Quero morar num lugar onde ninguém me perturbe, vou morar na Chatuba: uma história do Grotão
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Universidade F ederal F luminense Centro d e E studos S ociais A plicados Faculdade d e E ducação
Quero morar num lugar onde ninguém me perturbe, vou morar na Chatuba: uma história do Grotão Capítulo I da Parte II (A TRAMA) da dissertação de mestrado Grotão, Parque Proletário, Vila Cruzeiro e outras moradas: história e saber nas favelas da Penha Mestranda: Marize Bastos da Cunha Orientador: Prof. Dr. Victor V.Valla Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Educação
N ITERÓI 1995
Sumário APRESENTAÇÃO
PARTE 1 -‐ CAMINHOS, ATALHOS E PISTAS
1
Capítulo 1 -‐ As primeiras pistas: do ponto de chegada ao ponto
2
de partida
1.1. Pista I: um exame de corpo delito
3
1.2. Tiranias da Razão Histórica
10
Capítulo 2 -‐ Os Caminhos e Atalhos
19
2.1. Dos personagens, de suas ações e de como insistem em lhes tirar de cena
21
2.2. Aquilo a que chamamos destino sai de dentro dos homens, ao invés de entrar neles: sobre a subjetividade da história humana
37
2.3. Das teias ao ato de tecer: costurando uma abordagem da cultura
39
2.4. A teia da exclusão: sobre a subalternidade
53
2.5. Um elo que não pode faltar: a experiência
56
Capítulo 3 -‐ Encontros de meio de estrada: dando rumo à
63
caminhada
3.1. O quebra-‐cabeça de imagens de um espaço: entre caracterizações, análises, experiências e interpretações
65
3.2. Um espaço de vida subalterna: a favela
74
3.3. Solidarizar-‐se: um verbo regular, uma voz reflexiva: experiência de vida e prática política
81
3.4. Os Sujeitos da Trama: movimentos comunitários no Complexo de Favelas da Penha
86
3.5. Na Trilha do Excepcional Normal: uma possibilidade de análise
PARTE 2 -‐ A TRAMA
Capítulo 4 -‐ Quero morar num lugar onde ninguém me pertube,
92 99
100
vou morar na Chatuba: uma história do Grotão
Capítulo 5 -‐ Combatendo a dor, semeando a vida: caminhos do
148
Sementinha
Capítulo 6 -‐ Combatendo a baixa tensão, Construindo em alta
169
tensão: o movimento do Sangue Novo
PARTE 3 -‐ RECONSTRUINDO
Capítulo 7 -‐ O Fazer Histórico
238
239
7.1. A necessidade: da precisão à invenção
240
7.2. Os mediadores: estranhamento e parceria
259
7.3. A Luta: experiência de vida e prática política
313
366
Capítulo 8 -‐ A Imagem Histórica
8.1. Imagens Heróicas
8.2.O lugar do acontecimento
E se quisermos contar outra...: considerações finais
395
403
PARTE 4 -‐FONTES
A T rama
(...)E quem não conhece a história de seu povo, não vai fazer a revolução nunca. Luiza Rocha -‐ Movimento Sangue Novo
4. “ Eu q uero m orar n um l ugar e m q ue n inguém m e p ertube, v ou morar n a C hatuba”: u ma h istória d o G rotão 64
Na história aqui contada, os protagonistas são os moradores da favela do
Parque Proletário do Grotão, em sua luta coletiva pela terra e pela produção do espaço d e m oradia. 65
Destacamos, os atores, cujos depoimentos serviram como fio condutor da
versão a qui c ontada:
Jordeval da Paixão: baiano; na época que se formou a comunidade, tinha
aproximadamente 34 anos, atuava como pastor evangélico, morava no Parque Proletário da Penha e residia há 13 anos no Rio de Janeiro; foi o primeiro presidente d a A ssociação d e M oradores
Pedro Mendonça: paraibano, veio para o Rio de Janeiro aos 17 anos;
serviu o exército e posteriormente trabalhou na Gilette do Brasil, começando a participar do movimento sindical; mais tarde começou a trabalhar como rodoviário, ingressando na CTC, entrando também no sindicato da categoria, onde chegou a disputar as eleições para a presidência; no período da ocupação do terreno onde vai se formar a favela do Grotão, tinha aproximadamente 34 anos; foi o terceiro presidente da Associação de Moradores, chegando a exercer dois mandatos; tornou-‐se uma conhecida liderança comunitária na região, atuando também na FAFERJ (Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro), onde, n um p eríodo p osterior a e ntrevista, e xerceu o c argo d e p residente.
64Trecho
da música do cantor popular Dicró. A “Chatuba” da música faz referência a uma comunidade localizada na Baixada Fluminense. Pelo que verificamos, desde a época da ocupação no Grotão, os primeiros moradores passaram também a chamar o lugar de Chatuba. 65O período aqui compreendido vai desde a ocupação até 1987, época das entrevistas. Lembramos que as conquistas aí obtidas não podem ser tomadas enquanto absolutas. O posto médico até bem pouco tempo estava desativado. Tendo em vista as propostas da administração do Prefeito Cesar Maia, de repasse de suas responsabilidades para a Associação de Moradores (repasse de recursos destinados ao pagamento do salário dos funcionários, sendo que os encargos sociais ficam a cargo da Associação), a creche comunitária estava sob ameaça de
Ilsa: nascida no Maranhão, migrou primeiro para Minas Gerais e em 1972
veio para o Rio de Janeiro, morando inicialmente no Parque Proletário da Penha; Posteriormente, já casada, compra com o marido um barraco na comunidade de Marcílio Dias, na área de palafitas. Tinha aproximadamente 23 anos na época da formação da comunidade. Reginaldo ou Régis, seu marido teve uma participação ativa nas lutas encaminhadas pelos moradores, chegando a se tornar vice-‐ presidente da Associação na época do pastor Jordeval, rompendo posteriormente c om e le.
Em b usca d e u m e spaço
“(...) Morador do jeito que hoje está a carência, ele não se preocupa com
a polícia não. Ele chega precisa do local, ele vai e planta o barracão dele. Porque a maior carência do Rio de Janeiro é local para habitar o povo porque não tem” (Jordeval d a P aixão)
Mas o povo vai construindo um espaço, criando alternativas. Foi assim
que formou-‐se a favela do Parque Proletário do Grotão, ou simplesmente Grotão, o u a inda C hatuba, p ara a lguns m oradores d a r egião.
“(...)Parece que no dia 15 de março ou abril, a favela do Grotão foi
invadida. Não foi por nós, 1979 foi a invasão. Numa tarde os moradores se reuniram -‐ moradores que vieram do norte, inclusive tem pessoas que vieram do norte e que estavam em São Cristovão, não tinham aonde morar. Outras pessoas que estavam sendo despejadas de aluguel, outras pessoas que moravam em casas de parentes. Se reuniram e acharam que tinham que tomar conta daquela pedreira que estava lá abandonada com o mato cobrindo. Porque era uma pedreira, um terreno de uma pedreira da Elecatrone que estava abandonada porque ela foi desativada por não pagar impostos e tinha falido. E com isso, alguns funcionários dessa pedreira, que moravam lá também e incentivaram
fechamento. ( “Sem Abrigo e Sem Afeto” in: Se liga no Sinal, Informativo do CEPEL, ano 3, n o 16, abril/maio de 94)
essse moradores a invadir porque eles também estavam em prejuízo. Tinha gente que tinha trabalhado 6, 8 anos e não estavam recebendo nada. Então tinham que invadir. Isto foi feito por um grupo pequeno, parece que de 38 pessoas. Invadiram e entraram lá prá dentro. Eram uns antigos galpões. Dividiram os galpões e começaram a morar. E com isso despertou a atenção dos demais q ue e stavam n ecessitados e a í f oram. ( P edro M endonça)
Entre estes, os “demais” que estavam necessitados, encontrava-‐se um
jovem casal com um filho pequeno. Já em fins de 78, no esforço de buscar um espaço próprio para viver, Ilsa e Régis conseguiram comprar um barraco, lá na Marcílio Dias, na Penha Circular. “(...) Era um barraco em cima da maré, que aquilo quando chovia muito, que a favela enchia, os barracos ficavam flutuando. Até hoje os meninos encarnam: ‘vocês moravam em flutuante, né?’ . Era uma coisa absurda (...) porque aquilo não tinha terra, eram uns paus enfiados.” O filho vivia doente, “era febre, era gripe”, Ilsa teve pneumonia e o médico disse “que a p neumonia f oi c ausada t udo p or a quele l ugar”. D ois m eses d epois q ue e la teve alta, o marido viajou para Recife com o pai para ver a família, mas antes de ir e le d isse: _Quando eu voltar nem que seja para o aluguel, a gente vai voltar de novo. _Mas logo para o aluguel?!.
Ela trabalhava na fábrica Kelson’s, próxima a favela, e Régis era mecânico
e estava empregado na Brahma mas ficava difícil enfrentar o aluguel pois “você paga o aluguel, mesmo os dois trabalhando mas aquilo é dinheiro que nunca dá”. Mas também estava ficando difícil suportar o sacríficio que passavam no local o nde m oravam.
Por isso, em fins de 79, na época em que o marido estava viajando,
quando soube , através de uma conhecida do Parque Proletário, que estavam invadindo um terreno da pedreira, a mulher quis ir lá. Quando chegou lá viu que
era tudo capinzal, “era só capim aonde o gado descansava, ao meio-‐dia, pastava. Não tinha nada. Só tinha aquele povo” e alguns cordões amarrados “porque as pessoas vinham, dividiam o seu lugar e ali eles amarravam um arame, um cordão. Só que eles amarravam de noite, a polícia vinha de dia, derrubava”. Procurou escolher um lugar para cercar e falou para o conhecido que a acompanhava: “eu não quero aqui em baixo porque não gosto de casa, aquela casa junto com a outra”. Mas no alto do morro tinha uma lagoa, que no verão dava água e quando o lugar lhe foi mostrado, a mulher disse: “eu quero ficar nessa área aqui”. Quando o marido chegou de Recife, contou-‐lhe sobre o terreno. _ Consegui um terreno para gente. _ Mas aonde? _Lá, onde estão invadindo _ Mulher, você é louca?! _ Olha, diante de pagar o aluguel...Não só sou eu. São muitas pessoas. Muitas famílias. Agora eu quero que você vá olhar, ver o que você acha.
Eles foram. Ela conta que era um dia de quinta-‐feira e que o marido se
surpreendeu: “Mas aqui?”. E ela lembrou: “mas diante de pagar o aluguel não tem outra saída”. E lá “não tinha nada. Não tinha água, não tinha luz, não tinha nada”.(Ilsa)
Como o casal, Pedro Mendonça, que anos depois se tornaria presidente
da Associação de Moradores da nova comunidade, também deixara outra favela vizinha, o Parque Proletário, para lá construir seu barraco de tábua, no ano de 80. E era também no Parque Proletário que Jordeval da Paixão, que já trabalhara como vendedor e de segurança mas que na época era recém-‐formado pastor evangélico, tinha uma “igrejinha” numa casa alugada. Quando soube por
“intermédio de uma irmã da Igreja que estavam invadindo um terreno no Grotão, n o f inal d a R ua T enente L uiz D ornelles, o p astor d isse: _Seria bom se nós conseguíssemos porque eu estou recém-‐formado agora pastor, não tenho dinheiro, não tenho mesmo. Não temos fundos e nós vamos fazer o seguinte: nós teremos no futuro condição de transferir o nosso trabalho da Igreja para o Grotão
Jordeval da Paixão sabia que a área estava abandonada lá há quase 20
anos e q ue d entro d o t erreno t inha u m g alpão, p or i sso c omentou c om a irmã: _Quem sabe nós poderíamos até conseguir aquele galpão e passar o trabalho da Igrejinha para lá.
E no mesmo dia, o pastor seguiu para o Grotão. Chegando lá viu que “a
polícia cercou a rua Tenente Luiz Dornelles e atravessou uma porta para ninguém passar lá para dentro mas já tinha alguns que já tinham marcado. Imediatamente cada um foi apanhando um lote”. Ele, tomou conta do galpão, do “galpão velho, no sentido de reformar(...)” para desenvolver o trabalho de sua Igreja m as “ morava n o P arque P roletário d a P enha”.(Jordeval d a P aixão)
A corrida em busca de uma casa foi grande mas havia também aqueles
que iam em busca de lotes para vender. Marcelino, morador da Vila Cruzeiro, relembra que “teve muito oportunista (...) , teve nêgo que tinha casa (...) cercou, c onstruiu u m b arraquinho e d epois v endia”.
Assim, várias pessoas chegaram ao local e não conseguiram tomar um
pedaço porque já estava tudo tomado. Uma moradora que chegou ao Grotão já em 1981 explica: “quando cheguei já estava começado, não invadi, o meu foi comprado, o s m eus p edaços, t odos e les q ue m orei f oi c omprado”.
Muitas vezes quem invadiu “não morava, entendeu? Mas aí não
precisava”, não precisava tanto quanto um casal que vivia com as filhas num porão de onde estavam sendo despejados. A mulher explica que as pessoas que ocuparam e vivem na favela “são pessoas tudo carente, que eu saiba não são pessoas que moram aqui porque gosta. Mora porque precisa. Pessoas chefes de família, muitos trabalhadores, pessoas nem sempre que trabalham mas que querem t rabalhar, e n em s empre c onseguem s erviço.” ( D.Maria A ntônia)
Por isso, como dizia Jordeval da Paixão, o morador não se preocupa com a
polícia...Mas e a p olícia, e la v inha p orque?
Quando c omeçou “ o c onflito h orrível p ara q ue o p ovo n ão f icasse”
“(...) A polícia vinha em função deles mesmos, que não podia, no caso (...)
