Queres um auto? Ora toma lá!

June 6, 2017 | Autor: Renato Roque | Categoria: Camões, Luis Vaz de Camões, História Do Teatro, História do teatro português
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Queres um auto? Ora toma lá!

© Renato Roque, a partir de fotografia de Luiz Pacheco e gravura de Camões

Renato Roque FLUP, Dezembro 2015

Índice 1.

Introdução....................................................................................................................................... 3

2.

Porquê um auto? ............................................................................................................................ 3

3.

As fontes ......................................................................................................................................... 6

4.

Proximidades entre o auto El-Rei Seleuco e o Auto da Natural Invenção .................................... 10 4.1 Que conclusão tirar das proximidades encontradas?................................................................. 18

5.

Conclusões gerais .......................................................................................................................... 19

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1. Introdução Quando lemos o Auto de El-Rei Seleuco de Luís de Camões pareceu-nos ser uma obra intrigante. E o que é intrigante desafia-nos. A começar pela escolha do formato de auto pelo autor. Camões é porventura o nosso mais ilustre representante do Renascimento. Existem muitas evidências de que conhecia bem o teatro renascentista e o teatro clássico. Estava familiarizado com a comédia e com a tragédia. Como explicar então a sua opção por uma forma dramática aparentemente arcaica, associada ao teatro medieval? Como explicar afinal o auto1? Este era o primeiro elemento intrigante que merecia pelo menos uma tentativa de resposta. Mas o mistério não se ficava por aí. O formato da peça, com um chamado “prólogo” e um “êxodo” em prosa, em tom claro de comédia, pareceu-nos que adensava ainda mais a intriga. O objetivo deste curtíssimo ensaio é apenas o de concretizar uma reflexão pessoal por escrito, realmente a única forma de a tornar sólida, de a revelar e de a fixar, uma reflexão porventura especulativa, porque liberta de rigores académicos, acerca dos aspectos intrigantes que nos despertaram a curiosidade. Esta escrita tem afinal o papel de um fio condutor, uma espécie de fio de Ariadne, que nos permita entrar no labirinto que nos atraiu, mas que, depois, nos sirva de guia para reencontrar o caminho de volta e sair.

2. Porquê um auto? Comecemos então por esta pergunta simples: “Porque terá Camões optado por um auto para escrever a história do rei Seleuco?”. Esta pergunta possibilita e até nos desafia de imediato para alguma especulação. Podemos tentar listar algumas hipóteses de resposta possíveis: 1) Camões teria uma grande admiração pelos autos, perceberia a sua importância no contexto do teatro peninsular, considerando-os como o melhor formato para escrever o seu teatro. 2) Camões ter-se-ia colocado a si próprio um desafio, enquanto autor, de escrever um auto de qualidade, pretendendo assim provar que era possível escrever textos diferentes da maioria dos autos seus contemporâneos, porventura de fraca qualidade, de autores que integravam aquilo a que por vezes se chama, talvez indevidamente, a escola vicentina. 3) Camões escreveu um auto porque recebeu uma encomenda de um auto. De facto, ainda que em decadência, o auto continuava a gozar de uma grande popularidade junto das classes abastadas em meados do século XVI e, por isso, quem encomendava e pagava as obras, neste caso, Estácio da Fonseca, poderá ter pedido a 1

Como se sabe, Camões escreveu não só o auto que aqui nos ocupa, mas mais dois. Ou seja, publicou três peças de teatro, três autos, o que poderá dar ainda mais peso à nossa pergunta, esperemos que não peso demasiado, para se não afundar.

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Camões explicitamente um auto, para representar em sua casa numa determinada ocasião especial. A primeira hipótese configura-se como pouco provável para um autor renascentista, que tinha à sua disposição soluções poéticas e dramáticas que pareceriam ser mais adequadas e muito mais desafiantes. A segunda hipótese poderia ser suportada no argumento do cuidado que Camões denota em introduzir neste seu auto elementos novos, elementos que poderiam até ser classificados como humanistas e renascentistas, que poderiam ser interpretados como uma tentativa de renovar o auto. A temática central é baseada num tema clássico, retirado eventualmente, como veremos, de Petrarca, o prólogo e o êxodo dão-lhe uma roupagem de farsa/comédia, verdadeiramente inovadora. Há, por isso, quem pretenda ver neste auto de Camões uma espécie de acto de resistência, uma iniciativa do autor de contrariar a degradação/extinção do auto em Portugal, abrindo-lhe novos caminhos. Resistir? Defender o auto? Esta hipótese parece ter, em nossa opinião, uma grande fragilidade. De facto, em rigor, dificilmente se poderá dizer que a peça Auto de El-Rei Seleuco de Luís de Camões é um genuíno auto. Curiosamente, poderíamos até afirmar que o “auto” parece desempenhar o papel de uma simples personagem da peça, que abre com um diálogo em prosa entre várias pessoas, algumas supostamente a viver em casa de Estácio da Fonseca: o dono da casa, o mordomo, moços e escudeiros e outras convidadas do anfitrião, como Martim Chinchorro e Romão d'Alvarenga. É um diálogo cómico, onde o auto em geral e o que vai ser representado, os grupos de teatro, os actores e as representações teatrais são um dos alvos da mordacidade e da chacota do autor, através de várias personagens, onde uma delas seria o suposto autor, ainda que durante a peça esse autorpersonagem, sendo referido, não fale. É esse diálogo burlesco que introduz realmente o auto propriamente dito, o enredo do rei Seleuco, que aparece assim representado no contexto de uma história que o contém, como um elemento dessa história global, que nos conta ao fim e ao cabo como se representa um auto em casa de fidalguia. É só esse elemento interno da peça que, sim, tem um formato de auto, ou seja, uma pequena representação dramática, de um só acto, com falas em verso, com rima, estruturadas em formato de redondilha maior. O texto em prosa, em tom de comédia/farsa regressa no entanto no final, numa espécie de êxodo, para terminar a história. Esta arquitectura formal, em que o auto é “embrulhado” em comédia, misturando géneros, fazendo um teatro sobre o teatro (metateatro), parece ser surpreendente para o século XVI2 e até nos poderia lembrar muita coisa de muito contemporâneo. Pretender ver num tal objecto dramático um acto de resistência e de defesa do auto parece-nos bastante difícil.

