Quênia, Uganda e República Centro-Africana, as Etapas Africanas do Apostolado do Papa Francisco

June 15, 2017 | Autor: J. de Barros Dias | Categoria: Uganda, Vaticano, Papa Francisco, Viagem Apostólica, Quênia, República Centro-Africana
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Quênia, Uganda e República Centro-Africana, as etapas africanas do Apostolado do Papa Francisco Author : J. M. de Barros Dias - Colaborador Voluntário Sênior Categories : ÁFRICA, EUROPA, NOTAS ANALÍTICAS, POLÍTICA INTERNACIONAL Date : 4 de dezembro de 2015

O Papa Francisco realizou sua primeira viagem apostólica ao continente negro, tendo-se deslocado a três países da África Central, com maioria cristã e forte presença das religiões tradicionais. Ele permaneceu no Quênia, Uganda e República Centro-Africana, entre 25 e 30 de novembro. Num continente historicamente marcado pela violência, a corrupção, a exploração desenfreada dos recursos naturais e a falta de perspectivas de vida para a maioria de sua população, o Papa destacou, em mensagem vídeo, os objetivos de sua viagem, numa época em que, também em África, o materialismo e a dissolução dos valores espirituais constituem a tônica dominante: “Vou como ministro do Evangelho para proclamar o amor de Jesus Cristo e a sua mensagem de reconciliação, perdão e paz. A minha visita visa confirmar a comunidade católica no seu culto a Deus e no seu testemunho do Evangelho, que ensina a dignidade de cada homem e de cada mulher, e pede-nos que abramos o coração aos outros, especialmente aos pobres e necessitados”. Nos anos mais recentes o Quênia esteve no ponto de mira dos grupos radicais. Em 2013, 1/6

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assassinos identificaram os cristãos, entre os compradores do Shopping Westgate, em http://www.jornal.ceiri.com.br Nairobi, tendo assassinado 67 pessoas; no passado mês de abril, o país foi alvo de um atentado de grandes proporções quando o grupo insurgente al-Shabaab abriu fogo contra estudantes na Universidade Garissa, no nordeste do país, matando 147 pessoas. Em sua primeira intervenção pública, no Quênia, levada a cabo no Palácio Presidencial, em Nairobi, no dia 25, salientando a riqueza em diversidade do Quênia, Francisco destacou que “a experiência demonstra que a violência, os conflitos e o terrorismo se alimentam com o medo, a desconfiança e o desespero que nascem da pobreza e da frustração. Em última análise, a luta contra estes inimigos da paz e da prosperidade deve ser conduzida por homens e mulheres que, destemidamente, acreditam e, honestamente, dão testemunho dos grandes valores espirituais e políticos que inspiraram o nascimento da nação”. No dia 26, na homília proferida na missa celebrada no campus da Universidade de Nairobi, o Papa se dirigiu aos participantes para reforçar o papel e o sentido da família em nossos dias: “Nossa fé na Palavra de Deus chama-nos a sustentar a missão das famílias na sociedade, a acolher as crianças como uma bênção para o nosso mundo, e a defender a dignidade de cada homem e mulher, pois somos todos irmãos e irmãs na única família humana”. Por outro lado, se referindo à violência de gênero, particularmente dramática nas sociedades tradicionais africanas, Francisco apelou aos fiéis: “Somos chamados também a resistir a práticas que favorecem a arrogância nos homens, ferem ou desprezam as mulheres e ameaçam a vida dos inocentes nascituros. Somos chamados a respeitar-nos e encorajar-nos uns aos outros, e a aproximar-nos de todos os necessitados ”. De acordo com o Sumo Pontífice, é na família consagrada que podemos encontrar as respostas cordiais aos comportamentos dominantes numa época em que a embriaguez da autonomia da razão ética ganha terreno[1]. Para Francisco, recorde-se, “as famílias cristãs têm esta missão especial: irradiar o amor de Deus e difundir a água vivificante do seu Espírito. Isto é particularmente importante hoje, porque assistimos ao crescimento de novos desertos criados por uma cultura de materialismo e indiferença para com os outros ”. Segundo Francisco, o motivo principal da visita ao Uganda foi a comemoração do “cinquentenário da canonização dos Mártires do Uganda pelo meu predecessor, o Papa Paulo VI”, sendo, simultaneamente, “um sinal de amizade, estima e encorajamento para todos os habitantes desta grande nação”. São Charles Lwanga e seus 21 companheiros foram assassinados por ordem de Mwanga II, Monarca do então Reino de Buganda, entre novembro de 1885 e janeiro de 1887. Os Mártires católicos foram eliminados juntamente com 23 convertidos ao anglicanismo por se recusarem a negar sua fé. No dia 27, no encontro mantido na Sala de Conferências do Palácio Presidencial, em Entebe, com as autoridades e o Corpo Diplomático acreditado em Uganda, o Papa assinalou as enormes potencialidades do país, que decorrem de suas incontáveis riquezas naturais, mas, sobretudo, da sua capacidade de acolhimento. Com efeito, desde a independência do Sudão do Sul, em 2011, mais de 150.000 refugiados sudaneses encontraram abrigo no país, onde puderam refazer suas vidas. Frisando a sensibilidade humanitária ali existente, Francisco sublinhou: “Aqui na África Oriental, o Uganda demonstrou um empenhamento 2/6

