QUESTÕES REAFIRMATIVAS DA CULTURA NA PÓS MODERNIDADE

October 5, 2017 | Autor: Rogério Campos | Categoria: Culture, Social Media, Postmodernism
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Valéry apub Benjamin, O Narrador (Ob. Cit.).
Questões reafirmativas da Cultura na Pós Modernidade
CAMPOS, Rogério P.; Orientador: Enrique Amayo Zevallos
UNESP – Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara
[email protected]
Bolsista CNPq
GT 2: Sociabilidades, Cultura e Religião.


RESUMO
Um dos grandes dilemas e preocupações das sociedades no mundo é a questão de identidade cultural dos grupos, sejam eles constitutivos de uma única nação ou de etnias que se espalham pelo território sem obedecer diretamente a convenções políticas. A globalização e o processo de abertura política, cultural e social nas mais diversas formas poderiam ser agentes catalizadores para acelerar um processo de fragilização de culturas consideradas "menores", ou de populações que vivem sob o julgo de outras culturas, nos mais diversos casos presentes na atualidade.
Porém, o caminho que se demonstrou com o avança tecnológico e de comunicação em massa foi reverso ao temido pelos estudiosos, criando novas formas de interação e fortalecimento ou mesmo renascimento de culturas antigas e/ou reclusas em regiões as quais foram suprimidas. Em um cenário de busca de contatos cada vez mais generalizados entre as nações e as culturas, grupos étnicos, religiosos e minorias conseguem se fortalecer e criar novas resistências a essa permeabilidade corrosiva das culturas diferenciadas. Este estudo visa debater tais mudanças comportamentais, tanto na esfera do comportamento pessoal como na questão dos grupos e os impactos para o futuro dessa estrutura globalizada.

Palavras-chave: Cultura; Pós Modernidade; Sociedade; Globalização.


EXIGÊNCIAS DO SÉCULO XX

O despertar do século XX trouxe mudanças significativas para a humanidade e as relações sociais derivadas em geral, em todas as esferas e em todos os níveis que possam ter surgido. O que Hobsbawn (1994) caracterizou como o breve século em seu trabalho A era dos extremos, também deixou a ressalva de não subestimarmos tal titulação, pois ao mesmo tempo em que se coloca em um paradoxo de tempo inferior a 100 anos, constitui o maior avanço tecnológico, científico, social e cultural que a humanidade não teria assimilado em 10 séculos.
Tratar neste trabalho da questão cultural poderia ser considerado pouco diante dos inúmeros temas do período, porém para um breve artigo a ser explanado em poucas páginas transforma-se em uma arte de síntese em mais alto nível, deixando ainda de tratar de diversos temas correlacionados com a problemática da limitação de espaço. Ainda destacando a questão cronológica, podemos criar uma delimitação clara de dois períodos no século XX para analisar a questão cultural: Da primeira guerra mundial (1914-1918) até o fim da guerra fria (1989) e deste momento em diante. Trata-se somente de um recorte para comparação e não perfeitamente delineado, como tudo que ocorre envolvendo cultura.
O primeiro momento do desenvolvimento do texto perpassa por um período de confrontos, imposições, choques de poder e principalmente de intolerância. Na primeira grande guerra, o choque entre as potências europeias buscava traçar qual seria a liderança da economia e política mundiais, ainda vivendo um período do final do século XIX sobre a preponderância europeia e esquecendo-se do adormecido Estados Unidos. Este é um momento de delineamento claro das diferenças culturais, assim como também da resistência ou tolerância a inserção dessas culturas entre os países. Esse estado bélico criou o cenário de inimizades que iria perdurar até 1945, com o final da segunda grande guerra.