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Podemos facilmente observar que este modelo tem sido utilizado com sucesso por muitos autores contemporâneos, por exemplo, no cinema, misturando duas histórias, que decorrem em espaços e tempos muito diferentes, em que uma delas pode ser inclusive uma representação teatral.

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A terceira e última hipótese, pelo contrário, parece-nos poder constituir uma boa explicação. É uma explicação simples e talvez resida nessa simplicidade a sua plausibilidade. Muito simplesmente, a peça seria um auto porque o seu promotor, Estácio da Fonseca, teria encomendado um auto. Poderemos imaginar, sem provas concludentes, poder-se-á argumentar e com inteira razão para o fazer, que Estácio da Fonseca teria pago o trabalho a Camões, podendo, por isso, exigir uma peça do tipo que lhe agradava. Ou seja, era um auto que o fidalgo queria para representar em sua casa, o que constituiria com toda a certeza um elemento de prestígio social, e pagara a Camões para ele lhe escrever um. Há realmente alguns indícios de que a peça terá sido representada em casa de Estácio da Fonseca, por ocasião de uma qualquer festividade. Eugenio Asencio, ao discutir a misteriosa sequência de versos que são ditos a determinada altura pelo porteiro: “Com vossos olhos Gonçalves,/ Senhora, cativo tendes/ Este meu coração Mendes”, cita Stork: Storck lo aclaraba suponiendo que el auto foi destinado aos festejos de um dia de noivado em casa de Estácio da Fonseca; uma senhora Gonçalves se consorciava com certo Mendes

A justificação dos versos misteriosos seria afinal uma festa de noivado. E, a confirmar-se essa hipótese, teria sido para esta festa que Camões escrevera a peça e por isso mencionaria nestes versos o nome de família do noivo e da noiva3. Mas nós afirmaríamos que o próprio texto da peça sugere, aqui e ali, que está a acontecer uma festa, no local onde a peça está a ser representada, e que os espectadores são os convidados do dono da casa, Estácio da Fonseca. No prólogo e logo na primeira fala da peça, o dono da casa (Mordomo) refere-se àquela noite como uma “festival noite“. Logo a seguir, o moço ao descrever os acidentes que acontecem aos actores diz “Porque foi a gente tanta”, o que nos sugere que seriam festas com muita gente convidada, porventura até de várias classes sociais. Ainda durante o prólogo, um moço é encarregado de ir convidar Martim Chinchorro e de trazer consigo o Senhor Romão d'Alvarenga porque “temos cá Auto com grande fogueira”. Será demasiado atrevido, perante tudo o que expusemos, concluir que a peça escrita por Camões teria resultado de uma encomenda de um auto, feita por Estácio da Fonseca, para uma festividade em sua casa? Seria tonto argumentar que quem encomenda costuma ter o privilégio de poder dizer o que quer?

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Asencio aprofunda esta discussão e acaba por propor uma interpretação diferente e muito engenhosa, em que os apelidos “Gonçalves” e “Mendes” teriam leituras com outros significados, que seriam óbvios para os espectadores desse tempo. El mote de Camões, despojado de su aura callejera de su sotaque de lingua franca, podría traducirse así: Con esos ojos, falsos, traidores, Señora, tenéis cautivo este meu corazón bueno, de oro. Neste caso a festa em casa de Estácio da Fonseca teria sido outra.