Para e les, a á rea d a P enha é u ma á rea q ue v ale d inheiro, n o c aso, n é?”(Ilsa)
Por isso, enquanto muitas famílias criavam alternativas para garantir logo
seu pedaço, havia quem desmanchasse estas alternativas. “Teve uma família que eles pegaram, enfiaram os paus, né jogaram alguns pedaços de telhas e botaram um plástico grosso em cima. A polícia chegou. Derrubou aquilo tudo que a telha caiu na perna de uma criança, ainda quebrou a perna da criança. Aquilo era um conflito, s abe. E ra u m c onflito h orrível p ra q ue o p ovo n ão f icasse” ( Ilsa).
“Foi uma luta muito grande porque eles iam lá, derrubavam os barracos -‐
os barracos eram de madeira e o pessoal, quando eles viravam as costas eles reconstruíram. Com excessão daqueles que eles botavam fogo” (Pedro Mendonça).
Vivenciando este conflito horrível para que o povo não ficasse,
encontrando um monte de polícia cada vez que ia ao Grotão, Ilsa, quando ainda não mudara-‐se pois seu marido estava viajando, pediu ao amigo que cuidasse de seu t erreno j á c ercado:
_Olha, você toma conta pra mim que eu sou muito malcriada. Isso eu reconheço. Eu sou muito malcriada. Se um policial desses chegar pra mim, vir falando um monte de desaforo igual eu vi eles falando muito, agredindo as pessoas aí com palavras, eu vou sair daqui sabe como? Escoltada. Porque eu eu vou falar um monte de malcriação para eles e eles vão dizer para mim, sabe, que eu estou desacatando a autoridade.
Jordeval da Paixão conta que a polícia cercou a Rua Tenente Luiz
Dornelles que dava acesso ao Grotão e que ela “começou a avisar que aquilo não era uma área, que tinha dono etc etc”. Ele também se lembra que quando chegou ao Grotão já havia aproximadamente 70 pessoas, já marcados os lotes. E que c hamou o s m oradores, u m g rupozinho e l he d isse: _ Olha gente, vocês só tem uma opção: a polícia vai continuar mantendo a ordem. Agora vocês só terá condição de permanecer neste lugar se vocês fizerem um abaixo assinado e registrar uma associação de moradores.
Construindo o p edaço e a ssociando a ções 66
Ilsa, o marido e o filho que viviam na favela Marcílio Dias estavam entre
os primeiros moradores do Grotão. Ela lembra que para permanecerem no lugar, enfrentaram algumas lutas, antes mesmo de chegarem a registrar a associação de m oradores.
“Eu tinha três contos e ele tinha um e cinquenta, no caso um e
quinhentos, né, que é estas notas roxa escura. Ele disse: como é que a gente vai começar aquilo? . Eu falei: olha, não sei”. Aí capinamos. Ele não tinha nem terminado as férias mas ele voltou lá, falou lá na Brahma, com o chefe dele que 66
A expressão associando ações foi utilizada por D.Dilma, integrante do Movimento PróEducação de Realengo e Adjacências, que na defesa de Dissertação de Adir da Luz Almeida, em abril/95. referiu-se a necessidade das pessoas associarem ação, afirmando ser este o sentido da Associação de Moradores.
queria começar a trabalhar antes de finalizar as férias. Aí começou né? Aí a gente só vinha sábado e domingo. Só que ele de pedreiro nunca entendeu de nada. Então comprou dois sacos de cimento, comprou areia, comprou pedra para fazer o alicerce. O primeiro alicerce foi perdido porque saiu torto. Aí ele arrumou u m p edreiro: _Olha, moço isso aqui tá tudo errado. Isso aqui não vai servir para nada. _Mas como que não vai servir? _Daqui suas paredes vai sair assim, ó.
“Aí nesta época, seu Silvio, aqui, já estava fazendo porque ele era
pedreiro, ele mesmo fazia. A Dona Zilma também, que ela foi embora até para Três Rios, o ano passado. E um rapaz que vende verdura, estava começando também, lá no pé da pedra. Quer dizer todo mundo começando. Eu sei que nós levantamos paredes. Tivemos que vender o barraco lá pra poder fazer aqui. Aí, aqui, o rapaz começou a levantar as paredes, no dia que era pra gente entregar lá, aqui ainda não estava entregue. Aí o rapaz disse que já estava com a esposa dele na rua, tinha sido despejado. O que tinha comprado nosso barraco lá. A gente tinha que entregar. Então, eu sei que um dia o meu esposo se juntou, aí levantaram as paredes e cobrimos um só quarto. Só um quarto que nós cobrimos. Aí mudamos para cá no dia 7 de janeiro de 80. Então eu mudei sem porta, s em j anelas, s em p iso, s em n ada. S em á gua e s em l uz”. ( Ilsa)
Jordeval da Paixão relembra esta época e conta que “eu, na liderança,
chamei os moradores e expliquei a eles: ‘olha, não quero que vocês façam barraco de tábua. Vão fazendo de alvenaria, que é para valorizar o local etc. De maneiras que aí os moradores continuaram e acalmou. Ele avalia que “a comunidade quando ela é invadida pelos moradores, o elemento nunca leva tijolo de início. Um pega uma tábua, outro leva barbante, outro leva marreta e tal. E consegue fechar e marcar o lugar. Ele acha que marcou ali, já é dono.
Entendeu? Agora se a coisa não permanecer, também ele não tem prejuízo porque simplesmente ele botou ali um barbante não dá nenhum direito a ele. Agora q uando s e t rata d e u ma c asa d e a lvenaria, j á e ntra a ssim j ustiça e tc.”
Alguns sem condições de construir a casa, se arranjavam como podiam,
como aqueles que se instalaram numa antiga caixa d’água: “ teve moradores que quebrou a caixa e entrou para morar lá dentro. Não tinha como comprar material, não tinha como comprar madeira, não tinha como...Então, quebraram a c aixa, f izeram a p orta e ntraram p ara d entro”. ( Ilsa)
Aqueles que chegaram mais tarde, quando “já estava tudo tomado”,
também enfrentaram sacrifícios para construir seu pedaço. Uma moradora relembra q ue o m arido “ não t inha d inheiro, e le n ão e stava c om d inheiro, q ue e le às vezes fica assim com dinheiro. Ele estava com o relógio, ele foi, empenhou, aí eu j á c omprei d e o utra p essoa a qui”.(D.Maria A ntônia)
Ao mesmo tempo em que os primeiros construíam suas casas e chegavam
mais moradores, outras lutas se davam. “A nossa primeira luta foi pela luz (...) mas a nossa luta foi assim. Nós aqui, o Seu Sílvio, Seu Zelito, Seu Antônio, que tinha um terreno mas ainda não morava, né? Aí se juntaram, cada um comprou um rolo de fio e puxamos um gato lá de baixo, por nossa, sabe, por nossa responsabilidade (...) Mas só que a gente puxou, enquanto era só a gente, a luz dava para quebrar um galho mas aí foi quando começou a chegar um, chegar outro, e começaram a puxar seus gatos, né? Então, a gente não podia dizer para eles que não, porque a mesma necessidade que a gente se encontrava, a gente achava que eles também não podiam ficar. Só que aquela luz não servia para geladeira, não servia para televisão, não servia para rádio, não servia para nada. Aí foi quando nós começamos a partir para Associação (...) Aí nós nos organizamos. Aqui onde tem essa Igreja hoje, aquilo era uma capelinha. Então eu tinha um cunhado, nessa época, que estava fazendo o seminário. E ele disse: a gente vai ter que arranjar um padre pra celebrar aqui em cima (...) A gente se reunia na casa, na casa de um, na missa, para missa (...)Meu cunhado conseguiu
o Padre Rude, da Igreja Bom Jesus. Então ele vinha, celebrava. De quinze em quinze d ias e le v inha, c elebrava m issa” ( Ilsa).
Jordeval da Paixão conta que “nossa maior dificuldade era a luz da Light.
Então o que fizemos? Fizemos? Fizemos um abaixo-‐assinado entre os moradores e compramos alguns volumes de fios e ligamos direto no poste e cada um puxou. Mas aquilo, quando dava incêndio era um problema sério. Incendiava a rede toda. Nós solicitava, a Light vinha cortava, o povo ia botava a escada, tornava colocar, até que a Light tomou ciência séria nesse sentido e atendeu o pedido e exigiram documento da Associação, queriam ver o estatuto, se tinha já os seus documentos. Aí pediram para que nós enviásssemos um ofício acompanhado por uma certidão. Esse foi o primeiro passo dentro da Associação, com um requerimento da Light. Dentro de mais ou menos uns dois meses, a Light chegou com os caminhões, com os postes, começou a botar poste na rua. Pronto foi uma f esta q uilo n o G rotão.”
O próprio Jordeval da Paixão, o primeiro presidente da Associação de
Moradores da comunidade que se formava, já participara da fundação da. Associação de Moradores da Fazenda Botafogo em Acari e relembra o que o levou a r egistrar a A ssociação d e M oradores d o G rotão: “ um d os o bjetivos d e m e levar a registrar a associação de Moradores do Parque Proletário do Grotão, primeiro ítem: porque a Associação da Fazenda Botafogo em Acari, eu não tinha nenhum conhecimento sobre lei. o que podia garantir a associação. Mas lá tinha um moço, muito experiente, e quando ele fez o registro da Associação de Fazenda Botafogo entendeu? Logo imediatamente surgiu o problema do Grotão. Quando houve a manifestação do povo, eu chamei e digo: Olha, só tem uma coisa -‐ correr pra dentro da lei, a leí 3.330-‐ registrar a Associação. Mas eu já tinha trazido um manual de lá”. O Pastor dizia aos moradores que “a lei 3330 da portaria 12 de 1969 que foi uma lei criada pelo Negrão de Lima lhe outorga o direito de vocês permanecer, ou seja, de nós permanecer no lugar”. Ele recorda que os moradores ficaram “todos entusiasmados”: “Não, então nós vamos tomar providências. A í q uiseram m e b otar c omo p residente”:
_Não. Eu não aceito a presidência por motivo de eu ser um líder religioso. _ Então, não tem melhor do que o senhor para tomar conta disso aí.
“Aí imediatamente nós tomamos as providências. Eu digo: Bom, já que
vocês querem que eu tome a liderança, vamos agora passar um lista aí, vamos fazer um abaixo assinado. De acordo com o número. Mas nesse intervalo a polícia já estava lá também. Bom, quando nós começamos a fazer o abaixo-‐ assinado, a polícia foi embora, cada um largou lá o local abandonado e tal, de maneira que não houve nenhuma manifestação policial mais na comunidade. Não houve mesmo porque a polícia parece que tomou consciência de que nós estávamos registrando a associação. Quando a polícia voltou, uma segunda vez, a Associação já estava ali com estatuto elaborado”. Jordeval da Paixão destaca que quando “precisava de alguém pra ir a Light e tal, alguém me acompanhava (...) Quando eu dizia assim: gente, eu preciso de cinco, seis pessoas pra ir comigo, alguns deixava até o trabalho. Corria e dizia para o patrão: olha, me dispensa um dia aí que eu tô ajudando o Grotão e tal e quero auxiliar o presidente. F oi m aravilhoso! O p ovo s ão m aravilhoso, a quele p ovo d o G rotão.”
No confronto com a polícia, a comunidade que se formava teve aliados .
Pedro Mendonça conta que os moradores a frente do movimento na comunidade, inclusive Régis, o rapaz que viera da Marcílio Dias que se tornava vice-‐presidente da Associação, “acumularam forças e solicitaram uma ajuda da Federação de favelas e da Fundação Leão XIII e da Pastoral de favelas., que desse apoio jurídico a eles, que eles tinha necessidade de morar e aquilo estava abandonado a quanto tempo, já estava desativado, e isto foi feito. A primeira coisa que os advogados fizeram foi chegar a ver a polícia que eles não tinham autoridade para entrar -‐ isto ainda no regime militar né?-‐ para entrar dentro dessas áreas assim e metendo o cacete em todo mundo e quebrando tudo que os moradores tinham. Tinha gente que já tinha perdido até as panelas mas... já perdeu tudo, então vai acabar de perder a vida mas vai ficar lá. E com isso, a
pressão dos advogados de todas essas instituições -‐ FAFERJ, Fundação Leão XIII, Pastoral de Favela-‐ foram pressionando e a polícia recuou. A ponto de os advogados dizerem: ‘Não. Só vai derrubar agora aqui com mandato judicial’. Só com m andato j udicial é q ue p odia t irar o p essoal’.
Quando a l uta a nda m ais r ápido d o q ue a l ei
“Com isso (...) o proprietário da Elecatrone vendo que não tinha jeito, aí
formalizou o processo na justiça. Só que ele formalizou este processo com setenta e poucos moradores. Quando o processo foi julgado já tinha quase 100. Então o juiz tinha que rever esse processo -‐ está julgando um número e tem outro. E isso foi engraçado porque quando o juiz ia rever o processo chegou a um ponto que não tinha mais jeito. Ele ia rever o processo para despejar mas tinha mais gente. Então ele ia despejar todo mundo. Ia despejar um número e ia ficar outro? O fato dele rever o processo deu direito de luta a população. Então chegou a um ponto que já estava com 180 moradores. Eles chegaram com ordem de despejo para 180 moradores. Isso foi em 1980-‐ 79/80-‐ despejar 180 moradores. Quando chegaram, o oficial de justiça chegou com uma lista de 180 moradores, tinha 300. Tinha chegado para despejar. Aí acontece que o oficial de justiça disse: ‘Mas eu não posso despejar 180 moradores se tem 300. Então temos q ue p edir r evisão n ovamente’ ( Pedro M endonça)
“Já depois da Associação registrada foi quando veio a ordem de despejo.