Como destaque histórico deste período, podemos destacar alguns eventos de grande importância que irão influir diretamente no decorrer do século. Em primeiro lugar, o despertar do socialismo na figura da União Soviética em 1917, que se tornaria o interlocutor dos Estados Unidos em um debate sobre guerra fria até o final do século e traçaria o comportamento e a cultura bipolarizadas no mundo; Os Estados Unidos tornam-se os grandes vencedores do confronto e transferem o eixo de referência mundial de uma Europa devastada para uma América do Norte resplandecente e com a economia a pleno vapor; A derrota vexatória e massacrante da Alemanha e posterior despertar do radicalismo político e social que assolariam toda a Europa; O despreparo diplomático dos europeus em resolver suas desavenças, que viria a ser um acréscimo para a segunda guerra mundial.
Sem aprofundar sobre um tema exaustivamente discutido por historiadores e pesquisadores, uma breve análise sobre a segunda grande guerra se faz necessária, por diversos problemas e ideias geminando no período. Se por um lado temos o despertar da intolerância, do xenofobismo, do antisionismo e tantas outras atrocidades, vemos também o surgimento da Escola de Frankfurt, da Física nuclear, dos automóveis eficientes, dos direitos trabalhistas e outros. Não se trata de prêmios compensatórios, os crimes cometidos durante esse período não devem ser jamais esquecidos ou minimizados, e sim sempre relembrados como um dos piores eventos da humanidade.
A ênfase nesse debate sobre intolerância desperta grande interesse na questão cultural que viria a ser construída posteriormente, como herança e feridas latentes que as sociedades ainda tentam remediar na atualidade. Como foi analisado por Goldhagen (1997) no caso da Alemanha nazista, a questão da xenofobia não é imposta na sociedade e sim despertada, por demandas e questões históricas adormecidas em cada sociedade. No caso nazista, diretamente ligado a comunidade judaica daquele país, colocados como os verdadeiros culpados pela miséria do povo alemão, detentores da riqueza da nação, usurpadores do direito supremo do povo ariano.
Somente esse alicerce possibilitou a ascensão e permanência de Hitler no poder por tantos anos e criou os soldados sanguinários que ele tanto necessitava para levar adiante seus projetos tenebrosos de uma sociedade superior. Somente a herança guerreira e orgulhosa da nação alemã do período poderia possibilitar a plataforma ideal para o surgimento do nazismo. Mas mesmo no cerne deste evento traumático, temos o despertar da Teoria Crítica por Horkheimer, Adorno, Pollock, Marcuse e tantos outros, analisando a formação desse sistema político repressivo e manipulador e as ferramentas desenvolvidas para tal feito.
A simples lembrança que o modelo de marketing e propaganda disseminados pelo mundo ainda hoje são os modelos básicos elaborados por Goebbels e seu Ministério da Propaganda do partido nazista deve despertar no mínimo o medo da sociedade, se for esclarecido a estes a dinâmica manipulativa, mentirosa e leviana sobre questões de real importância. As questões da intersubjetividade ainda não estavam em discussão no período da segunda guerra, o que cria um atenuante a uma população submissa ao modelo de propaganda aqui colocado. No momento presente, essa construção de interlocução das pessoas e a construção de uma personalidade independente de pensamento, emancipada ficam submetidas à falta de análise e reflexão, sem trazer o despertar coletivo comprometido. Mais adiante aprofundaremos essa questão.
Ao fim da segunda guerra mundial, temos um novo foco de domínio mundial, deslocado para a América do Norte, especificamente os Estados Unidos. Porém, um antagonista também se faz presente no momento de ausência de liderança mundial, com metas completamente antagônicas e conflitantes, a União Soviética. Este choque entre duas grandes potências irá criar um novo cenário de conflitos e delimitações das esferas culturais, mais uma vez com interferências diretas de um sistema de propaganda massivo e manipulador. A construção de imagens positivas e negativas é relativa em função da região ao qual cada pessoa convive, no caso da Europa (principal cenário deste embate virtual) entre a Europa Oriental e a Ocidental.