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Mas se a encomenda de Estácio da Fonseca tivesse sido um auto, como acreditamos que poderá ter acontecido, e, por isso, Camões tivesse de o escrever, para poder receber a remuneração a que tinha direito, a genialidade do poeta permitia-lhe cumprir com o contrato e introduzir aspectos completamente novos e até surpreendentes na peça a entregar4. Podemos facilmente imaginar que Luís de Camões teria dificuldade em obedecer cegamente à encomenda de um auto e ao constrangimento que ela lhe impunha. Mas os constrangimentos podem ser em muitas situações fonte de enorme criatividade. Continuando a nossa especulação, o que Camões teria feito seria, em linguagem popular, “dar a volta ao texto”, ou seja, escreveu um auto, escrevendo efetivamente um não-auto ou até, talvez, um anti-auto, onde o auto se transveste numa personagem de uma peça, onde o autor introduz elementos de comédia, a sua lírica amorosa, a influência de Petrarca, recorrendo a um tema da literatura clássica, o rei Seleuco. Se nos permitem uma caricatura, que a liberdade da nossa posição ao escrever este artigo nos autoriza, Camões teria pensado: “Ai queres um auto, Estácio da Fonseca? Ora toma lá isto!”. E se não o pensou, pelo menos esta elucubração serviu-nos para título deste nosso artigo. Como fruto dos constrangimentos colocados ao poeta, o objecto final é um objecto híbrido, talvez de difícil representação, não só por misturar géneros, espaços e tempos, mas sobretudo pelo tom exageradamente lírico das falas de algumas personagens. El auto en verso, más lírico que dramático, continua la tradición e ingeniosa de los poetas palacianos... La técnica del teatro primitivo se revela en múItiples aspectos. La narración se mezcla con la representación y las patéticas escenas del desenlace no son presentadas, sino contadas por tercena persona. Eugenio Asencio, Sobre El-Rei Seleuco de Camões

3. As fontes Um dos aspectos salientes do Auto de El-Rei Seleuco de Luís de Camões é ele utilizar um tema da literatura clássica no enredo do auto central. A fonte utilizada por Camões para o escrever tem sido por isso objecto de alguma polémica. Storck enumeró entre las posibles fuentes Luciano, Apiano, Valerio Máximo y los Trionfi de Petrarca. Eugenio Asencio, Sobre El-Rei Seleuco de Camões

Mas, Asencio conclui, baseado em argumentos que parecem incontestáveis, que Petrarca é a única fonte plausível. 4

Nada dá tanto prazer como, perante uma imposição, porventura deslocada e descabida, quebrá-la, rompê-la, distorcê-la, dando a impressão que a aceitamos. Como escreveu Fernando Pessoa Ai que prazer Não cumprir um dever, Ter um livro para ler E não fazer! ... SE há prazer em não cumprir um dever, maior prazer ainda é não cumprir um dever, parecendo que sim.

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Ora parecem existir outras evidências indiscutíveis de que Camões conhecia bem a obra do autor italiano: Nuestro poeta leyó con admiración los Trionfos del Petrarca cuyo rastro se encuentra hasta en Os Lusíadas. Eugenio Asencio, Sobre El-Rei Seleuco de Camões

Asencio conclui mesmo que a narrativa camoniana no Auto de El-Rei Seleuco segue de perto o texto de Petrarca e os comentários de Bernardo Glicino o llicino5, limitando-se a tornar mais activa a participação da rainha no enredo. todos los motivos de la trama camoniana - menos la participación activa de Estratónice - proceden, no tanto de los versos 94- 129 del capitulo II del Trionfo d’amore como del comento de Bernardo Glicino o llicino. Petrarca suministró er sentid.o de la obra, Ilicino el material narativo.[...] “Pocos toques tendrá que dar Camões al relato para levarlo al tablado: subrayar y acentuar la diferencia de edades y otorgar mayor intervención a la Reina. Eugenio Asencio, Sobre El-Rei Seleuco de Camões

Mas Asencio no seu estudo, curiosamente, também nos dá pistas sobre uma possível fonte para o chamado prólogo-êxodo, escrito em prosa. Pero la situación escénica e en diâlogo entre el escudero, el mozo y el autor guarda una estrecha semejanza - que mal puede ser hija del azar- con el Auto da Natural Invenção de Ribeiro Chiado. Quién imitó a quién? Y en qué relation están ambos con los precedentes italianos? No sabria dicirlo Eugenio Asencio, Sobre El-Rei Seleuco de Camões

Esta nova pista, ligando o Auto de El-Rei Seleuco ao Auto da Natural Invenção de Ribeiro Chiado, despertou a nossa curiosidade. Aliás, há uma passagem no texto de Luís de Camões que poderá reforçar essa pista, uma fala de Ambrósio, durante o chamado prólogo, a respeito e um moço com jeito para as trovas, em que o nome do poeta Ribeiro Chiado é mencionado explicitamente: Aqui me veio às mãos sem piós nem nada; e eu por gracioso o tomei; e mais tem outra cousa: que üa trova fá-la 6 tão bem como vós, ou como eu, ou como o Chiado