Aí os moradores ficaram em pânico (...) Quando veio a ordem de despejo -‐ isso foi no dia, parece que..., se não me falha a memória, no mês de agosto, veio uma ordem de despejo-‐ neste período, a comunidade já se encontrava praticamente já estruturada e ao mesmo tempo já estava também registrada a Associação. Reconhecida pela Associação Leão XIII. Já nos encontrava com o processo da Light, já nos encontrava com o processo da CEDAE em mão, já nos encontrava com o protocolo do telefone comunitário (...) Eles mandaram a primeira citação apresentando os sete primeiros invasores. Quando o oficial de
justiça chegou, dando essa ordem, ele não apresentou para os sete. Ele apresentou o despejo para a comunidade. Ora se o despejo veio para sete e na comunidade já tinha mais de 600 a 800 pessoas e que essa citação não abrangia a comunidade mas abrangia os sete, cujos candidatos citados no ofício não estavam m ais n a c omunidade” ( Jordeval d a P aixão).
Ilsa recorda também a chegada da ordem de despejo. “A gente pensamos:
‘Vamos recorrer a quem?’. Aí meu cunhado disse: ‘vamos recorrer ao Padre Rude’. Nesta época a Associação já estava mais ou menos, inclusive era um pastor. (...) Aí o Padre Rude nos deu o maior apoio. Procurou a Pastoral de Favela que era a Dra. Maria Alice. Então, Dra. Maria Alice como advogada, né, disse: ‘ não, p ode m andar q ue a g ente e stá l á’.”
E a ida à Audiência quando “aí o Pastor levou mais Padre Rude, levaram.
Fomos uma multidão de gente, sabe. Você vê que 500 pessoas ali no Forum, ali na Praça XV; era gente naquele corredor tudo. Arrumamos ônibus e se mandamos. (...) Essa luta toda ainda em 80. Então a gente tinha várias comunidades: a Marcílio Dias, Parque Proletário da Penha, Vila Cruzeiro, Merendiba, Parada de Lucas, então isso tudo, a gente já tinha feito aqueles pequenos contatos porque meu esposo é uma pessoa muito conhecida pelo trabalho que ele faz. Então ele é uma pessoa muito dada (...) Algumas comunidades já mandavam representantes, aquela coisa toda. Aí fomos prá lá. Só que chegando lá os que se diziam donos, que são os Armazéns Gerais São Luis, que se diziam donos da terra, que na realidade não eram donos nem nada, estavam l á, e stavam l á. ( ...)” ( Ilsa)
A terra “era uma área particular. Armazéns Gerais São Luis. Era uma área
particular que eles tinham cessão de posse porque na verdade essas terras não tem proprietários, que ela, a viúva do Contiga, isto é uma família antiga e ela concedeu a cessão de uso para Elecatrone. A Elecatrone cedeu a sessão de uso para os Armazéns Gerais São Luis e então eles se acharam os donos realmente porque t inham a c essão d e u so ( ...)” ( P edro M endonça).
No Forum: “ aí, aquele problema. Quem vai entrar na sala do juiz? Aí veio
aquele problema. Só pode entrar na sala do juiz quem estiver de paletó e gravata. Ora. você vê que absurdo, que injustiça! Aí, nós conseguimos paletó pra meu cunhado, conseguimos paletó pra meu esposo, sabe”-‐ Ilsa recorda rindo e continua -‐ Tudo pela Igreja, né? Aquela coisa toda. D. Santa que é uma pessoa muito bacana que trabalha na Igreja. Aí conseguiu paletó, conseguimos gravata...Eu sei que na sala, com o juiz, entrou meu esposo, Padre Rude e meu cunhado, no caso, a Dra. Maria Alice e os que lá que se diziam donos, dos Armazéns Gerais. Só que lá dentro eles queriam que o juiz nos desse 24 horas pra nós sair daqui. O Juiz falou: ‘eu não posso fazer isso porque isso se trata já de uma comunidade. Se trata já de um assunto social. Eu não posso fazer isso’. Aí t udo b em. J á n ão v ai s air”.
Enquanto isso, fora da sala do juiz: “E a gente naquele conflito...Aquele
corredor que a gente ficava, né, aquilo ficou cheio. Aí então passavam aqueles juízes, aquele pessoal, tudo de paletó e gravata. Aí o pessoal passava, dizia assim pra gente: ‘Mas que fila é essa? ‘. Aí teve uma hora que eu já tava tão...sabe, e u c om m eu g aroto, a quele s ol q uente, c om s ede, s abe, e u d isse: -‐ Você sabe o que é isso aqui? _ Não. -‐ Isso aqui é a fila do feijão que já vem prá cá.
“Porque naquela época estava aquela falta de feijão-‐ relembra rindo e
finaliza-‐ Eu sei que dali nós voltamos, não satisfeitos (...) Porque ficou decidido que teria outra audiência com seis meses, né? A gente ia ser chamado de novo.(...)” ( Ilsa)
Enquanto a j ustiça “ enrola”, n a c omunidade...
A vida continuava rolando. “E nessa luta toda. Luta de comunidade, de
Igreja, que a gente conseguimos tudo junto sabe, aquela luta toda. Era reunião de Associação, era briga não sei prá quê. Nesse período a gente estava conseguindo a luz da Light. Nós fizemos um abaixo-‐assinado e um senhor que mora aqui embaixo, trabalhava na Light, conseguiu o pedido da Light” (...) Aí foi quando veio a luta da água porque a água nós, no início, pagava pra buscar lá embaixo. Porque aqui tinha uma mina mas quando a população foi aumentando, não tinha condições.(...) Nesta época a gente não tinha, não tinha condição da gente chegar. Jamais, a gente tinha direito de chegar e a gente fazer uma reivindicação nas secretarias. Eles não abriam as portas para a gente, pra comunidade d e m aneira n enhuma”(Ilsa).
“(...)Quem cedia a água eram vizinhos que não desejavam a permanência
da favela. Depois eles mesmos começaram a enfiar a borrachazinha pelo muro e os moradores então foram fazendo aquele ambiente, aquela amizade. Quer dizer, aquele pessoal que era contra, tornou-‐se agora comigo, por intermédio da água e tal, porque a comunidade não tinha água...Sendo que quando nós chegamos na comunidade do Grotão tinha-‐se uma caixa que , se não me falha a memória, ela tem capacidade para 80, 1000 litros de água. Mas ela estava debaixo do chão, muita sujeira mesmo”, relembra Jordeval da Paixão que prossegue c ontando _ “ Eu u m d ia c hamei u m g rupo e d isse: _ Olha gente, vocês estão dispostos a nós entrar aqui nessa caixa e fazer uma limpeza? _ Presidente, você é quem diz. Se quiser nós podemos fazer isso até amanhã.
Eu juntei o pessoal todo. Fizemos aquele abaixo-‐assinado, levei um rapaz
experiente, que entende da matéria, mandei reformar ela toda por dentro, dei
uma banho de neosin, depois mercatolacho -‐ não sei como é que chama aquilo -‐ e imediatamentem nós fizemos o primeiro teste. Nós aí fizemos um segundo. Botamos um pouco de água mas água de chuva porque não tinha água encanada. Depois nós chamamos os moradores e disse: ‘gente, nós agora tem que fazer o seguinte-‐ correr para a CEDAE pra ligar a água pra caixa daqui de baixo, depois nós providenciamos a bomba e vamos jogar para a parte de cima. Nós vamos atender todas as pessoas. (...) E a política já estava funcionando. Foi quando eu telefonei para o Deputado Aluísio Gama e ele disse: ‘olha Pastor, se você precisar de umas varas de cano, venha aqui’. E eu fui (...) Aí nós reunimos os moradores e fizemos um mutirão. Cada um arranjou uma picareta ou uma pá e já que a CEDAE ainda não tinha atendido a reivindicação inicial nós fizemos um mutirão e levamos água direto para a Tenente Luis Dorneles (...)” (Jordeval da Paixão)
“O mutirão, inclusive, surgiu um pouco na minha comunidade, porque no
início nós tínhamos um poderio de mutirão muito grande. Uma água clandestina que a gente, no início da favela, que a gente conseguiu, foi através do mutirão, furando lá...até pedindo água para CEDAE.. A CEDAE disse que não dava água pro favelado e nós fomos lá e arrebentamos a rede e furamos e puxamos a rede doméstica. Precária mas puxamos para a comunidade. Através de mutirão de contribuição d o p róprio m orador”( P edro M endonça)
A luta pela água na comunidade é também recordada em detalhes por Ilsa
que r elembra q ue u m d ia s e r euniu o p ovo e d isse: -‐ Vamos comprar essas varas de cano pra puxar a água, clandestina também, para puxar a água pra uma caixa que tem ali perto da escola.
“Aí foi assim. Aí foi quando apareceu um deputado, Michel Assef, parece,
uma coisa assim, e nos deu as varas de cano. Aí, com estas varas de cano, puxaram a água pra caixa. Conseguimos trazer a ligação até ali onde é a pracinha hoje. Ali nós colocamos duas bicas. Que o povo ficava ali. Mas era um sufoco.
Porque ficava um monte de lata. Tinha gente que conseguia pegar duas latas de água, outros conseguia pegar três, outros não conseguia apanhar nenhuma. Então, aquilo, era aquela discussão na fila da água. Era um sufoco. ‘Não, vamos fazer r eivindicação n a C EDAE p ra g ente c onseguir a á gua p ra g ente’ ( Ilsa)
Mais acima do morro havia uma outra caixa, aquela que havia sido
ocupada por uma família mas Ilsa recorda que seu marido, vice-‐presidente da Associação, dissera: ‘Nós vamos ter que fazer uma reunião e procurar um lugar pra colocar aquela família que está morando dentro da caixa porque a caixa é da comunidade e ela vai ter que ir para comunidade’. E ela continua contando: “Chamaram o Pastor, nessa época ainda era ele, chamaram, conversaram e ele disse que não podia fazer nada. Então quando foi um dia, nós fizemos uma reunião, chamamos o pessoal que morava, aí eles nos disseram: ‘Se vocês conseguirem u m l ugar p ara n ós m orar, c laro q ue a g ente v ai e ntregar a c aixa’. E u sei que nós conseguimos. Meu marido arrumou madeira, aí saíram. Aí quando deu domingo, meu esposo reuniu a comunidade e foi prá lá arrumar a caixa. Estava chovendo, eu sei que tamparam, né, o buraco, arrumaram algumas coisas e fizeram o encanamento e puxamos a água prá cima. Aí foi quando cada um começou a puxar água pra sua casa. Aí a bomba jogava prá caixa de cima e a bomba de cima jogava prá nós. Mas só que aquela água era uma luta porque a gente não tinha um relógio, sabe. O relógio queimava, dava problema, dava defeito n a b omba. A quela b omba v ivia m ais q ueimada d o q ue f uncionando.”
Em suas lutas a nova comunidade buscava aliados. Já na época da
primeira audiência, estava em contato com a FAFERJ que tinha Irineu Guimarães como presidente, e com Fundação Leão XIII. Sobre isso, Ilsa lembra que “o nosso apoio mais foi porque a FAPERJ, ela atuava mais aqui dentro, ela atuava mais era sobre o negócio de associação (...) ela nos dava uma orientações como a gente teria que agir. E Padre Rude que é uma pessoa, foi uma pessoa muito sabe, era uma pessoa que nos indicava. Logo em seguida também apareceu o Dr. Fernando, que é uma pessoa muito bacana que foi diretor do Posto XI. O Dr. Fernando aparece porque logo apareceu um médico, o nome dele era D r. M ilton.
Ele dava consulta na Igreja Bom Jesus. E ele começou a vir algumas vezes aqui na comunidade. Inclusive uma vez que meu sogro estava doente, ele veio aqui atender. Mas ele teve um problema e foi para Belo Horizonte, foi embora pra Belo Horizonte. Aí foi quando Dr. Fernando...Nós passamos a conhecer o Dr. Fernando neste período. Que aí a gente começou a fazer um curso de agente de saúde, eu, inclusive, comecei a fazer lá ainda na Bom Jesus, ainda com Dr. Milton, com Dr. Fernando e outras pessoas. Então nesse período desse rolo todo com o negócio da terra, eles foram pessoas muito bacana que nos deu um certo apoio”.
Pedro Mendonça também recorda que o “Dr. Fernando foi uma pessoa
que acompanhou aquela comunidade do Grotão desde que foi implantado o primeiro barraco. Dando a saúde, assistência porque lá era uma coisa. Era uma lagoa a li e e le o rientando a quilo, a té d ava p roblemas d e d oença, l epra ( ...)”.
Foi nesse período que sempre “ (...) a gente fazia reunião. Porque nós
aqui, a nossa vantagem foi o seguinte: porque a Igreja nos deu um apoio assim de orientação. Então nós tínhamos um círculo bíblico, que nossos problemas todos da comunidade eram discutidos dentro do círculo bíblico. Não era só na Associação, sabe. Então, no círculo bíblico a gente fazia oração, a gente comentava lá a nossa religião mas ali dentro nós plantávamos a nossa reivindicação. O que a comunidade precisava, o que que a gente tinha que fazer, como que a gente tinha que chegar lá e acolher as idéias dos que participavam. E sempre, como eles diziam que nossa casa era maior, sempre era lá em casa ou aqui na casa de meu sogro. Então, por aí, foi quando nós começamos a fazer grupos pra ir pra secretaria, dar a luz-‐ a luz nesta época já estavam começando a botar o s p oste, a á gua.” ( Ilsa)
Nas lutas da comunidade, a Pastoral da Favelas estava sempre ao lado “só
que para chegar lá, fazer reivindicação lá, claro que os padres não podem, né, porque você vê, nós temos um bispo aí que ele não admite”. A Igreja apoiava também na união com outras comunidades já que “aquilo que fez a gente se unir foi por intermédio da Igreja. Nós tínhamos muitos encontros. Nós tínhamos um
encontro de três em três meses, com todas as comunidades, feito pela Igreja. E que a gente levava, 20, 30, 40 até 50 pessoas de cada comunidade. Então aquela reunião, aqueles encontros que nós fazíamos, era de três em três meses. Então foi o que fez a gente conhecer, a gente poder discutir tanto os nossos problemas do Grotão como problemas da Vila Cruzeiro, Parque Proletário, Merendiba e outras c omunidades” ( Ilsa).