Neste momento, as resistências a essa linha de pensamento conformista e acomodado despertam e ganham força em diversas regiões. Os movimentos da contracultura criam novas bases contraditórias ao modelo proposto, causam rupturas e mal estar em uma sociedade moldada e engessada. Esse processo de pulverização cultural possibilitará os movimentos de reafirmação e ascensão de grupos minoritários e o multiculturalismo, como veremos adiante. Paralelo a isso, aumentam os movimentos emancipatórios e as ondas migratórias para os países do primeiro mundo, gerando uma diversidade cultural indireta.
Algumas observações devem ser colocadas sobre esse período da guerra fria, para não deixar o enfoque sobre a cultura tão solta no texto. Se politicamente Estados Unidos e União Soviética divergem completamente, no aspecto cultural proposto pelo Estado e vendido à sociedade notam-se semelhanças. Da mesma forma que o Estado soviético buscava ditar as normas de conduta e o comportamento do trabalhador no seu dia a dia, os Estados Unidos – supostamente considerado o defensor da liberdade de igualdade e expressão – vivia sob o regime do sistema fordista, que ditava diretamente também a função do trabalhador dentro e fora da fábrica, influenciando mesmo em seu lazer e momentos de folga.
A diferenciação que pode ser notada é a forma como a divulgação dessas informações foi realizada por cada potência. Enquanto que os norte-americanos presavam por divulgar abertamente as vantagens de um sistema capitalista liberal poderia proporcionar a vida das pessoas, os soviéticos preferiam criar tal tipo de propaganda somente internamente, tornando a expressão cortina de ferro um ícone do mistério da sociedade socialista no período. Porém as dúvidas, incertezas e busca de afirmação de cada indivíduo, em qualquer sistema que vivesse naquele momento, eram as mesmas. A ruptura desse mundo bipolarizado coloca os Estados Unidos em uma posição de liderança, mas com uma complexidade cultural a qual é impossível a ele administrar e subjugar diretamente.
Mesmo antes desse momento de ruptura, durante a década de 1970, quando começam a surgir os primeiros movimentos de flexibilização das relações de trabalho, e como consequência, das relações sociais, já tiram das mãos de qualquer país a capacidade de controlar de forma efetiva a direção desejada sem percalços. Como discute Harvey (1993), surge uma incapacidade do fordismo e do keynesianismo para conter as contradições do capitalismo, como o aumento do desemprego, a diminuição do poder reinvidicatório da classe operária e outros problemas. Cria-se neste momento, além do despertar da crise econômica mundial na forma de reação em cadeia, a direta interferência na questão cultural. O indivíduo terá que limitar ou delimitar seu campo de escolhas para usufruir diretamente ligando ao seu poder aquisitivo e de consumo, em uma esfera de escolhas cada vez menor ou criando condições de desejo e de compra que o tornem um refém do sistema econômico, midiático, consumista e de trabalho subdimensionado.
O aumento da necessidade de consumo acompanha diretamente o avanço cronológico proposto na divisão deste trabalho, e irá culminar em seu momento mais grandioso após o evento da bipolarização mundial e o pleno domínio do neoliberalismo. Assim como as questões culturais, sociais e políticas irão se ampliar neste mesmo período, um consumismo desenfreado irá alimentar alguns anseios sociais, em uma espécie de suborno para silenciar tais demandas. Expandiremos tal debate a seguir.


Os novos momentos culturais

A construção de novos referenciais para a cultura é um dilema sem explicações racionais por envolver diferentes sociedades, etnias, comportamentos e indivíduos, assim como a modificação de cada um destes quesitos exige um esforço enorme. Transformar toda uma sociedade como a ex-URSS em uma Rússia capitalista neoliberal gerou um custo alto tanto social como cultural, econômico e político. Não se trata tão somente de modificar as estruturas físicas, a dinâmica burocrática ou a marca de um produto no supermercado, mas sim de gerar aceitação do indivíduo. A transição de uma pessoa que reside na Rússia e passou por todo esse processo é muito mais traumática do que uma pessoa no mesmo período na França, por exemplo.
