a ser desenvolvida. Ficou claro, que esses profissionais dirigem sua energia para tentar sensibilizar as lideranças a humanizar suas relações de trabalho, cuidar dos vínculos e expandir o poder de agir de cada membro da equipe. Eles tendem, de forma geral, a julgar sua carreira muitas vezes como insatisfatória, não pela escolha de trabalhar em Recursos Humanos, o que envolve se identificar com seu código de conduta, funções e valores, mas em razão da forma como o setor de RH é considerado dentro das organizações, ou seja, com pouca ou nenhuma valorização, sem

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orçamento suficiente, com baixa participação na tomada de decisões e sem investimento em suas próprias capacitações. É a organização do trabalho que impacta negativamente na satisfação com a área, bem como gera sofrimento mental nesses profissionais. A diminuição da realização profissional gerada é refletida muitas vezes, na insatisfação consigo mesmo e com suas realizações, que alguns deles mesmo demonstraram. Fica claro através da pesquisa, como a atividade é sempre mediatizada, ou seja, ocorre na relação com a atividade de outros. É nessa dinâmica com o social que ela é recriada e/ou reinventada, muitas vezes. Justamente por envolver as exigências das atividades de “outros”, numa busca por resolver os dilemas/conflitos internos à sua própria atividade. (CLOT, 2010) Os entrevistados vivem numa constante dinâmica e movimento do “vir a ser e a realizar”, organizando-se e reinventando-se para isso constantemente, para que consigam construir algo propriamente seu. Porém, tendem a ser impedidos pelo modelo de gestão de suas organizações e é a partir daí, que se tornam mais suscetíveis ao desânimo, a insatisfação e até mesmo ao adoecimento mental.

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6 CONCLUSÃO

O trabalho como uma atividade psicológica implica numa transformação da realidade da organização e principalmente do sujeito que nela trabalha. A atividade atua como um operador clínico, isso significa que ela produz e reproduz uma subjetividade. Como uma atividade psicológica, trabalhar implica num processo de desenvolver não o que o trabalhador é, mas sim o que ele é capaz, através da transformação do objeto social em objeto psicológico. Porém, em razão de seus diversos atravessamentos, como a busca por produtividade, a competitividade e agilidade nos negócios, ele pode deixar de atuar como um propulsor do desenvolvimento humano e se transformar num meio que favorece a manifestação e/ou intensificação de uma patologia mental no trabalhador. Esse é o seu caráter paradoxal: fonte de transformação do homem ou de seu adoecimento. Tudo isso implica na prática do profissional de RH, principalmente pelo caráter extremamente social de sua ocupação. O RH trabalha com o outro e pelo o outro. Ele em parceria com a liderança é o motor que potencializa o poder de agir dos trabalhadores, é a personificação do operador clínico. Como qualquer outro funcionário, os profissionais de RH também são exigidos em suas funções, têm prazos a cumprir e resultados a entregar. Também têm suas insatisfações com a organização em que trabalham, passam por momentos difíceis nela e sofrem o impacto das decisões justas ou não tomadas por seus dirigentes. Até esse momento, ele nada se diferencia dos funcionários de outros setores; a disparidade se dará na forma que os profissionais de RH terão que lidar com esses impasses, ou seja, em como se posicionarão em relação ao modelo de gestão. A partir disso, surgem os dilemas de sua profissão, sempre envolvidos por responsabilidades que impactam a vida de outras pessoas, não apenas no que concerne ao âmbito profissional, mas principalmente quanto ao respeito à dignidade humana. Através da pesquisa, foi possível perceber que a função de cuidar dos demais funcionários da organização é gratificante para os entrevistados, mas tende a se tornar angustiante para eles, pois as condições de trabalho e seu nível de autonomia não permitem que sua atividade seja feita com a qualidade, ética e forma como gostariam.