Jordeval da Paixão conta que a “política já estava funcionando” e
também que “de qualquer maneira nós tivemos o apoio, por exemplo, do deputado Aloísio Gama, tivemos o apoio da XI Região Administrativa, nós tivemos o apoio de alguns candidatos, por exemplo até mesmo que era candidato à política e trabalhava dentro da Fundação Leão XIII. Então sendo ele um candidato a vereador ou um estadual, enfim o desejo é defender a comunidade. E ntão p or i sso é q ue e u d igo q ue a p olítica j á e stava f uncionando.”
O e ncaminhamento d a l uta p ela t erra t razia t ambém c onflitos.
“(...) O Pastor que era o nosso presidente, o que ele fez? A gente estava
sempre sabendo como é que estava andando o processo porque a Maria Alice conversava com o Padre Rude e ele passava para meu esposo. Ou então ele passava pro meu esposo e a gente passava, fazia aquela reuniãozinha e passava pra comunidade. Só que neste período o que o Pastor fez? A gente não sabe porque a gente só pode dizer que foi quando a gente tem certeza. Mas o que nos deu a parecer foi o seguinte. A Leão XIII, com o Pastor, ela mandou o Pastor tirar o processo da mão da Pastoral de Favela e ela ia se responsabilizar, a Leão XIII, no caso. O que o Pastor fez? Passou um abaixo-‐assinado dentro da comunidade sem cabeçalho, o pessoal naquela época ainda estava leigo, não sabia o que eles queriam. Se dissesse para eles, chegasse e dissesse assim: ‘vocês, olha, vamos passar este abaixo-‐assinado aqui’ para resolver um problema qualquer que fosse da comunidade, o pessoal não media distância.(...). Nesse abaixo-‐assinado, ele bateu um cabeçalho dizendo que a comunidade do Parque Proletário do Grotão não estava satisfeito com o trabalho da Dra. Maria Alice, da Pastoral de Favela. E levou esse abaixo-‐assinado
e entregou lá (...) nessa época o líder, o que liderava a comunidade era meu esposo junto com ele mas nesse período-‐ meu esposo foi vice-‐presidente-‐ meu esposo já tinha saído porque ele tinha algumas coisas que eles discordavam, que o P astor f azia e q ue n ão e stava c erto.” ( Ilsa)
“O que a gente mesmo se pergunta hoje é o seguinte: será que a Leão XIII
não estava junto? Porque o que deu toda a perceber a nós é que a Leão XIII estava do lado dos Armazéns Gerais São Luis porque quando ele foi lá e tirou o processo das mãos da Pastoral de Favelas ele não nos falou nada. Então passou mais ou menos dois meses, a gente não sabia de nada-‐ Ilsa prossegue contando e relembra o dia em que o marido foi “ bater lá na Pastoral de Favelas” e conversou c om a D ra. M aria A lice: -‐ Olha, Régis, eu estou até mal satisfeita com você. _ Por que? _ Por que você não me avisou antes que a comunidade do Grotão não estava satisfeita com meu trabalho? _ Não. Está muito satisfeita. E nós estamos esperando o que você está resolvendo aí. _ Não. Comigo o processo não está há mais de dois meses. _ Não é possível. _Não. Veio um abaixo-‐assinado do Grotão, o Pastor trouxe, que a comunidade do Grotão não estava satisfeita com o meu trabalho.
“O processo estava na responsabilidade da Pastoral de Favelas. O que
tinha que fazer o presidente da Associação? Não tirar o processo da Pastoral. Tirou o processo da Pastoral e levou para a Fundação Leão XIII. Foi quando o processo foi a revelia. A Fundação Leão XIII engavetou o processo. Chegou a época do julgamento, não compareceu ninguém, correu a revelia (...)” ( Pedro Mendonça)
“(...)Em 82. Aí eu estava aqui em casa quando meu cunhado chegou e
disse: _ Ilsa, você não sabe de uma coisa. Nós vamos ser despejados. _ Como que a gente vai ser despejado? _ O jornal o Dia está lá embaixo que o processo já foi, parece, três chamado pra gente apresentar. _ Não. Isso é impossível. _ Não, é possível porque o jornal está lá embaixo e disse que o nosso advogado não compareceu.
“No caso era o Arnaldo da Leão XIII. Aí aquilo eu fiquei louca (...) Aí o que
nós fizemos? A noite, Padre Rude ligou pra Maria Alice e ela confirmou que realmente estava decidido que era pra gente ser despejado. Aí meu esposo chegou, foi na casa do Dr.Fernando pegou duas bocas de alto-‐falante, colocou em cima do carro e colocou na comunidade o que estava ocorrendo. Que se tinha alguém culpado, o único culpado era o presidente, no caso seria o Pastor. Que ele era o culpado, que tinha pegado os documentos... Aí ele falou pra comunidade saber tudo, sabe. Tinha pegado os documentos, tinha pegado um abaixo-‐assinado dentro da comunidade (...) Mas que tudo tinha sido mentira. Eu sei que quando deu nove horas da noite nós nos reunimos, que onde era a Associação, que era onde hoje é a Escola João e Maria. Porque quando diziam: despejar, o que chegava de gente aqui em casa. Porque a gente tanto era de frente da Igreja como Associação.(...) A gente fomos assim como...era os líderes no i nício”.(Ilsa)
“Algumas coisas do Grotão, eu, um dos motivos de eu sair do Grotão é
que alguns moradores não entendem, que não procuravam ajudar a comunidade e tal. Porque a Associação tem uma vantagem muito boa e tem a sua desvantagem. Você luta, cria uma Associação e se acaba, corre átras, procura
apresentar o de melhor, no sentido de ajudar a comunidade mas sempre tem aquele grupinho da oposição que está sempre levantando contra o presidente. Justamente este grupo são os que nada faz pela comunidade (...) Uma das política principal que funcionava lá no Grotão , que a Pastoral de Favela, é o orgão que parece que não tinha assim bom relacionamento com a Fundação Leão XIII porque naquela época existia a Pastoral de Favela e existia a FAFERJ. Então as favelas que eram ligadas à FAFERJ faziam política contra a Fundação, e quem era ligada à Fundação, às vezes encontrava uns colega e diziam: ‘Não, esse daí é da Pastoral. Não tem valor’. E justamente este grupo de lá era ligado à Pastoral de Favela. Para mim tanto faz Pastoral como a Fundação Leão XIII, o problema é q ue v enha f avorecer e a uxiliar a c omunidade.” ( Jordeval d a P aixão)
(...) Quando nós chegamos lá, aí ele já tinha reunido outras pessoas,
inclusive o advogado da Leão XIII, estava o Irineu Guimarães, da FAFERJ, então ele chegou lá e só ele queria falar, com o microfone na mão dizendo que aquilo não passava de uma invenção. Que aquilo era o senhor Reginaldo, junto com o senhor Padre Carlos que estava tentando agitar a comunidade. Aí o povo ficaram sem entender nada (...) Então aquilo foi quando se dividiu. Realmente houve uma divisão: quem era a favor do Pastor ficou lá em cima e quem era a nosso favor desceu. Aí nós ficamos cá em baixo na quadra, eles lá jogaram pedra no Padre e foi aquele ...sabe. E nós dissemos: nós vamos correr átras. Nós não vamos deixar que a comunidade seja posta para fora porque nós não temos para onde i r.(...) ( Ilsa) “Quero o G rotão s enão n ão v oto n ão” 67
“Nos reunimos aqui em casa, começamos a fazer faixas, cartazes, eu
comecei a passar uma lista dentro da comunidade pra comprar biscoito, pra comprar as coisas pra gente ir no outro dia ao Palácio do Prefeito. Nesse período, em 82, nós já estávamos muito bem situados com mais outras
67Palavra
de ordem usada na mobilização dos moradores, no movimento pela terra.
comunidades. Então aí, nós começamos a correr a comunidade, avisando pessoas para dar apoio pra gente, pra mandar gente pra ir junto com a gente para fazer mais volume. Eu, Dr.Fernando e a Irani que era uma amiga minha (...) Mas nós fomos na Merendiba, fomos no Parque Proletário, fomos no Cruzeiro, fomos na Marcílio Dias, fomos em Parada de Lucas, telefonamos para uma comunidade perto de Cascadura, também uma comunidade que a gente estava sempre j unto p or c ausa d a I greja, n é?” ( Ilsa)
“Estar sempre junto por causa da Igreja” ajudava na mobilização de várias
comunidades e movimentos comunitários da Leopoldina, como foi o caso dos integrantes do Movimento Sangue Novo que lutavam pela eletrificação do Parque Proletário e da Vila Cruzeiro no Complexo da Penha. “(...) Quando o Grotão foi ameaçado, a gente foi lá, ajudou a convocar, fomos lá para o Palácio Guanabara. Pegaram a identidade de todo mundo, foi um montão de gente. Fizemos colagem, fizemos uma Assembléia lá na rua mesmo do Grotão.” (Luiza Rocha).
Na Merendiba, comunidade do Complexo da Penha, a presidente não
estava, estava viajando. “Mas a representante dela disse para nós: ‘olha, ela não está mas não se preocupem que se eu não for, eu vou mandar umas pessoas representando a comunidade’. Olha, aquela que mandou menos, mandou 10, 15, 20 pessoas.(...) Aí o Pastor disse que ia conseguir dois ônibus. Colocamos ele na parede: ‘você vai ter que ir com a gente, você vai ter que chamar o advogado e ele vai ter que nos apresentar lá’.(...) Que veio pessoas com carro, com Kombi, conseguimos duas Kombis pela Igreja, conseguimos carro particular mas não dava para levar aquela multidão de gente porque aí a comunidade já estava muito grande. E a gente não era assim dizer: só vai criança. Não, ou: as crianças não vão. Não. A gente levamos adulto, criança, velho, o que pode ir nós levamos.(...) Eu sei que quando nós chegamos em frente ao Palácio...Laranjeiras. Foi do Governo. Ainda não era o Brizola. (...) eles ficaram doidos. Disse que aquele povo todo não ia entrar. (...) Aí entrou meu marido, meu cunhado, o Pastor e mais algumas pessoas (...) Chegando lá disseram que o governo não
estava lá e que alguém ia receber aquela comissão. Mas aí ficou aquele negócio, vai n o s egundo a ndar, v ai n ão s ei o nde e a quilo c omeçou a d emorar ( ...)”.( I lsa)
Enquanto isso, lá fora: “eles exigiram identidade. Então o povo dizia: ‘ora,
nós viemos aqui para reinvindicar nossas moradias. Ninguém lembrou de botar documento no bolso. Alguns lembrou, outro não’.”. Em meio aos moradores estava Aparecida, uma advogada de Caxias, “quer dizer, ela advogada lá, mas aqui n o R io e la n ão s ignifica n ada, ( ...) d isse p ara m im: _ Olha Ilsa, esse povo todo vai entrar porque eu vou fazer eles entrarem. _ Aparecida, cuidado com que você vai fazer. _ Porque se esse povo receber um não pela cara, nós não sabemos o que eles são capaz. Porque o povo está realmente tudo revoltado, enfurecido, sem saber pra onde ir.
Ela meteu a mão no bolso, tirou a identidade, disse pro guarda lá, o
segurança: _ Eu me responsabilizo por esse povo todo que está aqui. E eles vão entrar. _ Você se responsabiliza pelo que vai acontecer? _ Eu me responsabilizo.
Aí abriram os portões e aquele povo tudo entraram. Aqueles gramados
em frente ao Palácio do Governo ficou tomado de tudo.(...) Só que a gente, em baixo, ficamos apavorados porque a gente não sabia o que estava acontecendo lá dentro e não sabia se eles iam dar ordem de despejo realmente pra gente porque não era o Governo do Brizola, era aquele governo que estava aí que a gente não sabia de que lado realmente a gente ia ficar, como a gente ia ficar.(...) Mas aí nós começamos a brigar com o segurança lá embaixo. Porque nós
pegamos água mas eu esqueci de pegar a chave com meu esposo e ficou trancada dentro do carro. Aí nos começamos a dizer pra eles que aquilo não era o certo o que eles estavam fazendo porque ele olhava para ali, que tinha milhões de crianças. E que eles precisavam atender não só as crianças como nós adultos também Dissemos para eles: ‘se vocês não abrirem o bebedor, nós vamos entrar e vamos abrir’. Tinha um grupo de mais ou menos 200 pessoas. Nós marchamos para a porta. Aí quando eles viram que a gente ia entrar, eles disseram: ‘ nào , t udo b em n ão p recisa d isso, t udo b em, a g ente v ai’”.(Ilsa).
Pouco depois, a comissão descia e “falaram para nós que a gente não ia
ser despejado como estava previsto mas que a gente tinha que ver realmente como é que estava andando o processo. Que tinha feito três chamados e que ninguém se apresentou pra nos defender. Tudo bem. Aí eu sei que aquilo acalmou p ra g ente( . ..) ( I lsa)
“(...) Os que estavam sendo julgados eram minoria. A maioria já estava lá
dentro”. E pouco depois “veio a revolução de troca de presidentes, o Jordeval saiu e entrou o Betinho e aí o Betinho também saiu porque aí houve realmente uma nova diretriz, uma possibilidade de despejo com 700 moradores quase na beirinha de sair porque foi julgado novamente e aí foi dado ganho de causa para o patrão. Aí entramos com recurso e a questão por aí caminhou’ (Pedro Mendonça).