Essas rupturas culturais ocorrem juntamente com o despertar de novos grupos afirmativos, elevação das minorias, representação efetiva das demandas, criando então um mosaico cada vez mais diverso. Apesar de sua beleza aumentar, também se acresce a dificuldade de conseguir alocar corretamente todas as peças no tabuleiro e é este o momento que o mundo globalizado passa hoje. Ou como evidencia Harvey (1993), uma sociedade fragmentada em grupos de interesse, gerando movimentos sociais assentados sobre novas bases (gênero, etnia, minoria, etc.). Este é o paradoxo da sociedade pós-moderna para o autor.
Outro fator de relevância que deve ser exposto aqui é o fator da individualização do homem, da construção do cidadão permeado pelo objetivo de defender unicamente seus interesses e desarticulado do grupo. Essa deformidade social é um dos fatores chave para a concretização do neoliberalismo e sua manutenção. Elias (1994) discorre sobre esse assunto, valendo-se da psicologia para buscar compreender a sociedade e o indivíduo e sustentando a tese de que o processo de individualização para a formação da sociedade é moldado pela própria sociedade.
Na situação presente, pode-se dizer que Norbert Elias acertou no alvo, pois em uma sociedade do "descarte", onde a manipulação do gosto e da opinião através de publicidades e imagens da mídia tem papel integrador das práticas culturais. O simbolismo toma um fator poderoso demais para ser abatido e a própria imagem é vendida como mercadoria. Não se trata de um processo recente, porém os valores de troca sempre foram simbólicos em outros exemplos de sociedades menos complexas. No neoliberalismo, o imaginário, o imaterial, o ilusório e o símbolo todos são comercializados como mercadorias comuns, vendidos e não mais trocados, e com isso o empobrecimento das relações culturais pode acontecer.
Seguindo esse tipo de processo, uma problemática que irá surgir é justamente a integração social, a relação indivíduo-sociedade e a própria constituição de uma nação. Justamente desta anomia social advém diversas mazelas da sociedade atual como a violência, a depressão e o stress. Nesse ponto, a própria biologia do indivíduo acaba por refletir todo esse processo errôneo de construção da pessoa. Uma imposição do habitus para a integração no grupo, ou a condenação a marginalização social, como ocorre com diversos grupos, entre eles indígenas, nativos e minorias étnicas e culturais. Esse processo de deformação social reflete diretamente na cultura.
Simmel (2006) busca uma teoria diferente da linha de Bourdieu, que entra em conflito direto com o pensador francês, colocando que a cultura objetiva (de fora do sujeito) em conflito com a cultura subjetiva geram os dilemas e as exigências sociais e que tal interação permanente gera a sociedade. Para Simmel – pensador que segue a escola alemã sociológica para qual individuo e sociedade estão no mesmo nível de realidade – o conflito é o ordenador social, sendo que os homens possuem o instinto para se sociar. Bourdieu sempre busca a ordenação por grupos em harmonia e com objetivos comuns, fato que não efetiva troca de conhecimento para Simmel.
Honneth (2003) também explora o lado conflitivo e empírico do ser para buscar uma explicação para o surgimento e desenvolvimento do indivíduo. A troca de experiências são os meios necessários e seminais na constituição de um ser social. A troca de informações e simbolismos entre indivíduo e sociedade torna-se a base para o despertar, amadurecimento e reconhecimento de um pelo outro. A valoração dessa troca de informações é danosa à sociedade como escrito anteriormente, alterando o valor simbólico e também o valor pessoal. Para Honneth (2003), que utilizou a análise precisa do assunto de Hegel, a simples consolidação de um código de direito que garanta ao indivíduo seu reconhecimento e também sua inserção na sociedade, pode explicar como essa sociedade evoluiu ao ponto atual. Sem tal reconhecimento, a individualidade não é possível e a inventividade e heterogeneidade que a ciência necessita para seu avanço não estariam presentes.