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excepcional na recepção dos refugiados, permitindo-lhes reconstruir as suas vidas em http://www.jornal.ceiri.com.br segurança e experimentar a dignidade que provém de ganhar a própria subsistência com um trabalho honesto. O nosso mundo, imerso em guerras, violência e várias formas de injustiça, é testemunha dum movimento migratório de povos sem precedentes. O modo como enfrentamos este fenômeno é um teste da nossa humanidade, do nosso respeito pela dignidade humana e, acima de tudo, da nossa solidariedade para com os irmãos e irmãs necessitados”. A permanência de Francisco na República Centro-Africana durou pouco mais de 24 horas. Neste país, assolado por três Guerras Civis que se dilataram por mais de 10 anos – entre 2004-2007, 2012-2013 e entre 2013-1014 –, o Papa se encontrou com a comunidade muçulmana, tendo aberto a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia, na Catedral de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, de Bangui. Por ocasião da abertura da Porta Santa – cerimônia realizada, pela primeira vez na história da Igreja Católica, fora do Vaticano – o Papa quis, mais uma vez em seu Pontificado, estabelecer pontes de esperança, sobretudo para quantos a perderam. Em contramão com a expressão por ele reiterada em múltiplas ocasiões – estamos vivendo a III Guerra Mundial em pedaços –, Francisco orou: “Hoje, Bangui torna-se a capital espiritual do mundo. O Ano Santo da Misericórdia chega adiantado a esta terra; uma terra que sofre, há diversos anos, a guerra e o ódio, a incompreensão, a falta de paz. Mas, simbolizados nesta terra sofredora, estão também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui torna-se a capital espiritual da súplica pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor… para Bangui, para toda a República Centro-Africana, para o mundo inteiro”. Em seguida, se dirigindo aos agentes pastorais centro-africanos, ele asseverou: “Através de vós, quero saudar todos os centro-africanos, os doentes, as pessoas idosas, os feridos pela vida. Talvez alguns deles estejam desesperados e já não tenham força sequer para reagir, esperando apenas uma esmola, a esmola do pão, a esmola da justiça, a esmola dum gesto de atenção e bondade. E todos nós esperamos a graça, a esmola da paz”. Fazendo, naquela ocasião, um inequívoco apelo à paz, particularmente significativo naquele que é um dos dez países mais pobres do mundo, alvo de massacres étnicos e religiosos, o Papa apelou ao triunfo da razoabilidade sobre a insensatez. Neste sentido, Francisco argumentou: “Deponde esses instrumentos de morte; armai-vos, antes, com a justiça, o amor e a misericórdia, autênticas garantias de paz. Discípulos de Cristo, sacerdotes, religiosos, religiosas ou leigos comprometidos neste país de nome tão sugestivo, situado no coração da África e que é chamado a descobrir o Senhor como verdadeiro Centro de tudo o que é bom, a vossa vocação é encarnar o coração de Deus no meio dos vossos concidadãos”. Ao se reunir com representantes da comunidade muçulmana, na Mesquita Central de Koudoukou, em Bangui, na manhã do dia 30, Francisco procurou dissociar a religião islamita dos insurgentes islâmicos, responsáveis por atentados que, um pouco por todo o mundo, vão se intensificando com consequências humanas e materiais trágicas. De acordo com Francisco, “entre cristãos e muçulmanos, somos irmãos. Devemos, portanto, 3/6