“Quando o Brizola entrou, graças a Deus, aí nos tivemos que fazer...Mas
foi uma pequena manifestação, realmente porque aí teve outro problema que a gente ia ser despejado de novo. Nós fomos direto lá. Mas aí a gente já estava com a n ossa A ssociação b em o rganizada.(...)” ( Ilsa)
“Depois do Governo Brizola, em 85, houve uma mobilização dos
empresários porque o Brizola quando entrou, nós solicitamos que ele atuasse em cima disso para acabar com a pressão, então ele decretou a área de utilidade pública. Ele decretando a área de utilidade pública, desapropriou logo a seguir para interesse social. Mas aí ele teria que depositar uma quantia. Ele foi e depositou 982 cruzeiros que hoje é cruzados. Aí a empresa-‐ muito malandra-‐ a
Elecatrone tinha vendido já a área para Armazéns Gerais São Luiz e ele acampou a briga (...) Uma grande firma, achava que o poder capitalista deles ia tirar o pessoal. Aí foi. Conclusão: comprou a briga, comprou os invasores todos e se deram mal. Porque com a desapropriação para o interesse social, Brizola, passamos a brigar com os Armazéns Gerais São Luiz (...) Aí foi desapropriado a terra para interesse social e foi depositado ali 982 cruzados. Com isto eles entraram com ação, não aceitaram, entraram com ação pedindo mais, ou que então o governo tirasse o pessoal que era problema do governo e a aréa que eles queriam, era reintegração de posse(...) Aí chegou o oficial de justiça lá dando ordem de despejo pra gente e a gente tinha um prazo. Mas isto tudo é uma estratégia deles para a gente peitar o governo e o governo dá tudo que eles queiram. O que a gente faz? Ficamos na retaguarda e jogamos o advogado em cima. Nós somos burros mas não somos tanto. Não vamos fazer o jogo dos donos da terra. Vamos lutar por uma causa social.(...) Os advogados, quando eles viram que tinha pressão do povo em cima do governo porque tínhamos 60 dias pra desocupar as terras, aí eles foram e negociaram. Ficou a desapropriação por um milhão, trezentos e tanto. E com isso, nós concluímos o problema da terra, agora em 13 de março de 87 com o governo dando cessão de uso da terra para a comunidade porque não deu para titular a terra. Ia dar título de propriedade mas não deu. Então corremos o risco. Com isso eliminamos o Governo Moreira Franco, ou qualquer outro governo daqui pra frente de mexer com a gente. Porque nós temos a cessão de uso da terra por 10 anos (...)”(Pedro Mendonça)
Uma “ revolução” n a A ssociação
“...O povo (...) é um pessoal sofrido. Não tem condição de comprar um
lote aí fora, do jeito que está a coisa. Então quando cria-‐se uma associação, primeiro ele sabe que tem uma lei que garante ele. Há uma lei que garante ele de acordo com o tempo dentro da comunidade e por intermédio de uma associação de moradores é que o presidente terá condições de recorrer aos
orgão estaduais, recorrer à polícia militar quando for solicitado, recorrer à CEDAE, à Fundação Leão XIII, ao orgão de saúde, recorrer a XI a Região Administrativa.(...) ( Jordeval d a P aixão).
Foi presidindo a Associação de Moradores, que Jordeval da Paixão, estava
na XI a Região Administrativa e lá vendo um bocado de mesa velha, pensou: “eles vão ter que me arrumar uma mesinha daquela porque é para Associação”. Encaminhou um ofício e “imediatamente foi atendido o ofício (...) Agora ele atendeu porque? Ele atendeu porque sabe que dentro daquela comunidade há uma associação registrada. Mas se fosse um grupo de pessoas simplesmente sem u m d ocumento q ue v iesse o utorgado, e le n ão i a a tender a r eivindicação”
“A associação de moradores, ela tem certos momentos, ela se torna a
força da comunidade. A comunidade vê o único recurso, aquela associação, aqueles companheiros que estão naquela diretoria como frente a respeitar essa situação que aí está. Eles ficam muito na retaguarda porque foram um povo muito massacrado pelo regime, a polícia entrou, sentou o cacete, nós tivemos várias a gressões ( ...)” ( Pedro M endonça)
“ (...)Uma associação, de três em três meses, ela tem que prestar contas
com a comunidade. Associação, ela tem de participar dos problemas da comunidade. Ela tem que estar por dentro. Se um barraco cai, se uma pessoa doente, que não tem condições de comprar um remédio, até de levar no médico, eu acho que a associação, ela tem por obrigação...Sabe por que? Por que nós somos sócios dela. Nós pagamos. (...) Junto sim com a comunidade, porque se tem uma associação, ela tem que procurar ter apoio da comunidade, porque não adianta ter uma associação trancada. Porque ele só não vai resolver nada. Porque se ele chega, no caso, se nós precisamos de uma coisa pra comunidade, eles vão lá. Mas só presidente, ele não é atendido”. Assim, é que quando “precisava de pequenos grupos assim de 20, 15 pessoas prá ir lá fazer reivindicações, e ntão a s p essoas i am t ambém” ( Ilsa).
A Associação de Moradores do Grotão foi fundada em 1980 em meio a
luta pela permanência no terreno ocupado e pela construção de um espaço coletivo d e v ida.
O Pastor Jordeval da Paixão, seu primeiro presidente, entrou na
comunidade no início da ocupação. “Ele invadiu mas a família dele, ele não trouxe para cá. Ele só arrumou um pequeno lugar e colocou exatamente este Albertino para morar (...) Aí ele começou com aquela...sabe, que ele era uma pessoa que estava pra apoiar a comunidade. Porque ele dava culto, né? Sempre os cultos dele por aí. Então, a gente no início, percebemos uma boa força de vontade nele. Tá bom. Nós não vamos dizer que ele não nos ajudou. Ajudou sim, deu uma boa ajuda. Só que o que nós achamos que ele errou mais foi nesse período (...) Só que quando a gente viu que a coisa não tava indo bem que a comunidade n ão e stava d esenvolvendo, a í n ós b otamos e le p ra f ora”. ( Ilsa)
“Eu morava no Parque Proletário da Penha, eu continuava a morar no
Parque Proletário da Penha. Eu assumi a presidência porque o estatuto diz assim: ‘Só pode ser presidente morador da comunidade’ mas como eu tinha vamos dizer, o salão de reunião dentro da comunidade e o povo me deu o privilégio de liderar a comunidade mas eu não tinha....Isto foi também um dos motivos que me fez..., porque eu sempre ouvia uma conversinha: ‘mas ele não mora n a c omunidade’. E ntão a g ente v ai f azendo u ma a panhado d essas c oisinhas né? E i sso t udo v ai e ntrando n a m ente”. ( Jordeval d a P aixão).
Há quem se recorde que “ele aqui foi ótimo. Deu encaminhamento prá
água, luz (...) telefone, mais ou menos ele deu, né? O que chegou ao meu conhecimento, né? Que a gente viu o movimento dele. Ele sempre ia à reunião com a gente, nós tivemos ordem de despejo, ele sempre correu átras com nós (...) Porque ele tinha capacidade, né? Prá ir lá embaixo na Secretaria(...) Não sei acho q ue s ó d ava a mor”. ( D.Antônia).
E há também aqueles que se lembram que “(...) o Jordeval, os moradores
não ficaram muito satisfeitos com determinadas posições dele e ele chegou e passou a Associação de Moradores a frente. Convocou as eleições, né? Ele era
pastor, continuava a vida bíblica dele e não queria mais nada com a Associação de Moradores”. Veio então a “revolução de troca de presidentes, o Jordeval saiu e e ntrou o B etinho”.(Pedro M endonça)
“No Grotão, eu fui presidente inicial e fui reeleito. Logo que eu fui
reeleito, imediatamente eu passei o meu cargo pra outro mas nesse período eu já me sentia assim um pouco aborrecido e tal e não quis ficar no Grotão”(Jordeval d a P aixão)
“Então nesse período que foi pra ele sair, meu esposo ficou 45 dias na
Associação, no caso, presidente interino, né? Nesses 45 dias, meu esposo fez pedido de asfalto, meu esposo deixou projeto dessa grande caixa d’água que nós temos hoje, e outras coisas, reivindicações que tinha feito (...) O governo era o Brizola mas nesse período a gente já tinha, sabe, já tinha a luz da Light que a gente tinha conseguido; nós com a Igreja conseguimos um posto médico. Aquele posto médico que tem ali embaixo. Fomos nós, briga nossa. O Padre comprou um comodozinho e nós construimos aquilo ali. Aquela aparelhagem toda que tem a li d entro f omos n ós q ue c onseguimos ( ...)”(Ilsa)
“O problema é o orgão que venha favorecer e esse grupozinho e tal,
sempre da oposição e que nada fazia e que nunca se preocupou. Por sinal, um deles achou por bem formar uma chapa vindo de presidente e foi uma derrota porque e le n ão g anhou n ada” ( Jordeval P aixão)
“(...) a gente tinha conseguido derrubar o pastor pra colocar meu esposo.
Só que aí ele não ganhou. Aí ganhou o Albertino que foi um que o Pastor apresentou (...) Ele tinha direito de apresentar uma chapa, no caso, colocar alguém. E esse Albertino também não morava na comunidade. Ele trouxe de lá (...) Aí o Albertino ficou. Mas só que o Albertino apresentava e ele que dava todas as dicas. Manipulado, quer dizer. Era Albertino. Maria Garcia e ele, por trás, dando todas as dicas. A gente achou que não estava bem, não está bem, a comunidade n ão e stá a ndando, a g ente p recisa d e m uita c oisa ( ...). ( Ilsa)
“(...)Houve eleições, entrou o Betinho, porque na época que o Jordeval
era o presidente, a Dona Maria Garcia era a secretária dele. Aí veio o Betinho,
candidatou-‐se, ganhou as eleições com a Dona Maria Garcia secretária dele e começou o trabalho(...)E o Betinho, ele foi muito infeliz. Ficou seis meses, a comunidade ficou contra ele porque teve ordem de despejo e ele não teve o cuidado de brigar pela comunidade e nós fizemos um risco muito grande de ser removido. Um dia que a gente acordou, a Rede Globo estava lá, com a polícia e tudo, televisão e oficial de justiça para remanejar a favela (...).(Pedro Mendonça).
“O Albertino ficou...eu acho que ele não ficou um ano. Nós derrubamos.
Quando nós derrubamos, aí entrou o Pedro. O Pedro ficou o mandato todo. (...) (Ilsa)
Pedro Mendonça já havia trabalhado na Gilete do Brasil e passado pelo
Sindicato dos Metalúrgicos. N a V ila P roletária d a P enha, o nde m orava a ntes d e i r para o Grotão em 80, “já existia Associação de Moradores e aquela disputa de poder entre as associações porque lá tinha comissão de luz, era fora de série. Eu achava horrível aquela briga dos companheiros favelados, todos pobrezinhos, brigando um com o outro pelo poder que não tinha significativo nenhum. Eu sempre me mantive a distância, procurando participar do sindicato e acompanhando a política partidária, e ainda não tinha entrado na política partidária porque meu conhecimento no Rio de Janeiro era muito pouco”. No Grotão, “eu fiquei morando lá e tinha os presidentes da Associação, na época era o Jordeval Paixão e o apoio da Igreja-‐ padre Carlos-‐ , o Regis, aquela liderança mais avançada ali, dando total apoio aquela comunidade. Eu fiquei distante, deixando eles trabalhar e tudo porque envolvia até então um movimento c omunitário”.
“(...) Devido àquela minha agilidade -‐ a prática do movimento sindical,
né?, e a gente aprende muito, eu tinha feito a campanha política, também partidária, aí conclusão: eles despertaram a atenção que eu tinha que ser o presidente d a A ssociação a li. _ Não. Gente. Eu não quero saber.
_ Não. Você vai sim.
E começaram a fazer pressão e formamos uma diretoria com o apoio dos
reais fundadores que era o Regis, Padre Carlos e o próprio companheiro Antônio Pedro que foram presidente da comunidade. Fizemos eleições. Fizemos duas, Jorge e outros companheiros que chegaram primeiro na comunidade. Aí corre as eleições, eu fui muito bem votado e teve duas chapas e comecei o trabalho comunitário c om o a poio d estes c ompanheiros.”( P edro M endonça)
“O Pedro Mendonça era uma cara revolucionário, não era do PT, era do
PDT mas era um cara que brigava, que tinha esta compreensão de todo mundo junto.(...) Nós apoiamos e fizemos campanha para ele. Eu apoiei ele. Eu era da Pastoral, e le t ambém e ra. E ra u m c ara q ue v inha c om o n ovo”. ( L uiza R ocha)
E aí “(...) chegou o Governo Brizola que fez aquela abertura e ficou tudo
mais fácil pra gente fazer o trabalho porque até então nós não tínhamos água, água era precária, não tínhamos rede de esgoto, não tinha escolas comunitárias, o posto médico estava construindo uma parte mas não estava funcionando, não tinha iluminação pública, a associação era um quartozinho e aí nós começamos o trabalho. “ ( P edro M endonça)
“(...) Porque depois que o Pedro entrou nem falar quase ele falava. Então,
toda a reunião que ele tinha que ir, toda reivindicação que ele tinha que fazer, ele tinha primeiro que vir aqui em casa. Porque neste período que meu esposo estava, pela primeira vez entrou o Prefeito que estava aí, que naquela época tinha sido o Maurício Azedo que tinha ficado lá num período de 45 dias ou três meses, parece. Então Maurício foi vir aqui pela primeira vez. Nós mostramos a comunidade, andamos a comunidade toda com ele. E aí ficou naquela luta, né? Aí os projetos, meu esposo dizia, quando não ia junto com ele: ‘Olha, você vai a secretaria tal, você vai a tal lugar, você vai pra Câmara Municipal, você procura o M aurício A zedo, v ocê p rocura f ulano, v ocê p rocura b eltrano’.”( I lsa)
“Na época, o presidente da Câmara Municipal era o vereador Maurício
Azedo e que estava como Prefeito interino por sessenta dias. Nós solicitamos a presença dele porque existia na comunidade casos graves de meningite e hepatite. E com isso ele veio e se comoveu com a nossa situação e levou o problema para o Prefeito Jamil Adad que logo em seguida assumiu. O Jamil Adad nos visitou e constatou as irregularidades, fator confirmados, através de atestados médicos -‐ os casos de meningite e hepatite-‐ e colocou o Grotão em plano de emergência. Aí começamos um trabalho, se deslocou para a Secretaria de Desenvolvimento Social, Secretaria de Obras e de Desenvolvimento Social, todas as áreas de favelas. (...) Com isso começamos a eliminar as valas negras e providenciar melhoras no sistema de água e pavimentar as ruas, e contenção de encostas porque quando chovia havia deslizamento de terra, inclusive houve casos f atais d e m orrerem d uas c rianças.”( P edro M endonça).