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Os limites impostos pelo modelo de gestão tendem a enfraquecer o trabalho do RH, o que diminui diante da organização, a sua visibilidade e validade diante dos demais funcionários, principalmente os da liderança. O setor tende a ser visto como aquele que existe para cumprir rotinas trabalhistas, executar processos de contratação e treinamento e resolver os conflitos entre funcionários e organização, que a liderança não quer se indispor, implicar ou resolver. Dentro das organizações, o RH se torna o setor dos cuidados paliativos, ou seja, que consegue aliviar as tensões geradas entre empregado e empregador, agindo de forma a minimizar os conflitos e aumentar a satisfação interna de curto prazo, através de práticas de recompensa. Tratam-se as consequências, não as causas das angústias, desânimos e adoecimento. Isso tende a acontecer porque o setor é impedido de participar efetivamente de decisões e práticas que promovam em longo prazo, um ambiente de trabalho mais seguro, humanizado e potencializador das capacidades de seu trabalhador. Tudo isso, através da gestão coletiva do trabalho, na qual participem todos os componentes da organização. Soma-se a isso, o despreparo da área de RH devido à dificuldade em se construir seu gênero profissional, o que envolve fixar a memória social de seus trabalhadores, que ao longo do tempo vai sendo assimilada pelos novatos, a fim de orientá-los e integrá-los, fortalecendo o coletivo. Além disso, o RH necessita de se profissionalizar, criando para si um patrimônio teórico-metodológico independente da Administração, com conhecimentos sistemáticos e estruturados sobre sua ocupação. O preceito de que o RH deve ser também o setor de acolhimento e cuidado, não pode ser dissociado do conhecimento necessário para isso, principalmente para que o RH não sofra mais com o preconceito que afirma que para se trabalhar na área basta “gostar de gente”. Dessa forma, evita-se também que profissionais de qualquer área se julguem competentes para trabalhar no setor, sem ao menos ter se especializado para isso, além de evitar também que o RH seja a primeira escolha nos desligamentos, como foi relatado nas entrevistas. A insatisfação com a área abarca dois componentes: a legitimidade do trabalho do profissional de RH, a qual envolve o que foi dito anteriormente e a dinâmica organizacional, a qual envolve situações laborais que tendem a distanciar o trabalho prescrito do real, bem como desvalorizar o saber oriundo da experiência e realidade do trabalhador.

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A transformação das relações de trabalho só será possível com a participação dos trabalhadores, através de sua escuta e de sua autonomia para agir. O RH, juntamente com a liderança é o principal operador clínico das mudanças necessárias. Com capacitação compatível com seus anseios e experiências, apoio social e coordenação coletiva de sua categoria, o RH poderá ser produto e produtor de transformações essenciais para uma prática mais humanizada e saudável do trabalho, pois só assim, ele realmente será estratégico para as organizações.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICE ─ Entrevista realizada com os profissionais de RH 1ª PARTE – Conhecimento da amostra

1. Qual é a sua idade? 2. Qual é o seu sexo? 3. Qual é a sua formação profissional?

2ª PARTE – Organização do trabalho

4. Há quanto tempo trabalha no seu emprego atual? E há quanto tempo trabalha com RH? 5. Qual o seu cargo no emprego atual? 6. Qual é a sua carga horária de trabalho? E como você conciliar com sua vida particular? 7. Como se estrutura o departamento de RH na sua organização? É RH ou DP? Explique, por favor. 8. Descreva o que você faz no seu emprego (funções). É compatível com sua formação ou cargo? 9. Você se considera bem remunerado? 10. Você faz o que você acha que deveria fazer como profissional de RH de sua empresa?

3ª PARTE – Relação com a liderança

11. O seu líder direto tem qual formação?

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12. O líder considera suas sugestões? 13. O líder tem conhecimento técnico para conduzir a equipe? 14. Na sua percepção, a atuação de seu superior tem sido favorável ou desfavorável a impactos na saúde mental dos seus subordinados. Explique.

4ª PARTE – Relação com a equipe de trabalho

15. Existe integração entre a equipe? 16. Existe colaboração entre a equipe? 17. Você faria alguma alteração na sua equipe? Se positivo, qual?

5ª PARTE – Motivações e frustrações

18. O que é o RH para você? 19. Por que você optou por trabalhar na área de RH? 20. Você já foi afastado pelo INSS enquanto RH ou pegou algum atestado médico devido a ele de até 15 dias? 21. Você já teve que cumprir alguma ordem enquanto RH em que acreditava que estava fazendo algo que iria contra seus valores? Conte sobre isso. 22. Você acredita que seu trabalho impacta na sua saúde física e mental? Como percebe isso? Por quê? E o que tem feito em relação a isso? 23. Como você se vê daqui a 5 anos?

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