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considerar-nos como tal, comportar-nos como tal. Sabemos bem que os acontecimentos http://www.jornal.ceiri.com.br recentes e as violências que abalaram o vosso país não se fundavam em motivos propriamente religiosos. Quem afirma crer em Deus deve ser também um homem ou uma mulher de paz”. Por isso, assinalou o Sumo Pontífice, reforçando a necessidade do diálogo interconfessional a partir da experiência histórica do convívio entre diferentes religiões, tanto monoteístas, quanto de cariz local, “cristãos, muçulmanos e membros das religiões tradicionais viveram juntos, em paz, durante muitos anos. Por isso, devemos permanecer unidos, para que cesse toda e qualquer ação que, dum lado e doutro, desfigura o Rosto de Deus e, no fundo, visa defender, por todos os meios, interesses particulares em detrimento do bem comum. Juntos, digamos não ao ódio, não à vingança, não à violência, especialmente aquela que é perpetrada em nome duma religião ou de Deus. Deus é paz, Deus salam”. Falando com os jornalistas, já após o final do périplo africano, com as imagens dos países visitados presentes em sua memória, o Papa declarou: “Para mim a África foi uma surpresa. Pensei: Deus surpreende-nos, mas também a África nos surpreende”. Referindose, mais uma vez, à idolatria do dinheiro, Francisco aludiu à grande dor que sentiu ao visitar o único Hospital Pediátrico, de Bangui e da República Centro-Africana. Na Unidade de Terapia Intensiva, lembrou Francisco, ele testemunhou situações de pobreza absoluta[2]: “Não têm instrumentos para o oxigênio. Havia muitas crianças desnutridas, muitas. E a doutora me disse: ‘Estes, em sua maioria, morrerão, porque têm malária, forte, e estão subnutridas’”. O Sumo Pontífice reiterou, novamente, as traves-mestras de seu pensamento socioeconômico ao asseverar que, “se a humanidade não mudar, continuarão as misérias, as tragédias, as guerras e as crianças que morrem de fome, a injustiça... O que você acha desta porcentagem que tem, nas mãos, 80% da riqueza do mundo? [...]. Esta é a verdade. E a verdade não é fácil de ver”. Ao visitar o bairro Kangemi, na periferia de Nairobi, Francisco, se dirigindo aos jovens ali presentes, defendeu, novamente, a promoção dos “três T” como sendo a fonte da dignidade humana. “A dívida social, a dívida ambiental para com os pobres das cidades paga-se tornando efetivo o direito sagrado dos ‘três T’: terra, teto e trabalho. Isto não é filantropia, é um dever moral de todos”, clamou o líder máximo da Igreja Católica. Por outro lado, arremetendo contra um tipo de ser humano que não é daqui, nem dali, que não é desta, nem de outra época, que se assume como filho do futuro e, que, afinal de contas, mais não é do que autêntico sem-fundamento, ou ab-grund[3] homogeneizado, Francisco elogiou a cultura dos bairros populares. Centrado em sua experiência pastoral na Argentina, o Papa enalteceu, na presença dos jovens quenianos que o escutavam, que “estes valores que vós praticais, valores que não aparecem cotados na Bolsa, valores que não são objeto de especulação nem têm preço de mercado. Congratulo-me convosco, acompanho-vos e quero que saibais que o Senhor nunca Se esquece de vós. O caminho de Jesus começou na periferia, vai dos pobres e com os pobres para todos”. Fazendo a síntese sobre aquilo que viveu em África, e sobre aquilo que lhe foi dado entender, durante a conferência de imprensa realizada durante o voo de regresso a Roma, o Papa afirmou que a “África sempre foi explorada pelas outras potências. De África vinham para a América, vendidos, os escravos. Há potências que procuram unicamente se 4/6

