QUMRAN E APOCALÍPTICA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DOS TEXTOS DE QUMRAN E OS PRINCIPAIS TEXTOS DO PERÍODO DO SEGUNDO TEMPLO

Share Embed


Descrição do Produto





29

INTRODUÇÃO

Ao refletirmos sobre os Manuscritos do Mar Morto entraremos em um campo de discussão altamente fértil, não explorado, com um potencial gigantesco de entendimento do judaísmo de seu tempo.
O tema de nossa pesquisa está envolto da análise comparativa dos textos de Qumran com os principais textos do período do Segundo Templo. Abordaremos desde a época da restauração dos judaítas até ao período do livro de Apocalipse que fora escrito por volta da década de 60 d.C. Mas daremos mais atenção ao texto de Daniel, o apócrifo de I Enoque e os textos apocalípticos de Qumran.
Usando o método comparativo de Marcel Detienne que traz consigo a ideia de comparativismo com o auxílio de outras ciências, na pesquisa não usaremos outras áreas, ficaremos apenas no método bíblico-historiográfico.
A Relevância do tema de nossa pesquisa é de extrema importância, pois no Brasil, a pesquisa referente aos Manuscritos do Mar Morto e a Comunidade de Qumran não é um campo muito explorado no Brasil, muito menos o pensamento apocalíptico e seus textos, entretanto, a descoberta da comunidade de Qumran e dos seus manuscritos trouxeram novas perguntas sobre o período do Segundo Templo junto com os outros textos apocalípticos.
A hipótese de nossa pesquisa está na forte ligação que há entre a Comunidade de Qumran, com os outros judaísmos do período do Segundo Templo, tanto na história, como na identidade apocalíptica.
A delimitação de nossa pesquisa é muito evidente, pois trataremos dos principais textos desse período do Segundo Templo e não usaremos os textos de Josefo, Filo e Plinio e nem entraremos em outros assuntos que não seja a apocalíptica no período do Segundo Templo, dando ênfase nos textos qumranitas.
A Justificativa por ter escolhido esse tema, está ligado ao fato de, não ser um campo muito explorado no Brasil, as pesquisas tanto dos textos no campo exegético, como no campo histórico ligado à comunidade qumranita e seu tempo, está no começo da exploração, por isso, que o interesse pela apocalíptica, principalmente em Qumran, foi tão intensa e bem intrigante, pois é um campo que está se abrindo e terá muitos frutos no Brasil.
A problematização de nossa pesquisa está ligada à comunidade qumranita que apesar de pertencer ao mesmo período histórico de Daniel, Ageu, João Batista, Jesus e Paulo, a Bíblia não nos dá nenhuma informação sobre essa comunidade, que fez parte dessa história e contribuiu e muito para os avanços da pesquisa do período do Segundo Templo.
O objetivo da pesquisa é fazer uma comparação dos textos apocalípticos de Qumran e os principais textos do período do Segundo Templo, dando uma ênfase nos textos pós-exílicos.
A metodologia que vamos usar é a bibliográfica, as principais fontes que iremos como referenciais teóricos serão: Literatura Judaica, entre a Bíblia e o Mixná, uma introdução histórica cujo o autor é George W. E. Nickelsburg da editora Paulus, do ano de 2011, e o outro será o livro Comparar o Incomparável de Marcel Detienne, Ed. Ideias e Letras, do ano de 2004.
As definições e conceitos de nossa pesquisa estará no comparativismo da apocalíptica na Comunidade de Qumran e os textos pós-exílicos e deutero-canonicos.






















APOCALÍPTICA NO PERÍODO DO SEGUNDO TEMPLO

Ao tratarmos da apocalíptica no período do Segundo Templo, iremos entrar em um universo amplo, onde poderemos acompanhar as dominações que os israelitas sofreram e também poderemos observar o levantamento de culturas e povos com grandes poderes bélicos que dominavam e exilavam em algumas situações os povos conquistados. Outra questão que observaremos é o início de um misticismo mais voltado para o apocalipticismo, onde um imaginário escatológico e experiências místicas começaram a aparecer, como no caso de Daniel e a aparição de anjos, Ezequiel e seu misticismo mercaváh, entre outros.
John Collins em seu livro "A imaginação apocalíptica, nos mostra uma definição interessante de apocalíptica ou apocalipticismo:

As pesquisas acadêmicas mais recentes abandonaram o uso do termo "apocalíptica" como um substantivo e fazem distinção entre apocalipse como um gênero literário, apocalipticismo como uma ideologia social e escatologia apocalíptica como um conjunto de ideias e motivos literários que também podem ser encontrados em outros gêneros literários e contextos sociais. (COLLINS, 2010, p. 18)

açiaxtensa no caso de Daniel e a apariç onom grandes poderes bcompanhar as dominaç
Pode-se observar que existe uma diferença clara entre apocalipse, apocalipticismo e escatologia apocalíptica, trazendo uma abrangência nesse estudo sobre apocalíptica no Antigo Testamento. Na literatura apocalíptica existem muitas alusões mitológicas, mas esse é um tema controverso, pois, a palavra mito é muito abrangente e tem uma diversidade na interpretação, em algumas ocasiões esse termo é empregado como rótulo de gênero, às vezes como forma de pensamento, mas também como associação com um ritual. Ao tratamos de alusões mitológicas na literatura apocalíptica, iremos nos ater aos motivos literários que deriva dessa história. Uma resposta interessante sobre o tema quem irá nos fornece é Gottwald em seu livro Introdução socioreligiosa à Bíblia Hebraica:

O termo apocalipse, do grego "revelação", "descoberta", "tirar o véu", é usado convencionalmente por um tipo de literatura revelatória, do qual existe um grande número de exemplos judaicos, cristãos, gnósticos, greco-romanos e persas, a partir do período de 200 a.C-300 d.C. (GOTTWALD, 1988, p. 405)

Sua origem para muitos foi no período pós-exílio onde os israelitas tiveram o retorno decretado por Ciro nos livros da Bíblia Hebraica chamados de Esdras e Neemias, mas isso veremos a seguir.

APOCALÍPTICA NOS PROFETAS PÓS-EXÍLICO

Para ter uma boa compreensão da apocalíptica é preciso lidar com o intervalo de tempo, que está inteiramente ligado ao contexto histórico formado nas bases sociais e políticas.
Os profetas entendiam o tempo escatológico à sua maneira, ao observarmos o período pós-exílico, podemos observar que existia uma grande expectativa do Messias e seu reinado, seja ele celestial ou terreno, mas o que podemos entender é que esse período de restauração fora bem complexo para os judaítas, mas o que podemos entender é que essa escatologia estava ligada ao tempo, eles esperavam "O dia do Senhor". Como foi comentado no capítulo anterior, o tempo para os judeus é diferente do nosso pensamento ocidental, pois, eles não obtiveram um conhecimento claro sobre o tempo, Von Rad nos traz uma ideia interessante:

Israel não conhecia a ideia do tempo absoluto que percorre uma extensão em linha única. Além disso parece haver a certeza de que não estava em condições de pensar no tempo de forma abstrata, independente dos respectivos acontecimentos. Não podia conceber um tempo sem um determinado acontecimento. (RAD, 2006, p. 535)

Diferente de nós, os judeus tinham sua maneira de pensar sobre o tempo, uma forma simples e bem próxima ao momento vivido por eles. Toda profecia apocalíptica tinha um prazo curto, ou seja, o profeta tinha a revelação divina do futuro que estava para acontecer e ele relatava ao povo judeu, mas sempre deixava claro o tempo de seu cumprimento não era distante. Paulo possuía tal compreensão fato exemplificado em seu pensamento sobre a Parousia.
A ideia de tempo para os judeus tem uma mudança, pois, historicamente houve uma disposição e uma adaptação conforme há mudança no tempo vivido pelos profetas. A caracterização disso vem por conta da apocalipticismo do tempo histórico vivenciado pelos profetas posteriores, pois, a mensagem profética depende exclusivamente dos acontecimentos históricos, ou seja, está tencionada a situação da causa e efeito. Uma explicação clara do que significado do tempo escatológico no pensamento profético encontra-se no livro de Von Rad, 2006, p. 546 onde ele declara:
"Entretanto, além disso, percebemos nos profetas uma novidade: exibem uma vigilância incrível na percepção sutil dos grandes movimentos e das grandes mudanças históricas do seu tempo."
Os profetas estavam cientes dos acontecimentos do seu tempo, eles estavam atentos às mudanças que ocorriam na sociedade em que viviam, por isso, quando houve uma mudança de caracterização da religião, os profetas souberam lidar com isso, pois eles compreenderam a nova atuação de Iahweh na história.
O novo modo de ação de Iahweh na história do povo judeu, se faria por meio da apocalíptica, onde haveriam uma clara aceitação e esperança de um tempo diferenciado do que eles viviam. O apocalipticismo do tempo, trouxe consigo uma expectativa iminente da vinda do Messias, mas, não seria o fim de tudo, mas a volta ao início, ao ponto zero. As mensagens apocalípticas dos profetas são dirigidas para as pessoas de seu tempo, ou seja, os profetas não imaginavam que sua mensagem seria para gerações tão distantes, existia a iminência e o governo messiânico, as visões tem um papel fundamental no aspecto da escatologização do pensamento histórico dos profetas, pois, a revelação de um futuro faz parte da apocalíptica judaica, Werner Schimidt nos traz uma informação interessante:

As visões apocalípticas do futuro, no entanto, já não tornam esta ligação com seu tempo explícita, mas a ocultam através da pseudonímia. Como autores aparecem pessoas famosas da própria história: profetas, mestre da lei ou sábios, como Esdras, Baruque, Isaías, Elias, Moisés ou Abraão; mas também se pode recuar para além do passado mais imediato ou mais distante até os primórdios e recorrer às pessoas como Adão e Enoque. (SCHMIDT, 2004, p. 447)

As visões trazem revelações sobre um tempo que em algumas circunstâncias os profetas ficaram sem entendimento até que Iahweh chegasse com a interpretação ou até mesmo um anjo. As visões têm um papel fundamental na apocalíptica judaica, pois, trouxe consigo as respostas de Iahweh para as situações vivenciadas e de sua ação no tempo futuro, uma espécie de imáginário.
Toda visão tem sua interpretação obtida por meio de um sábio ou um anjo como aparece no livro de Daniel 8.15, onde o anjo Gabriel explica a visão para Daniel.
A escatologia profética traz uma estrutura bem consistente, que tem uma ideia de julgamento por causa das faltas contra Iahweh, podemos verificar também o começo de uma nova era com a continuidade do reinado da linhagem davídica com o Messias, a mudança de uma era para outra como uma destruição de algo antigo e o levantar de algo novo.
A mensagem apocalíptica apesar de ser futurista, a intencionalidade da mensagem é fazer o povo judeu olhar para traz, para seus antecessores.
Os profetas tinham um tempo e espaço, e a confiança da ação de Yaweh, quer fosse num futuro próximo, quer distante, o que podemos ressaltar é a mensagem profética que não se repetia em momento algum, essa mensagem era dirigida por um determinado tempo da história, de forma definida e não haveria repetições nos mesmos termos por parte de Iahweh, Clarisse Ferreira nos traz uma informação muito interessante a respeito do tempo e a mensagem apocalíptica:

A apocalíptica é associada essencialmente ao momento de crise. Os judeus, desde o exílio, haviam perdido sua independência. Sob o governo de Antíoco IV Epífanes, foram controlados e perseguidos em nome de uma cultura helênica absorvedora, promovida pelo monarca selêucida. (SILVA, 2010, p. 98)

Pode-se entender que o período apocalíptico está ligado a um período de dificuldade, pois, não é para menos, o povo judeu viu-se subjugados por outras nações com um poder bélico imensurável, e esperava-se uma ação divina por meio de uma intervenção à essa ação das nações poderosas.
O autor apocalíptico dissimula o lugar histórico que está, todavia, o apocalíptico apresenta uma concepção da história em que o mais importante é a fixação do mundo no curso da história.
Um termo importante que retrata bem essa ideia apocalíptica do tempo é o termo Aharit Ha Yamim, que tem como significado fim dos dias, esse termo tem sido bastante discutido no meio acadêmico, se esse termo traz um caráter monolítico ou se essa expressão tomou forma com o passar do tempo? Essa expressão em boa parte dos textos da Bíblia Hebraica é ligada a uma futura época, conhecida como a era do Messias.
Esse termo Aharit Ha Yamim ganha uma força na associação com o messianismo, pois, assim como o termo traz em sua tradução, fim dos dias, o messianismo abre a porta para tempo diferenciado na apocalíptica.
O que podemos entender é que Deus de acordo com Von Rad, 2006, p.725, o fato que Deus determinou o respectivo tempo de todos os seres humanos e de todos os povos. Esse tempo haveria a tão esperada era messiânica, onde aquele que seria o sucessor davídico e aquele que traria paz e prosperidade para os judeus.
Outra coisa menos importante é o messianismo, para os judeus essa ideia era bastante relevante, pois, A ideologia messiânica traz consigo algumas importâncias nesse período, todavia, essa ideia foi sendo transformada com o tempo, como se houvesse uma influência sobre esse pensamento, pois, como citamos anteriormente, o Messias na tradição israelita, era um líder ou um rei que tinha esse título, mas como o passar do tempo essa ideia foi tomando uma direção diferente, pois nem sempre, o rei era chamado de Messias, Fohrer nos traz uma explicação interessante sobre o tema:

O título tardio "Messias" foi bem escolhido naquilo que representa uma forma abreviada expressão mesîah ykwk, ungido de Iahweh, originalmente aplicada ao rei reinante. Assim, o título caracteriza a figura escatológica do mesmo modo que um rei. Contudo; deve ser notado que o rei persa Ciro foi também mencionado por ela (Is.45.1) e que, mais tarde, lemos da unção do sacerdote (Lv. 4.3 e passim), de todos sacerdotes (Êx. 28.41), dos profetas (IRs. 19.16, Is. 61.1) e dos patriarcas (Sl. 105.15; I Cr. 16.22). (FOHRER,2012, p. 453)


A ideia que Fohrer é de um Messias humano e não um ser divino que os cristãos entendem que será, não que a ideia dos cristãos esteja errada, pois, não está, mas a ideia israelita era de um ungido humano que trabalharia em prol do povo israelita.
Se o título tardio Messias significa ungido de Iahweh, a ideia de uma unção para aproximação para com Iahweh é bem consistente nesse tempo, pois a unção profética sobre um rei lhe dava condições de apoio e a aceitação de Iahweh. Mas a realeza sempre trouxe uma tradição popular, pressupondo que era condicionada à obediência a Iahweh e a sua lei. Mas a realeza com título de Messias, não está totalmente ligada aos israelitas e futuramente judeus, mas a reis e governantes estrangeiros que tiveram um papel importante para o povo judeu.
Ele é aguardado para época escatológica tanto no judaísmo tardio e antigo, como no cristianismo primitivo, trazendo consigo, o estabelecimento da soberania divina. Sua linhagem descrita nos textos apocalípticos, relatam que ele seria da linhagem davídica, uma linhagem real. Uma ideia clara dessa expectativa que nos fornece são Heinz-Josef Fabry e Klaus Scholtissek:

A expectativa messiânica se diferencia de acordo com sua intensidade, seu alinhamento pessoal, sua pragmática política e social, assim como no que diz respeito à sua relação com a respectiva religião e com sua ordenação nela. Portanto, nesse sentido mais amplo, a expectativa messiânica também é encontrada fora da Bíblia e das religiões judaicas e cristãs. (FABRY; SCHOLTISSEK, 2002, p. 14)


A expectativa messiânica não era uma exclusividade judaica, nem cristã, mas de outras religiões, o que podemos entender é que essa expectativa, já existia nos outros povos, existiram muitos mitos e suas apocalípticas, criando os messianismos em outras culturas.

