Quem ganhou com o Fica

June 13, 2017 | Autor: Jô Levy | Categoria: Cinema, Audiovisual, Festival de Cinema, História De Goiás
Share Embed


Descrição do Produto

Quem ganhou com o Fica Jô Levy Revista Janela – 17/07/2012

A 14ª edição do FICA – Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental – será lembrada por diversos motivos, mas um, em especial, talvez marque esta edição para sempre. Pela primeira vez nenhum filme goiano foi selecionado para a mostra principal do evento. De acordo com o júri de seleção, nenhuma das 37 obras inscritas apresentou qualidade suficiente para ser exibida na mostra competitiva e concorrer ao prêmio de melhor filme goiano. A decisão do júri polarizou as opiniões: alguns avaliaram a decisão como corajosa e acertada e outros se indignaram com o que consideraram um equívoco histórico. Para além da ausência de filmes goianos na mostra competitiva do Fica 2012, as reflexões acerca do assunto alcançaram questões mais amplas, tais como o baixo investimento do Estado na produção audiovisual. E se o ostentado orçamento de R$ 4 milhões do Fica 2012 parece minimizar o problema, as discussões sobre o que fazer com os R$ 80 mildestinados à premiação dos dois melhores filmes goianos evidenciou a discrepância. O Fica é um evento promovido pela Secretaria de Cultura do Estado de Goiás e a maior vitrine do governo no âmbito das ações culturais, pois é, nas palavras do atual Secretário de Cultura, Gilvane Felipe, um evento multicultural. Considerar o Fica um evento “multicultural” é uma forma de afirmar em discurso o que já se verifica na prática. Com isso talvez se tire o peso da vocação expressa no nome dessa festa chamada Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental e se admita que o cinema é apenas mais uma das expressões culturais que o evento contempla. A propósito, segundo dados da Secult-GO, 140 mil pessoas compareceram neste ano à histórica Cidade de Goiás, a 148 quilômetros de Goiânia, durante os seis dias do evento. Desde a primeira edição do Fica, a mostra competitiva designa uma premiação especial aos filmes goianos. Se a garantia de cotas para a

produção local representa, para alguns, uma questionável medida protecionista; para outros, é um incentivo necessário. De qualquer modo, este é um procedimento comum em vários festivais brasileiros, tais como a Mostra Cena Mineira dentro da Mostra de Cinema de Tiradentes, a Mostra Olhar do Ceará que integra o CineCeará – Festival Ibero Americano de Cinema ou, ainda, a mostra Mirada Paranaense, do Festival Internacional de Curitiba. Porém, vale notar que a diferença nesses casos, é que há uma mostra regional que usufrui de boa visibilidade durante o evento, o que não ocorre no Fica, que concede uma espécie de fresta para a produção goiana. Por outro lado, se a produção local em 2012 foi julgada inapta até para se mostrar nesse diminuto espaço, talvez seja o momento de refletir sobre a diferença entre igualdade de oportunidade e igualdade de condições. As condições são os meios e não o fim, quer dizer: ou se tem “condições” de produzir ou não adianta ter apenas “oportunidades” para mostrar. Num festival internacional como o Fica, a oportunidade aberta a todos torna mais flagrante a desigualdade de condições entre os candidatos, sejam essas condições de ordem financeira, técnica, estética ou de recursos humanos.

OS GOIANOS Em 1999, ano de estreia do Fica, apenas um filme goiano foi premiado na Mostra Competitiva, a animação “A Lenda da Árvore Sagrada” (1999), dirigida por Eládio Garcia Sá Teles e Paulo Caetano, na categoria “Melhor Produção Goiana”. Prêmio em dinheiro só veio no ano seguinte, no valor de R$ 20 mil, para o curta “Retrato Primeiro”, de Waldir Pina. Desde 2002 (4ª edição do evento), a premiação passou a contemplar dois filmes goianos, no valor de R$ 40 mil cada. O orçamento total do festival na ocasião era de R$ 1, 2 milhão. Uma década depois e o valor do prêmio continuou o mesmo, apesar do orçamento do festival ter mais que triplicado.

Considerando a participação, em números, a edição de 2002 foi a mais pródiga para os goianos. Dos 49 trabalhos inscritos, nove foram selecionados, isto é, três vezes mais que os selecionados da edição de 2010 ou quase o dobro da média de cinco filmes goianos por edição. Os premiados nesta 4ª edição foram: a animação “Alternativas” (2002), de Dustan Oeven; e o documentário “Barrados e Condenados” (2001), dirigido por Adrien Cowell (falecido em outubro de 2011) e Vicente Rios (do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia da PUC-Goiás). Além do Troféu José Petrillo para as produções goianas, a partir de 2004 decidiu-se por homenagear também o cineasta João Bennio, instituindo um novo troféu com seu nome. Ocorreu que nesta 6ª edição apenas o troféu José Petrillo veio acompanhado do prêmio em dinheiro, destinado à obra de Kim Ir Sem, “Roque Pereira: Mobiliário Eco-Sustentável” (2003). O curta “A vida não vive” (2003), de Amarildo Pessoa e Kátia Jacarandá, foram agraciados com o troféu João Bennio, mas não receberam prêmio em dinheiro. Vídeos documentários de curta-metragem representam a quase totalidade dos 24 filmes goianos premiados até o momento. Há, porém, algumas poucas exceções. Os premiados goianos da 8ª edição do festival, em 2006, foram animações: “Bartô” (2006), de Luiz Botosso e Thiago Veiga, e “Zôo” (2006), de Daniel Lima, produção que também se enquadra no gênero videoclipe. Outras cinco animações goianas foram premiadas, considerando todas as edições. O único longa metragem premiado, dentre os raros produzidos em Goiás, foi “Benzeduras” (2008), de Adriana Rodrigues, na 10ª edição do festival em 2008. A cineasta está entre as cinco mulheres já premiadas na mostra competitiva do Fica. Entre todos os realizadores goianos premiados, quatro venceram por mais de uma vez: Lourival Belém, Luiz Eduardo Jorge, Amarildo Pessoa e Ângelo Lima.

