Quintus Tullius Cícero: Um Tratado Histórico e Político-Eleitoral

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Descrição do Produto

Diário Açores

OPINIÃO

Ano

146º

dos

3 de Outubro 2015 www.diariodosacores.pt

A Lógica dos Factos

Um Tratado Histórico Eduardo Ferraz da Rosa [email protected]

Quando no ano de 64 a.C. o notável retórico, advogado, político e filósofo Marco Túlio Cícero (03.01.106 a.C. – 07.12-43 a.C.), então com 43 anos, resolveu candidatar-se ao alto cargo de cônsul da República Romana, o seu irmão – Quintus Tullius Cícero – terá achado por bem escrever para uso dele (e bem ao clássico e sempre actual estilo de ad usum delphini) um elucidativo manual político, guia ou carta recheada de conselhos, truques e expedientes pragmáticos sobre como orientar a sua propaganda eleitoral... – Intitulado Commentariolum petitionis e também conhecido como De petitione consulatus, conquanto a respectiva autoria não seja unanimemente atribuída ao próprio Quinto Cícero, esse modelo de tratado de estratégia políticoeleitoral (que é ao mesmo tempo um documento histórico e um filosófico ensaio pessimista sobre a natureza humana...) foi recentemente reeditado entre nós em publicação bilingue (Latim e Português) feita a partir da tradução inglesa da obra por Philip Freeman (How To Win an Election: An ancient guide for modern politicians). A nova versão portuguesa deste texto, realizada por Pedro Saraiva (Lisboa, Gradiva, 2015), traz o título de Como Ganhar Eleições: Um Guia Clássico para Líderes Actuais e inclui igualmente – tal como aquela edição-fonte usada, que é de 2012 (da Princeton University Press, omitida da ficha), e também da autoria de Freeman – uma Introdução, uma Observação (“relativa à tradução para inglês”), uma nota sobre O resultado das eleições, um Glossário e um breve repertório de Bibliografia “para saber mais” (“Further Rea-

ding”). – De resto, relembre-se, esta mesma obra latina, em conhecida edição de bolso, já havia tido uma anterior edição portuguesa, na qual incorrectamente se afirmava que o título “original” (sic) da mesma era Petit Manuel de Campagne Électorale, naquilo que foi julgado como uma “completa fraude”, conforme assinalou António Rocha da Silva na sua Tese de Mestrado em Estudos Clássicos apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (2010) sob orientação da Prof.ª Maria Cristina de Sousa Pimentel:

tectadas, ou apenas realisticamente constatadas em tão desmistificadora e pessimista narrativa! –, traz-nos um retrato humano (uma caricatura sociopolítica, ética e moral...), e traça-nos um expressivo cenário histórico, simultaneamente realista e céptico, que é revelado através de “fragmentos intemporais de sabedoria [sic] política, desde a importância de prometer tudo a todos até à evocação de escândalos sexuais que envolvem os adversários, passando por se ser camaleão, dar um bom espectáculo às massas e rodear-se sempre de apoiantes acérrimos.

“ (...) Todo e qualquer idealismo ou ingenui– Trata-se, aqui, de um minucioso trabalho dade são [ali] postos de lado quando Quinto académico, compreendendo uma outra tradução fala ao irmão – e a todos nós – sobre a forma portuguesa integral e crítica da referida obra baixa e suja como realmente se processa uma latina de Quinto Túlio, e que vem acompanhada campanha eleitoral vitoriosa. de “um conjunto de notas que visam esclarecer “ (...) É fascinante verificar que, tendo a aspectos civilizacionais e prosopográficos importantes para a plena compreensão do texto República Romana desaparecido há dois mil por parte de um leitor do séc. XXI, em geral, anos, e apesar de todas as mudanças entretanto e infelizmente, bastante afastado dos realia do ocorridas, está tudo na mesma”... mundo romano”. – Assim, por todas estas razões, mais aquelas Ora o Commentariolum petitionis daquele recorrências que o leitor de certeza deliciosamentão impiedoso e cruel (quanto premonitório e te identificará naquela época – e mais dramaticaparadigmaticamente maquiavélico...) irmão do mente ainda reconhecerá nos discursos e práticas grande, exuberante e ambicioso orador e político das respectivas e reais réplicas contemporâneas... Marcus Tullius Cícero – ele próprio emanação e –, é esta uma leitura propiciatória de profunda rereconhecido espelho de uma época instável e tur- flexão crítica, para estes chuvosos dias e noites de bulenta, como bem é reproduzido na interessante campanhas eleitorais e expectativas políticas que edição agora lançada em Portugal – e logo numa só o futuro dirá aonde levarão, por entre tantas época eleitoral inspiradora de leituras sobre as das continuadas ou adiadas (des)esperanças do várias fortunas e infortúnios que bem quadram País inteiro e as muitas, históricas e cansadas e decorrem das propostas cinicamente arqui- (des)ilusões do Povo!

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