DANIEL E OS ANJOS, A EXPERIÊNCIA APOCALÍPTICA POR MEIO VISIONÁRIO

A experiência apocalíptica que Daniel experimentou está totalmente focada nas visões sobre o futuro, e essas experiências tem total ligação com o tempo da escrita do livro.
O relato mais claro encontramos nos capítulos 2, onde Daniel interpreta o sonho para o rei Nabucodonosor, onde ele começa essa interpretação de sonhos e logo mais ele recebe às visões sobre os reinos futuros. Para muitos há uma diferença entre os capítulos 1-6 e 7-12, pois para muitos os seis primeiros capítulos foram escritos em aramaico e estava na terceira pessoa, e os capítulos 7 a 12 foram escritos em aramaicos e traduzidos para o hebraico, uma pessoa que irá colocar dessa forma será John Collins em seu livro A imaginação apocalíptica:

Há um consenso que os capítulos 2-6 formam compostos em aramaico. Alguns pesquisadores sustentam que os capítulos 8-12 foram compostos em aramaico e então traduzidos para o hebraico. A evidencia para essa última afirmação não é convincente, e não fica claro por que só esses capítulos foram traduzidos. O capítulo 1 pode ter sido composto como uma introdução aos contos, em aramaico, ou a todo livro, em hebraico. (COLLINS, 2010, p. 138)

De acordo com Collins, podemos entender que talvez haja dois idiomas no escrito de Daniel. Esse livro tem uma ideia apocalíptica diferenciada, pois era uma espécie de encorajamento à tirania de Antíoco IV Epifânio, mas o que nos chama a atenção nesse livro são as visões que Daniel recebe e passa ao rei e também logo mais à frente ele recebe com o auxílio do anjo.
O ponto de partida como foi citado acima será o capítulo 2 onde Daniel interpreta o sonho para o rei Nabucodonosor:

No segundo ano do seu reinado, Nabucodonosor teve sonhos que lhe perturbaram o espírito. E a tal ponto que o sono abandonou. O rei ordenou que convocassem os magos e adivinhos, os encantadores e os caldeus, a fim de que interpretassem os seus sonhos. Eles vieram, pois, e se apresentaram diante do rei. (DANIEL 2.1-2, BÍBLIA DE JERUSALÉM)


A situação era séria e desesperadora por parte do rei que ele teve que chamar todo tipo de intérprete para descobrir o que significava aquele sonho e para surpresa do rei, ninguém conseguiu interpretar tal sonho.
O que nos chama a atenção aqui é que os sonhos e visões são naturais desse período, pois os judaítas foram influenciados pelos persas, sendo assim, houve um modo diferenciado de praticar tal religião.
Mais à frente no capítulo 2 do livro de Daniel dentro do cárcere interpreta um sonho de um presidiário. Ao ser liberto um dos presidiários relata ao rei, mas o mais interessante é que Daniel enfatiza que a revelação desse sonho não parte dele, mas da sabedoria divina. O rei teve o sonho da estátua e logo teve a interpretação de Daniel:

Tu ó rei dos reis, a quem o Deus do céu concedeu o reino, o poder, a força e a honra, em cujas mãos ele entregou, onde quer que habitem, os filhos dos homens, animais do campo e as aves do céu, fazendo-te soberano deles todos, és tu que és o cabeça de ouro. Depois de ti se levantará outro reino, inferior ao teu, e depois ainda um terceiro reino, de bronze, que dominará a terra inteira. Haverá ainda um quarto reino, forte como ferro, o ferro que reduz tudo ao pó e tudo esmaga; como o ferro que tritura, este reduzirá a pó e triturará todos aqueles. Os pés que viste, parte da argila de oleiro e parte de ferro, designam um reino que será dividido: haverá nele parte da solidez do ferro, uma vez que viste ferro misturado com argila de oleiro. Com os pés parcialmente de ferro e parcialmente de argila de oleiro, assim esse reino será parcialmente forte, e parcialmente fraco. (DANIEL 2.37-42, BÍBLIA DE JERUSALÉM)


Nessa fase podemos observar um Daniel mais interpretador de sonhos do que o visionário que veremos na segunda parte do livro, essa interpretação do sonho teve uma valia muito grande para os estudos apocalípticos, pois, há uma ideia de cada reinado que virá futuramente após o babilônico, como Média, Persa e Macedônia, mas também podemos entender que estas interpretações de sonhos é usado com maior frequência, mas com o auxílio angelical, mas na interpretação daniélica não se vê anjo auxiliando, mas a confiança em Iahweh.
Nesse mesmo capítulo há uma figura muito importante; o ferro como símbolo de guerras e violência no tempo do escrito daniélico, mas mostrando que esse reino teria uma força e uma fraqueza. Mas esse reino seria destruído pelo reino de Iahweh.
A supremacia de outros povos sobre os judeus, levou o autor a escrever esse conto do herói Daniel, que aparece nos textos adicionais de relacionados aos primeiros capítulos do livro. O primeiro deles é o conto de Susana que está ligada aos capítulos 3 e 6 do livro de Daniel. Quem traz uma informação clara sobre esse conto é George W.E. Nickelsburg em seu livro literatura judaica, entre a Bíblia e o Mixná:

Essa é uma história de perseguição e de justificação na tradição de Daniel 3 e 6. Susana é escalada no papel de justa, conspirada pelos anciãos, condenada à morte por causa de sua obediência a Deus, salva por Daniel – a figura do salvador divinamente enviado- e justificada das ações contra ela. Como em algumas das outras histórias, a aclamação ao final é dirigida ao Deus que salva (v. 60). (NICKELSBURG, 2011, p.63)

Esse conto traz uma ideia fortificada de justificação dos justos e a punição dos perversos, onde a justiça divina entraria em ação contra aqueles que não foram fiéis a ele. Outro texto que é adicional é Bel e a serpente que está situado no capítulo 14 do texto daniélico, o texto mostra uma nítida crítica à idolatria, há uma polêmica no ar, que faz com que o autor tenha que fazer alguns contos de louvores à Iahweh. Nesse texto há muito humor e uma ridicularizarão dos ídolos. O outro texto é a oração de
Azarias e o cântico dos três jovens que consiste em uma oração de confissão que foi atribuída à Azarias, mais conhecido com Abdênego.
O capítulo cinco podemos observar outra interpretação dos sonhos realizada por Daniel, na ocasião foi o rei Baltazar que teve à visão de uma mão escrevendo algo sobre seu futuro, fazendo com que ele ficasse em pânico. O rei Baltazar estava oferecendo um grande banquete para as pessoas da alta classe, mas o ponto principal foi a hora em que ele pegou a taça de ouro que foram tiradas do Templo, oferecendo adorações aos deuses de sua terra, mas na continuação do texto podemos observar:

De repente, apareceram dedos de uma mão humana que se puseram a escrever, por detrás do lampadário, sobre o estuque da parede do palácio real, e o rei viu a palma dão que escrevia. Então o rei mudou de cor, seus pensamentos se turbaram, as juntas dos seus membros se relaxaram e seus joelhos se puseram-se a bater um contra o outro. E logo, aos gritos, mandou chamar os adivinhos, os caldeus e os astrólogos. E disse o rei aos sábios da "Babilônia: " Aquele que souber ler esta inscrição, e dela me der a interpretação, será revestido de púrpura, receberá um colar de ouro ao redor do pescoço e ocupará o terceiro lugar no governo do meu reino. (DANIEL 5.5-7, BÍBLIA DE JERUSALÉM)


A visão deixou o rei tão desnorteado que fez ele tomar uma medida rápida e ao mesmo tempo absurda, pois aquele que interpretasse a visão seria o terceiro na cadeia de comando da Babilônia, mas Baltazar na verdade seria o filho de Nabucodonosor, que seria Nabônides, mas para surpresa do rei nenhum sábio consegui interpretar a visão que o rei teve, deixando ainda mais o rei perturbado. Era a oportunidade de Daniel, pois no versículo 11 a rainha lembrou-se dele, pois, tinha sido colocado como chefe dos magos pelo Nabucodonosor. Ao entrar na presença do rei e começou a interpretar a visão e o que essa mão escreveu:

Tu te levantaste contra o Senhor do Céu, tu mandaste buscar as taças do seu Templo e tu, teus diginitários, tuas concubinas e tuas cantoras nela bebestes o vinho entoastes louvores aos deuses de ouro e de prata, de bronze e de ferro, de madeira e de pedra, os quais não veem, não compreendem; mas o Deus que detém teu respiro entre suas mãos e de quem dependem todos os teus caminhos, tu não gloriaste! Por isso, foi por ele enviada a extremidade dessa mão e traçada essa inscrição. A inscrição, assim traçada, é a seguinte: Menê, Menê, Teqel, Parsin. É esta a interpretação da coisa: Mane- Deus mediu o teu reino e deu-lhe fim, Tecel- tu foste pesado na balança e foste julgado deficiente, Parsin- teu reino foi dividido e entregue aos medos e aos persas. (DANIEL 5.23-28, BÍBLIA DE JERUSALÉM)


Após a interpretação o rei cumpriu o que havia prometido, que revestiria de púrpura e daria uma corrente de ouro, após essa interpretação, na mesma noite o rei Baltasar morre assassinado, e o Dario, o medo, tomou o poder.
Na segunda parte do livro de Daniel, o personagem deixa de interpretar as visões e começa a ter as visões, ou seja, há uma mudança de estilo, aqui ele não interpreta mais, agora, ele recebe e tem que anotar, mas ao que tudo indica, é que Daniel passou por um processo, ou seja, para obter essas visões, ele primeiro teve que interpretar os sonhos e visões que os reis tiveram. Mas a princípio, ele teve sua primeira visão, quando estava dormindo, fazendo o mesmo caminho que Esdras no seu quarto livro, mas também tem mediações dos anjos, outro ponto apocalíptico encontrado no texto de Daniel, pois além de sonhos e visões, a mediação do anjo é importante para a compreensão da apocalíptica no livro daniélico. As visões são resultado de uma experiência mística, trazendo em certo ponto, trazendo uma estreita conexão entre a apocalíptica judaica e a sabedoria mântica.
Uma definição desse tipo de situação em que os sonhos e visões são recebidas, quem nos fornece de forma clara é o Russell:

Entrega-se a longo período de oração (Dn 2.18, 4 Esdras 5.13, 6.31,35; 9.23-28, etc.) e jejum (Dn 10.13, 4 Esdras 5.13, 2 Baruc 9.2, etc.); ou se confina a dieta rigorosa (Dn 10.2, 4 Esdras 9.23, 2 Baruc 29.5-8, etc.), ou como no caso de Esdras, toma uma poção especial que o enche com espírito de sabedoria e intuição espiritual (4 Esdras 14.38). (RUSSELL, 1997, p. 106)


O que podemos observar dessa ideia do Russell é que aqueles que recebem a visão ou sonhos estão em estado de purificação ou de extrema ligação com Iahweh, Daniel se encaixa bem nessa teoria, como foi bem citado, pois no próprio texto, Daniel rejeita as refeições babilônicas para comer somente alface, podemos aqui observar que a visão ou sonho não via do nada, mas ela viria, depois de estar numa mística bem forte e intensa com Iahweh.
No capítulo 7 acontece o primeiro sonho e visões que lhe trouxeram perturbação, mas esse tipo de visão teve uma similaridade com o misticismo Mercaváh, onde houve uma abundante experiência mística. Mais uma vez o simbolismo fez parte da visão de Daniel de forma figurada, sendo assim, cada fera representaria um reino que de tempos em tempos iriam aparecer, Nickelsburg nos mostra uma visão bem interessante da visão daniélica:

A imagética das bestas se erguendo do mar é rememorativa dos antigos mitos do Oriente Próximo que retratam o antigo monstro do caos e seu combate com e derrota definitiva pelo grande Deus. Aqui, todas as quatro bestas são poderosas e predadoras terríveis, enfatizando o poder militar que alcança seu clímax na Macedônia. (NICKELSBURG, 2011, p. 43-44)


O que fica claro é que assim como o livro de Apocalipse de João, o livro de Daniel tem uma simbologia personificada em mitos antigos, mitos esses muito usado nos outros livros, como deutero-canonicos, mas isso trataremos mais à frente. No capítulo oito temos a visão do carneiro e bode, é uma continuação da visão do capitulo 7, pois o bode e o carneiro tem uma representação do poderio militar dos reinos representados, mas tem a intermediação do anjo Gabriel, para explicar a visão, da mesma forma com ele faz no capítulo 9 quando ele explica as setenta semanas.
Nesse capítulo 9, podemos observar que Daniel orava de maneira intensa quando Gabriel apareceu para lhe dar as explicações sobre a visão profética:

Eu estava ainda falando, proferindo minha oração, confessando meus pecados e os pecados do meu povo, Israel, e apresentando a minha súplica diante de Yaweh meu Deus, pela santa montanha do meu Deus; eu estava ainda falando, em oração, quando Gabriel, aquele homem que eu tinha notado antes, na visão, aproximou-se de mim, num voo rápido, pela hora da oblação da tarde. Ele veio para falar-me, e disse: "Daniel, eu saí para vir instruir-te na inteligência. Desde o começo da tua súplica uma palavra foi pronunciada e eu vim para comunica-la a ti, porque és o homem das predileções. (DANIEL 9.20-23, BÍBLIA DE JERUSALÉM)


As setenta semanas estaria ligada aos 490 anos, apesar e cronologicamente ser bastante obscuro esse número, o que podemos entender é que esse tempo é dividido em três períodos, onde o primeiro termina no ano de 538, com a aparição do ungido, seja ele Zorobabel ou Josué, o sumo sacerdote. O segundo período terminará com a morte do ungido que poderia ser Onias III, a última seriam as ações de Antíoco com respeito à Jerusalém. O que podemos entender é que nesse capítulo os versículos 4-19 são uma longa oração pedindo pela restauração de Israel e o retorno da dispersão.
Os capítulos 10 a 12 tratam exclusivamente do futuro que seria muito em breve, mas em um tempo distante, pois essa mensagem não era para ser proclamada, mas sim guardada e selada, na visão do capítulo 10 há uma referência clara ao Alexandre o Grande. Mas as guerras entre as seis nações envolvem, no nível celestial, a batalha entre seus príncipes angélicos, assim como o Rolo da Guerra em Qumran, onde os filhos da luz guerreiam contra os filhos das trevas e junto nessa guerra estão os justos e os kittim.
No capítulo 12 há uma referência sobre Miguel, pois de acordo com o texto 12.1, ele está conservado no meio do povo e pronto para batalhar ao lado dos judaítas pela causa de Iahweh.
O livro de Daniel traz uma abrangência clara no quesito apocalíptico, pois o personagem Daniel interpreta sonhos por meio da ação divina, tem sonhos e visões e por fim tem o auxílio do anjo para poder entender o sonho e a profecia sobre o futuro, tudo isso está ligado a uma escatologia apocalítica intensa, que acima de tudo está ligado à sua época, pois, o que podemos entender é que o livro tem ligações muito forte com outros escritos, como no caso de Henoc, Testamento de Moisés, Jubileus e também Macabeus, pois há referências sobre a retomada do Templo por meio do Judas. Daniel na segunda parte é tido como um sábio, que era capaz de predizer o futuro, esse imaginário apocalíptico que Daniel tivera, podemos encontrar em outros textos como fora citado acima.

A APOCALÍPTICA E AS ASSUNÇÕES NOS LIVROS APÓCRIFOS E PSEUDOEPÍGRAFOS

A apocalítica nos textos apócrifos e pseudoepígrafos, estão envoltos de viagens, visões e sonhos, como iremos observar mais à frente, era uma característica de cada personagem, mas nem todos os textos eram feitos dessas experiências, alguns textos tinham conotações apocalípticas, não nos mostram essas experiências extáticas, todos eles tinham nomes de personagens da história hebreia, para assim poder dar mais consistência aos escritos.
O livro de Jubileus é apresentado como uma revelação secreta que os anjos de Iahweh transmitida a Moisés no Monte Sinai, há um interesse do autor desse livro na Halacá, que está intimamente ligado ao modo de vida baseado em ensinamentos e ordenanças, parecendo ser um membro de uma família sacerdotal, mas o que nos chama a atenção é que o livro vai tratar principalmente das origens humanas como foi citado no livro organizado por Eduardo Proença, cujo o título é Apócrifos e pseudoepígrafos da Bíblia, onde o texto de Jubileus começa dessa forma:

E o anjo da presença falou a Moisés conforme a palavra do Senhor, dizendo: Escreve a história completa da Criação; como Deus, nosso Senhor, concluiu em seis dias todas as suas obras e tudo que ele criou, e celebrou o Sábado no sétimo dia e o santificou para todas as gerações, indicando-o como sinal para todas as suas obras. (PROENÇA, 2014, p. 245)


O livro de Jubileus tem uma ligação com o início de Gênesis de forma clara, pois de acordo com o texto, a criação está sendo reescrita, mas sem o objetivo de mudar o texto já escrito.
O Texto de Jubileus tem uma ideia Midráshica e tem uma alta semelhança com a literatura qumranita, não apenas no sentido teológico, mas também no prático. O livro em si começa com a criação do mundo e dos seres viventes e termina com a partida de Adão e Eva do Paraíso.
Outro livro a ser tratado é o Testamento de Moisés ou o mais conhecido Assunção de Moisés, onde a representatividade é altamente judaísmo palestinense, segundo Russell, 1997, p. 80 esse livro é datado entre a revolta macabaica e os primeiros anos do século primeiro, que tem como referência o discurso de despedida de Moisés ao seu sucessor Josué.
O autor faz várias referências futuras sobre Israel como por exemplo a profecia mosaica a respeito do retorno dos exilados na época de grande apostasia.
O que podemos entender é que existia uma crescente iniquidade e apostasia nos povos da época, muitos colocam essa época no período hasmoneus, no reinado de Antíoco IV Epífanes, pois, há uma referência clara o sacrifício de um porco no Templo. Tudo indica que o autor estava numa expectativa de um julgamento iminente, pois o autor no capítulo cinco deixa claro essa ideia de maldade e o castigo divino. No livro de Proença, 2014, p. 195, no Testamento de Moisés no capítulo 10 há uma possível referência ao império romano simbolizada pela águia:
Então tu, Ó Israel, ficará contente, e montará nos pescoços e asas de águia e eles serão exterminados.
Mas não há documento que comprove essa ideia, deixando ela no campo da suposição.
O texto de 4 Esdras foi datado no ano 100 d.C. sendo que os capítulos 3-14, sendo que os capítulos 15-16 comentários cristãos, ele tem como fundo histórico o período da destruição de Jerusalém pela Babilônia, Nickelsburg nos mostra uma ideia interessante:

Ele é atribuído a certo Salatiel (Shealtiel), que a Bíblia menciona como o pai de Zorobabel, o construtor do Segundo Templo. Em 4 Esdras, contudo, Salatiel é identificado como Esdras, o escriba, que na realidade viveu durante o século seguinte. A evidência que consideraremos abaixo indica que o livro deveria ser datado no final do primeiro século d.C., ou seja, aproximadamente trinta anos após a destruição romana de Jerusalém. (NICKELSBURG, 2011, p. 502)


Esse texto de Esdras é um texto que contém uma coleção de visões revelatória por forma de narrativa, essa narrativa conta a transformação de Esdras de alguém que lamenta a destruição de Jerusalém e critica o que ele perceber injustiça de Deus.
O livro tem sete seções, sendo sete visões, com a aparição do Arcanjo Uriel e tem como simbolismo da águia o império romano, e tem uma clara evidência dos fins dos tempos e a aparição da Nova Jerusalém com a vinda do Messias.
Mas também tem a revelação do paraíso e da geena, Collins nos traz uma ideia interessante:

A quarta seção de 4 Esdras, ou a primeira visão, é geralmente considerada o ponto de virada do livro. Esdras começa, de maneira similar aos outros diálogos, a reclamar sobre a destruição de Israel. Nesse caso, no entanto, ele é distraído pela visão de uma mulher que está lamentando a morte de seu único filho. Esdras subitamente assume o papel de consolador, apesar de seu tom ser um tanto quanto severo. (COLLINS, 2010, p. 294)

O que percebemos é um descontentamento do autor com a desolação de Israel, pois, o texto foi escrito após a queda de Jerusalém trazendo à tona o descontentamento pela desolação de sua cidade através do texto de Esdras que da mesma forma, fica indignado com a destruição de Judá pelos babilônicos.
Por causa de pressupostos deuteronomista, para muitos como John Collins,2010, p. 302 é um apocalipse farisaico, mas as concepções de 4 Esdras são atípicas à literatura rabínica, dito isso, a ideia fica cada vez mais clara com relação a ruptura entre esse mundo e o vindouro.
No texto de 4 Esdras encontramos um pessimismo em satisfazer à lei, que por sinal está ligado ao ensino paulino, mas esse pessimismo não está somente relacionado à lei, mas também ao ser humano, mas se olharmos para o lado histórico podemos entender que esse pessimismo é normal, pois o autor presenciou a queda de Jerusalém, tanto a destruição do Templo, como da cidade, se olharmos para essa ótica poderemos entender o pessimismo do autor.
O livro de 2 Baruc foi composto no período entre as duas revoltas, onde o contexto histórico é o mesmo do 4 Esdras, e a estrutura de visões são as mesmas, sete visões, Collins nos traz uma ideia sobre a escatologia e suas tensões:

A tensão nas concepções escatológicas foi alegada no tratamento do templo e messias. No capítulo 4, Deus diz a Baruc que há um templo celestial que será revelado no tempo do fim. No capítulo 6, no entanto, os vasos do templo estão escondidos, para que possam ser restaurados quando Jerusalém for liberta. (COLLINS, 2010, p. 307)

Para o autor de 2 Baruc, o templo será reconstruído, mas não será iminentemente, essa será uma restauração escatológica, para o autor a Jerusalém escatológica é mais importante do que o templo mundano.
A mensagem central de 2 Baruc é a observância da Lei, as revelações escatológicas seguem para esse caminho.
O principal texto apócrifo é o livro de I Enoque, que são uma coleção de escritos apocalípticos divididos em cinco composições separadas: o Livro dos Vigilantes (caps. 1-36), as Similitudes (caps. 37-71), o Livro Astronômico (caps. 72-82), o livro dos sonhos (caps. 83-90) e a Epístola de Enoque (caps. 91-108), mas na nossa pesquisa trataremos apenas do livro dos Vigilantes e Similitudes.
O livro Etíope de I Enoque foi escrito para muitos antes da revolta macabaica, após a descoberta dos manuscritos do mar morto, isso ficou bem evidenciado.
O personagem da história é o Enoque, que é uma figura bastante enigmática, apesar de haver relatos sobre Enoque no texto de Gênesis 5.18-24, no texto da Bíblia Hebraica, quando Deus toma para si, não implica no relato completo das viagens sobrenaturais do personagem.
A primeira composição mais conhecida como o Livro dos Vigilantes tem como ideia primaria a vinda de um julgamento, conforme uma revelação que Enoque recebeu, sendo assim, ele escreve e deixa relatado para as gerações futuras.
Nos primeiros cinco capítulos temos uma ênfase no julgamento, onde os anjos mandam Enoque observar o céu, a terra, a natureza, verão e as árvores, Proença no seu livro deixa claro como os anjos vieram trazer a visão à Enoque:

Os anjos proporcionaram-me a visão d'Ele, e deles é que eu aprendi tudo; por meio deles também me foi dado compreender as coisas que pude ver, mas não em relação à geração presente, mas sim em relação a uma geração futura. (PROENÇA, 2014, p. 259)


O que podemos entender desse início é que Enoque tem a visão inicial proporcionada por meio de anjos, onde eles lhe ensinaram tudo, fazendo com que ele pudesse assim dar uma consistência na observação das coisas relatadas pelos anjos. O autor com o versículo um e dois, o autor se denomina com uma autoridade de um profeta, citando suas visões e audições celestiais.
Os cinco primeiros capítulos é uma chamada para a observação das situações que o personagem estava vivendo, como também uma ideia de um oraculo no estilo profético tardio que anuncia o iminente julgamento divino, sobre os justos e os maus, sendo assim, Deus traria a vitória para o justo e o castigo para o mau.
Enoque evoca a benção mosaica de Deuteronômio 33, evidenciando o destino dos justos no dia mau. O livro como mostramos no capítulo um, tem um horizonte escatológico, pois a preocupação do autor está no julgamento final.
Os capítulos 2-5 preparam o leitor para a cena do julgamento, trazendo uma ideia de uma literatura sapiencial.
A visão de 6-11 mostra uma mudança e deixa de ser apenas uma observação terrena para ser mais uma observação metafísica, onde agora os anjos teriam vez nas visões. Essa segunda parte tem uma forte ligação com Gênesis 6 com os filhos de Deus:

Quando os homens começaram a ser numerosos sobre a face da terra, e lhes nasceram filhas, os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas e tomaram como mulheres todas as que lhes agradaram. Iahweh disse: "Meu espírito não permanecerá no homem, pois ele é carne, não viverá mais que cento e vinte anos. Ora, naquele tempo (e também depois), quando os filhos de Deus se uniram às filhas dos homens e estas lhes davam filhos, os Nefilim habitavam sobre a terra; estes homens famosos foram os heróis dos tempos antigos. (GÊNESIS 6.1-4, BÍBLIA DE JERUSALÉM)

A história de Enoque se remete ao período anterior desses acontecimentos, trazendo à tona o porquê desses filhos dos homens que muitos consideram esses anjos de Enoque, apesar de não termos materiais que comprovem isso, aqueles que afirmam isso é por meio da suposição.
Enoque é introduzido em meio à crise dos vigilantes, ele é o mediador entre eles e os céus, mas há uma grande dificuldade por meio da tradição, pois há um entrelaçamento de tradições distintas, mas a discussão é extensa demais, pois envolve como por exemplo uma ideia que o Collins nos mostra em seu texto:

Em uma tradição, o líder dos Vigilantes é Semihazah, e o pecado primário é o casamento com humanas e a geração de gigantes; em outra tradição, o líder é 'A´sa'el, e o pecado primário é a revelação impropriada. O fato de se permitir a essas tradições distintas permanecerem em certo grau de tensão já é significativo para nossa compreensão da função do livro. (COLLINS, 2010, p.83-84)

As diversidades das tradições trazem sobre o pensamento apocalíptico uma alegoria em potência, com bastante simbolismo apocalíptico, o texto de I Enoque de 6-11 relata crises percebidas, a queda dos anjos é relatada de forma bem clara como sendo o desejo dos anjos pelas filhas bonitas dos homens, Semihazah, assim como os outros anjos fizeram um juramento, comprometendo a todos na maldição comum e não abrir mão do plano, tomando assim, cada mulher para cada anjo.
Ainda no capítulo 6, os nomes dos anjos envolvidos nesse juramento, são eles: Semihazah, Arakiba, Rameel, Kokabiel, Tamiel, Ramiel, Danel, Ezekeel, Narakijal, Azael, Armanos, Batarel, Ananel, Sakeil, Samsapeel, Satarel, Turel, Jomjael e Sariel. Esses eram os anjos que fizeram o voto no monte Hermom.
Ao engravidar as mulheres, elas deram à luz a gigantes, sendo que, esses gigantes consumiram todo tipo de alimentos dos homens. Eles ensinaram bruxarias, exorcismos e feitiços, sendo familiarizados com ervas e raízes, Azazel ensinou a confecção de espadas, facas, escudos e armaduras. O que podemos entender desse texto, primeiramente, é que existe uma alegorização da crise nesse livro apocalíptico de Enoque, mas as duas tradições ligadas ao personagem Semihazah e Azazel, não estão justapostas, mas sim, mas de forma cuidadosa está entretecida. Ao ensinar as artes mágicas, e confeccionar armas para os seres humanos, os anjos se rebelaram contra Deus, a rebelião primordial é a causa dos males presentes.
Os capítulos 12-16 de I Enoque reforça a mensagem de 6-11, ela não reforça a revolta dos guardiões, mas refere-se a ela, a figura central desse episódio é Enoque, pois é ele quem recebe e transmite essa revolta angélica, ele foi o primeiro a receber essa revelação de um anjo. A resposta dos anjos à sentença que Enoque relata traz um certo pavor aos anjos como podemos ver no livro do Proença:

Então eu dirigi a palavra a todos eles. Todos encheram-se de grande medo e foram tomados de pavor e tremor. Suplicaram-me que lhes escrevesse um rogo intercessório, para que pudessem obter o perdão e que eu lesse o seu pedido na presença do Senhor dos céus. (PROENÇA, 2014, p. 265)

Logo após a sentença e o pedido de intercessão por eles diante do Senhor dos céus, Enoque tem uma visão dos céus que reforça à primeira, sobre sua ascensão aos céus e sua visão da sala do trono. Ao contar sua experiência e os anjos observarem que era real, ele mostra que sua mensagem veio dos céus. Essa situação criada pelos anjos violavam a ordem da criação divina, pois houve uma mistura anormal de seres celeste com humanos, pois essa união poderia produzir nessa situação apenas seres mestiços. Quando os gigantes morreram, seus espíritos foram libertados no mundo como espíritos malignos.
Enoque usa uma forma comissionada e profética para pregar aos anjos rebelados, de acordo com Nickelsburg, 2011, p.111, mostra que essa forma profética tomada por Enoque é derivada do pensamento sobre si do autor, ou seja, o autor via a si mesmo como profeta.
Nos capítulos de 17-19, os guias angélicos conduziram Enoque em uma viagem cósmica, para o lugar onde será a punição dos anjos, lugares esses listados em locais geográficos do Oriente Próximo e grego.
Nos capítulos 20-36 reúnem um segundo conjunto de viagens cósmicas de Enoque, onde ele retraça sua jornada, sendo que, os capítulos 21-23 é primariamente escatológico, esse interesse continua no capítulo 25, com um discurso sobre uma árvore fragrante que será dada aos justos quando Iahweh descer para visitar a terra de forma definitiva. Nos capítulos 26-27, descreve o geena, que seria o local onde os espíritos iníquos iriam após o julgamento. Nos capítulos 28-36 conota uma falta da escatologia, sendo assim, esses textos finais mostram a continuidade da viagem de Enoch aos confins da terra, incluindo o Jardim do Éden no capítulo 32.
Nas parábolas ou Similitudes, ele vai tratar de um tema de libertação por parte de Iahweh, onde os justos seriam libertos e a condenação de seus opressores. Mas o visionário vai até a sala do trono, onde ele inspeciona os astros e os fenômenos celestiais. O discurso do autor do livro continua sendo profético, mas com uma conotação revelatória, ou seja, o discurso do autor do livro de Similitudes traz consigo um discurso de revelação. O livro todo mostra uma série de jornada, onde Enoque é ascende até a sala do trono celestial, essa ideia de ascensão era normatizada nesse período apocalíptico, pois muitos personagens desse período ascenderam até os céus, Enoque também, pois logo no primeiro livro o mito dos Vigilantes, ele está em meio aos anjos.
Nessa segunda parte, o que conta são os lugares por onde ele passou, ou seja, a ideia do autor é mostrar o julgamento dos anjos que pecaram, no enredo da história, podemos ver Deus sendo aquele que seria o agente do julgamento, o seu povo e o líder dos anjos maus, mais conhecido como Azazel. Deus é o defensor de seu povo, os escolhidos, que contam com a participação dos anjos Miguel, Rafael, Gabriel e Fanuel, que correspondem à quatro arcanjos nos capítulos 9-11, Nickelsburg nos traz informações preciosas sobre Azazel e seus companheiros:

Azazel e suas hostes são as contrapartidas de Asael e de Shemihazah e suas hostes nos capítulos 6-16. Aqui, como nos capítulos 12-16 Shemihazah nunca é mencionado. Sua função como arquidemônio é atribuída a outros líderes angélicos. À diferença dos capítulos 12-16, o pecado principal dos anjos aqui é a revelação dos segredos e não a geração de uma descendência bastarda. (NICKELSBURG,2011, p.465)

O que podemos entender nas Parábolas de Enoch, é que o julgamento de Azazel e seus companheiros não era em relação que eles tiveram com as mulheres que lhes deram filhos gigantes, mas sim as revelações dos feitiços e mágicas.
O desenrolar do drama mostra o futuro reino de Deus, onde os pecadores serão castigados e a comunidade dos justos seriam visíveis, tendo como ponto principal a aparição do Justo, ou poderíamos dizer sua epifania, a seguir Enoque tem uma visão da morada dos justos que moram juntos com os anjos. O texto relata mais quatro anjos que louvavam o Senhor, que seriam os quatro citados anteriormente que seriam Miguel, Rafael, Gabriel e Fanuel.
Agora o que está dentro do plano é a ação contra os perversos, há citações de anjos, mas o julgamento em si foi mudado para o campo terreno, saindo daquela parte celeste. Mas no capítulo 67, volta o julgamento celeste dos anjos com a sentença do julgamento que acabaria no castigo dos anjos, os capítulos 65-68 mostram Noé como personagem a se mostrar no texto, formando assim, uma coleção noaquiana.
O julgamento de Azazel foi a sentença de culpado e cada um foi estabelecido no abismo, por causa dos juramentos deles. O livro termina com a ascensão de Enoque e sua exaltação por meio de uma promessa de livramento.
O que podemos concluir é que esses dois volumes foram escritos para mostrar um personagem como Enoque que foi receptor dada revelação mediada por meio de visões celestiais e anjos, sendo que essas revelações mostram a salvação como ponto principal.