Habermas criou uma separação entre experiências – que Honneth abandonou na busca de uma explicação unificada – o instrumental, que possibilita a reprodução material da sociedade e a comunicativa, que efetiva a reprodução simbólica. Porém, a degeneração dessas duas esferas criou um impasse no trabalho de Habermas, na questão instrumental pela falta de racionalidade aplicada a uma sociedade que vive sob o julgo do capitalismo e com isso, da ausência de reflexão do trabalho, e também na questão comunicativa em um sistema de indústria cultural manipulativa e corroída pelos interesses de seus controladores. A assimilação desse tipo de experiência proposta por Habermas passa a ser danosa e não positiva como o autor elaborou no início de sua carreira. Acima deste pensador, um consenso da Escola de Frankfurt critica gravemente o que se convencionou denominar de cultura popular, como exemplificou Johnson (1997):

Membros da Escola de Frankfurt, por exemplo, argumentaram que a cultura popular é banal, homogeneizada e comercializada e que entorpece a mente das pessoas, tornando-as passivas e fáceis de controlar. Um argumento correlato diz que uma vez que é controlada principalmente pelas elites (através da propriedade dos meios de divulgação de massa, por exemplo), a cultura popular tende a refletir seus interesses.

Essa argumentação não é mais válida, principalmente pela mudança de definição das terminologias utilizadas, a cultura popular está representando uma visão diferenciada sobre a sociedade e sendo produzida diretamente pela população, ou seja, não se trata mais de controle da mídia neste ponto. Evidente, o controle sobre informação e manipulação da mídia ainda é presente, com novas fórmulas e sob novas fachadas.
Outro autor que deve ser considerado, principalmente por seu grande enfoque em temas correlatos à cultura é Benjamin (2000), por sua contribuição a esse debate. Sua crítica ao modelo de indústria cultural e o debate sobre a linguagem (grande preocupação do autor, pelo poder exercido por esse elemento nas sociedades).
O cerne da indústria cultural traz códigos e modos de conduta normativos, direcionados a um controle social e auto coerção do indivíduo. A análise crítica devia ser combatida para a prosperidade da estrutura vigente e como tal, a linguagem ser absorvida e aceita pela sociedade. Para Benjamin (2000) a importância da linguagem na construção das relações sociais, consumo, controle e da própria formação de personalidade perpassam necessariamente pela imersão da linguagem nessas estruturas, ponto de partida e consolidadora.
Esse é um dos pontos centrais do trabalho do autor, ponto de inflexão com os demais estudiosos do tema e que traz a originalidade de sua obra. A busca pelo significado, o estudo meticuloso da linguagem e seu significado, a importância de transmitir uma mensagem e a compreensão e apreensão desta mensagem. Sua obra O Narrador (1994) traz a relevância com que o autor tratava o assunto, assim como a significância da experiência narrativa.
O entendimento não é somente limitado pelas fronteiras linguísticas criadas pelo mundo moderno, como também pela apreensão da experiência vivida, o acúmulo de sabedoria e a capacidade de retransmitir essa vivência acrescida do seu próprio acúmulo. A perda dessa narrativa no período moderno é considerada por Benjamin (1994) como uma irreparável perda no desenvolvimento humano e o consequente isolacionismo individual ao qual presenciamos.
O próprio autor explicita a relevância dessa construção humana, quando diz que experiências que deixam de ser comunicáveis levam a um empobrecimento da próxima geração. Para Benjamin (1994), as forças produtivas agem como o catalisador dessa extinção. Sendo a narrativa um elemento diretamente ligado à sabedoria, uma tendência das sociedades alienadas é aprofundar sua falta de análise e estar submetido às condições impostas.
Citando Valéry (p. 206) "...o homem de hoje não cultiva o que não pode ser abreviado.". Apesar da escrita no período da obra, tal afirmativa é ainda mais válida no século XXI. A abundância de informações, porém sem aprofundamento ou análise objetiva da realidade, junto ao estrangulamento do tempo livre da sociedade, causaram essa limitação do discurso sobre a sociedade. A falta de detalhismo empobreceu o texto e eliminou a criatividade e o estímulo do indivíduo. Tal passividade coletiva facilita a coerção auto imposta pelo capitalismo e mantém a estrutura da desigualdade levando ao ápice da expropriação intelectual, laboral, de gênero e étnico. Torna-se tal desconstrutivo socialmente a ponto de rebelar conflitos internos a membros de uma mesma causa.