Fomos à procura do Auto da Natural Invenção de Ribeiro Chiado. Ficamos a saber que o Auto da Natural Invenção terá andado perdido durante muito tempo, apesar de ser referido por diversas fontes, até um dia ter sido encontrado um folheto do célebre auto pelo Conde de Sabugosa, juntamente com outros quatro folhetos de outros autores desse tempo. Escondida nos refolhos de uma velha Miscelânea, juntamente com o Auto da Festa de Gil Vicente, e mais algumas folhas volantes, umas ignoradas, outras consideradas perdidas, e todas exemplares raríssimos ou únicos na bibliographia portugueza, a farça que vem hoje de novo á estampa jazia na minha bibliotheca, dormindo socegada o seu somno mais de trez vezes secular. [...] 5

Asencio dá-nos uma outra prova no seu estudo de que Camões conheceria os comentários de Illicino:

Del comento Illicino sacó la primera inspiracion de su céIebre soneto Sete anos de pastor E como afirma o Conde de Sabugosa: “e até alguém já suppoz que elle próprio [Chiado] fizesse o papel do moço Lançarote”. 6

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Este último [Auto da Natural Invenção] fora mencionado por Barbosa Machado, o patriarcha da bibliographia portugueza, e por seus sequazes, que todos o reputavam perdido. Sabia-se ter existido porque o índice expurgatorio de1624 o mencionava, indicando as passagens que deviam sersupprimidas, e Nicolau António na sua Bibliotheca Scriptorum Hispaniae mencionava-o. Mas ninguém o vira. Conde de Sabugosa, em prefácio da Auto da Natural Invenção

E felizmente o Conde de Sabugosa publicou o Auto da Natural Invenção de Ribeiro Chiado, em 1917, juntamente com um estudo crítico seu dessa obra. E existe um exemplar desse livro, tornado público pela Universidade de Toronto. Podíamos prosseguir a nossa viagem...

Figura 1 – Capa da etiqueta do exemplar na Universidade de Toronto do livro publicado pelo Conde de Sabugosa, onde divulgou o folheto que encontrara com o auto escrito por Ribeiro Chiado

Qual a importância de António de Ribeiro Chiado7 no tempo de Luís de Camões? Não iremos tão longe quanto o Conde de Sabugosa, que escreveu no seu prefácio ao auto de Chiado que publicou, referindo-se à referência de Camões no Auto de El-Rei Seleuco ao Chiado: “Serem assim tomadas as suas trovas como typo da graça e do chiste perante uma assemblea illustre por Luiz de Camões é receber uma investidura de fidalguia litteraria”8, 7

António Ribeiro Chiado era frade professado em Évora e desfradado em Lisboa, onde levaria uma vida dissoluta, chegando a ser preso por conduta imprópria, sem contudo nunca ter tirado a estamenha da vida monástica; é um dos mais representativos nomes daquilo a que alguns chamam, escola vicentina, mas que mais não será que um grupo de autores que escrevem autos e que se sucedem no tempo a Gl Vicente. 8 O autor do prefácio considerava que António Ribeiro Chiado seria porventura um dos melhores poetas, numa galeria de segundas figuras da poesia do século XVI em Portugal.

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mas, a menção no auto camoniano ao Chiado, revelará pelo menos a sua grande popularidade nesse tempo, o que aliás é validado por diversos relatos da época. Aliás, o próprio O Auto da Natural Invenção de António Ribeiro Chiado, segundo várias fontes, terá sido representado na presença d'El-Rei D. João III, muito provavelmente nos Paços da Ribeira9, e teria sido precisamente publicado em folheto nessa altura, como parece atestar o fac-simile da capa, o que confirma a celebridade do autor, mesmo no seio da corte.

Figura 2 – FAC-SIMILE DO AVTO DA NATVRAL INVENÇAM A rubrica do exemplar que adeante damos em fac-simile no seu pittoresco traje de “pliego-suelto”, diz-nos claramente que foi representada «ao muyto alto Rey Dom Joam Terceyrov». Suppomol-a provavelmente levada á scena nos Paços da Ribeira, entre os annos de 1545 e de 1557. Conde de Sabugosa, em prefácio da Auto da Natural Invenção

podemos affirmar que entre os astros de segunda grandeza, elle foi dos mais notáveis e dos que mais foram amimados pela fama. 9 Os Paços da Ribeira, mandados construir por D. Manuel I,ters-se-ão transformado a partir de 1505, data da representação de Quem tem Farellos de Gil Vicente, no local de eleição para representações teatrais na corte.

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O Conde de Sabugosa acreditava também na grande popularidade que os autos continuavam a gozar junto das camadas mais elevadas da sociedade, em meados do século XVI, o que poderá servir-nos de mais um argumento para justificarmos a nossa crença nas razões que apresentámos, para Camões ter escrito o Auto de El-Rei Seleuco. Vemos, por exemplo, que em certas casas particulares, e não só nas nobres, como as dos condes de Vimioso, do Redondo, de Linhares, mas também nas da classe media, havia representações, em que as companhias — isto é os dizidores de dictos (papeis) corriam de domicilio em domicilio, levando a sua Farça — o seu Entremez, as danças, folias, tramóias e mais coisas de folgar para divertimento e passatempo das famílias, dos convidados, e até dos intrusos. Conde de Sabugosa, em prefácio da Auto da Natural Invenção