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apoderar das grandes riquezas de África. [...]. A África é mártir. É mártir da exploração da http://www.jornal.ceiri.com.br história. Aqueles que dizem que de África vêm todas as calamidades e todas as guerras, não compreendem bem, talvez, os danos que causaram à humanidade certas formas de desenvolvimento. E por isto eu amo África, porque a África foi uma vítima das outras potências”. Entrementes, na Audiência Geral do dia 2 de dezembro, o Papa, se referindo à sua vivência queniana, advogou, mais uma vez, pela necessidade de se “tutelar a criação através da reforma do modelo de desenvolvimento, para que seja justo, inclusivo e sustentável, fazendo tesouro das riquezas naturais e espirituais dos povos”; quanto à sua passagem por Uganda, Francisco sublinhou a união com “todos aqueles que não se cansam de dar um testemunho animados pelo Espírito Santo: os catequistas, aqueles que se dedicam ao serviço da caridade, a juventude, os consagrados e sacerdotes”, a partir da evocação dos Mártires, católicos e anglicanos, do país, enquanto que, na República Centro-Africana, a abertura da Porta Santa do Jubileu da Misericórdia, que decorrerá entre o próximo dia 8 de dezembro e 20 de novembro de 2016, constituiu um “sinal de esperança para aquele povo e para toda a África”. A presença do Papa no coração de África foi, para os milhões de habitantes daquele continente, muito mais do que justificativa e consolo de comportamentos religiosos e políticos de tempos passados. Ela foi, na verdade, a aspiração e desejo de “reconciliação, da paz e do progresso” para quantos são filhos do continente-berço da humanidade. ---------------------------------------------------------------------------------------------Imagem “Trabalhadores pintam a estátua da pomba da paz numa das rotundas principais de Bangui, República Centro-Africana, 26 de novembro de 2015” (Fonte): http://www.echo.net.au/wp-content/uploads/2015/11/peacedove-kenya.jpg ---------------------------------------------------------------------------------------------Fontes Bibliográficas: [1] Ver: Cf. MARCIANO VIDAL, Dicionário de Moral. Dicionário de Ética Teológica, Porto, Editorial Perpétuo Socorro, s. d. [1991], trad. do espanhol por A. Maia da Rocha e J. Sameiro, págs. 133-135. [2] Ver: É, pelo menos, ligeiro, reduzir as denúncias do modelo sócio-político prevalecente na atualidade, feitas pelo Papa Francisco, como constituindo uma recuperação literal da Teologia da Libertação. Uma leitura ideologicamente condicionada – que atua ad probandum, portanto –, que pretenda identificar o pensamento do Papa com a Teologia da Libertação constitui, segundo aquilo que o Sumo Pontífice tem escrito e dito, um reducionismo empobrecedor. Na Carta Encíclica Laudato Si’ – O Cuidado da Casa Comum, um documento de feição franciscana, Francisco considera a relação entre o ser humano e a Natureza como sendo de tipo umbilical: “As mudanças climáticas são um problema global com graves implicações ambientais, sociais, económicas, distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios para a humanidade. Provavelmente os impactos mais sérios recairão, nas próximas décadas, sobre os países em vias de 5/6

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desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares particularmente afetados por fenómenos relacionados http://www.jornal.ceiri.com.br com o aquecimento, e os seus meios de subsistência dependem fortemente das reservas naturais e dos chamados serviços do ecossistema como a agricultura, a pesca e os recursos florestais.”, PAPA FRANCISCO, Carta Encíclica Laudato Si’ do Santo Padre Francisco sobre o Cuidado da Casa Comum, Vaticano, Libreria Editrice Tipografia Vaticana, 2015, págs. 21-22 [25]. Por outro lado, tal como referimos em outra oportunidade, “tributário da Doutrina Social da Igreja, exposta em 1891 na Carta Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, mas também no cristianismo primitivo, o atual Sumo Pontífice encontra na pessoa humana a razão maior, ou trans-razão, e na dimensão econômica do agir humano, a razão menor, ou instrumental. Dito por outras palavras, em Francisco, na linha do Evangelho de São Marcos, ‘o sábado foi feito para o homem’ [Mc 2.27] e não o contrário.”: http://www.jornal.ceiri.com.br/o-pensamento-economico-do-papa-francisco/ [3] Ver: Escreve acertadamente Martin Heidegger: “O salto no abismo, no sem-fundamento (Ab-grund), é o jogarse no ser, assumir o pertencer ao ser. Compreende-se isto quando se lê em O princípio da razão: ‘Ser e fundamento pertencem à unidade. Do fato de fazer parte do ser o fundamento recebe sua essência. E vice-versa, da essência do fundamento surge o domínio do ser enquanto ser. Fundamento e ser (‘são’) o mesmo, não o igual, o que já indica a diversidade dos nomes ‘ser’ e ‘fundamento’. Ser ‘é’ essencialmente: fundamento. Assim, o ser nunca pode primeiro ter um fundamento que o fundamente. O fundamento fica, desta maneira, afastado do ser. O fundamento fica ausente do ser. No sentido de uma tal ausência de fundamento do ser, o ser ‘é’ sem-fundamento (ab-grund), abismo.”, MARTIN HEIDEGGER, Identidade e Diferença, in (Tradução, Introdução e Notas de Ernildo Stein),Que é Isto – A Filosofia? Identidade e Diferença, 3.ª ed., Petrópolis – Rio de Janeiro, Editora Vozes – Livraria Duas Cidades, 2013, pág. 45, n. 3.

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