Benjamin dialoga diretamente com o nosso tempo presente, o que demonstra que mudanças nos padrões culturais da indústria de entretenimento pouco se modificaram para suprir as exigências da sociedade, invertendo a frase em busca de explicitação, a sociedade não exigiu mudanças no padrão de comportamento da indústria cultural ao longo de quase um século, em uma total ausência de senso crítico ou de evolução da própria sociedade. A tecnicização pelo qual o planeta passou no século XX não foi acompanhado por mudanças sociais e culturais, acarretando maior alienação da realidade e dos direitos e deveres aos quais o indivíduo deveria participar. O isolacionismo de uma pessoa, em esferas de convívio cada vez menores traz grande interesse a um sistema consolidado no poder. Para Bourdieu (1989), somente atores sociais instáveis e dissidentes são capazes de criar rupturas em estruturas consolidadas as quais o autor denomina campos de interesse, ou seja, atores sociais inertes proporcionam estabilidade ao campo presente.
Konder (2003) aprofunda a visão de Benjamin no período presente, ligando-o também ao marxismo, citando que o autor possui influência direta de Marx em sua obra, no entanto sem fontes claramente definidas. Seu pensamento dinâmico e o afastamento à linha tradicional da teoria crítica demonstram sua pluralidade. Busca ainda demonstrar o capitalismo como modelador de comportamento, persuasivo na realidade das sociedades atuais e de certa forma "autossustentável". O estudo desse organismo vivo que gerencia a realidade do mundo ocidental visa trazer alternativas a uma situação opressora e maquiadora do cenário global, perpassando pela comunicação.
Do parágrafo acima, a frase mais preocupante e complexo para mudanças é o autossustentável. Konder está definindo o padrão de comportamento – entre estes temos as culturas em todas as formas – da realidade e observa que a estrutura de controle pode se manter no mesmo patamar, pois está assentado justamente sobre a base da sociedade, consolidado, apoiado e perpetuado. Este é um fenômeno mundial, reflexo direto do sistema neoliberal instalado e da mídia de massa desinformativa. Esse analfabetismo social presente no indivíduo amortece seu senso crítico objetivo sobre a realidade.
Acima disso, como coloca Camus (2001) em seu romance, a falta de identidade ganha novos dilemas ao tratarmos também da questão geopolítica, a ruptura de fronteiras políticas, a facilidade de deslocamento físico, a miscigenação global e a mescla cultural disseminada para além das resistências, xenofobias e preconceitos. A necessidade de ações reafirmativas é colocado como meta principal entre os países, na busca de resgatar o senso de patriotismo, a elevação do Estado ao nível de poder que presenciou em séculos anteriores e a restrição e controle que eram possíveis em estruturas mais fechadas. Não há presente uma ruptura nas esferas de influência, como bourdiesianos gostariam de observar, mas sim uma permissividade em suas bordas, um processo osmótico que vem ocorrendo ao longo dos anos. A cultura não desaparece neste processo, pelo contrário, ela migra juntamente com os indivíduos e ganham novos territórios de interação.
A título de ilustração, coloquemos o caso dos imigrantes ilegais mexicanos que residem e trabalham nos Estados Unidos. Este é um caso emblemático por contrariar todos os pensadores clássicos da sociologia e de outras áreas do pensamento. Essa mão de obra irregular presente ilegalmente nos EUA seriam um problema ou uma necessidade? Até mesmo responder essa pergunta não é simples, pois existem aspectos positivos e negativos nesse trabalhador, tornando-se mesmo um embate entre os candidatos a presidência do país.