“(...) Aí foi o Pedro que entrou, aí foi quando a CEDAE entrou. Mas mesmo
assim foi uma luta muito grande também pra gente conseguir a água da CEDAE, sabe. P orque v ai, a í c hegava l á n ão c onseguia m uita c oisa, a quela l uta”.(Ilsa).
Pedro Mendonça relembra que quando entrou “era um período de três
meses que estava faltando água na comunidade. E aí foi uma luta travada porque eu pretendia desativar uma caixa que nós tínhamos em baixo, na rua Bom Pastor que era uma caixa que inclusive tinha filtrado de esgoto, mas não podia fazer nada, a comunidade tinha que beber aquela água porque não tinha outra água (...) Lutamos. Já que eu fui convidado, logo no início do governo Brizola, em 83 para discutir a implantação, o seminário de implantação do Program Proface. (...) Nós tínhamos um projeto de no pico do morro nós fazermos uma caixa d’água que atendesse não só nós, porque nós não queríamos as coisas só para nós não. Nós queríamos para os companheiros que estavam aí sofrendo. As outras comunidades. No pico do morro, se fizesse uma caixa d’água para três comunidades: Grotão, Sereno e Caracol. Foram três dias de Seminário e no final chegamos a nossos objetivos concretizados. Nossas propostas passaram, inclusive no Seminário, já foi aprovado que o Grotão seria
uma das primeiras comunidades a entrar no programa e que a caixa d’água seria construída para as três comunidades. (...) Posterior, demorou cinco meses, eles começaram realmente a fazer o trabalho na comunidade.(...) Você vê, hoje nós temos o sistema de rede de água da comunidade que é uma beleza porque está a caixa d’água no pico do morro, atendendo às três comunidades. (Pedro Mendonça).
Foi neste período também que “logo no início do Governo Brizola, nós
solicitamos para que nós avançassemos na eliminação de vala negra, que ele desse o material que nós daríamos a mão-‐de-‐obra gratuita. Gratuita. Então, o que que fazia? Ele dava a assistência técnica, juntamente com a FEEMA -‐ nós trabalhamos, muito assim com a assistência técnica e material -‐ e nós dava a mão-‐de-‐obra. Então, sábado e domingo se tornava uma festa. Nós fazíamos aquele angú à baiana, pedia alimento nas Casas Sendas, Casas da Banha, naqueles comércios e eles davam. Sempre deram, né? E a gente fazia aquele mutirão e no final a gente...só dava uma coisa bebida (...) Então era uma festa.”( Pedro M endonça).
Mas a eliminação das valas negras há alguns problemas pois “(...) essa
vala, pra gente... porque a gente colocamos as tampas mas não é o certo. Porque o certo seriam os esgotos, né? As manilhas tampadas. Essa vala quando chove...No caso, passa um mês sem chover, né? Só o sol quente. Naquele período é um mau cheiro tão grande mas tão grande que se a gente tem visita, a gente às vezes fica até com vergonha, pede desculpa por causa do mau cheiro. E quando passa esse período sem chover, quando chove, é a mesma coisa. Você arranca, tira essas tampas dela...Porque isso foi a gente, a comunidade. Aliás o material veio do governo, da secretaria, né? E a comunidade fez. Cada um pra tampar a sua porta. Mas se você olha bem dentro dessa vala, se você abrir uma tampa desses, é tanto bicho, tanto do bicho que tem dentro desta vala! De fazer nojo. E não m e d iz u ma c oisa? D e o nde v em a d oença?” ( Ilsa)
No combate a esta doença, Pedro Mendonça coloca que “se tem um
programa de saúde, tem primeiro que atacar as valas negras porque veja bem,
posterior, você tem que ter o posto de saúde, porque se você tem o posto de saúde e não eliminar as valas negras, não adianta você ter um posto de saúde dentro da comunidade. Em seguida a escola comunitária (...). Com isso, nós demos prioridade a eliminação das valas negras, posto médico e posterior escola comunitária”.
“Nós temos médico, inclusive o posto de saúde odontológico da
comunidade, o mini-‐posto (...) Conseguimos o aparelho odontológico para a comunidade pra que nós dessemos o atendimento à criança, de saúde clínica e odontológica. Porque se já eliminamos as valas negras, nós tínhamos condições de fazer uma trabalho de saúde na comunidade (...) Nós fomos, eu até digo aqui que nós somos privilegiados. São poucas comunidades que têm um posto como o n osso.” ( P edro M endonça)
“Porque o nosso posto aqui, no caso, quando atende, ele não atende só
nós aqui. Atende Caracol, atende gente que vem do outro lado, sabe. Então nós temos um posto médico que nossa área deveria ter mais... tem tudo pra ser bem atendido. Porque você vê bem, se nós tivéssemos médico pra vir atuar no nosso posto médico seria bem melhor. Porque a gente não precisava ir a INPS. Não. Porque você vê. Nós temos três, quatro pessoas que trabalha no posto médico, que são pagos pela secretaria, né. (...) Agora eu não sei como é que está este material mas a gente tinha material de olhar garganta, tinha aparelho ginecológico, aqueles aparelhos descartável, muito medicamento...Porque naquela época, o IAPETEC, nós tínhamos um bom conhecimento lá dentro(...) (Ilsa)
Foi no período que Pedro Mendonça esteve na presidência da Associação
que também se conseguiu implantar um projeto de geração de renda na comunidade “que gera recursos na própria comunidade. Isto foi conseguido através da Secretaria de Desenvolvimento Social também. Conseguimos espaço, máquina, t udo, o p essoal l á t rabalhando, e stá l á” ( P edro M endonça).
“A minha luta teve praticamente tudo. Teve pavimentação, contenção de
encostas-‐ onde morreu criança devido a deslizamento de barraco -‐ a caixa
d’água no pico do morro, posto médico clínico odontológico. Mas a minha maior luta, o meu prazer, é todo dia eu acordar, morando em frente aquela escola comunitária e ver aquelas criancinhas subindo aquela escada e estarem lá dentro, t endo u ma a ssistência.” ( P edro M endonça).
Pedro Mendonça relembra que ainda no início de seu mandato, “em
noventa dias, três meses. nós discutimos e implantamos o projeto de educação comunitária na comunidade. Foi um problema difícil porque até então não tínhamos espaço mas aí solicitamos através dos contatos que fizemos. Fizemos contato com uma chilena, a Carmem Barra, que foi vítima do regime Pinochet e que se asilou na Suécia. Com isso, ela veio fazer um trabalho com a Igreja Sueca no Rio de Janeiro, chegando aqui através do Nelson Mauro, assessor do Maurício Azedo. (...) Ela trouxe os suecos para visitarem a comunidade e eles acharam que realmente nós teríamos que ter um espaço para aquela crianças que estavam jogadas nas ruas mesmo que não atendesse a todas, pelo menos ir tirando as crianças das ruas. E nos cedeu verba para que nós comprássemos o prédio que era do antigo presidente, o Pastor Jordeval. Isso foi feito e logo a seguir nós repassamos este prédio, já em condições de funcionamento para a Secretaria de Desenvolvimento Social para que ela assumisse o espaço porque nos m obilizamos a través d e t odas a s i nstituições. C onseguimos d oações i nclusive com o D ER 68 q ue f oi q uem d oou o s m óveis d a e scola”.
“Você veja como é importante a comunidade, como um projeto desperta
a atenção da comunidade. Nós implantamos a escola comunitária em três meses e com isso a comunidade não teve uma vontade de participar da educação da criança. Fazer um trabalho com a criança. Mas quando eles viram que estava sendo remunerado, porque até então nós tentamos conseguir na comunidade pessoas para fazer um trabalho com a criança e nós não encontramos porque a comunidade é pequena e porque o nível de educação é muito baixo -‐ é aquele que a direita gosta, que não passa do primeiro grau. Aí nos tivemos que apanhar esses recursos humanos da Vila Proletária da Penha porque é uma comunidade 68Departamento
de Estrada e Rodagens.
maior. Trouxemos 13 professores para a escola comunitária. Quando eles começaram a fazer o trabalho, a comunidade começou a despertar porque inclusive eles estavam ganhando um bom salário, né? Aí despertou o interesse dessas companheiras, inclusive até Dona Maria Garcia estava no meio, de participar do processo. E solicitaram através da Assembléia que queriam ser agentes de saúde, agente de escola comunitária e participar do processo. Isso causou até um problema porque a gente teve que afastar esse pessoal que não era da comunidade para dar espaço pra eles que eram da comunidade que estavam reivindicando seu espaço. E aí esse pessoal foi afastado e ficaram a disposição da Secretaria de Desenvolvimento Social (...) Aí a comunidade assumiu o seu espaço E com isso D.Maria Garcia se enquadrou no nosso trabalho(...)assumiu a escola, como agente, e a geração de renda.(Pedro Mendonça)
“Dona Maria Garcia. ela reingressou na associação porque eu sempre tive
uma política de trabalhar com todas as pessoas. Comigo não tem oposição. Todos que querem trabalhar, vamos trabalhar juntos. E Dona Maria Garcia, apesar de ter participado de duas diretorias que não tiveram muito êxito na comunidade, não tiveram conquista na comunidade, ela foi uma pessoa muito atuante (...) Então eu vi na Dona Maria Garcia uma pessoa que poderia estar junto de nós, e convidei D.Maria Garcia, depois de dois anos e meio de mandato, a participar da diretoria com a gente. E aí ela achou que desde que nós aceitasse, ela vinha ajudar a participar da luta. E com isso eu tinha até um problema na minha diretoria porque houve um racha, racha. Alguma pessoas não concordaram por ela ter passado por duas diretorias e participar de nosso trabalho. Aí eu cheguei a ver que não tinha nada a ver porque ela é uma pessoa da comunidade e como pessoa da comunidade, tem direito a participar da diretoria da associação. E teve lá alguns companheiros, igual ao companheiro Reginaldo que disse que a partir do momento em que ela ingressasse na diretoria eles se afastariam. Aí eu não fui radical mas eu gostei de manter a posição e disse: ‘Bom, então companheiros se vocês não querem continuar participando na luta, a Dona Maria Garcia vai ser reintegrada à Associação de
Moradores através de nossa diretoria. E vocês, na hora que vocês quiserem, está aí a c omunidade a berta”. ( Pedro M endonça)
“(...) Porque o Pedro, no início, ele conseguiu ser um bom presidente.
Depois é que ele conseguiu ser manipulado, não sei por quem e por que não.(...) Olha, antes a gente estava assim coligado; meu marido não fazendo parte de nada, mas dando as dicas, como é que tinha que fazer aquela coisa toda. Mas aí, quando a gente viu que ele não estava dando apoio que a comunidade merecia e merece, aí a gente realmente se desligou. Nós não queremos mais saber de nada, não queremos mais saber de associação. Se é desse jeito, então você vai agir d o s eu j eito”(Ilsa)
“(...) Eu vivia na Pastoral de Favelas que acompanhava o Grotão, aí você
sabia o que estava acontecendo. Teve um dia numa reunião na Pastoral e eu falei com o Pedro. Porque o Brizola veio, seduz ele com uma proposta..., Conselho Comunidade, não é esse o nome, não. O nome foi Marcelo Alencar quem deu mas tinha um nome que o Brizola deu. Ai o Pedro Mendonça... (...) É assim que começa, sabe como que é? Antigamente, o Movimento era assim...Porque a gente não ia falar..., não ia um, a gente não ia para o Palácio para reunir com o gabinete. Iam cinquenta e subiam três, subia a comissão. Então tinha sempre um movimento muito vivo ali, sempre presente. Com o Brizola, isso vai acabar. (...)Então, o presidente, como ele não tem voto deliberativo, quer dizer ele é um voto consultivo...O Governo tem a grana. Ele tem até uma fala. Mas vai implementar o que o governo quiser. Aí tudo mudou. Então assim, querer reivindicar um orelhão, uma linha direta que a gente queria, um orelhão que recebe chamada. Aí eu falei para o Pedro Mendonça:’O que que você fez? Você foi lá. Conseguiu o orelhão, né? Você conseguiu o orelhão. Sabe o que você fez? Você abortou o movimento organizado. Abortou, entendeu?. Está s endo c ortado e t al’(...)” ( L uisa R ocha)
“Ele se ligou muito à política externa e deixou a interna correr. (...) A
política e xterna e stá s empre n o p é d e a lguns l á, d e u m d eputado, d o g overno, d e seja lá quem for. E ele não se preocupa. Então muitas e muitas vezes eu cansei
de ver pessoas chegavam na associação: ‘Cadê o presidente?’. Não tem o presidente. Chegava aqui em casa...Mas aqui não é a associação. A associação é lá embaixo. ‘Mas seu Pedro, eu queria que você me desse uma orientação não sei d e q ue, o b arraco, s ei l á, a l uz...’’’( I lsa)
“Eu fui a verdadeira oposição número um ao Irineu Guimarães porque eu
queria mudanças. Porque a Federação 69, a gente achava que ela era atrelada a isso, aquilo outro. Não fazia nada. As pessoas até pensavam que eu brigava por poder mas a minha posição não é poder. Essa posição que tenho nas reuniões, eu tenho dentro da CTC 70, tenho em todos os setores mas não é o poder. É participação em qualquer coisa antes. E o pessoal da federação acharam que eu queria ser presidente da federação, por isso é que eu tinha que aparecer em tudo. Veio a eleição, me convidaram e eu não quiz. Eu disse: ‘Olha, vocês vão, vocês são um grupo que tem proposta e que querem participar e eu deixo vaga pra v ocês. E u c ontinuo n a m inha a ssociação e v ocês f azem o t rabalho a vançar”.