APOCALÍPTICA E SEU MISTICISMO NOS TEMPOS DE JESUS, PAULO E OS APÓSTOLOS

Entramos no período tido como o apogeu da apocalíptica, pois é através dessa época, onde houve um maior fervor pela apocalíptica e pelo messianismo. Nesse período podemos observar algumas situações e experiências religiosas diferenciadas, há uma diferenciação e uma continuidade nas visões e assunção aos céus. O misticismo envolto do apocalíptica do Novo Testamento está centralizada em partes em Jesus e seus apóstolos e também nos escritos deutero-canonicos que já foram citados, como caso de Baruc e Esdras, no evangelho de Marcos, podemos observar o discurso escatológico de Jesus, onde ele trabalha algumas questões interessantes, como a queda do Templo que aconteceu no ano 70, os falsos messias que viriam para enganar o povo e uma tribulação jamais vista pelo povo judeu, muitos colocam isso como o período das perseguições romanas sobre os cristãos, mas também terá a manifestação gloriosa do Messias como podemos ver:

Naqueles dias, porém, depois daquela tribulação, o sol escurecerá, a lua não dará sua claridade, as estrelas estarão caindo do céu, e os poderes que estão nos céus serão abalados. E verão o Filho do Homem vindo entre as nuvens com grande poder e glória. Então ele enviará os anjos e reunirá seus eleitos, dos quatro ventos, da extremidade da terra à extremidade do céu. (MARCOS 13.24-27, BÍBLIA JERUSALÉM)


Podemos observar é que esse lado apocalíptico de Jesus iremos encontrar em outras tradições apocalípticas como no próprio Rolo da Guerra de Qumran, onde encontramos uma batalha clara e uma tribulação sem igual imposta pelos kittim sobre os justos, mas isso era inteiramente normal, pois se observarmos encontraremos em meio aos judaísmos apocalípticos uma aproximação escatológica muito intensa, pois, a tradição de Jesus não diferenciou muito de outros apocalipticismo.
Jesus ao falar do seu reino que viria, ele não estava falando de algo terreno, mas sim, escatológico, mas essa ideia de reino escatológico permeia quase que toda mensagem de Jesus, apesar de o reino dos céus ter chegado, o reino do governo de Deus sobre humano não se refere ao que iria chegar mais à frente no governo do Cristo glorificado, Rudolf Bultmann em sua Teologia do Novo Testamento traz algo de suma importância:

Tanto Paulo quanto a tradição sinótica são testemunhos de que a comunidade primitiva se considera a comunidade do tempo final. No dito de Mt 16.18s., colocado na boca de Jesus pela comunidade, o grupo dos discípulos de Jesus é denominado de a "comunidade", cujo o líder possui a chave do reino dos céus, e que, portanto, é como vestíbulo do reinado de Deus a se estabelecer em breve, e que não será vencida pelos poderes do inferno, cujo o ataque contra a comunidade faz parte dos eventos do tempo final que lhe são impostos. (BULTMANN, 2004, p.79)


A tradição apocalíptica cristã está seguindo o curso da evolução do pensamento apocalíptico, Jesus em suas parábolas sempre demonstrava isso de forma clara e suscita, fazendo com que esse pensamento apocalíptico fosse levado à diante, pois os seus discípulos de forma clara podem ter sido chamados como regentes dessa apocalíptica. Os estudos sobre essa apocalítica e Jesus já tiveram grandes embates e diversas teorias foram descartadas, essa teoria do Bultmann que traz uma esperança no reino celeste por meio dos eventos apocalípticos foi caindo por terra, pois nos infindáveis estudos sobre o Jesus histórico, foram cada vez mais aprofundando no sitzen in leben (situação de vida) , entretanto, aquele Jesus sem identidade social e sem uma abordagem cotidiana do seu tempo fora dando espaço para um Jesus histórico judaizante e com uma forte ligação com a cidade da Galileia. Outra ideia que podemos trazer à tona é do Albert Schweitzer,2009, p.265 traz uma escatologia consequente, em seu livro em busca do Jesus histórico, ele deixa bem claro isso:
Jesus, por exemplo, aplicando-se o título Filho do Homem, pensa não somente no significado transcendental que há no apocalipse Judaico, mas dá ao mesmo tempo um colorido étnico-religioso.
Temos uma visão diferenciada, a Parusia e seu projeto de estabelecimento de reino dos céus são tidos como um dualismo, pois sua consciência messiânica que muitos dizem ter sido gradual, e não uma realidade desde o início, mostram uma diferença clara quanto ao seu pensamento sobre reinado messiânico-davídico, muito clamado no período do Antigo Testamento.
A Parusia para Jesus seria um evento envolto de glória e majestade por parte dele, se olharmos alguns textos iremos encontrar essa ideia como, por exemplo, Mt 24.29-31 que diz o seguinte:

Logo após a tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do céu e os poderes dos céus serão abalados. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem e todas as tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu com poder e grande glória. Ele enviará os seus anjos que, ao som da grande trombeta, reunirão os seus eleitos dos quatro ventos, de uma extremidade até a outra extremidade do céu. (MATEUS, 24.29-31, BÍBLIA DE JERUSALÉM)


O que podemos observar nesse texto é a questão que envolve alguns atributos da apocalíptica, como por exemplo tribulação, a vinda do Messias e a aparição dos anjos, isso fica bem claro nas passagens apocalíptica de Jesus, que por sinal teve alguns contestar sobre se ele era ou não apocalíptico, pois para muitos ele era um mestre sábio que estava ensinando apenas ditos sábios, mas ao olharmos para esses textos, não tem como não enxergarmos essa esperança messiânica e também escatológica, como podemos observar no texto de Russell:

A entrada do Reino vincula-se, ademais, inseparavelmente com a pessoa de Jesus e com sua oferta escatológica do perdão dos pecados a todos os que se arrependem e creem. É preciso se apropriar do "mistério" ou "segredo" do Reino mediante a fé em Jesus. Nele veio o Reino e por ele atingirá sua consumação. (RUSSELL, 1997, p. 172-173)


A mensagem apocalíptica de Jesus veio para trazer a esperança e consolo em meio ao domínio romano sobre a Palestina no século I, as revoltas eram sempre pretendidas ao aparecer de um líder nato, mas essa não era a proposta de Jesus, ainda que por um bom tempo era a proposta de muitos dos seus seguidores.
A apocalíptica nos tempos de Jesus foi de um certo ponto remodelada, pois agora não existiria um Deus que somente mandava escrever ou mostrava visões sobre o futuro, apesar de vermos isso com Paulo e o João do apocalipse, mas agora era Deus que iria escrever essa história junto com o ser humano.
Essa ideia de Reino do céu trouxe uma nova visão do reino e sua experiência, pois, apesar desse imaginário apocalíptico, ele pode desafiar as estruturas injustas que uma parte dos judeus tinham impostas sobre eles. Assim como Jesus, a pregação de João Batista foi altamente apocalíptica, pois sua mensagem era composta de algumas chaves que mostravam um julgamento que já estava acontecendo, como na imagem do machado que estava posto na raiz das árvores, tinha como significado o julgamento iminente, como relatado no texto de Lucas 3.9.
No mesmo capítulo 3.6 de Lucas podemos ver o famoso texto onde ele prega sobre o arrependimento e a chegada do reino dos céus, onde toda carne veria a salvação de Deus. Tanto Jesus como João Batista tiveram durante um certo tempo suas vidas ligadas a comunidade de Qumran, mas apesar da falta de documentação que comprovasse tal ideia, os primeiros estudiosos do manuscrito fizeram esse link através da apocalíptica também, pois houve uma ligação entre Jesus e o Messias davídico e com o Mestre da Justiça, João Batista por causa das suas vestimentas e sua aparição no deserto levantou bastante suspeita quanto sua ligação a comunidade, até o seu batismo fora comparado com os banhos rituais que aconteciam na comunidade qumranita. Mas esse pensamento apocalíptico como foi citada por Bultmann, foi também levado ao círculo apostólico e suas comunidades, lá como iremos observar, as experiências místicas e esse apocalipticismo chegaram num nível bem alto, à ponto de um deles, o apóstolo Paulo ser levado ao terceiro céu, lembrando um pouco o texto de Enoque, que por sinal foi citado assim como o livro Assunção de Moisés no livro de Judas. Mas não podemos parar por aqui, pois, os textos das cartas pedrinas mostram a respeito desse tema, mas iremos abordar primeiramente as experiências e escritos paulinos que relataram um fervor apocalíptico intenso.
Paulo era um apocalíptico nato, pois na sua própria conversão ele teve uma experiência visionária intensa, apesar de seus estudos serem mais voltados para seus escritos e pensamentos, mas podemos observar o método histórico-religioso de Paulo que tem tomado bastante atenção desde que, a apocalíptica foi tendo um grau maior de estudos, com as descobertas dos manuscritos do mar morto, os estudiosos foram se questionando, qual seria a ligação que Paulo teria com a comunidade de Qumran? Muitos estudiosos apocalípticos têm tentando fazer uma ligação no método comparativo entre os escritos paulinos e os qumranitas. Jonas Machado no livro Religião dos visionários explica de forma clara o que isso quer dizer:

Uma vertente importante que tem ganhado espaço nos últimos anos, como já mencionamos, é o estudo de Paulo considerando o misticismo e apocalíptica no mundo judaico, notadamente o misticismo da mercaváh. Até mesmo o "Nominismo Pactual" de Sanders foi revisado levando em conta textos apocalípticos. Dessa perspectiva se considera Paulo e Qumran. (MACHADO, 2005, p. 170)


Quando olhamos para o apóstolo Paulo podemos observar que sua experiência mística e apocalíptica é verificar acima de tudo sua ascensão celestial de forma visionária e extática, fazendo com que lembremos de 4 Baruc e também Enoque, mas também podemos observar possessão espiritual e revelação dos mistérios divinos, outra característica dos escritos apocalípticos. Um texto que podemos destrinchar de maneira clara e objetiva é o texto de II Coríntios 12, que relata essa experiência paulina de ascensão aos céus, o texto relata a seguinte situação:

É preciso gloriar-se? Por certo não convém. Todavia mencionarei as visões e revelações do Senhor. Conheço um homem em Cristo que, há quatorze anos, foi arrebatado ao terceiro céu- se em corpo, não sei; se fora do corpo, não sei; Deus o sabe! – foi arrebatado até o paraíso e ouviu palavras inefáveis, que no ilícito ao homem repetir. No tocante a esse homem, eu me gloriarei; mas, no tocante a mim, só me gloriarei das minhas fraquezas. Se quisesse gloriar-me, não seria louco, pois só diria a verdade. Mas não faço, afim de que ninguém tenha a meu respeito conceito superior àquilo que vê em mim ou me ouve dizer. Já que essas revelações eram extraordinárias, para eu não me encher de soberba, foi-me dado um agulhão na carne- um anjo de Satanás para me espancar- a fim de que não me encha de soberba. (II CORINTIOS 12.1-7, BÍBLIA DE JERUSALÉM)


O que demonstrar ser intrigante é que ele no início não fala de si, mas usa o termo homem, nos estudos da apocalíptica entendemos que no geral a pessoa que tem a experiência de ascensão aos céus, ela tende à sair do corpo, relatar acontecimentos futuros e de forma extática, apesar de Paulo não quis relatar, mas o texto tem algumas chaves interessantes, sendo assim o emprego da terceira pessoa, sendo que ele começa a falar de si mesmo, mas não podemos esquecer que o falar em terceira pessoa tem a ver com a tradição rabínica, onde esse emprego era normativo. Tudo indica que Paulo teria um certo desconforto ao revelar sua experiência visionária, apesar de ser muito comum na tradição mística da qual Paulo estava presenciando, pois, essa tradição já está bem firmada. Mas há uma certa ligação com o João de Apocalipse, pois ambos tiveram visões, esse conceito de apocalíptica judaica no Novo Testamento está aflorada de um misticismo mercaváh intenso, as visões e revelações de forma extática eram proporcionadas aos seus agentes, o que diferencia Paulo de João é que essa experiência extática não teve muito comentário por parte do autor, provavelmente por causa de seu desconforto, ele não entrou em muitos detalhes. Outro texto que mostra uma revelação especial aos moldes de Enoque é o texto de Gálatas 1.11-12 onde Paulo mostra que recebeu o evangelho, não por mão humanas, mas diretamente de Deus, de forma clara o texto relata o seguinte:
Com efeito, eu vos faço saber, irmãos que o Evangelho anunciado por mim não segundo homem, pois eu não o recebi nem aprendi de algum homem, mas por revelação de Jesus Cristo.
Aqui encontramos mais uma experiência revelatória e de forma extática, Paulo ao relatar essa visão, estaria falando daquela de II Coríntios 12? Provavelmente não, pois nessa situação, a revelação não é descrita, segundo Alan F. Segal, em seu livro Paulo o convertido, ele nos mostra uma ideia bastante clara dessa passagem:

Como em Gálatas 1, Paulo chama essa experiência de um apokalypsis, um apocalipse, uma revelação. Como em Atos e Gálatas 1, a visão não é descrita. Contudo, ao contrário de Atos e Gálatas 1, essa passagem é uma descrição confessional de uma visão ou possivelmente duas visões diferentes, dependendo se o paraíso visitado na ascensão pode ser localizado no terceiro céu. Assim a visão é tanto mística quanto apocalíptica. (SEGAL, 2010, p. 71)

Para Paulo as suas experiências eram ponto de contato com seus leitores, pois em duas situações ele relatou tais experiências, apesar de não entrar muito em detalhes, mas o que podemos entender é que a passagem de II Coríntios 12 traz uma obscuridade e esotérica, porém muito comum no seu tempo, apesar de que ele possa estar fazendo uma ligação com a experiência de sua conversão, mas não tem comprovação se era essa sua intenção.
Mas um tema bastante relatado nas cartas paulinas é a Parousia que é precedida por um combate, pois de acordo com o texto de II Tessalonicenses 2.1-4 relata esse acontecimento:

Quanto à vinda do nosso Senhor Jesus Cristo, e à nossa reunião com ele, rogamo-vos, irmãos, que não percais tão depressa a serenidade do espírito, e não vos perturbeis nem por palavra profética, nem por carta que se diga vir de nós, como se o Dia do Senhor já estivesse próximo. Não vos deixeis seduzir de modo algum por pessoa alguma; porque deve vir primeiro à apostasia, e aparecer o homem ímpio, o filho da perdição, o adversário que se levanta contra tudo que se chama Deus, ou recebe culto, chegando a se sentar-se pessoalmente no templo de Deus e querendo passar por Deus. (II TESSALONICENSE 2.1-4, BÍBLIA DE JERUSALÉM)


Esse evento para Paulo teria uma suma importância pois relata a gloria do Messias sobre ímpio que seria julgado e aniquilado. Para Ed. Parish Sanders no seu livro Paulo lei e o povo judeu mostra um detalhe importante sobre a escatologia paulina:

Assim, no eschaton, todo plano de Deus se cumprirá e o número completo de gentios e judeus ligados inseparavelmente- a desobediência dos judeus leva à salvação dos gentios, a qual por sua vez leva a salvação dos judeus (11.30s). É intenção de Deus ter misericórdia de todos, mas a condição da misericórdia e fé. (SANDERS, 2009, p. 240)


Sanders faz uma citação do livro de Romanos para poder dar uma visão do destino final dos judeus, que estariam distantes do Messias cristão, mas também mostra que no final haverá salvação para eles, mesmo tendo os gentios sendo enxertados por Deus na figueira.
Na apocalíptica paulina há uma construção temporal, segundo Udo Schinelle há uma estrutura vinculada ao evento:


Nesse contexto, ele podia adotar motivos da apocalíptica judaica, mas de modo alguns sistemas coesos de significado e de tempo, porque a novidade do evento obrigava-o a uma solução autônoma. Esta solução está presente no esboço de um cenário escatológico, cujo os pontos de referência objetos temporais são ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos e sua parusia iminente a partir de Deus, cuja a certeza se alimenta das experiências presentes do espírito e cuja perspectiva está na esperança de uma atuação análoga de Deus. (SCHNELLE, 2014, p. 767)


Não podemos falar de apocalíptica no Novo Testamento sem falar da parusia, pois os textos do Novo Testamento estão cheios desse tema, trazendo uma implicação maior em Paulo, que conceitua muito bem essa ideia, pois para Paulo além da experiência extática e mística, o valor do final dos tempos ou eschaton traz consigo uma identidade muito forte voltando assim nos textos pós-exílicos, onde o Dia do Senhor era um clamor e uma esperança.
Mas apesar de Paulo viver a diversidade religiosa de seu tempo, outro quesito interessante sobre o tema em si é a glossolalia e a profecia extática, Jonas Machado em seu livro "Misticismo apocalíptico do apóstolo Paulo levanta uma questão importante sobre o tema:

Entretanto, o testemunho dos textos primitivos cristãos no Novo Testamento é que a profecia era uma revelação divina para o momento. Essa foi a percepção da mulher samaritana em relação à Jesus (Jo 4.16-19), dos soldados que torturaram Jesus e impeliram a "profetizar" sobre quem lhe teria espancado (Lc. 22.63-65), e de Ágabo, que teve a revelação sobre o que aconteceria a Paulo se fosse para Jerusalém naquele momento (At 21.10-11), ou de uma fome que sucederia naqueles dias (At 11.28). (MACHADO,2009, p.190)


A profecia em si nunca foi retirada do meio judaico, sempre esteve ativo, mesmo em tempos que pareciam ser silêncio de Iahweh. Outra situação que Machado deixa claro é que os dons de língua não é explicito na literatura judaica, mas em textos como Cântico do sacrifício sabático há uma possível referência da língua dos anjos como cita o próprio Machado:

[...] é possível que exista uma referência à língua dos anjos em Qumran, nos Cânticos do Sacrifício do Sábado, que fazem uma analogia entre o culto no templo de Jerusalém e o culto celebrado nos céus. Junto com uma linguagem densa que pode representar os limites da linguagem humana para falar de coisas celestiais. (MACHADO,2009, p.191)


Paulo foi o maior apocalíptico que existiu, suas experiências e formas de abordar a apocalítica em seu texto mostrou isso e deixou muito claro as evidências de uma mudança na apocalíptica em seu tempo, onde haveria um misticismo mercaváh envolto da apocalíptica sem deixar de lado os principais temas, mas também um conceito não muito encontrado na literatura paulina são os anjos que são tão expostos nas literaturas apocalípticas, em Paulo que é um místico apocalíptico, não se vê anjos lhe dando alguma revelação ou assistência, mas segundo Schweitzer para Paulo há uma diferenciação clara sobre o mundo em que vive:

Não é somente usual no pensamento Judeu, eles mantem o mundo e Deus firmemente separados; além disso, com base em sua própria cosmovisão escatológica ele assume que, já que o mundo natural permanece firme, mesmo sob o período Messiânico, poderes angélicos permanecem entre o homem e Deus e tornam a relações direitas entre os dois impossíveis. (SCHWEITZER, 2006, p.33)


Apesar dos anjos não serem localizados na literatura paulina, ou em sua história em Atos, ele não nega a ação deles, mas em outro texto, como de apocalipse podemos enxergar algumas questões muito claras que podemos entender sobre visões, revelações e outra ascensão aos céus. A identidade do personagem João é desconhecida, mas muitos e inclusive à tradição cristã o coloca como o apóstolo João, seguidor de Jesus.
O contexto histórico do livro de Apocalipse conta a perseguição de Nero para com os cristãos e as cartas para as igrejas da Ásia como forma de encorajamento e correção. A escatologia do livro de Apocalipse é particularmente rica, pois, traz um movimento mítico fundamental desde a tribulação para a vitória definitiva no céu e na terra, sendo assim, a determinação da relação entre a escatologia presente e futura, quem traz uma ideia clara sobre esse tema é Schnelle em sua Teologia do Novo Testamento:

Os eventos futuros não trazem a reviravolta fundamental da história, mas são a revelação definitiva e a comprovação do poder de Deus. Ao mesmo tempo, a comunidade aguarda ansiosamente a parusia de Cristo (Ap. 1.7, 19.11) que acontecerá em breve (2.16, 3.11). (SCHNELLE, 2010, p. 1011-1012)


Entretanto, o que podemos entender sobre o que Schinelle afirmou é que na apocalíptica há um tempo presente onde a comunidade dos cristãos vivem e experienciam as visões e revelações e um tempo fora da metafísica, onde há uma ação angelical seja do lado do bem ou do mal, mas também é um texto que mostra mais uma vez a experiência extática visionária:
Depois disso, tive uma visão: havia uma porta aberta no céu, e a primeira voz, que ouvira falar-me com trombeta, disse: Sobe até aqui, para que te mostre as coisas que devem acontecer depois desta. Fui imediatamente movido pelo Espírito: eis que havia um trono no céu, e no trono alguém sentado...O que estava sentado tinha um aspecto de uma pedra de jaspe e cornalina, e um arco-íris envolvia o trono com reflexos de esmeralda. Ao redor desse trono estavam dispostos vinte e quatro tronos, e neles assentavam-se vinte e quatro Anciãos, vestidos de branco e com coroas de ouro na cabeça. (APOCALIPSE 4.1-4, BÍBLIA DE JERUSALÉM)


Podemos observar que as experiências místicas extáticas eram normativas nos cristãos do primeiro século, não existia uma diferenciação entre João e Paulo, ambos tiveram suas ascensões aos céus e Joao foi mais além, pois viu coisas que Paulo provavelmente não viu.
Mas podemos encontrar uma outra explicação sobre o apocalipse no livro de Wolfgang Schrage (1994, p. 332) chamado ética do Novo Testamento, diz o seguinte:
O aspecto próprio da escatologia do Apocalipse em contraposição a isso é a relação da expectativa com Cristo presente, que já se encontrou e continua encontrando com a comunidade do Salvador e Senhor.
O que podemos entender é que a escatologia do livro de Apocalipse não está meramente ligada proximidade e determinação do fim, mas sim é algo que já estava sendo vivida, e a esperança messiânica era clara e intensa. A mensagem do livro de Apocalipse traz umas questões interessantes como por exemplo Deus e a história, a comunidade sob a cruz, esperança. A ação divina na história apocalíptica é de uma promessa de um reino vindouro e também do fim das tribulações e um reinado de paz, a comunidade sob a cruz significa crer na morte de Cristo como um ato salvíficos e não meramente histórico, apesar de ser histórico e pôr fim a esperança de um mundo vindouro que será um mundo de paz e de um lugar onde Satã e seus anjos não tenham presença marcada.
Essas visões que João tinha era um simbolismo em favor do povo judeu e cristão que estavam sob o julgo do império romano, pois a visão do trono no capítulo quatro mostra que a ira de Deus cairá sobre os gentios perseguidores, a cena do céu e a visão de cada situação é um cântico apocalíptico e a mostra a glorificação de Jesus, sendo aquele que estava sentado à direita do Pai.
Essa obra apocalíptica é uma revelação e não várias, tido como profecia, ou seja, alguns defendem que João poderia ser um profeta e não aquele apóstolo que anteriormente foi discípulo de Jesus. João era um profeta e exegeta da história, pois, ele relatava os acontecimentos escatológicos em suas visões que por sinal tinham de ser lidas em público, entretanto, em um contexto litúrgico.
Existia uma forte tensão sobre os acontecimentos que estavam sendo relatados, se eram ou não para aquele momento, pois a palavra resta pouco tempo e logo ele virá trouxe uma grande questão sobre o tempo no livro de Apocalipse, como trouxe para o livro de Daniel. Eduardo Arens em seu livro apocalipse força e esperança nos mostra uma ideia bem interessante:

Em todo o Ap. o eixo do tempo é sempre o mesmo: resta pouco tempo e logo virá o fim. Não encontramos, por isso, uma sequência, própria de uma história, mas uma série de quadro justapostos, de tal maneira que o quadro total tem seu eixo no escatológico. (ARENS; MATEOS, 2004, p. 131)


O que tem sido mais interessante é a ideia que ao anunciar os castigos os autores não tinham como ponto principal o fim imediato, poderia ser próximo, mas imediato não, apesar de estar vivenciando seu presente o livro de Apocalipse tinha uma simbologia futurística que tinha uma tensão no ar, como por exemplo, uma iminente volta de Cristo e a guerra cósmica entre o bem e o mal. O texto de Apocalipse mostra a atuação de Jesus e a supremacia da igreja contra o mal, trazendo uma conotação mais diferenciada da participação messiânica na glorificação da igreja e do julgamento dos perversos. Mas o cenário da visão joanina traz uma outra questão interessante:

Vi depois, na mão direita daquele que estava sentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora e selado com sete selos. Vi então um Anjo poderoso, proclamado em alta voz: "Quem é digno de abrir o livro, rompendo seus selos? " Mas ninguém no céu, nem a terra ou sob a terra era capaz de abrir nem de ler o livro. Eu chorava muito, porque ninguém foi considerado digno de abrir e nem ler o livro. Um dos Anciãos, porém, consolou-me: "Não chores! Eis que o Leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi, venceu para poder abrir o livro e seus sete selos. (APOCALIPSE 5.1-5, BÍBLIA DE JERUSALÉM)


Esse cenário altamente visionário, cheio de composição apocalíptico, nos mostra um simbolismo em cima do livro que demonstra o encerramento da vontade divina, mas acima de tudo devemos entender que as visões joaninas não era uma imaginação, mas sim interpretadas. O que o texto mostra que o visionário caiu em lágrimas, uma possível explicação para isso seria a expressão de sua humanidade, que estaria incapaz de decifrar sua própria história. A apresentação dramática dos versículos 2-4 tem a finalidade de mostrar o papel do Cordeiro, pois o texto mostra que ele seria o único a ser capaz de ler e romper os sete selos.
Com o romper dos sete selos no capítulo 6.1-8 mostra o conjunto dos quatro cavaleiros que teria uma alta ligação e uma forte critica sociopolítica à ideologia da Pax Romana, ou seja, o visionário tinha como caracterização a perseguição romana aos cristãos. A visão tem seu sentido no tempo em que o vidente vive, os cavaleiros são altamente ligados aos militares romanos.
O texto de apocalipse apesar de ser simbólico, ele traz uma alta critica a situação do seu tempo e também um conforto para os cristãos perseguidos em forma de liturgia.

























APOCALÍPTICA NA COMUNIDADE DE QUMRAN E O ESTABELECIMENTO DE UMA APOCALÍPTICA MONOLÍTICA

A comunidade de Qumran teve uma forma apocalíptica muito ligada ao seu tempo, os manuscritos do mar morto tiveram uma importância especial no conhecimento das origens do judaísmo, sendo assim, tendo um judaísmo mais ligado à apocalíptica, mas de acordo com Julio Trebore Barreira (1996, p. 66) a comunidade essênia apocalíptica apresenta grandes problemas à investigação científica. Esses são três pontos bem discutidos sobre a comunidade e seus textos. Os qumranitas vivenciaram essa apocalíptica e suas transformações, onde essas transformações teve um retorno misticismo mercaváh e também os textos apocalípticos mostram uma forma de escrita bem similar aos escritos enóquico e paulinos nos traços de visões, mas também no quesito messiânico podemos observar uma diferença de concepção ao judaísmo farisaico e ao cristianismo apostólico. Para os qumranitas essa esperança apocalíptica era monolítica entre os membros, ainda mais com o pensamento messiânico, mas isso veremos mais à frente. As influências da apocalíptica judaica na comunidade de Qumran iremos observar nos subtópico a seguir.

APOCALÍPTICA NA COMUNIDADE DE QUMRAN E O DUALISMO CÓSMICO

A apocalíptica se cristaliza na comunidade de Qumran, é nessa comunidade que encontramos uma diversidade de manuscritos que nos mostram o pensamento da comunidade de forma monolítica e clara, pois, a comunidade de Qumran compartilha desse pensamento, embora de maneira peculiar, com o sectarismo a comunidade surge a partir de um grupo mais amplo, apocalíptico e marcado pela influência de concepção de dualismo do mundo, Russell uma explicação muito boa a respeito desse dualismo:

Os escritores apocalípticos estavam convencidos de estarem cercados por "outro mundo" de dimensões cósmicas além do mundo presente, bastante afastado do mundo presente, bastante afastado do mundo do tempo e dos sentidos, onde Deus morava na companhia de seus santos anjos. (RUSSELL, 1997, p. 142)

Esta visão dualista de dois mundos está altamente ligada à influência persa à apocalíptica judaica da existência de um mundo diferente onde Iahweh habita com os anjos, num espaço diferente do mundo espacial humano. A comunidade de Qumran era uma comunidade judaica, apesar de ser afastada no deserto, criando assim um sectarismo dentro dessa comunidade. Os escritos dessa comunidade foram altamente influenciados por esse dualismo dos mundos, como David Flusser explica de forma clara e sucinta em seu livro O Judaísmo e as origens do Cristianismo:

Por outro lado, é evidente que a Seita fez muito uso dos escritos e das ideias do movimento religioso dualista da qual pertencia. O fato histórico de que nossa seita se cristalizou a partir de um movimento mais amplo é declarado de forma explícita no Documento de Damasco, com as seguintes palavras: "Pois por causa de sua traição, ao renunciarem a Ele, Ele ocultou Seu rosto de Israel e de seu santuário e os entregou à espada. Mas quando Ele se lembrou de Israel e dos antepassados, Ele deixou um remanescente para Israel e não os entregou ao extermínio. No final da ira, trezentos e noventa anos depois de Ele os ter entregado a Nabucodonosor, rei da Babilônia, Ele os lembrou, e fez de Israel um botão de Aarão uma raiz de planta para herdar Sua terra, e para se alegrar com o bem de Seu solo. E eles meditaram sobre seu pecado e sabiam que eram homens culpados, e eram como cegos tateando o caminho por vinte anos. E Deus considerou suas ações, pois O procuravam com um coração perfeito, e Ele fez surgir para eles um Mestre de Justiça para fazê-los andar no caminho de seu coração. " Podemos concluir daí que, antes de a seita passar a existir, houve um movimento religioso que em certo estágio chegou a um ponto de crise. A crise foi resolvida por um líder entre os membros, que lhes mostrou o caminho certo; esse homem foi o Mestre de Justiça. (FLUSSER, 2000, p. 36-37)


Com o advento do Mestre da Justiça, teve uma dissenção apocalíptica e dualista, o grupo declara que somente esse Mestre tem o poder de interpretar os textos e sendo o único na visão dos qumranitas, o libertador da escuridão.
A comunidade tinha a autocompreensão de serem o resto de Israel, como também a Nova Aliança, pois eles seriam aqueles poucos que se manteriam fiéis à verdadeira religião nos últimos dias, Clarisse Ferreira em seu livro comentário Pesher Habacuc nos mostra uma outra ideia interessante:

Para Qumran, a Comunidade não compreendia apenas "o resto fiel" de sua contemporaneidade, mas, segundo Vermés (1995, p. 102-103), consideravam-se os "remanescentes" por excelência e de todos os tempos. São eles os convertidos de Israel; primeiramente os sacerdotes, depois os levitas e, por último, os demais que foram "eleitos" para unir-se aos dois primeiros na Nova Aliança. (SILVA, 2010, p. 105)


O que podemos entender é que eles tinham um entendimento que suas vidas e existências seriam o cumprimento e a realização da apocalíptica, pois, eles entendiam que as profecias veterotestamentárias se cumpriam neles. O discurso profético-apocalíptico do Mestre da Justiça, guiará o povo para uma purificação religiosa, pregando contra tudo aquilo que vai contra aos ensinamentos religiosos da comunidade.
Para a comunidade, a interpretação do Mestre da Justiça trazia um ensinamento perfeito dos textos, apesar da comunidade ser de origem sacerdotal, não podemos desconectar os ensinos da comunidade teve uma mescla profética com outros elementos sacerdotais e haláquicos, trazendo, outras matizes no sectarismo e na essência apocalíptica da comunidade.
Mas o que podemos entender é que existe uma dificuldade quanto ao grau evolutivo das ideias apocalípticas da comunidade, mas eles tinham a crença de uma revelação dos mistérios divinos, Collins nos fornece algo interessante:

O termo para "mistério" (raz) também se encontra em Daniel 2 e 4. A ideia está intimamente ligada com a crença no controle providencial, apesar das evidencias do mal no mundo. Tudo o que é e virá a ser provêm do Deus do conhecimento. Antes de sequer existirem, ele estabeleceu seu propósito, e essas coisas cumprem suas tarefas sem mudanças. (COLLINS, 2010, p. 220)


O que podemos entender é que a comunidade entendia a apocalíptica como revelação misteriosa de Iahweh, mas que somente o Mestre da Justiça tinha condições de mediar essa revelação e comunicar a comunidade qumranita, nessa mediação, não tem como saber a forma que era conduzida, se era por meio de anjos ou diretamente de Iahweh.
Podemos ver na apocalíptica em Qumran um determinismo, um interesse por tudo que se refere ao mundo dos anjos e a concepção do Templo escatológico, como forma de repulsão ao Templo de Jerusalém. Uma outra ideia sobre a apocalíptica na comunidade de Qumran que irá trazer é Joseph Fitzmyer em seu livro 101 perguntas sobre o manuscrito do Mar Morto:

Não se encontra nos MQ um escrito apocalíptico tão maduro, mas detectamos alguns vestígios disso. O dualismo expresso no Manual de Disciplina em sua doutrina sobre os dois espíritos pode ser característico desse grupo de judeus, mas nele há muito pouco dos recursos cênicos dos apocalípticos usuais. (FITZMYER, 1997, p.61)

O que Fitzmyer tenta nos dizer é que a comunidade qumranita não se deixou influenciar por essa apocalíptica no seu período, se olharmos a apocalíptica como forma gradual, podemos entender que essa ideia, se encaixaria nos primórdios, pois a comunidade poderia não ter um cunho apocalíptico intenso desde sua origem, pode ter sido gradativa, com o passar do tempo, essa apocalítica poderia ter entrado nessa comunidade, Norman Golb em seu livro Quem escreveu os Manuscritos do Mar Morto mostra outra ideia interessante sobre a comunidade:

Roth havia assinalado, que o Pergaminho da Guerra e alguns outros textos sugeriam uma militância apocalíptica não aludida nas descrições clássicas dos essênios e havia, então, traçado um paralelo entre esses textos e as atividades militares dos zelotes, concluindo em seguida que na verdade teriam sido estes, quem, ao menos durante a revolta, haviam ocupado Khirbet Qumran e ali sucumbido aos romanos. (GOLB, 1996, p. 346)


Na ideia de Golb, no período final da apocalíptica, poderia ter influenciado na militância nos moldes dos zelotes, ainda que os textos não demonstram isso, o que podemos entender é que a comunidade tem pontos à favores na apocalíptica e também contra, há discordância, ainda que os novos estudos sobre Jesus e Paulo, mostram uma comunidade que vivenciava um misticismo apocalíptico do mercaváh, mas o que podemos entender é que a comunidade não teria um força militar, nem poderio bélico para poder guerrear. Existem alguns textos que conotam essa ideia de apocalíptica como reflexo de uma militância, mas tudo indica que os qumranitas tenham usado o mesmo artificio de autor de Enoque, Daniel e Apocalipse, trazendo uma visão simbólica dos acontecimentos. Collins nos mostra uma outra ideia contida nos textos qumranitas:

Os pesharim são talvez a categoria de literatura nos rolos sectários que mais se aproximam do modo apocalíptico de revelação. Há obvia similaridade entre sua interpretação da profecia e a interpretação de sonho de Jeremias em Daniel 9. A afinidade com a interpretação de sonho de Daniel é ressaltada pelo uso em comum da palavra pesher. (COLLINS, 2010, p. 222)


Os textos dos pesharim de Qumran, as palavras são usadas como forma misteriosa que não está intimamente ligada à época do autor, mas ao tempo do fim. Mas os pesharim não são apocalipse, pois, diferem não apenas no modo de revelação, mas também no seu conteúdo, que não é escatológico, mas traz à tona a experiência da comunidade. Outra ideia interessante, iremos encontrar no Fitzmyer:
Traços apocalípticos podem ser encontrados em outros escritos de Qumran, especialmente nos pesharim, pois aqui, a comunidade expressa sua crença de que já vivendo no fim dos tempos; talvez também no Manual da Disciplina, no qual essa crença é expressa na vinda de três personagens, um profeta como Moisés, o Messias de Aarão e de Israel. Mas trata-se, propriamente falando, de uma convicção escatológica e não pode ser "apocalíptica" no sentido verdadeiro. Todavia tal convicção permitiu à própria comunidade pensar apocalipticamente e formular essa convicção nos recursos cênicos apocalípticos usados no Manuscritos da Guerra. (FITZMYER, 1997, p. 61)