Se por um lado cria-se o argumento negativo da vinda dos mexicanos ilegais, como por exemplo, usurpar postos de trabalho dos estadunidenses, não contribuir com os impostos e outros tributos ou mesmo criar regiões de baixa renda e alto índice de violência; por outro lado, não se analisa claramente nenhuma das acusações acima. O principal motivo da ida de mexicanos para trabalhar em solo norte americano é justamente a falta de mão de obra pouco qualificada na região e justamente por serem ilegais, recebem salários bem abaixo dos outros trabalhadores, gerando uma crise de consumo, decorrente disso aumentando a chance de criar núcleos de violência. Quanto aos gastos, da mesma forma que qualquer comprador, os ilegais estão pagando os impostos nas mercadorias que consomem e não possuem direitos sociais, ou seja, não há gastos com saúde.
Esse confuso diálogo acima mostra o quão intrincado é o debate e a interconexão existente entre a necessidade e a negatividade do imigrante mexicano. Essa permissividade na sociedade norte americana não é somente aceita como se faz necessária, para suprir carências da estrutura produtiva. O contraponto a esse modelo corrupto de assimilação leva como compensação a migração cultural, a inserção latina na sociedade estrangeira, costumes e crenças. Em estados como Califórnia e Flórida, o idioma espanhol representa quase 40% da fluência e uso da língua, assim como toda uma estrutura de bairros e cidades com influencia direta mexicana, cultos religiosos, datas festivas e outros. De uma forma minimalista, a cultura mexicana está inserida e faz parte da cultura dos EUA hoje.
A busca de identificação cultural remete a estruturas não mais presentes, como os galeses no Reino Unido, os bascos na Espanha, os curdos no Iraque e os chechenos na Rússia e também gera atritos pela não aceitação ou mesmo pela necessidade de afirmação. Da mesma forma, a supressão desses movimentos também é uma violência contra a busca de identidade dessas sociedades, a fixação histórica com a região e o confronto entre costumes tão diversos. A expansão virtual do território para a internet funciona como alento e alívio para grupos sob a repressão de nações consolidadas e ao contrário do que poderia ser calculado, o fenômeno da globalização serviu para fortificar tais movimentos, do que era esperado inicialmente.
No caso brasileiro, ocorreu todo um processo de "amortecimento" e conformismo com situações graves e relevadas pela história e que passam hoje por um processo de reformulação e reafirmação cultural. O caso dos negros é emblemático, porém não único, na tortuosa sociedade mestiça que foi construída. Desprovidos de sua liberdade no início do Brasil, sem direitos mesmo à existência ou reconhecimento de humanidade, tornaram-se as máquinas, as bestas responsáveis por movimentar durante séculos a economia colonial, sob o consentimento direto da igreja católica. Por outro lado, trazem consigo o seu território, sua África dentro de cada indivíduo e suas crenças, cultivadas em segredo, armazenadas em cada senzala.
O processo histórico não consegue extirpar tais simbolismos e culturas, inverso a isso, torna agudo esse campo de influência, aumenta o interesse dos mais próximos e consegue acólitos para a mesma causa e por fim, se expande de forma a não poder ser mais contido, por chibata, excomunhão ou mesmo morte dessas pessoas. A raiz, que não traz tal nome em vão, sedimenta sua base em solo e não é facilmente retirada sem causar grandes danos a toda região em volta. De tal forma que, mesmo a igreja católica não aceitando os cultos tradicionais africanos e seus costumes, traz elementos do mesmo para sua religião para atuar em um país miscigenado e de maioria com ascendência negra.
A heresia existe pelas normativas ditadas pelo Vaticano, desde que a resistência das regiões não seja danosa a sua esfera de poder, como ocorreu no Brasil e também em outras regiões do mundo como Índia, China, Japão e outros. A corrosão de estruturas estáticas e inflexíveis é acelerada, cada vez mais em uma sociedade global com acesso irrestrito a informação, comunicação e independência. Da mesma forma que a busca por controle da cultura de massa tenta se expandir, assim o faz também a resistência contra esses grupos e o conflito será acirrado no campo da cultura e dos simbolismos. Comprar um chocolate Hersheys é um prazer que muitas pessoas pelo globo fazem todos os dias, desde que não saibam que a produção dessa guloseima se vale de trabalho escravo de crianças na África para a produção de parte do cacau que consome. Exemplos são inúmeros para ilustrar o conflito velado que os indivíduos terão em futuro próximo.