4. Proximidades entre o Auto de El-Rei Seleuco e o Auto da Natural Invenção Depois de termos a nossa curiosidade aguçada pela pista de Eugenio Asencio, que propunha relações entre o Auto de El-Rei Seleuco de Camões e o Auto da Natural Invenção do Ribeiro Chiado, fizemos uma leitura comparada dos dois textos e conseguimos realmente identificar um conjunto de aspectos que parecem poder ligar o auto camoniano ao auto do fradepoeta de Évora. A lista abaixo enumera-os. 1) No prólogo/êxodo em prosa do Auto de El-Rei Seleuco, tal como no Auto da Natural Invenção, há um conjunto de diálogos entre o dono da casa e outros intervenientes: amigos, criados, espectadores, actores, autor. No Auto da Natural Invenção todo o interesse circula em volta do Dono da Casa que decidira fazer representar um Auto na sua habitação. Conde de Sabugosa, em prefácio da Auto da Natural Invenção

Esses diálogos nas duas peças parecem reproduzir condições reais de representação ao tempo e fornecem-nos um conjunto importante de informações acerca da vida teatral, as condições de representação, o conhecimento que existiria do teatro em outros países e até sobre o conceito que o próprio autor faria da sua obra e dos autos. a) Auto da Natural Invenção O dono da casa, que é identificado apenas no fim do auto como Gomez da Rocha, dialoga com Almeida, seu moço, com Mateus de Araújo e Ignacio Pacheco, identificados como “matantes”10, com o autor do auto, com um negro e com um “Representador”. b) Auto de El-Rei Seleuco O dono da casa dialoga com os criados e com os convidados.

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“matantes que é o mesmo que dizer fadistas, rufiões, e outros d'esta laia”, esclarece o Conde de Sabugosa no seu prefácio.

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2) Os dois autos começam com o dono da casa a interrogar com impaciência um criado para saber se os comediantes chegam ou não chegam. a) Auto da Natural Invenção Dono da casa:

Vem cá! Sabe se ha de tomar porto hoje este auto, ou se é morto.

Almeida:

E o autor onde está? (v 1:4)

b) Auto de El-Rei Seleuco Dono da casa:

... E contudo quero saber da farsa, em que ponto vai. Moço! Lançarote!

Moço:

Senhor.

Dono da casa

São já chegadas as figuras?

Moço:

Chegadas são elas quase ao fim de sua vida.(No início do chamado prólogo)

3) No Auto de El-Rei Seleuco o dono da casa manda o moço chamar dois convidados que faltavam, enquanto no Auto da Natural Invenção há dois não-convidados, identificados como “matantes”, Matheus de Araújo e Ignacio Pacheco, que batem à porta e acabam por obter autorização para entrar e assistir ao auto. a) Auto da Natural Invenção Dono da casa:

Quem me bate n'essa porta?

Mateus:

Dous grandes seus servidores.(V57:58)

b) Auto de El-Rei Seleuco Dono da casa:

Ora vem cá: vai daqui a casa de Martim Chinchorro, e dize-lhe que temos cá Auto com grande fogueira; que se venha sua mercê pera cá, e que traga consigo o Senhor Romão d'Alvarenga, pera que sobre o Cantochão botemos nosso contraponto de zombaria. Ouves, Lançarote? Ir-lhe hás abrir a porta do quintal, porque mudemos o vinte aos que cuidam de entrar por força.(Logo após o início do chamado prólogo)

4) Nos dois autos, a entrada dos convidados e dos actores na casa dá lugar a uma enorme confusão. a) Auto da Natural Invenção Mateus:

Está n'essa rua gente que é para coalhar os mares (v88:89)

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Dono da casa: Auctor: Dono da casa: Auctor:

Que é das figuras? Vêm já? Aqui estão; não podem entrar. Porquê ? Não lhes dá lugar. (V124:126)

E tal como na peça de Camões as asas do anjo são objecto de confusão. Dono:

Mas pedi pêra o anjo azas E se as ahi não houver? (V156:157)

b) Auto de El-Rei Seleuco

Moço:

Porque foi a gente tanta, que não ficou capa com frisa, nem talão de çapato, que não saísse fora do couce. Ora vieram uns embuçadetes, e quiseram entrar por força; ei-lo arrancamento na mão: deram üa pedrada na cabeça ao Anjo, e rasgaram üa meia calça ao Ermitão; e agora diz o Anjo que não há de entrar, até lhe não darem üa cabeça nova, nem o Ermitão até lhe não porem üa estopada na calça. Este pantufo se perdeu ali; mande-o v. m. Domingo apregoar nos púlpitos, que não quero nada do alheio.(No início do chamado prólogo)

Dono da casa:

Moço, mete-te aqui por baixo desta mesa, e ouçamos este Representador, que vem mais amarlotado dos encontros que um capuz roxo de Piloto que sai em terra e o tira d'arca de cedro. (Aquando da entrada em cena do Representador, no fim do chamado prólogo)

5) Nos dois autos é também patente uma crítica ao público e ao seu comportamento. a) Auto da Natural Invenção Dono:

Vê quem está ahi batendo.