Para Fitzmyer a comunidade de Qumran não é apocalíptica, tem convicções escatológicas, mas em seu seio a apocalíptica não tem espaço, apesar dos textos mostrarem uma ideia apocalíptica, mas os pensadores modernos descartam essa ideia da comunidade não ser apocalíptica por causa de similaridades com os textos do cristianismo antigo e judaísmos tardio e antigo.
Os membros da comunidade vivam em extrema obediência por causa da expectativa do fim dos tempos, o termo Aharit Ha Yamim, que significa fim dos dias ficou monolotizado na comunidade, James Vanderkam em seu livro "Os Manuscritos do Mar Morto, "Hoje" nos traz uma ideia da forma como eles viviam esse período:

No fim da história, para o qual os membros do pacto vinham se preparando na obediência aos revelados e ocultos mandamentos de Deus, o Senhor Todo-Poderoso virá intervir. Ele, então, enviará os grandes líderes do futuro – um profeta e os messias davídico e sacerdotal – que, ao lado das hostes dos filhos da luz, tomarão parte na derradeira vitória divina sobre o mal. (VANDERKAM, 1994, p. 145)


Para os qumranitas o fim seria marcado pela intervenção divina em meio à sofrimento do povo, pois a ideia da apocalíptica em meio ao sofrimento era claro nos textos da comunidade, trazendo à tona uma ideia clara de que Iahweh seria o libertador do povo por meio dos messias e do profeta, mas isso vamos dar um enfoque maior no próximo subtópico.
A comunidade foi para o deserto por causa do entendimento que era a melhor forma de praticar a lei, mesmo sendo de forma limitada, pois para eles, o tempo em que eles viviam, eram tempos da impiedade ou domínio do Belial, mas essa forma rigorosa de cultivar a sua religião fez com que eles criassem um complexo de Miqwa'ot, que seriam piscinas de rituais, usadas para proceder tal purificação.
A expressão Aharit Há Yamim utilizada pela comunidade, pois acreditavam essa ser a forma, da comunicação divina antes do tempo messiânico que estava à porta. Mas essa ideia que eles tinham, era do almejado tempo de paz.
Os desejos deles eram de reconquistar a terra de Jerusalém e povoá-la no fim de forma definitiva, essa visão que eles tinham de um Israel escatológico fica claro na ideia de Clarisse:

Assim, constituíam, antes de tudo, o Israel que sobreviveria ao julgamento divino, o qual vetaria a entrada – ou a permanência – dos ímpios do povo, e, assim, se estabeleceria como o germe do Israel perfeito, semente de Israel do futuro. Segundo Licht, a imagem da plantação que encontramos em 1QS VIII, 4-5 simbolizaria exatamente essa ideia, daquilo que começa pequeno, como uma "muda frágil", mas que, por fim, cresce para a eternidade. (SILVA, 2013, p. 297)


A apocalíptica em Qumran, sempre esteve ligado ao retorno à Jerusalém, por isso, que encontramos nos textos, a ênfase na Jerusalém celestial e no Templo, pois para eles os Messias e o profeta abririam um novo tempo, uma nova fase, onde os ensinos do Mestre da Justiça fossem observados e praticados, todo mal seria retirado, e a comunidade viveria a fé dos seus pais.

O MESSIANISMO E SUAS INTERPRETAÇÕES

O messianismo em Qumran tem uma diferenciação do período pós exílico e do judaísmo antigo, pois assim como há algumas diferenciações nos pensamentos e ideias dos judaísmos, isso se reflete na questão do messianismo.
Em Qumran eles acreditavam como foi citado anteriormente em duplo messias, e um profeta, colocando em escala diferente o profeta e sacerdotal do davídico, mas na comunidade qumranita, podemos observar algumas questões bem interessantes, como por exemplo, a ligação do Messias com final dos tempos, nisso há uma concordância com o judaísmo tardio e antigo, e por consequência com o cristianismo antigo. Essa crença nos dois messias mereceu muita atenção, como podemos observar na Regra da Congregação, documento que regularia a comunidade nos tempos messiânicos descreve as refeições ritualísticas sendo presidida pelos dois Messias:

Esta é a assembleia dos homens famosos, [os convocados] à reunião do conselho da comunidade, quando engendrar [Deus] o Messias com eles. Entrará [o sacerdote] chefe de toda a congregação de Israel e todos [os seus irmãos, os filhos] de Aarão, os sacerdotes convocados para a assembleia, os homens famosos, e se assentarão an[te ele, cada qual] de acordo com sua dignidade. Depois entra[rá o Mês]sias de Israel e se assentarão diante dele os chefes [dos clãs de Israel, cada] qual de acordo com sua dignidade, de acordo com suas [posições] em seus acampamentos e em suas marchas. E todos os chefes dos clã[s da congre]gação com os sá[bios e os instruídos] se assentarão diante deles, cada qual de acordo com sua dignidade. E [quando] se reunirem à mesa da comunidade [para beber] o mosto, e estiver preparada a mesa da comunidade [e misturado o mosto] para beber, [que ninguém estenda] sua mão à primícia do pão e do [mosto] antes do sacerdote, pois [ele é o que ben]diz a primícia do pão e do mosto e [estende] sua mão para o pão diante deles. Depois o Messias de Israel estenderá sua mão para o pão. [E depois aben]çoará toda a congregação da comunidade, cada [qual de acordo com] sua dignidade. E segundo esta norma atuarão em cada re[feição, quando se re]unirem ao menos dez ho[mens]. Vacat. (1Q28a [1QSa]) II, 11-12) (MARTÍNEZ, 1994, p. 171)


A comunidade na questão hierárquica era bem rígida e organizada, o Sumo Sacerdote tinha a primazia sobre o Messias de Israel, pois diante desse texto, ele é que dá o início da refeição ritualística com sua benção. O Messias de Israel tem como função complementar a benção, mas somente sobre o pão, e não no vinho, como faz o Sumo Sacerdote, alguns vão colocar o Messias de Aarão como Sumo Sacerdote. Segundo Martínez:
Nessa figura messiânica, nosso texto destaca sua conexão com a congregação e sua função proeminente, não apenas em relação aos demais filhos de Aarão, os sacerdotes, mas também sobre todos os membros não-sacerdotais da comunidade, inclusive o "Messias de Israel". Seja nas assembleias ou no banquete, é ele que preside e que ocupa a posição mais proeminente. No "Messias de Israel" destacam sua posição subordinada ao sacerdócio e seu caráter militar, indicando na terminologia empregada. (MARTÍNEZ, 1996, p. 227)
Quando se faz essa ligação, pode-se enxergar uma tentativa de colocar na mesma figura o Messias de Aarão e o Sumo Sacerdote, essa ideia ela vem do Messias Bicéfalo, adotado por muitos como, por exemplo, o Martínez, como citamos acima.
O Documento de Damasco é o documento onde há uma grande referência sobre o Messias e também sobre a apocalíptica, esse Messias que uniria as duas funções, tanto a sacerdotal como a monárquica, conforme observaremos no texto a seguir:
Porém [sobre] todos aqueles que desprezam os preceitos e as ordens, que se derrame sobre eles a retribuição dos ímpios, quando Deus visitar a terra, quando vier a palavra que está escrita pela mão de Zacarias o profeta: "Desperta, espada, contra meu pastor, e contra o varão que é o meu companheiro – oráculo de Deus – fere o pastor e se dispersará o rebanho e eu retornarei minha mão sobre os pastorzinhos. " E os que lhe são fiéis, são os pobres do rebanho. Estes escaparão na época da visita; porém os que restam serão entregues à espada quando vier o messias de Aarão e de Israel. (DD-B XIX, 5b-11a) (MARTÍNEZ, 1994, p. 87)

Podemos observar nesse texto o anseio com que os qumranitas esperavam a chegada deste messias que retribuiria ao ímpio e suas ações, por meio da espada. De acordo com Ferreira, 2010, p. 65 "os membros dessa comunidade escapariam da vingança dos Messias, por serem conhecidos como os pobres do Rebanho e eles não desprezaram os preceitos e as ordens. " Mas se observarmos mais à frente no Documento de Damasco, o autor dá mais ênfase nos dois messias e não em apenas um, e distingue ambos os messias o monárquico e sacerdotal como está escrito no livro de Martínez:

E a estrela é o Intérprete da Lei que virá a Damasco, como está escrito: "Uma estrela avança de Jacó e se levanta um cetro de Israel". O cetro é o príncipe de toda a congregação e quando surgir arrasará todos os filhos de Set. (DD-A VII,18b-21a) (MARTÍNEZ, 1994, p. 65)


Podemos deduzir a partir desse texto, que o Intérprete da Lei seria o Messias Aaraônico e o cetro seria, o Messias davídico, trazendo assim essa ideia de dois Messias. O Messias profético seria como um terceiro Messias, o mosaico, mas não distingue dos Messias de Aarão e Israel, estaria mais para uma figura messiânica e não propriamente um Messias. No Manuscrito 4Q Testimonia podemos observar uma interpretação que vincula o profeta esperado ao profeta prometido no Deuteronômio 18.15-19, de acordo com Martínez:

Suscitar-lhes-ei um profeta no meio de seus irmãos, como tu, e porei minhas palavras em sua boca, e lhes dirá tudo o que eu lhes ordeno. E sucederá que o homem que não escutar as minhas palavras, que o profeta dirá em meu nome, eu lhe pedirei conta. Vacat. (4Q Testimonia (4Q175), 5-8) (MARTÍNEZ, 1994, p. 178)

De acordo com Martínez, tanto os profetas, como o profeta Moisés são ungidos, são Messias, mas assim como o Messias davídico e o sacerdotal, ele tinha seu papel no plano salvífico concebido pela comunidade.
O Messias Sacerdote em alguns textos aparece agindo sozinho em outros textos ele aparece como Messias régio. No Testamento de Levi, observamos que o Messias poderia ter um papel expiatório, como Martínez observa bem:

E expiará por todos os filhos de sua geração, e será enviado a todos os filhos do seu povo. Sua palavra é como a palavra dos céus, e seu ensinamento, segundo a vontade de Deus. Seu sol eterno brilhará e seu fogo queimará em todos os confins da terra; sobre as trevas brilhará seu sol. Então desaparecerão as trevas da terra, e a obscuridade do orbe. Proferirão contra ele muitas palavras, e abundância de mentiras; investigarão fábulas contra ele, e proferirão toda sorte de infâmias contra ele. Sua geração transformará o mal, e[...] estabelecida na mentira e violência. O povo errará em seus dias e estarão complexos. (4Q Testamento de Levi (d), Frag. 9, Col. I, 2b-7) (MARTÍNEZ, 1994, p. 313)


Nesse texto podemos observar a rejeição do pela sua geração, fazendo uma comparação com o Servo Sofredor de Isaías. Mas o que é bastante evidente nessa questão, é que ele expiará por todos os filhos de sua geração, ensinará conforme foi predeterminado por Deus.
O último, porém, o mais importante, é o Messias davídico, uma por conta de seu ligamento com outros judaísmos, mas agindo nos moldes do Antigo Testamento, ou seja, um Messias real, um documento que poderia dar força a essa ideia do Messias davídico seria o Pesher descontínuo de Gênesis que mostra um trecho da benção de Jacó e Judá, segundo Martínez:

[Não se separa um soberano da tribo de Judá. Enquanto Israel tiver o domínio, [não] faltará quem se sente sobre o trono de Davi. Pois "a vara" é a aliança da realeza, [e os mil]hares de Israel são seus pés. Vacat. Até que venha o messias da justiça, o broto de Davi. Pois a ele e a sua descendência lhes foi dada a aliança da realeza sobre seu povo por todas as gerações eternas, que observou[...] a Lei com os homens da comunidade, pois [...] é a assembleia dos homens de [...] (4QpGn (a) V, 1-6) (MARTÍNEZ, 1994, p. 256)


Baseado nesse texto, podemos observar a benção de Jacó e Judá num contexto messiânico, todavia, o texto interpreta a vara como Intérprete da Lei, formando assim a aliança real davídica de forma prefigurada. O rebento justo viria para instaurar um Reino em conformidade com a Lei de Deus. Os líderes sacerdotais de Qumran estariam em conflito com a família Hasmonéia, tanto na questão religiosa, no domínio do sumo sacerdócio, como pela ocupação do trono, que em outros tempos pertencia à dinastia davídica. Se olharmos à fundo, essa ótica, essa crença é semelhante à dos fariseus, no aspecto da fé no Messias davídico, como forma de reação ao poderio religioso e político exercido pela dinastia Hasmonéia. Na Regra das Bençãos, podemos observar algumas características do Messias e do seu reinado, acentuando seu caráter militar:

Vacat. Do instrutor. Para abençoar o Príncipe da congregação, que [...] [...] E renovará a aliança da comunidade por ele para estabelecer o reino de seu povo para sempre, [para julgar com justiça os pobres,] para repreender com retidão o humilde da terra, para andar na perfeição diante dele por todos os seus caminhos [...] para estabelecer a aliança [santa, durante] a aflição dos que buscam. Que o Senhor te eleve a uma altura eterna, como torre fortificada sobre a muralha elevada. Que [golpeies os povos] com a força da tua boca. Que com teu cetro devastes Vacat. a terra. Que com alento dos teus lábios mate os ímpios. [Que envie sobre ti um espírito de] conselho e de fortaleza, eterna, um espírito Vacat. de conhecimento e de temor de Deus. Que seja a justiça o cinturão de teus [lombos, e a fidelidade] o cinturão de tuas costas. Que te ponha chifres de ferros e de ferraduras de bronze. Chifrarás como um touro [... pisotearás os po]vos como o barro das rodas. Porque Deus te estabeleceu como cetro. Os que dominam [... todas as na]ções te servirão. Far-te-á forte por seu santo Nome. Será como um le[ão...] de ti a presa, sem que a cace. Teus corcéis se dispersarão sobre" (1Q Regra das Bençãos V, 20-29) (MARTÍNEZ, 1994, p. 482-483)


Ao observarmos esse texto, nos deparamos com uma descrição tradicional do Messias, que implanta o governo divino, sendo inspirado e exaltado por Deus. Essa é a função do Messias davídico, que colocaria a política no eixo, fazendo uma mediação entre Deus e a congregação apocalíptica. Mas também ele seria uma espécie de príncipe da congregação e no Rolo da Guerra ele teria uma função secundária e não primária.

OS PRINCIPAIS DOCUMENTOS APOCALÍPTICOS DA COMUNIDADE QUMRANITA

Os documentos tipos como apocalíptico em Qumran, traz uma ideologia bem enraizada nos textos de seu período, pois assim como o Rolo da Guerra traz os anjos lutando entre os seres humanos, assim também tem outros textos como o Documento de Damasco, que tem uma conotação apocalíptica.
O primeiro texto que iremos abordar é o próprio documento de Damasco, é um texto que chegou às mãos dos estudiosos no início do século, conhecido também como Fragmentos Zadoqueus, um texto que teve uma história fora do comum entre os textos descobertos em Qumran, de acordo com L. Rost em seu livro apócrifos e Pseudoepígrafos do Antigo Testamento ele nos mostra um pouco dessa história interessante:

Em 1986, S. SCHECHTER descobriu entre outros restos de manuscritos, na genizah da Sinagoga de Esdras, no Antigo Cairo, também 16 páginas de um manuscrito e uma folha isolada de um segundo manuscrito, de formato maior, as quais contêm uma obra hebraica sem título e até então desconhecida. Os dois manuscritos datam do século IX ou X de nossa era. Nas grutas 2,4,5 e 6 de Qumran encontraram-se fragmentos de, pelo menos, nove manuscritos da mesma obra. (ROST, 2004, p. 174)


O mais interessante é que esse texto foi encontrado no Cairo, por isso que ele foi nomeado Cairo Damasco, por causa dessa descoberta no Cairo antigo, sendo então, publicado em 1910. O que podemos entender é que esses textos foram identificados nas cavernas de quatro a seis, sendo assim, os da caverna 4 sendo 4Q266-73, da caverna 5 (5Q12) e das cavernas 6 (6Q15). Segundo Vanderkam,1994, p. 60 um dos manuscritos da caverna 4 é datado em torno dos anos 75-50 a.C.
O escrito é divido em duas partes principais, sendo, a primeira parte uma admoestação ao ouvinte baseada na história e leis para a vida da comunidade, a segunda parte trata mais de uma interpretação especial da Torah pela comunidade. O Documento de Damasco não é especificamente um texto apocalíptico, mas contém passagens apocalípticas, principalmente na parte das admoestações, como bem relata Nickelsburg:

Durante esse último tempo, Belial (Satanás) se solta em Israel (4:12-5:19). Uma marca da presença do líder demoníaco é interpretação comumente da Torá, de que tem aparência de "justiça" (4:16-17). Ao não seguirem a rígida interpretação da comunidade, os sacerdotes de Jerusalém cometeram fornicação e profanaram o Templo (5:6-11). (NICKELSBURG, 2011, p.247)


Uma ideia bem clara do que estamos tratando aqui, pois o texto em si relata como dizemos anteriormente, a admoestação do povo, muitos fazem uma referência desse texto à dinastia Hasmonéia, que estavam deturpando a religião.
Outro texto Regra da Congregação, é tido como um dos sete manuscritos originais, e serviu como o documento central para o entendimento de como a comunidade, é o manual da constituição da comunidade, segundo Vanderkam:

O Manuscrito completo da caverna 1 possui duas composições adicionais. A Regra da Congregação (1QSa) é um texto de duas colunas que fornece os regulamentos para os últimos dias e para a assembleia e os banquetes messiânicos a serem realizados na oportunidade. (VANDERKAM, 1994, p.62)