As ciências sociais, por muitas vezes, são colocadas como relutantes a mudanças, avanços, melhorias ou fatores que modifiquem drasticamente as estruturas funcionais da sociedade e das pessoas. Não se trata exatamente disso e sim uma questão de avaliação crítica sobre as propostas apresentadas e o preço a se pagar por cada uma dessas mudanças. Qualquer indivíduo irá agradecer por comprar uma camiseta de boa qualidade por um preço menor, mas ficará satisfeito ao descobrir que fora elaborada por mão de obra explorada em condições sub-humanas? Se continuar ainda sim avaliando como positiva sua aquisição, este é um cenário e uma sociedade enferma e carente de mudanças urgentes.
A degeneração cultural, social e política em detrimento de uma economia diversificada, globalizada e dinâmica já demonstra seus erros, a busca por homogeneização traz um risco que alguns países já começam a repensar. Em um cenário de total competição, de total ausência de diferenciação, de normalização e padronização, uma nação como a França, com seu padrão cultural e estilo de vida deverá se igualar a China para competir com suas mercadorias, com salários menores, direitos restritos e oportunidades limitadas. Esse é o preço econômico a se imaginar, por outro lado e o custo social de tal decisão? O berço das grandes diretrizes da sociedade moderna poderia vir a ser o cárcere da razão.
A resistência desses núcleos culturais traz um mínimo de esperança para a construção de reformulações sociais, sobre aceitação, mudança, reestruturação ou mesmo assimilação, não como forma de negação e sim como incorporação, acréscimo em um cenário cinzento da realidade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O despertar cultural que ocorreu no mundo após o período da guerra fria deve ser considerado um dos maiores avanços das sociedades pós-modernas ou contemporâneas, dependendo da análise do leitor. Expansão, diversificação e avanços significativos nas melhorias de direitos das minorias antes excluídas. Não se trata do ápice e nem de uma regra homogênea em todos os países, mas o desenrolar deve avançar nesta direção.
A busca por identidade e reconhecimento perpassa por um conjunto de fatores a serem elaborados e assimilados por cada indivíduo relativo ao grupo em que convive. Nem sempre esse mesmo grupo consegue expressar claramente seus anseios para os outros grupos, como etnias e minorias dentro de outras nações, contudo essa realidade teve grande mudança no século XXI e até mesmo os mais tradicionalistas como o Oriente Médio passa por transformações sociais nunca imaginadas.
Independentes dos modelos teóricos a serem utilizados para criar uma nova perspectiva da cultura e sua divulgação pelo mundo alguns fatores em comum devem ser considerados: cicatrizes como a extinção de sociedades inteiras, como ocorrido nos processos de colonização europeia, não são mais aceitas pela sociedade, independente do tipo de organização política e cultural que possa existir; preconceitos, xenofobias e crimes raciais de qualquer tipo são passíveis de punição legal na maior parte do planeta, na tentativa de proteger comunidades que já viverem sob a égide da submissão; a divulgação de informações é um processo instantâneo, o que dificulta qualquer tentativa de ocultar ações que sejam de interesse à sociedade; entre inúmeros outros casos.
As mudanças sociais ocorridas no decorrer do século XXI tentam adequar estruturas e costumes a um novo projeto de desenvolvimento humano, mais rápido e com maior acesso a informação. Não é um processo uniforme, como já dito, mas tenta alcançar patamares que não seriam cogitados anteriormente. Um fator relevante para isso é a cultura, onde a adequação e aceitação mútua será necessária para a afirmação e reafirmação de todas as sociedades.


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