Almeida.

Matantes que querem entrar. (V42:43)

(Dirão os matantes), interrompendo o Representador Boa figura ! Boa figura (V625) Aqui batem com os pés os matantes (depois do verso 640)

Os “matantes” (que poderão corresponder a fadistas, boémios, rufiões) irão criar confusão ao longo de toda a peça. Esta interrupção [dos Matantes] que se repete exaspera o Representador. Invectiva-os dizendo-lhes que não são pessoas de consideração nem Menezes nem Castros, mas apenas uns Etcoetera Mendes. Os Matantes dão-lhe pateada e o Representador agitado, e fora de si,sá e impetuosamente. Conde de Sabugosa, em prefácio da Auto da Natural Invenção

A determinada altura assiste-se mesmo na peça a cenas de perseguição, que envolvem o autor e o Ratinho, e a discussões entre o publico e o “Representador”. 12

b) Auto de El-Rei Seleuco Em vez de “matantes” como em Chiado temos os “praguentos”. Dono da casa:

Todavia, isto é pera praguentos: aos quais diz que responde com um dito de um filósofo, que diz: Vós outros estudastes para praguejar, e eu pera desprezar praguentos.(No início do chamado prólogo, na primeira fala do dono da casa)

6) Curiosamente os dois autos parecem assumir também como sua missão fazer uma critica aos próprios autos, aos actores e aos seus autores, incorporando diversas passagens de crítica e mesmo de verdadeira chacota. a) Auto da Natural Invenção Dono:

Que me hade ouvir esse rapaz do autor. Outra hora eu serei cauto Oh sandia openião! que eu vou dar d'antemão 40 dez cruzados por ver Auto! Porque não me açoutarão? (v35:41)

Dono:

Eu já nunca fui devoto, quanto de meu próprio voto, de autos! (v46:48)

Mateus:

Como os Autos sam de vento Y sobre o seu menos deter se pode mui bem beber esse mar de enfadamento.

Ignacio.

Autos tem esta rapazia que os desdoura, e não é nada que albardam de madrugada, e partem ao meio dia (V108:115)

. Representador:

trouxe eu este auto aqui, não é muito maravilha, com mantilha e sem mantilha(V480:482)

Dono da casa:

Senhores, podeis-vos ir, que não quero vosso Auto. O homem ha de ser cauto no que se pode seguir. Metti-me em boa devassa; trazer ruídos a casa comprados por meu dinheiro I eu adivinhei primeiro esta redoudice rasa.(V509:517)

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Ignacio:

Não se fazem autos a Papas com arruidos, com trampas e a Reis e Emperadores (V533:535)

Mas a critica mais contundente será porventura a do dono da casa, depois de convencido a deixar acontecer o auto. Dono da casa:

Faça-se o Auto, embora, porque eu não o quero ouvir. Autos é devassidão da casa, e mais da pessoa; autos é uma confusão, sem nenhuma concrusão, e desgostos, que nada soa. Auto é não terdes pazes com matantes, com rapazes, com embuçados em casa; é uma deshonra rasa que só entendem capazes. Soffrer auto é cousa feia porque é estardes em caldas; vel-o-hei em casa alheia sobre muito boa ceia, posto em cadeiras de espaldas, Auto entre trinta amigos, ou cento, soffrer-se-ha; mas outros de entrarem lá com quebrar portas, postigos, este tal não se verá. Mui bem se pode viver sem ver auto nem autinho; pão, carne, pescado e vinho isso só queria eu ver, porque isto anda o caminho.(V562:588)

Ignacio:

Mas para encurtar razões Autos são como melões uns são bons, outros ruins, todavia queria antes que fossem melões d'Abrantes j, porque duas coisas tem : são finos e sabem bem.(V933:939)

b) Auto de El-Rei Seleuco Há uma permanente chacota ao longo de todo o chamado prólogo em torno do auto, dos actores e do autor. 14

Dono da casa:

Eis, senhores, o Autor, por me honrar nesta festival noite, me quis representar üa farsa; e diz que por se não encontrar com outras já feitas, buscou uns novos fundamentos para a quem tiver um juízo assi arrazoado satisfazer. [...] Ora quanto à obra, se não parecer bem a todos, o Autor diz que entende dela menos que todos os que lha puderem emendar. (Logo no início do chamado prólogo)

Ambrosio:

passear em casa juncada, fogueira com castanhas, mesa posta com alcatifa e cartas, além disso Auto pera esgaravatar os dentes; esta é a vida de que se há de fazer conciência.(após entrada dos dois convidados)

Martim:

... um Auto enfadonho traz mais sono consigo que üa pregação comprida. (após entrada dos dois convidados)

Ambrosio:

... pera que é mais Auto, que vermos a este? (Durante exibição do moço trovador)

Ambrósio:

Mais parece o urinol capado, que anda de amores com a menina dos olhos verdes.