O texto é tido como uma evocação a origem do grupo, onde o livro trata da iniciação na comunidade, onde quem não está na comunidade, estão fora da aliança, em outra parte eles tratam dos dois espíritos, mais conhecidos como o Príncipe da Luz e o Anjo das Trevas, mais à frente entra a regra da comunidade, onde o modo de vida da comunidade é observado e por fim temos a fundação de uma comunidade e a oração do maskil.
O mais interessante texto dos apocalípticos é o Rolo da Guerra, encontrado na primeira caverna, um rolo de pele medindo em torno de 2,90, foram retirados dessa caverna sete manuscritos, sendo que os outros seis foram retirados da caverna 4, mas em forma de fragmentos, segundo Vanderkam,1994, p. 70, algumas dessas cópias da caverna 4, podem ter sido editados e reeditados à medida que continuava a ser copiado.
A primeira parte do Rolo da Guerra irá tratar do curso de uma guerra de quarenta anos que será travada entre os filhos da luz e filhos das trevas, sendo que, ao falo dos filhos da luz, os anjos de Iahweh vem auxiliar na batalha contra os filhos das trevas e os anjos das trevas, Vanderkam traz uma informação interessante:

Assim, a guerra escatológica refletirá a luta contínua entre o bem e o mal, luz e trevas, através da história humana. Só Deus é capaz de romper o equilíbrio a favor da justiça (comparar o Manual de Disciplina, cols. 3-4) (VANDERKAM,1994, p. 71)


Não existe uma sequência e uma divisão clara, sobre a cronologia das lutas, mas a ideia do autor, seria descrever uma possível luta entre Israel e as nações antagônicas a este. Na guerra estaria os Kittim, que seriam os violadores da aliança, mas assim como tratado anteriormente o papel do messias davídico seria secundário, que estaria à frente da guerra seria o sacerdote.
Entre os pesher encontramos o pesher Habacuc, O Florilégium, O Testimonia e o Melquisedec. O pesher Habacuc é o mais bem preservado, suas 13 colunas tratam especificamente sobre o capítulo um e dois. Quem vai nos oferecer uma ideia clara sobre isso é Nickelsburg:

A maior parte desses comentários se relacionam a suas séries de eventos: (1) circunstancia relacionadas ao Mestre da Justiça e seus conflitos com "o Mentiroso" (lit. "o homem que mente") e com "Sacerdote Ímpio"; (2) a aparição do exército romano na Palestina. (NICKELSBURG, 2011, p. 256)


O autor provavelmente, conheceu apenas dois capítulos ou não deu uma continuidade na exegese do texto, ele provavelmente era um membro da comunidade. Um rolo de pele que media em torno de 1,49m.
O Pesher Florilégium (1Q174) é um fragmento, que especialmente na terceira coluna, traz à tona o Templo de Jerusalém, tanto do passado, como do presente, como do futuro, sendo uma comunidade apocalíptica, assim como mostra Martínez:
"E YHWH te [anun]cia que te construirá uma casa. Eu farei ergue-se tua semente depois de ti e estabelecerei o trono do seu reino. [para sem]pre. Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho. [se refere ao] "broto de Davi" que se erguerá com o Intérprete da lei que [surgirá] em Si[ão n]os últimos dias, como está escrito: "Farei ergue-se a cabana de Davi que está caída". Isto [se refere] "á cabana de Davi que esta caída", que se erguerá para salvar Israel. Vacat. (4Q174[4QFlorilegium, Frag. 1-3, col. 1 10-13) (MARTÍNEZ, 1994, p. 177)


Esse texto presume a ideia do Templo escatológico, onde ainda seria cumprido, ou seja, seria algo futurístico, pode-se entender que essa ideia está por causa da dinastia Hasmonéia, que havia corrompido o sumo sacerdócio.
O Testimonia (1Q175), um texto de apenas uma coluna cita o comentário de passagens como Dt 18. 18-19, 33. 8-11 e Nm. 24. 15-17, que tem como esperança as três figuras escatológicas O messias sacerdotal, profético e davídico.
O último fragmento dos pesher é o Melquisedec (11Q13) que trata da salvação escatológica por meio da ação do personagem Melquisedec, uma figura sacerdotal e real mencionada no Gênesis 14.18-20, sendo uma figura similar ao anjo Miguel e ao príncipe da Luz.











UMA ANÁLISE COMPARATIVA DOS TEXTOS APOCALÍPTICOS DE QUMRAN COM OS PRINCIPAIS TEXTOS DO PERÍODO DO SEGUNDO TEMPLO

Nesse capítulo iremos abordar de forma comparativa os principais textos do período do Segundo Templo, onde fica caracterizado as principais ações apocalípticas, sejam por meio de visões, ou aparecimento angelical, ou até mesmo a relação com o fim dos tempos.
A melhor forma de se explicar o método comparativo nós vamos encontrar no livro História comparada de José D' Assunção Barros onde ele explica:

Os historiadores do imaginário, por fim, podem até mesmo colocar universos fictícios ou imaginários em uma comparação historiograficamente conduzida, se quisermos levar mais adiante a enumeração das trilhas que hoje se abrem para o comparativismo histórico. (BARROS,2014, p. 9)


De acordo com D'Assunção história comparada seria o rompimento do isolamento, ou seja, seria um contraponto ao mero nacionalismo que existe entre as nações, ou até mesmo um questionar à tolerância entre homens, é acima de tudo um diálogo entre povos e sociedades.

COMPARATIVISMO SEGUNDO BLOCH E DETTIENE

Iremos trabalhar aqui o comparativismo segundo Marc Bloch, Marcel Detienne e Samuel Sandmel. O primeiro a quem iremos abordar é o Marc Bloch.
A contribuição de Marc Bloch para história comparada foi fundamental, pois para ele, história comparada seria uma história comparada problemática. Entretanto, ele teve grande importância na sistematização da História Comparada, pois, para Bloch o tempo era uma continuidade:

Ora, esse tempo verdadeiro é, por natureza, um continuum. É também perpétua mudança. Da antítese desses dois atributos provêm os grandes problemas da pesquisa histórica. Acima de qualquer outro, aquele que questiona até a razão de ser de nossos trabalhos. Sejam dois períodos sucessivos, recortados na sequencia ininterrupta das eras. (BLOCH, 2002, p. 55)

O que podemos entender aqui é que para Bloch, o tempo era uma continuação e que vivia em perpétua mudança, para ele, não se dava para comparar algo que não tinha uma ligação, por causa dessas mudanças, mas a história em si vivia se conectando através desse tempo de forma evolutiva. Ao se referir a sociedade continua, iremos observar a mudança de uma época relacionada à outra. Em outra parte, ele deixa isso muito claro:

Já sei: será denunciada como sofismo. Na linguagem corrente, "presente" quer dizer passado recente. Aceitemos [portanto] de agora em diante, sem hesitação, esse emprego um pouco frouxo da palavra. Não que isso não levante, por sua vez, sérias dificuldades. À noção de proximidade não apenas falta precisão – de quantos anos se trata? – como ela também nos coloca em presença do mais efêmero dos atributos. (BLOCH, 2002, p. 61)


Para Bloch o comparativismo histórico só funcionaria se fosse duas sociedades do mesmo tempo, pois não tem como comparar uma sociedade de um tempo diferente, por causa da falta de precisão na cronologia histórica, em seu tempo, por isso que ele adotou uma história comparada tida como problemática, pois para ele como relatamos anteriormente a história é continua e vive em intensa mudança, e por causa da falta de dados cronológicos fica impossibilitada a comparação de duas sociedades de tempos diferentes, Bloch diz:

Ousar-se-á, entretanto, dizer que para correta compreensão do mundo atual a compreensão da Reforma protestante ou da Reforma católica, afastada de nós por um intervalo várias vezes centenário, não tem mais importância [do que muitos movimentos de ideia ou de sensibilidade mais próximos, seguramente, no tempo, porém mais efêmeros? ] (BLOCH, 2002, p. 64)


Para Bloch os acontecimentos passados foram benéficos ao seu tempo, já não tem mais utilidades para nós, pois há muita diferença entre as sociedades e muitos distanciamentos, não há uma ligação clara, a sociedade da época, vivia de uma forma, e não poderia trazer algo que somasse ao momento atual, pois essa nova sociedade sofreu mutações.
Entretanto o que podemos entender de Bloch era que sua ideia de história comparada era de duas sociedades do mesmo tempo, não se pode comparar por exemplo a pessoa de Jesus com os judeus do pós-exílio, mas Jesus e Paulo, nessa situação poderia, por causa da mudança da sociedade, que no caso do período do Segundo Templo foram mudanças drásticas, seja na cultura, seja, no imaginário.
O segundo personagem que iremos abordar, é o Marcel Detienne, que na sua visão seria viável comparar duas sociedades de um tempo diferente, que não estavam ligadas pelo mesmo tempo, mas com o auxílio de outras ciências, tem que haver o trabalho em equipe, mas isso trataremos mais à frente. Segundo Detienne "não se pode comparar aquilo que não for comparável". O seu argumento básico é que é possível comparar o incomparável à medida que é o pesquisador quem constrói os conjuntos ou categorias comparáveis. Quando um pesquisador escolhe fazer comparações ele não começa com um juízo de valor, mas ele vai considerar toda a "espécie" de seu objeto, seja o biólogo, o físico, um filólogo e outros. Um linguista trabalha com uma gramática comparada seja com qual for língua existente, falada ou não.
Os estudos comparativos já existiram desde o século XIX, quando Tylor chama a "ciências das civilizações". Para ele os antropólogos não colocavam em comparação as relações imediatas, mas conjuntos de relações, previamente observadas de cada cultura por uma análise interna, segundo Detienne:

Eu disse bem, o comparativista: ele deve ao mesmo tempo ser singular e plural. A polimatia ou o enciclopedismo de um só por vez, basta para cobrir um domínio como a civilização indo-europeia agrimensada por Georges Dumézil como pedestre solitário. (DETIENNE, 2004, p. 47)


Para um comparativista na visão de Detienne, não tinha em certas ocasiões que trabalhar sozinho, sem ajuda de outros cientistas, mas desde que haja apenas uma sociedade para se trabalhar. Quando há mais de uma sociedade, não se faz necessário trabalhar solitariamente, mas sim ter uma rede intelectual que seria formada por mais de um historiador-antropólogo ou vice e versa, pois, assim teria um acréscimo do saber de um e do outro, seria o diálogo entre as ciências, se faz necessário diálogo interdisciplinares. Para Detienne, é possível compreender tudo o que se pode colocar em comparação. Uma outra situação que Detienne vai colocar é o choque do incomparável, pois sua crítica à teoria de Bloch, que não se pode comparar o incomparável, tem uma ligação com fundador e fundação, que segundo Barros:

Tratava-se de estabelecer um núcleo de pesquisadores diversos, entre etnólogos e historiadores, que se dispusessem a investigar âmbito histórico-espaciais diversificados, tais como as antigas sociedades helênicas, africanas, americanas e japonesas. O "problema unificador" relacionava-se à temática da fundação, ou que ele denominou de "gestos da fundação". (BARROS, 2014, p. 155)


As discussões entre os pesquisadores levaram a crer que no caso do Japão antigo não havia fundação e nem fundador, ou seja, através dessa descoberta, Detienne e seu grupo tem um choque de incomparável. Através dessa iluminação recíproca, eles buscavam uma história comparada que se arrisque a ultrapassar os limites das comparações previsíveis, trazendo uma nova maneira de observar a história. De acordo com Detienne:

Não parece demasiado presunçoso dizer que, construindo comparáveis, mais ou menos bons em diversos casos, entre historiadores e antropólogos, aprendemos a nos colocar à distância de nosso eu animal, a ter um olhar crítico sobre nossa própria tradição, para ver, ou entrever, que ela é, verdadeiramente, uma escolha, para aprofundá-la, quer seja a de uma paisagem ou a de uma nação, com seu próprio risco e perigo. (DETIENNE, 2004, p. 66-67)


A ideia de Detienne era poder entender cada sociedade, seja ela do mesmo tempo, seja ela do tempo distante, para assim, poder comparar, mesmo tendo os problemas, para ele aprender sobre outros povos, é caminhar com eles e verificar, o comparativismo histórico.
O que podemos entender é que a ideia blochiana é um comparativismo de uma mesma época, pois para ele como relatamos anteriormente é que a história é continua e que vive mudando, do outro lado encontramos a teoria detienniana onde é possível comparar com o auxílio de outras ciências e poderá percorrer sociedades de tempos diferentes, sociedades simples e complexas, colocando em perspectiva as singularidades, as repetições, o tempo e o espaço.
Como vimos, existe entre outras essas duas principais ideias sobre o comparativismo histórico.

DUALISMO CÓSMICO EM QUMRAN, DANIEL E HENOC

A pergunta que devemos fazer aqui é qual a ligação de Qumran com Enoque e Daniel? A resposta é clara, nenhuma, mas podemos verificar semelhanças em seus escritos apocalípticos, como por exemplo textos que falam de ações angelicais, Daniel em sua visão tem como auxiliador um anjo, Enoque na sua ascensão tem além de uma conversa com Iahweh, anjos participando dessa visão, e em Qumran encontramos no Rolo da Guerra os anjos lutando ao lado dos filhos da luz e das trevas, mas isso veremos com mais clareza.
Com o fim do profetismo deuteronomista no período pós-exílico, houve uma recorrência a outros métodos, como a escrita de uma experiência sobrenatural para poder explicar o momento que vivem e para trazer uma esperança. No livro de Daniel encontramos na segunda parte uma ação divina com o auxílio angelical para trazer uma mensagem sobre um futuro que seria próximo, mas o que tem de semelhança entre Daniel e a comunidade de Qumran? A o olharmos o texto de Daniel 10-12, encontramos textos que falam de guerras entre nações que teriam sanções de batalhas entre os príncipes angelicais celestes, que seriam uma espécie de patronos de suas respectivas nações, o antagonismo fundamental entre Israel e o reino selêucida, envolve um conflito entre Miguel o mais conhecido como patrono de Israel e o poder do espírito por trás de Antíoco Epífanes:

O Príncipe do reino da Pérsia me resistiu durante vinte e um dias, mas Miguel, um dos primeiros Príncipes, veio em meu auxílio. Eu o deixei afrontando os reis da Pérsia e vim para fazê-lo compreender o que sucederá a teu povo, no fim dos dias, porque há ainda uma visão para esses dias. (DANIEL 10.13-14, BÍBLIA DE JERUSALÉM)


Olhando para esse texto observamos que houve uma luta angelical, tendo uma identificação com o Rolo da Guerra que traz um contesto onde os filhos da luz e das trevas, respectivamente com os membros da comunidade de Qumran e os de fora da comunidade, segundo Martínez:

Pôr-lhes-á paz nas queimaduras[...] aos provados no crisol; afiará as armas de guerra, e não se embotarão até [que sejam destruídas todas as nações] ímpias. E vós, recordai, o juízo [de Nadab e Abi]ú, filhos de Aarão, com juízo de Aarão, com cujo juízo mostrou sua santidade aos olhos [de todo o povo; enquanto que Eleazar] e a Itamar os confirmou em sua aliança eterna. Vacat. E vós, esforçai-vos e não temais. Eles tendem para o caos e o vazio, e seu apoio é o nada [...] [Ao Deus de] Israel o que é e será [...] em tudo o que se sucede sempre. Este é o dia fixado para humilhar e para rebaixar o príncipe do domínio do mal. Enviou ajuda eterna ao lote redimido com o poder do anjo majestoso, pelo serviço Vacat. de Miguel em luz eterna. Fará brilhar de gozo a aliança de Israel, paz e benção ao lote de Deus. Exaltará sobre os deuses o serviço de Miguel e o domínio de Israel sobre toda carne. (ROLO DA GUERRA (1QM[+1Q33]) Col. XVII 1-8a) (MARTÍNEZ,1994, p. 156-157)


O que podemos entender nesses dois textos são a identificação do anjo Miguel como o defensor dos judeus, e aquele que traz algo da parte de Deus. Outro texto qumranita que trata dessa situação é a Regra da Comunidade que associa o espírito antagônico como Belial, o tornando, aquele que é o princípio da moral cósmica má. De acordo com Martínez:

Na mão do Príncipe das Luzes está o domínio sobre todos os filhos da justiça; eles andam por caminhos de luz. E na mão do Anjo das trevas está todo o domínio sobre os filhos da falsidade; eles andam por caminhos de trevas. Por causa do Anjo das trevas se extraviam todos os filhos da justiça, e todos os seus pecados, suas iniquidades, suas faltas e suas obras rebeldes, estão sob o seu domínio de acordo com os mistérios de Deus, até seu tempo; e todos os seus castigos e seus momentos de aflição são causados pelo domínio de sua hostilidade; e todos os espíritos de seu lote fazem cair os filhos da luz. Porém o Deus de Israel e o anjo da verdade ajudam todos os filhos da luz. Ele criou os anjos da luz e das trevas, e sobre eles fundou todas as obras, [sobre os seus ca]minhos todos os trabalhos. Deus ama um deles por todos. (Regra da Comunidade 1QS Col. III 20-26) (MARTÍNEZ, 1994, p. 49)