“(...)Ele passou a não ter um contato com a comunidade. Passou quase a
não fazer reunião, não tinha mais ajuste de conta, sabe? Estava uma coisa ao Deus dará. (...) Realmente chegou a um ponto que ele se trancou pra comunidade. Aí foi quando veio uma luta e aí teve uma eleição e ele se reelegeu de novo e ganhou! Tornou a ganhar e ficou. Só que depois ele disse que não queria m ais ( ...) f oi q uando a M aria G arcia g anhou.”( I lsa)
Pedro Mendonça avalia que “(...)como eu vi que tinha pessoas que tinham
condições de vir reforçar o trabalho, vem através da associação e eu fico, por trás fortalecendo. Com isso, eu antecipei as eleições porque eu além de participar do movimento comunitário, eu participo do movimento sindical e do movimento p artidário. ( ...)”
“A Dona Maria Garcia assumiu a escola comunitária, como agente, e a
geração de renda. E aí eu vendo a necessidade de passar a associação porque eu 69Pedro
Mendonça se refere aqui a FAFERJ - Federaçào de Associação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro. 70Companhia de Transportes Coletivos onde Pedro Mendonça, por ocasião da entrevista, trabalhava como inspetor de operação.
tenho muitas responsabilidades, ela foi uma das candidatas e concorreu as eleições. Está trabalhando nos projetos e é presidente da Associação”. (Pedro Mendonça).
Ela “(...) está dedicando muito à comunidade porque ela sabe que nós
pegamos muito no pé dela quando ela estava junto com o pastor Jorge. Tem algumas coisas realmente, que isso eu falei pro meu esposo, tem algumas coisas que eu tenho que colocar para ela. Será que ela vai ser uma boa presidenta? Porque quando ela trabalhou junto com o Pastor, eu não sei se era por causa dele, mas ela não foi uma..., sabe uma boa representante da comunidade. Então, o que digo é o seguinte: eu pago as minhas mensalidades mas no dia da assembléia geral eu quero todo o ajuste de contas e eu quero saber em que aquele dinheiro foi colocado. Serviu pra que? Pra comprar o que? Onde é que ele está? Onde é que deixou de estar?. Isso eu sou muito radicalista nesse ponto de v ista”.( I lsa)
Enquanto isso “estou fazendo o trabalho comunitário como morador,
estou dentro da empresa fazendo um trabalho de prevenção de acidentes na CIPS porque eu acho que a gente tem que fortalecer tanto no movimento dentro das comunidades como na fábricas porque nas fábricas também tem o pessoal das comunidades”. “Eu acho que todo presidente que sai da associação de moradores ele tem que ficar dando o apoio e fazendo o seu trabalho comunitário”.(Pedro M endonça)
Enfrentando o s “ Muros d e B erlim”
Falando sobre as discriminações sofridas pelos favelados, Pedro
Mendonça observa que “acham que o favelado é um bicho que não tem direito a nada”. E aí o embate é mais direto com “as autoridades do governo. Ela é a principal. As autoridades do governo é o Muro de Berlim para as associações, para a s c omunidades d a f avela.”
Mas havia quem achasse que“(...) o relacionamento do presidente com o
governo é muito bom. Agora depende do presidente porque não só fica na alimentação e no leite porque não é só comida que resolve problema da comunidade. O governo está disposto a atender qualquer tipo de reivindicação das comunidades. Agora depende do presidente solicitar, recorrer e principalmente manter bom relacionamento dentro da comunidade e exigir por no mesmo momento ele envia um ofício para o governo em prol da comunidade, ele também não pode ficar sentado dentro de quatro paredes, esperando que o governo mande, vamos dizer, designe pessoas de cada setor, de cada departamento para encontrar o presidente porque não há condições.” (Jordeval da P aixão).
“(...) Porque algumas coisas chegam ao conhecimento do governo, né? E
outras já não chegam. Porque inclusive eu não posso ir lá porque se eu pudesse até que eu gostaria de chegar perto dele e conversar a respeito da situação minha, que a vida não é fácil aqui dentro, e a respeito dos moradores, dos meus vizinhos, né? (...)Reunir um bocado de moradores e ir a ele, né? Conversar com ele e v er o q ue e le p ode f azer, n é?” ( D.Antônia)
Fazendo um retrospecto foi “no regime militar, mesmo sem eu ter a
pretensão de associação de moradores, nas convocações que a associação fazia para ir às secretarias de governo, inclusive na época do Julio Coutinho -‐ que nós tivemos grande problema com Julio Coutinho -‐ era horrível! Eles não aceitavam as comunidades. Você chegava lá naquelas secretarias era um nojo para eles. Eles tinham ódio. Tanto é que nós não avançamos. Nós não tivemos benfeitorias e a maior parte das comunidades, ou seja todas elas. Só a Rocinha que teve benfeitoria no governo do Júlio. Esses programas de favela só passaram a ser atendidos n o g overno B rizola. N o G overno B rizola, e le t em u ma v isão s ocial, u ma causa social. Tanto é que ele deu prioridade às comunidades carentes”. ( Pedro Mendonça)
“ Tivemos uma ordem despejo aí que não foi brincadeira, nós vimos a
hora de ser despejados.Se nós estamos aqui, agradeço ao Governador Brizola. E
ao Saturnino, né? Que depois que ele está no poder, ele veio aqui, sempre, está cooperando com nós. E todos eles da Secretaria, Câmara dos Deputados. Os deputados de lá, nós devemos um grande favor a eles, né? E se eu estou aqui, meus v izinhos e o s m oradores, a gradeço a e les”. ( D. A ntônia)
Dá até para reconhecer que “ele falhou em algumas coisas, muitas coisas
ele falhou. Também eu acho que a gente tem que ver um pouco que o Brizola não teve o apoio do governo federal. De maneira nenhuma. Nós sabemos disso porque nós tivemos em várias reuniões junto com ele. Aquela Câmara Municipal, a gente virava ela de um lado de outro. A gente conseguia entrar e tudo. A hora que a gente queria a gente entrava, tinha reunião, a gente falava com Maurício Azedo, falava com Nelson Lopes, as secretarias também.(...) Então a gente conseguiu um espaço muito bom. No Governo Brizola realmente foi quando nós conseguimos o q ue n ós t emos h oje n a c omunidade”.(Ilsa)
Mas no Movimento Popular na Leopoldina há quem relembre que “foi a
época do primeiro governo do Brizola e era um pessoal com uma postura assim: o Brizola passou a ser o assistencialista. Passou a ser não. Ele começou a tratar as comunidades faveladas, as comunidades mais carentes com um paternalismo fora do comum. Tinha aquele tal de Maurício Azedo que na época era presidente da Câmara Municipal que deixava as portas abertas, né? O pessoal chegava lá e ele, tipo assim: olha, tudo bem, não se preocupa não porque nós vamos fazer. Quer dizer mudou o foco da história. Por que? Porque nós estávamos o tempo inteiro falando da importância do fazer. A importância do ser o sujeito da própria história deles. A importância deles estarem atuando e brigando pelas coisas que eles achavam que eram importantes para eles, que eram conquistas que seriam muito melhor saboreadas. Aí quando chegou o governo do Brizola, ele começou a cooptar, né? Tipo assim: “ah não, não precisa ir não, já falou com Maurício A zedo e e le f alou q ue v ai p rovidenciar”. ( Josélia A lves)
O que se vê também é que “de governo, de constituinte nova nós não
temos nada. Você sabe por que? Porque os que estão lá são os mesmos de antigamente. (...)“(...) Realmente eu acho que o Governo Federal, ele não se
preocupa com os problemas de comunidade. Favela. Eu acho que não (...) Eu acho que é onde ele teria que começar a se preocupar porque são comunidades também já trazendo do norte e nordeste. São um pessoal sofrido (...) Diz que vão fazer aí. pro lado da Paraíba, eu não sei qual o lugar, uma construção muito grande pra que dê área de trabalho pro povo trabalhar. Só que eu acho que pra área do norte e nordeste, ele está ajudando muito pouco. Porque eu tive no Maranhão, que é a área, é o lugar dele, é área que ele consegue manipular, eu vou lhe dizer uma coisa: se você for fazer um trabalho, você viajar, se você fosse viajar pro lado do norte, nordeste, Maranhão, você só não consegue viver chorando d ireto s e v ocê c osturar o o lho”( I lsa)
“Infelizmente é como eu acabei de falar: é política. O político, ele não faz
nada sem interesse. O político quando ele chega a mandar simplesmente, ou seja-‐ porque ele não manda nada. Ele faz um pedido ao orgão do Estado, quando chega a dar um jeito, a urbanizar uma rua, aquilo é porque há um interesse político”.(Jordeval d a P aixão)
“E o governo não abre as portas, muitos deles, a maioria não quer que a
comunidade trabalhe lado a lado com ele, que eu acho uma injustiça porque quando eles abrem as eleições deles, pra se elegerem, eles sabem procurar todas as comunidades. Nessa comunidade aqui, eu vou lhe dizer uma coisa, teve uma época que eu falei: ‘a nossa comunidade está servindo de curral de campanha eleitoral. Porque eu não me interessava se eu estava apoiando PDT ou PMDB, não apoiei. Realmente apoiei o PDT. Não interessa se Darcy fosse PDT, PMDB, P T, P C d o B , q ue a qui e m c asa, b aixou t udo, s abe? M as e u d izia p ara e les: _ Não adianta vocês nos procurarem, a favela, as comunidades porque vocês só procuram na época que vocês precisam. Porque vocês precisam é se eleger. Porque depois que vocês estão lá em cima, vocês esquecem que a comunidade, a favela, o povo pobre existe. Por que? Se vocês ganham...Vocês sabem que o rico é minoria. O pobre é maioria. Então se vocês ganham..., não é o rico que faz vocês lá no poder, não. É o pobre.
Vocês só procuram o pobre quando vocês estão precisando (...) Por que vocês não dão atenção? Ou por que vocês não recebem? Pra gente chegar e conseguir marcar reunião com um deputado você tem que ligar umas 20 ou 30 vêzes para chegar lá, pra falar com um assessor, com uma segunda pessoa, com a terceira, com a quarta, com a quinta, 10, 20, 30 vezes? Por que? Nós somos ser humano igual a vocês.
Isso e u f alei p rá m uitos d eles a qui n a p orta”.(Ilsa)
“(...) Nesse novo governo, com a Rede Globo, estão dizendo que não
compensa fazer obras de contenção de encostas em favelas. É preferível remanejar. Você vê a posição dos caras hoje. (...)” Mas o que faz que estes caras pensem assim? “Olha, o que faz é que realmente essas elites, esses de direita e essa burguesia que aí está, eles pensam assim porque eles querem que o povo seja sempre massa de manobra deles. Porque na época das eleições eles vem lá, botam uma biquinha d’água e nós diga que eles são deuses. Isso é o regime Chagas Freitas. Isso é o regime de Moreira Franco que aí está.” (Pedro Mendonça)
“Porque você vê que agora, neste governo que mudou, muita coisa
acabou. Secretaria disso, secretaria daquilo, acabou umas duas ou três secretaria. Então, o que a gente tem medo é que essa secretaria, no caso que toma conta dessa área de escola comunitária, venha a acabar também. Porque para n ós a qui é u ma b oa(...)”. ( I lsa)
“(...) O que eu considero mais importante é a moradia. Por que você vê,
eu não sei agora com esse novo governo. Porque o Brizola, antes dele sair, ele nos comprou essa terra e deixou o título de propriedade para nós. Só que agora nós mesmo se preocupamos. Nós mesmo se perguntamos: ‘Será que o governo que a í e stá v ai n os e ntregar?’”. ( Ilsa)
“E nesse governo agora nós tínhamos a reivindicação de um CIEP no final
da Rua do Cajá com rua Aimorés, a própria pedreira -‐ Mineração Nossa Senhora da Penha -‐ botou a disposição a área. Disse que se nós quisessemos construir o
CIEP lá, com o Estado, eles doariam a área para uma área de lazer ou construção de uma escola. Eles agora o que fizeram? Além de não construir as obras do projeto da Vila Proletária da Penha, três CIEPS que tem -‐ um na Vila Proletária, um na Cascatinha e outro na Penha, ali perto do Largo da Penha-‐ , eles nem citam mais, não querem nem discutir nosso projeto que era na Rua do Cajá. O que eles acham? Eles não querem que nós estude, que nós seja inteligente. Eles querem q ue o m áximo q ue n ós t enha é p rimeiro g rau e n ada m ais. P orque s e n ós somos anafalbetos, nós somos inconscientes e somos inconsequentes. Eles acham isso. Eles se enganam porque eu sou um cara que não tenho o segundo grau mas não tenho inveja da pessoas que tem científico porque eu acho que você tem que ter inteligência.você tem que ter uma visão política no geral. Não precisa de estudo para ter uma visão política no geral. E isso eu tive a faculdade de t er e e u t enho a vançado m uito e m m inhas l utas”.(Pedro M endonça)
“(...)Um Governo que se diz socialista, o governo municipal Saturnino
Braga, na defesa que nós estamos da fábrica de escolas -‐ que não é realmente uma fábrica de escolas, é uma fábrica de equipamentos urbanos (...)-‐ ele desrespeitou 17 associações de moradores que estavam apoiando a concentração da fábrica de escolas e disse para todos, descaradamente que as associações de moradores são oportunistas e que eles não podem estar dando muita trela às associações de moradores, nem de bairro, nem favela E você vê que eles criaram o Conselho Governo -‐ Comunidade, e se falam em torno de comunidades, e com uma postura dessas perante 17 associações de moradores. (...)Se o Conselho Governo-‐Comunidade fosse uma coisa discutida pelas bases, pelas comunidades, seria uma ótima. Mas a partir do momento que você recebe um decreto autoritário que é um verdadeiro entulho e joga dentro da comunidade, e ele tem que aceitar, se torna uma droga. Tanto é que aí está, sem representatividade nenhuma das comunidades, comunidade nenhuma consegui nada até hoje desse Conselho Governo Comunidade. Isso é só para dividir. Eles botam favelados brigando com favelados. Isso é uma estratégia da direita, isso é estratégia do sistema: botar o trabalhador brigando com o trabalhador porque enquanto i sso e les e stão a vançando” ( P edro M endonça).