Dono da casa

Enfim, parece figura d'Auto, em verdade. (Na entrada em cena do Representador, quase no fim do chamado prólogo)

7) Nos dois autos o chamado “Representador” assume algumas características que parecem comuns, dentro de um papel cómico/burlesco. a) Auto da Natural Invenção Representador:

Uns lhe chamaram comedias ', outros, representações, outros, arremediações; e outros, a soltas rédeas, tinham mil openiões. Outros de baixa grammatica, que vós tendes cá por cantor lhes porão por nome autor outros não, senão que é pratica Quem tal inventou per regra achou por saber celeste a altura de leste a oeste da coisa que mais alegra. (V234:246)

O “Representador” é interrompido pela assistência, protesta, e mantém uma discussão com o próprio autor, que será retomada ao longo da peça. Representador:

Estou eu representando, e elles estão bradando, tal cousa não se crerá. (V295:297)

Representador:

Digo que não se ha de crer tão enorme parvoíce. E' alguma bebedice isto? ou que quer dizer?

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E' Auto de zombaria ou é jogo de meninos ? Tem-me morto maus ensinos e captiva a cortezia. É muito grande madraço quem em autos é figura.(V299: 308)

Representador:

Vós buscae quem represente o meu dito ! que eu não quero.

Autor:

Eu mesmo não sou contente. Vós já não representaes. sois figura por demais, nem sabeis o que dizeis pois graça, buscal-a-heis, que em vós não n'a ha, se atentaes.(V313:320)

Representador:

Desafio, eu não n'o aceito, estaes do vinho tolheito agora fresco do torno, e está a lua sobre o forno testemunhado no feito

Autor. Representador

Vós mentis pêra sandeu. Mais mentis vós, dom cabrão (V499:505)

. b) Auto de El-Rei Seleuco O “Representador” entra em cena no fim do prólogo para supostamente apresentar o auto, mas apresenta um auto fictício e brinca com o público. Representador:

a mi me esquece o dito todo de ponto em claro; mas não sou de culpar, porque não há mais que três dias que mo deram. Mas em breves palavras direi a vossas mercês a suma da obra: ela é toda de rir, do cabo até a ponta. Entrarão logo primeiramente quinze donzelas que vão fugidas de casa de seus pais, e vão com cabazes apanhar azeitona; e trás elas vêm logo oito mundanos metidos em um côvão, cantando: Quem os amores tem em Sintra; e despois de cantarem farão üa dança de espadas, cousa muito pera ver; entra mais el-Rei D. Sancho, bailando os machatins, e entra logo Catarina Real com uns poucos de parvos numa joeira, e semeá-los há pela casa, de que nacerá muito mantimento ao riso, e nisto fenecerá o Auto, com música de chocalho e buzinas, que Cupido vem dar a üa alfeloeira a quem quer bem, e ir-se hão vossas mercês cada um pera suas pousadas, ou consoarão cá connosco disso que aí houver. Parece-me que nenhum diz que não. Ora, pois, ficareis em vano laboraverunt, porque até 'gora zombei de vós, por me forrar do erro da representação como quem diz digo-te, antes que mo digas.(Na fala do Representador, quase no fim do chamado prólogo)

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8) Podemos igualmente encontrar alguma analogia entre o êxodo escrito por Camões e o fim do auto escrito por Ribeiro Chiado. a) Auto da Natural Invenção O Dono da Casa a quem Inácio chama Gomes da Rocha (até este ponto não era designado senão por Dono da Casa), quando vê os dois retirarem-se, pergunta-lhes se querem que os alumie: Mateus:

Cito-vos para domingo para um auto em minha casa.

Dono:

E o autor que coisa é?

Mateus:

E' um tirado da peç

Dono:

Feito de sua cabeça?

Ignacio:

Vel-o-ha Vossa Mercê; e vá-se lá, não lhe esqueça. D'aqui fico trebutario do Senhor Gomez da Rocha.

Dono: Ignacio

Vossas Mercês querem tocha? Senhor! Não é necessário.

b) Auto de El-Rei Seleuco Martins Chinchorro: Moço, acende esse molho de cavacos, porque faz escuro, não vamos dar connosco em algum atoleiro, aonde nos fique o ruço e as canastras. Estácio da Fonseca: Não, Senhor, mas o meu Pilarte irá com eles com um par de tições na mão; e perdoem o mau gasalhado, mas daqui em diante sirvam-se desta pousada, e não tenham isto por palavras, porque «essas e plumas, o vento as leva». (No chamado êxodo)

9) Por último, é curioso descobrir, até, que no Auto da Natural Invenção parece também existir uma espécie de auto dentro do auto11. De facto no Auto da Natural Invenção assistimos a algumas cenas (entremeses?) que vão acontecendo, e que parecem ser misturadas com a actuação de um chamado “Representador”, que parece querer apresentar um auto, que acaba por não poder acontecer, devido a diversas peripécias, que o interrompem e que o levam até a abandonar a sua actuação; Ignacio.

Oh! mande que entrem senhor. Comecem de vir. Autor!