O dualismo cósmico é claro em Qumran, principalmente nesses dois textos, o texto de Daniel não fica claro que seria esse príncipe da Pérsia, mas há quem defenda que seria um espirito mal, que estaria impedindo Miguel de trazer uma explicação à visão que Daniel teve, nos textos qumranita fica clara a ação bélica dos anjos, ou seja, eles lutavam em favor dos qumranitas, em Daniel ele também lutou para poder trazer a explicação e para defender os judeus na hora em que os judeus estivessem com problemas sérios ou mesmo sendo oprimidos, de acordo com o texto de Daniel:

Nesse tempo levantar-se-á Miguel, o grande Príncipe, que conserva junto dos filhos do teu povo. Será um tempo de tal angústia qual jamais terá havido até aquele tempo, desde que as nações existem. Mas nesse tempo o teu povo escapará, isto é, todos os que se encontram inscritos no Livro. (DANIEL 12.1, BÍBLIA DE JERUSALÉM)

O que podemos entender é que ação de Iahweh por intermédio dos anjos estão ligados há tempos difíceis, e com guerras ao meio, esse dualismo adotado tanto por Qumran, tanto por Daniel está ligado ao fato que ambos são do mesmo período que seria de guerras, Daniel através de seu texto mostra a supremacia de um reino e logo em seguida sua divisão, no Rolo da Guerra mostra outra supremacia, que seria dos Kittim, alguns intitulam os Kittim de romanos, segundo Nickelsburg:


O Comentário de Habacuc 2.10-6.17 lida quase que inteiramente com os romanos, que aparecem sob o nome de kittim. A seção retrata como irresistível máquina militar romana produz suas vitórias com ferocidade, sem misericórdia. (NICKELSBURG, 2011, p. 256)


O que podemos entender é que nos dois textos há tanto uma guerra cósmica e também humana, ou seja, os anjos lutando entre homens.
O texto que podemos verificar comparativismo é o de Henoc ou Enoque, quando olhamos para o seu texto, principalmente no livro dos Vigilantes onde mostra Iahweh enviando os anjos para derrotar os anjos que imacularam a terra e além de engravidarem as mulheres, ensinou magias e a fazerem armas, Ephraim Issac no livro "O livro de Enoque etíope ou I Enoque nos mostra:

E a Miguel Deus disse, "Faz saber a Semyaza e aos outros que estão com ele, os quais fornicaram com as mulheres, que eles morrerão com elas em toda profanação. E quando eles e todos os seus filhos tiverem batalhando uns contra os outros, e quando eles tiverem visto a destruição dos seus amados, prende-os por setenta gerações sob as rochas da terra até que o julgamento eterno seja realizado. Nesses dias eles os levarão ao âmago do fogo – e em tormento – na prisão (onde) eles ficarão trancados para sempre. E no tempo quando eles queimarão e morrerão, aqueles que colaboraram com eles serão amarrados juntamente com eles até o fim de (todas) as gerações. E destrói todas as almas lascivas e os filhos dos Vigilantes, pois eles praticaram injustiça entre os homens. (I Henoc 10.11-15) (CHARLESWORTH; ISSAC, 2015, p. 97-98)


Podemos observar mais uma vez um princípio de dualismo cósmico nesse texto, pois os Vigilantes eram anjos que observavam os seres humanos, ao acharem graça nas filhas dos homens, tiveram relações com elas, tendo filhos que eram os gigantes, mas não parou por aí, ensinaram magia e como fazer armas, trazendo um mal para a humanidade, ao se tornarem maus perante Iahweh, eles foram destituídos da hierarquia angelical e tornando-se anjos maus, acabaram presos. Encontramos nos textos qumranitas esse tipo de dualismo que existe entre os anjos, principalmente na coleção de hinos, mais conhecidos como Hodayot, segundo Martínez:

As torrentes de Belial se rompem no Abadão. Os maquinadores do abismo guincham com o estrondo dos que removem o barro. A terra grita pelo desastre que sobrevém ao orbe, e todos os seus maquinadores urram, e todos quantos há sobre ela enlouquecem, e se dissolvem no grande desastre. Porque Deus troa com estrondo de sua força, e sua morada santa ressoa com a verdade de sua glória, e o exército dos céus aumenta seu som, e os fundamentos eternos se dissolvem e tremem, e a batalha dos heróis celestes atravessam o orbe, e não retornará até ter completado a destruição decidida para sempre. Não há nada semelhante. Vacat. (Hodayot 1QHa Col. XI (=III+ frag. 25) 32-36) (MARTÍNEZ, 1994, p.379)

O que podemos observar no Hodayot são as figuras angelicais entre a guerra e trazendo maldade e libertação, como em Henoc, os Vigilantes trouxeram maldade para os seres humanos, aqui as torrentes de Belial trouxe catástrofe para a humanidade, o cenário desse Hodayot é de guerra, onde o nome de Belial está relacionado ao inimigo, de acordo com o autor, mas Iahweh e seus anjos lutariam por eles e acabariam com a maldade.
O que podemos concluir que tanto Daniel, como Henoc tem ligações com os textos qumranitas, no âmbito angelical e dualista ambos os textos têm uma ligação muito forte e determinista. Ao compararmos esses textos, comprovamos isso, que os textos trazem uma cultura muito forte de seu tempo, por isso, há similaridades.

MISTICISMO APOCALÍPTICO SEGUNDO PAULO, ASSUNÇÃO DE MOISÉS E QUMRAN

Ao entramos no comparativismo relacionando o misticismo ligado à Paulo, 4 Esdras e Qumran é uma forma diferenciada, pois com o passar do tempo no período do Segundo Templo, existe uma diferença clara, pois a volta do mercaváh está muito claro. A experiência mística de Paulo tem uma ideia muito interessante, pois ao começarmos com a sua conversão, foi de uma forma mística, pois de acordo com o livro de Atos:

Estando ele em viagem e aproximando-se de Damasco, subitamente uma luz vinda do céu o envolveu de claridade. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: "Saul, Saul, por que me persegue? " Ele perguntou: "Quem és, Senhor? " E a resposta: "Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Mas levanta-te, entra na cidade, e te dirão o que deves fazer. " (ATOS 9.3-6 BÍBLIA DE JERUSALÉM)

Ao observarmos essa conversão, podemos enxergar aqui o misticismo mercaváh, que seria a visão do trono-carruagem de Deus em Ezequiel 1, descrito da glória ou forma de Deus, encontramos isso em Qumran, principalmente no Cântico do Sacrifício Sabático, onde observamos:

[Para o Instrutor. Cântico para o holocausto] do primeiro [sábado], o quatro do primeiro mês. Louvai [ao Deus de...], vós, os deuses, entre os mais santos dos santos; na divindade [de seu reino exultai. Porque estabeleceu] os mais santos dos santos entre os santos eternos, para que sejam para ele sacerdotes [que se aproximam do templo de sua realeza], os servidores da Presença no seu santuário de sua glória. Na assembleia de todos os divinos [do conhecimento e no concílio de todos os espíritos] de Deus ele gravou suas ordens para todas as obras espirituais, e seus preceitos [gloriosos, para os que estabelecem] o conhecimento do povo da inteligência de sua glória, os deuses que se aproximam do conhecimento. [...] eterno. E do manancial santo dos santuários santo [dos santos...] sacerdotes que se aproximam para servir na presença do rei santo [dos santos...] de sua glória. E cada norma a confirmam para os sete [conselhos eternos. Porque os] estabeleceu para si com os san[tos dos santos que servem no sábado d]os santos. [...] se aproximaram deles no conselho [...] do conhecimento de [...] santo dos santos, as[cerdotes...] Eles são príncipes [...] nos templos do rei. [...] em seu território e em sua herança [...] Eles não suportam ninguém cujo o caminho é [perverso]. Não há impureza em suas oferendas santas. Ele gravou para eles [preceitos san]tos com os quais se santificam eternamente todos os santos; e purifica os puros [luminosos para que tra]tem com os caminhos perversos. E eles propiciarão sua vontade em favor de todos os convertidos do pecado. [...] conhecimento nos sacerdotes que se aproximam e de suas bocas [saem] os ensinamentos de todos os santos com os preceitos de [sua glória...] suas graças para misericordiosa remissão eterna, e [para destruir] na vingança de seu zelo [...] Ele estabeleceu para si sacerdotes que se aproximam, os mais santos dos santos. [... Deus] dos divinos, sacerdotes das alturas excelsas, que se aproximam [...] ... [...] (Cântico do Sacrifício Sabático 4Q400 [4QShirShab] Frag. I Col. I 1-21) (MARTÍNEZ, 1994, p. 467-468)


Essa liturgia angélica nos mostra uma ideia clara do que estamos tratando em forma de comparativismo, ou seja, podemos verificar que esses seres seriam angelicais, mas podemos ter uma grande dificuldade por causa do contexto que o texto mostra, de segundo Machado, 2009, p. 108:
Carol Newsom considera que os seres referidos nesses cânticos dizem a respeito à hostes de anjos. Entretanto, Fletcher-Louis encontrou várias dificuldades para a conclusão de que são apenas anjos.
A grande questão está em torno do tema Elohim e Elim, que se não estivessem presentes, o texto teria uma ligação aos sacerdotes israelitas, mas o nome Elohim pode ser Deus, deuses e anjos, mas tem o nome Elin que é usado mais no texto, no texto falam de um templo celestial exaltados, no sexto cântico trata uma questão de na língua primeira, segunda até o sétimo, que seria uma referência à língua dos anjos. Ela fala da língua de anjos que está no âmbito cúltico, assim como em Coríntio. Em Ezequiel 1 mostra a tradição mercaváh, para Sholem a Mercavá tem a mesma significação da experiência paulina de ascensão ao terceiro céu. O conhecimento nesse texto tem uma ligação clara com revelação, não é um conhecimento adquirido, mas sim revelado. O texto fala de algo maravilhoso, essa ideia poderia estar ligada à uma maravilha ímpar, ou seja, algo que o autor não consegue descrever, por causa da beleza e perfeição, o que podemos entender sobre esse mistério é sobre trazer algo oculto por meio de uma revelação.
Em Assunção de Moisés podemos observar a revelação do mistério, o personagem Moisés é descrito como mediador da sua aliança, mas a evidência da especulação mística sobre o kavod, sendo encontrada no fragmento da Assunção de Moisés, que fora escrita por Ezequiel, segundo Segal:

Moisés e descrito como tendo uma visão do trono de Deus com uma figura sentada nele. A figura do trono é chamada phos gennaios, "um homem venerável", que possui um duplo significado em grego, visto que phos pode significar luz ou homem, dependendo do gênero do substantivo. (SEGAL, 2010, p. 86)


Assim como em outros textos, encontramos na Assunção de Moisés uma transformação de uma pessoa em anjo, similar em Henoc, que o personagem se transforma em um anjo chamado Metraton, no texto da Assunção, podemos observar que Moisés é entronizado como um monarca ou divindade no céu, de acordo com Segal:

Temas do Merkabah a respeito de como Deus é visto podem ser vistos na alegoria de Filo. À luz da subsequente batalha, é surpreendente que um judeu proeminente do primeiro século como Filo pudesse sugerir tão claramente uma união mística de humanos a uma manifestação divina. (SEGAL, 2010, p. 88)


Quando observamos o texto de Assunção de Moisés, podemos observar um misticismo, parecido com Paulo, em Qumran, não fica muito claro, apesar do texto do Cântico do Sacrifício Sabático seja um texto místico, o que podemos entender é que a ligação existe, pois, o mercaváh está muito claro em Paulo, como também em Qumran e também no livro da Assunção de Moisés, pois a visão celeste fica muito clara, assim como na ascensão paulina e no cântico do Sacrifício Sabático, onde o Mercaváh está muito claro.
De acordo com o comparativismo entre Paulo, Assunção de Moisés com Qumran, encontramos algumas ligações, o que nos leva a entender que existe uma ligação entre eles.




















CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tal estudo, podemos observar que, os textos apocalípticos qumranita tem muitas similaridades com os textos do período da restauração como no caso o de Daniel, como também de um tempo mais tardio como o de I Henoc, mas também não podemos nos esquecer que a literatura apocalíptica do Segundo Templo traz grandes reflexões para o Cristianismo Antigo ou primitivo, pois as mensagens de Jesus e Paulo traz grandes ligações com os textos qumranitas, pois a Ascensão de Paulo e a visão de fim dos tempos de Jesus, podemos encontrar de maneira clara nos textos apocalíticos de Qumran.
Usamos duas ideias de comparativismo para podermos reforçar a ideia de uma análise comparativa, porém nossa hipótese não foi totalmente aceita, apesar das similaridades em alguns aspectos, como aparição de anjos e o anseio pela vinda do Messias, em outros casos que teve discordâncias, fruto de um sectarismo onde a ideologia de cada grupo era a verdade absoluta, causando assim uma divisão de pensamentos, por isso, o que podemos entender é que esse período do Segundo Templo foi um período de intenso imaginário apocalíptico, causado pelos impérios que subjugavam os judaítas, mais tarde conhecidos como judeus, que transformavam o sofrimento numa esperança messiânica de libertação desse julgo dos impérios.















REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
ARENS, Eduardo; MATEOS, Díaz Manuel. O Apocalipse, a força da esperança: Estudo, leitura e comentário. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
BARROS, José D'Assunção. História Comparada. Petrópoles, RJ: Editora Vozes, 2014.
BÍBLIA de Jerusalém. 8ª impressão. São Paulo: Editora Paulus, 2012.
BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da História ou o oficio do historiador. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2002.
BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Teológica, 2004.
CHARLESWORTH, James H; ISSAC, Ephraim. O livro de Enoque Etíope ou I Enoque. São Paulo: Editora Entre os Tempos, 2015.
COLLINS, John J. A imaginação apocalíptica: Uma introdução à literatura apocalíptica judaica. São Paulo: Editora Paulus, 2010.
DETIENNE, Marcel. Comparar o incomparável. Aparecida, SP: Editora Ideias e letras, 2004.
FABRY, Josef-Heinz; SCHOLTISSEK, Klaus. O Messias. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
FITZMYER, Joseph A. 101 Perguntas sobre os Manuscritos do Mar Morto. São Paulo: Edições Loyola, 1997.
FOHRER, Georg. História da Religião, de Israel. Santo André, SP: Editora Academia Cristã; Editora Paulus, 2012.
FLUSSER, David. O Judaísmo e as origens do cristianismo, Vol. I. Rio de Janeiro: Editora Imago, 2000.
GOLB, Norman. Quem escreveu os Manuscritos do Mar Morto? Rio de Janeiro: Editora Imago, 1996.
GOTTWALD, Norman K. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Edições Paulinas, 1988.
MACHADO, Jonas. O misticismo apocalíptico do apóstolo Paulo. Um novo olhar nas Cartas aos Coríntios na perspectiva da experiência religiosa. São Paulo: Editora Paulus, 2009.
MARTÍNEZ, Florentino García; TREBOLLE, Barrera Julio. Os Homens de Qumran: Literatura, estrutura e concepções religiosas. Petrópoles, RJ: Editora Vozes, 1996.
___________________. Textos de Qumran. Petrópoles, RJ: Editora Vozes, 1994.
NICKELSBURG, George W.E. Literatura judaica, entre a Bíblia e a Mixná. Uma introdução histórica e literária. São Paulo: Editora Paulus, 2011.
PROENÇA, Eduardo de. Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia, Vol. I. São Paulo: Editora Fonte Editorial, 2014.
___________________. Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia, Vol. II. São Paulo: Editora Fonte Editorial, 2012.
RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Editora ASTE; Editora Targumim, 2006.
ROST, L. Introdução aos livros apócrifos e pseudepígrafos do Antigo Testamento e aos Manuscritos do Mar Morto. São Paulo, Editora Paulus, 2004.
RUSSELL, D.S. Desvelamento Divino. São Paulo: Editora Paulus, 1997.
SANDERS, E.P. Paulo, a lei e o povo judeu. São Paulo: Editora Academia Cristã; Editora Paulus, 2009.
SEGAL, Alan F. Paulo, o convertido. Apostolado e apostasia de Saulo fariseu. São Paulo: Editora Paulus, 2010.
SCHMIDT, Werner H. A fé do Antigo Testamento. São Leopoldo, RS: Editora Sinodal, 2004.
SCHNELLE, Udo. Teologia do Novo Testamento. Santo André, SP: Editora Academia Cristã; Editora Paulus, 2010.
______________. Paulo, Vida e Pensamento. Santo André, SP: Editora Academia Cristã; Editora Paulus, 2014.
SCHRAGE, Wolfgang. Ética do Novo Testamento. São Leopoldo, RS: Editora Sinodal, 1994.
SCHWEITZER, Albert. A busca do Jesus Histórico. São Paulo: Editora Fonte Editorial, 2005.
__________________. O Misticismo de Paulo, o apóstolo. São Paulo: Editora Fonte Editorial, 2006.
SILVA, Clarisse Ferreira da. O Comentário (Pesher) de Habacuc. A comunidade de Qumran reinterpreta o passado. São Paulo: Editora Humanitas, 2010.
_________________________. O Novo Templo e a Aliança Sacerdotal da Comunidade de Qumran. Um estudo sobre o Rolo do Templo (11QTa). São Paulo: Editora Humanitas, FAPESP, 2013.
VANDERKAM, James C. Os Manuscritos do Mar Morto Hoje. O melhor e o mais completo relato sobre os manuscritos, feito até hoje. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1994.


Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.