O FESTIVAL Ao longo de mais de uma década de existência, o festival tornou-se uma almejada janela de exibição para os realizadores goianos, contudo, por se tratar do maior festival de cinema de Goiás, a

singularidade temática do Fica parece se impor como um fator limitante, dada a incipiência da produção goiana. Nesse sentido, a mostra paralela da Associação Brasileira de Documentaristas – ABD/GO tem abrigado as produções goianas de temática livre, além de contar com regras próprias de seleção e premiação. Entretanto, apesar de ter chegado à sua 10ª edição neste ano, é um evento de menor visibilidade. A cada edição do Fica, são inscritas centenas de obras, de diversos países. Em 2005 chegou-se à incrível marca de 837 filmes inscritos, provenientes de 85 países, dos quais foram selecionadas 31 obras para a mostra competitiva, entre longas, médias e curtas metragens, além de séries de TV. O grande prêmio do Fica, o Troféu Cora Coralina, já contemplou oito países: França e China por duas vezes, Cuba, Inglaterra, Canadá, Suécia, Chile, Portugal e, por quatro vezes, o Brasil. As obras nacionais premiadas são: “Recife de dentro pra fora” (1999), de Kátia Mesel (PE); “Corumbiara” (2010), de Vicente Carelli (PE); “Bicicletas de Nhanderu” (2011), de Ariel Ortega e Patrícia Ferreira (PE); e neste ano, quebrando a “invencibilidade pernambucana”, o filme “Paralelo 10”, de Sílvio Da-Rin, do Rio de Janeiro. O júri de seleção é responsável por assistir a todos as produções inscritas e selecionar o conjunto das obras que serão exibidas durante o festival e que estarão submetidas à apreciação do júri oficial do evento. Os membros das duas comissões são substituídos todos os anos, ou quase, afinal na presidência do júri de seleção já estiveram algumas pessoas por anos seguidos, como a professora da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás, Lisa França, entre as edições de 2003 a 2007; a professora de Língua Portuguesa, Maria Aparecida B.B. dos Santos em 2001 e 2002; o professor de Literatura, Luiz Araújo, em 2008 e 2009; e a professora e coordenadora do curso de Comunicação Social/Audiovisual da UEG -Universidade Estadual de Goiás, Geórgia Cynara, em 2011 e 2012. Também já presidiram o júri de seleção, o cineasta, já falecido, Eduardo Benfica (1999); o cineasta e professor de Antropologia da PUC-GO, Luiz Eduardo Jorge (2000); e o cineasta

e professor do curso de Comunicação Social/Audiovisual da UEG, Carlos Cipriano (2010). Segundo o relatório elaborado pelo júri de seleção deste ano, as 19 obras selecionadas para Mostra Competitiva do 14º Fica, além da excelência em qualidade e articulação da linguagem cinematográfica, também demonstraram sintonia com os mais recentes debates sobre as questões ambientais. É possível notar que a existência de festivais ambientais no Brasil não parece ter resultado na criação de um “cinema ambiental”, entendido como um gênero dotado de especificidades narrativas e estéticas. A julgar pelo acervo do Fica, incluindo aí as produções goianas, em sua maioria são documentários que “falam sobre” temáticas ambientais. Aliás, a predileção pelo gênero documentário reforça uma certa “estilística” baseada no caráter de denúncia e engajamento das obras. Entre as temáticas privilegiadas pelos goianos, além da preocupação com a natureza, há reflexões sobre o cotidiano, a desigualdade social, a preservação da memória e da tradição e as mais diversas questões urbanas. Como o filme “Além dos outdoors” (2007), de Caio Henrique Salgado e Paulo Henrique Santos, que trata da poluição visual do centro de Goiânia. Segundo os realizadores, que na época tinham apenas 21 anos, o curta surgiu de um trabalho da faculdade, quando eram estudantes de Jornalismo na UFG – possivelmente eles ainda são os mais jovens ganhadores, entre os goianos. Depois da premiação do Fica, muitos filmes seguiram e seguem percorrendo o circuito de festivais nacionais e internacionais, além de marcar presença em quase todas as mostras goianas. Entre os realizadores premiados, alguns mudaram de cidade e de profissão, alguns poucos são donos de produtoras e seguem trabalhando exclusivamente com audiovisual e outros, talvez a maioria, fazem do audiovisual sua atividade secundária ou seu pequeno luxo, não raro mantido às custas do seu trabalho como professor, publicitário, jornalista, funcionário público, médico, fotógrafo… Um cinema feito nas horas vagas até pode participar de uma mostra competitiva, mas dificilmente vai ser competitivo de fato. http://bit.ly/1VlCBUx

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.