Autor.

Temos cá tudo entornado.

Dono.

Por quê ?

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Este formato de um texto que envolve outro texto é evidente no El-Rei Seleuco de Camões, onde o auto propriamente dito em verso é envolvido pelo prefácio/epilogo em prosa

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Autor.

Porque está arrufado nosso representador.(V594:598)

O “Representador” aceitará, convencido pelo dono da casa, retomar a sua apresentação. Representador:

Assim que, tornando ao thema, sei que a muitos dei no goto, e não lanço em sacco roto o pêra onde cada um rema, mui desviados descoto (V615:619)

Mas os “matantes” interrompem-no e acabam a bater os pés. Dono. Representador:

Calae-vos ! Ouvir-vos-hemos! Senhor, estou deshonrado; e demos por acabado o meu dito, e acabemos.(V611:614)

No fim, os desordeiros acabam mesmo por impedir que o “Representador” conclua a sua fala. Parece assim ser possível descobrir no texto do António Ribeiro Chiado um auto global, onde se representa um auto que não chega acontecer (em que intervém o “Representador” e elementos da assistência e até o dono da casa) e um conjunto de cenas que poderão ser interpretadas com um auto interno que, esse sim, é representado. 4.1 Que conclusão tirar das proximidades encontradas? Os muitos e diferentes pontos, que parecem ser de contacto entre o Auto de El-Rei Seleuco de Luís de Camões e o Auto da Natural Invenção de Ribeiro Chiado, tornam difícil refutar a teoria de que houve um exercício realizado por Camões de introduzir no prólogo/êxodo da sua peça elementos de um dos autores de autos mais populares naquele tempo. Poder-se-á perguntar porquê e aqui, uma vez mais, poderemos apenas especular e enunciar algumas razões possíveis. a) Porque admirava Ribeiro Chiado e pretendia prestar-lhe homenagem, o que poderia justificar também a menção do nome do frade-poeta no texto? b) Porque fazia sentido, ao incluir um auto como personagem, na escrita de uma espécie de anti-auto, com uma narrativa construída com elementos clássicos, influenciados em Petrarca, preencher o prólogo/êxodo de elementos burlescos, típicos de um genuíno auto, que seriam facilmente reconhecidos pelo público, provocariam o riso, criando o contraste e até um certo contexto absurdo para a história de amor do rei Seleuco? E, a ser assim, que haveria de melhor do que inspirar-se em Chiado?

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Sem elementos de prova irrefutáveis, podemos dizer, parece-nos que mantendo alguma coerência com preferências anteriores, que nos inclinamos mais para a segunda hipótese.

5. Conclusões gerais Feita esta curta viagem através do Auto de El-Rei Seleuco de Luís de Camões e tendo feito uma tentativa débil de mergulhar nas suas origens, podemos concluir que: O Auto de El-Rei Seleuco é um objecto sui-generis, sobretudo, se se tiver em conta que foi escrito por um renascentista, em meados do século XVI. Apesar de intitulado auto, essa classificação parece discutível (precipitada?), pois o “auto” parece sim ser uma personagem dentro de uma peça que o engloba. Essa personagem é por um lado a personagem central e conta-nos a história do rei Seleuco, mas é por outro lado uma personagem que é objecto de critica, galhofa e chacota, no chamado prólogo/êxodo. O Auto de El-Rei Seleuco parece poder ser uma resposta divertida (provocatória? atrevemonos a especular) de Camões, por ter sido a obrigado, por encomenda, a escrever um auto, e esta ter sido a forma criativa de respeitar o contrato, mas, ao mesmo tempo, de introduzir elementos renascentistas na obra e de construir um objecto que questiona, brincando e galhofando, o próprio auto. Os elementos apresentados parecem confirmar os Triomphi de Petrarca e o Auto da Natural Invenção de Ribeiro Chiado como fontes, onde Luís de Camões terá ido buscar elementos, peças do puzzle, com que construiu o seu original objecto dramático. Como nota final, temos a convicção de que este artigo poderia ser enriquecido com a inclusão de um estudo, idêntico ao que foi feito a partir do Auto de El-Rei Seleuco, sobre os outros dois autos escritos por Luís de Camões: o Auto de Filodemo e o Auto dos Anfitriões. Os dois textos mereceram também o epíteto de autos, apesar de verificarmos, apenas numa inspecção muito rápida, folheando o livro das obras completas do poeta, parecerem conter um conjunto de “heresias”: estão divididos em cenas e em actos e o Auto de Filodemo integra um conjunto de falas em prosa. Esse poderá ser um desafio para o futuro, se o futuro proporcionar o repto que nos obrigue a regressar aos autos de Luís de Camões.

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Bibliografia Asencio, Eugenio, Sobre El-Rei Seleuco de Camões Camões, Luís, Obras Completas, Lello & Irmão, Chiado, António Ribeiro, O Auto da Natural Invenção, Livraria Ferreira, 1917

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Publicação com uma explicação prévia pelo conde de Sabugosa, disponibilizada pela Universidade de Toronto.

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