“(...) Eu acho que cabe ao governo conversar com a gente, saber o que a
gente quer. Não é implantar uma coisa, dizer: ‘não, isso aí feito, e não discutir’. Tanto faz ser na comunidade, como na área de saúde, como na área de educação, em qualquer outro setor. Eu acho que cabe ele chegar , conversar, colocar o plano e a gente tentar discutir pra saber se aquele plano é bom ou não. Porque assim, no caso como é, é igual num quartel-‐general. O general dá as ordens e o s s oldados e xecutam. E ntão, e u a cho q ue n ão é p or a í”. ( Ilsa)
Porque a comunidade tem noção do que ela quer. Assim, Ilsa lembra a
implantação do sistema de esgoto quando “(...) a Marilca trabalhava com Maurício Azedo e o Nelson Lontra. Então, ela estava sempre aqui na nossa comunidade, sabe, nos dando apoio, aquela coisa toda, aquela luta, sabe (...) Nós temos esta rua calçada. a Santa Luzia, até aqui na pracinha. Mas você vê, da pracinha prá cá nada é calçado. Essa vala que fizeram pra nós, isso foi o serviço mais porco que fizeram. Você sabe por que? Porque eu falei, no início, eu falei com a Marilca, aqui em casa, eu falei: ‘Marilca, essa vala que estão fazendo, ela tem que ser começada de cima pra baixo, não de baixo pra cima’. Porque você vê, ela foi feita de baixo pra cima. Eles fizeram um degrauzinho pra água escorrer. Quando chegou aqui em cima não tinha mais espaço porque se eles fossem fazer aqueles degrauzinhos pra água, né, descendo e o lixo ficar, quando chegar no Caracol já estava em cima da terra. Sabe por que? Porque o engenheiro que fez aquilo ele não tem noção de uma comunidade, ele não tem noção de favela. Então, era mais provável se o governo chegasse e dissesse assim: ‘como vocês querem?’. Eu tenho certeza que o serviço saía mais bem feito e muito menos material perdido. Porque a própria comunidade tem noção do q ue e la q uer.”(Ilsa)
Porque a comunidade tem propostas. Pedro Mendonça recorda que o
Seminário de implantação do Programa PROFACE, em 83, no início do Governo Brizola, “foi muito difícil porque lá chegando foi convidado: eu como presidente do Grotão e o do Morro Santa Marta. Só tinha dois favelados, o resto era elite da CEDAE. Os engenheiros falavam claramente que nunca tinham entrado numa favela e que achavam um absurdo se fazer a implantação de um programa desta
natureza em favela, que o favelado não iria entender isso, não iria conservar um programa desse. Aí nos juntamos com a Dra. Regina, que era superintendente da CEDAE, uma pessoa muito atuante, que vinha eletrificando as favelas, já estava num programa de eletrificação de favelas e que conhecia, subia o morro e discutia os programas com a gente. E foi uma luta porque nós travamos uma luta com todos os engenheiros e chegamos dizer a eles que eles tinham que cair na realidade e deixar a atitude burguesa deles de lado a partir de um programa que era r ealmente i mplantar a á gua n as f avelas ( ...)”( P edro M endonça)
E quando chega à comunidade um “tipo de pesquisa pro final, pro estudo
deles”, como o projeto Rondon? Ilsa recorda quando “(...) disse pra eles: ‘vocês estão aqui pra continuar com nós ou vocês estão pegando a gente só como cobaia?’. A í e les f icaram m eio p erdidos, n é? _ Não se trata disso. _ Nós somos, vocês sabem, uma comunidade pobre carente. Nós precisamos de apoio. Está certo vocês virem. Mas o que vocês trazem para nós é brincadeira...Tá certo que as crianças precisam do lazer mas por enquanto queremos coisas mais concretas.”
E relembra também outra situação quando o “Getúlio Vargas passou a se
empenhar melhor com a gente. Que o Getúlio Vargas, outros hospitais, estavam fazendo umas reuniões e pedindo ajuda das próprias comunidades. Quando de uma delas eu participei, eu participei na rua Santa Luzia, lá na cidade (...) Porque só tinha secretário de saúde, só tinha médico, médica, diretor, sei lá”. Em conversa c om P adre C arlos, “ eu f alei”: _ O que que eu vou falar aqui pra este povo? _ Você é gente igual a eles. Você tem as suas idéias. Eles tem as deles e você tem as suas idéias. Então você vai colocar a sua idéia que você acha que está certo.
_ Ah, é? Então deixa comigo.
Então, f oi q uando e u c oloquei p ara e les: _ Olha, vocês, talvez poderiam ter o apoio das favelas, das comunidades muito melhor se vocês procurassem se empenhar mais com elas. Porque vocês só procuram a comunidade, coloca cartaz nos hospitais pedindo às comunidades, quando vocês estão precisando”.
“(...) Dr. Ribeiro, Dr. José Antônio, Dra.Meire e Ângela, Dra. Ângela. Essas
pessoas, a gente olha, há muito tempo que a gente vê essas pessoas na luta. E sem interesse nenhum. Eles fazem. Esse pessoal da área de saúde faz um trabalho com a comunidade, e nunca, em período de campanha eleitoral nenhuma, tiveram dentro da comunidade tirando votos para alguém. Então, realmente a gente tem que analisar que a pessoa faz por amor e saúde, aquilo que eles juraram pra fazer. Porque quem teria que ter esse carinho com as comunidades, seriam os senhores governantes. E não têm(...).”(Pedro Mendonça)
“(...) Quando a gente está brava, a gente quando chega num posto de
saúde, num hospital, que demoram a atender, aquela coisa, a gente fica irritado, sabe. Mas aí a gente para pensar e diz assim: ‘Poxa, um médico, uma médica ou um psicólogo ou seja lá quem for, ela estuda tanto, gasta tanto’. Porque um livro você vê, você vai comprar um livro pra uma criança para fazer o terceiro ano, como no caso do meu, é caro., quanto mais um livro de medicina, pra isso, pra aquilo. É um absurdo. Entendeu? O campo da saúde, que é aí, quantos milhões de d esempregados t em? “ (Ilsa)
E quando se trata de enfrentar outros tipos de situação, de agressões?
“Nós mesmo tiveram várias agressões. Mesmo no meu mandato, tive vários problemas com a polícia, a ponto de ser ameaçado de morte. Fui ameaçado de morte várias vezes. Eles disseram que eu estaria ali defendendo uma
comunidade mas que não era por isso que eles poderiam ir a forra disto que eu estava fazendo porque eu estava fazendo pressão contra a polícia. Mas não era. Eu estava cobrando o direito da comunidade porque não era justo o morador estar no seu barraco, dormindo e acordar com a porta sendo arrombada. Finalmente, não era um vagabundo. E eu cheguei ver a realidade a eles que isto não poderia acontecer na comunidade.(...) Muitos moradores não encampam essa briga de associação de moradores porque eles têm medo. Tem as famílias deles, tem o dia-‐a-‐dia, só os heróis mesmo que chegam e peitam a frente” (Pedro M endonça)
“Às vezes as pessoas dizem que o pobre não sabe viver. Mas tem pessoas
que já se sente humilhado de chegar em um lugar e dizer aonde mora e ser mal recebido. Porque até hoje aí, nessas secretarias que tem por aí, tem lugar que você chega e diz: ‘Ah, eu sou da comunidade tal’. Se você não vai direto àquela pessoa que você já conhece, se é lá uma secretariazinha ou lá...”Em que lugar você mora? ‘. ‘Ah, eu moro na favela do Grotão, moro ali’. ‘Ah, você espera ái. O seu f ulano n ão e stá, n ão p ode l he r eceber’. I sso a í j á a conteceu m uito.”(Ilsa).
E “(...) aí eu acho que existe um grupo de pessoas, entendeu, que quer
levar a classe trabalhadora caminhar até 100 metros. Dali, eles não procuram fazer m ais n ada p or e les. D ali, e les t ravam e les(...)”( S r.Campos).
“Isso é uma verdadeira luta de classes. Porque você sabe muito bem que
todos os movimentos que surgiram nesse país, quem levantou? Foi a classe média. A classe média que levantou todos esses movimentos, é que dá direcionamento a este país. Então leva o trabalhador, a classe favelada, o trabalhador a reboque. Então eles levam nós até se igualar mas nunca que nós passa um centímetro porque a partir do momento que você começou a passar um centímetro, eles te dão uma cacetada, tu cai e ele continua subindo”. (Pedro Mendonça).
Não são raras as vêzes que “ o fulano diz assim: ‘Ah, porque quem mora
em favela não paga nada’. Como não pagamos?!. Eu aqui lhe mostro a minha conta de luz do mês passado, que nós pagamos 200 cruzado e paguei 50 e pouco de imposto. Como não pagamos imposto? Do mesmo jeito que o rico paga, nós
pagamos porque ele come do mesmo que nos alimenta. O arroz, o feijão, a farinha, o açucar, o café, se nós compramos, eles compra. E se nós compramos, nós p agamos o m esmo p reço q ue e le e ntendeu?” ( Ilsa)
Daí em relação ao mutirão, “(...) o que a gente tem que entender, é que
nós já somos discriminados, já somos desprezados, e se nós consegue o material, aquilo que a gente estava comprando com o nosso bolso e só nós conseguimos esse material gratuito por que não a gente fazer? Faz sim. É para o nosso bem-‐estar. Nós sabemos que se nós não fazer, eles vão fazer para a Barra da T ijuca, C opacabana e p ara o utros l ados m esmo. “ ( Pedro M endonça)
“(...)Às vezes a gente se mobiliza. Claro que a gente sabe que isso é uma
coisa que eles é que têm que fazer. (...) Enquanto o trabalhador trabalha, ganha o salário mínimo, morre de trabalhar numa fábrica, num supermercado, numa construção, que o sábado e o domingo que ele tinha pra descansar, ele vai fazer o mutirão porque ele precisa daquilo. Claro que nessa área quem tinha que atuar? É o governo. Porque nós pagamos pra ele. (....). Mas também, “(...) para nós em comunidade, a única coisa que a gente gosta, é porque é uma maneira do povo se unir. A união. Ter mais amigos, ter mais irmãos, participar da própria comunidade onde mora. Saber a necessidade da comunidade, qual é a necessidade m aior d a c omunidade.”( I lsa)
“Posterior surge essa tal coisa: ‘não porque se Copacabana tem direito,
tem que remunerar quem trabalha’. E para nós foi uma desestabilização porque nós c onseguimos r ealmente c ontratar m ão-‐de-‐obra l ocal p ara p reparar o t erreno de segunda a sexta para que nos sábados e domingos nós continuássemos com esse mutirão, gratuito. (...) A mão-‐ de-‐ obra gratuita do final de semana se desestabilizou. Sabe por que? Porque pessoas maldosas começaram agora a incentivar: ‘Não, tem um grupo aí que está trabalhando remunerado então nós vamos ficar, deixa eles fazerem. Eles fazem. Vamos descansar. “( Pedro Mendonça)
Porém, “(...)no caso, aquele que teria que trabalhar a semana toda e
domingo, que é o dia de descanso, passar com sua família, com seus filhos, não pode estar. Tem que estar no mutirão (...) enquanto o outro que estava
desempregado, ele consegue as duas coisas: o seu dinheiro e um bem para comunidade”(Ilsa)
Na luta, “ a associação de moradores, ela tem que ter jogo de cintura para
jogar contra as autoridades, desde governo, polícia, essas coisas todas, a opressão militar. E também a associação de moradores tem que ter jogo de cintura para esse pessoal do tóxico. (...) Tem pessoas que querem assumir a associação de moradores e enfrentar essa gente. (...) Tem que dialogar com essa rapaziada (...) Essa rapaziada é que dá segurança à comunidade. Muito mais do que a própria polícia. Porque eles estão na comunidade, eles não querem que a malandragem lá faça desordem na comunidade, não. Tem que respeitar o morador e se não respeitar o morador, e se eles tomarem conhecimento, eles cobram d aqueles c aras”. ( P edro M endonça).
Na luta, se unem a outras comunidades que enfrentam problemas
parecidos com os seus. E “(...) aí estamos com a organização das comunidades. Você vê: nós sempre que há qualquer movimento, nós contamos primeiro com a força das comunidades vizinhas. Nesta luta da terra, inclusive, nós tivemos que mobilizar todas as comunidades da Zona da Leopoldina que se uniram em defesa de u ma”. ( Pedro M endonça).
Diante destes Muros de Berlim, “(...) aí cabe a nós o que? Se organizar
que realmente somos força. Se nós nos conscientizarmos que somos força e tomarmos esse espaço aí, e invadir isso aí. Mas só através da organização, e que tem que ser a longo prazo, porque nem a curto prazo e nem a médio prazo nós vamos c onseguir i sso” ( P edro M endonça).
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