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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - UNIFAL- MG

LALAINE RABÊLO

Política e cultura na antiguidade: O período valentiniano e suas representações

Alfenas, 2013

LALAINE RABÊLO

Política e cultura na antiguidade: o período valentiniano e suas representações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de Alfenas- UNIFAL –MG como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Licenciado em História, sob a orientação do Prof. Dr. Cláudio Umpierre Carlan.

Alfenas, 2013

Às queridas pessoas que me deram força ao longo desses anos difíceis, porém felizes.

AGRADECIMENTOS Os primeiros agradecimentos não poderiam ser a outras pessoas senão a minha família, ao meu orientador Claudio Umpierre Carlan, a meu companheiro de caminhada, Jayme Tosi Neto, aos professores da Universidade Federal de Alfenas e aos queridos amigos e colegas que estiveram presentes antes e durante essa caminhada que é a graduação. Agradeço aos meus pais, Leonarda Lopes Cardoso e Olegário Rabêlo de Araújo que através do esforço contínuo me possibilitaram trilhar o caminho acadêmico, caminho este que infelizmente eles não puderam trilhar pelas dificuldades da vida, mas que não impossibilitou a eles darem a melhor educação a mim e a meus irmãos, e claro, as lições de respeito aos outros. Agradeço especialmente a minha mãe, que sempre se esforçou para cuidar de mim e de meus irmãos praticamente sozinha e que, mesmo distante, sempre se preocupou e me apoiou. A meu pai pelo apoio e esforço em me ajudar na estadia de mais de quatro anos em Alfenas. Agradeço aos meus irmãos Ualacê Rabêlo de Araújo e Aline Cardoso da Luz que, me trouxeram muitas alegrias. Agradeço principalmente a meu irmão, que apesar de ser ainda adolescente é maduro o bastante para me entender e me trazer palavras de apoio e estímulo, é impressionante sua maturidade apesar de ser ainda um menino. Ao professor Carlan pela paciência desde os primeiros períodos da faculdade, quando eu era somente uma graduanda iniciando a vida acadêmica e ainda meio estupefata com todo o mundo novo da universidade. Lembro-me sempre das palavras de apoio, de estímulo que me serviram para superar além das dificuldades acadêmicas, as pessoais. A meu companheiro de caminhada, Jayme Tosi Neto pelo apoio, paciência e estímulo constante principalmente durante a dura fase que é a finalização da graduação. Agradeço aos meus colegas da primeira turma de História da Universidade Federal de Alfenas pelas trocas ao longo da graduação, também às risadas e pelo apoio, direta ou indiretamente. Sei das dificuldades em sermos primeira turma, mas tenho a esperança de que em breve teremos muito orgulho de dizer que fizemos parte de um curso de História que é referência no país. Agradeço principalmente às colegas de graduação, Mara Lúcia Marcelino Cabral, Claudia Cabral e Lucas Mariano Novaes. Não poderia deixar de citar a amiga de graduação Ana Paula Pereira Sanção, pelo apoio e por ter me escutado pacientemente em momentos difíceis, seja pela saudade da minha família ou em outros momentos dolorosos, ao constante incentivo. Agradeço também a Jaqueline Simêdo da Silva que, apesar de não ter podido continuar no curso por motivos pessoais, me deu muita força durante os dois anos em que esteve com a nossa turma de História. Não poderia esquecer de Eloíse Iara e Waldirene Aparecida Vilela. À Eloíse Iara, agradeço pelo apoio em momentos difíceis nesse último ano, por me escutar, apoiar e oferecer tão bela amizade. À Waldirene, agradeço por ser amiga e professora maravilhosa que tive o privilégio de conhecer ainda no ensino fundamental. Quem dera todos os alunos, principalmente os de escola pública que enfrentam dificuldades sociais, de ensino e de estrutura em todos os sentidos, terem a oportunidade de estudar com professora tão apoiadora, que acredita em seus alunos e os estimula a alcançar seus objetivos ou aqueles objetivos construídos ao longo da convivência com ela. Agradeço por acreditar em seus alunos mesmo quando outros não acreditaram, ou até mesmo eles não acreditaram em si mesmos. Espero ser tão boa professora quanto ela. Agradeço também aos professores do curso de História da UNIFAL-MG pelo constante apoio, pela colaboração na minha formação, pela paciência e também pelas alegrias compartilhadas, nunca me esquecerei do período em que tive a honra de estar no meio de professores e pessoas tão maravilhosas. Agradeço principalmente à professora Elaine Ribeiro por ser, além de professora, amiga e estimuladora nesses tempos em que tive o privilégio de estar com ela na universidade. Agradeço a ela também pelas valiosas contribuições a minha pesquisa e de forma geral, na minha formação como professora e historiadora.

Agradeço aos amigos do Museu da Memória e Patrimônio da UNIFAL – MG, pelo apoio e pelo prazer em estar na companhia deles principalmente durante o último ano. Quero agradecer também aos professores Pedro Paulo de Abreu Funari, Margarida Maria de Carvalho, Júlio César Magalhães de Oliveira, Helena Amália Papa, Daniel de Figueiredo dentre outros, pelas valiosas contribuições para o meu trabalho. E por último, mas nem por isso menos importante, a Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pela bolsa de iniciação científica que foi fator importante para a continuidade da minha pesquisa. Espero que atitudes como essas sejam cada vez mais freqüentes.

Política e cultura na antiguidade: o período valentiniano e suas representações

RESUMO Este trabalho visa analisar o período em que Valentiniano I administrou o Império Romano do Ocidente (364 – 375 d.C.) através de textos e moedas do período, além de contribuir para os estudos da Antiguidade Tardia e os elementos pertencentes ao período tais como, a política, a sociedade, a economia e a cultura. Aspectos da sociedade romana que sofrem várias modificações e transformações decorrentes da ascensão do cristianismo e da figura dos chamados povos bárbaros no que refere às invasões ou na integração destes na sociedade romana influenciando também na cultura. Palavras – chave: Antiguidade Tardia, numismática , Império Romano, Valentiniano I.

SUMÁRIO Agradecimentos..................................................................................................................... p. 4 Resumo................................................................................................................................... p. 6 Introdução.............................................................................................................................. p. 8 Revisão bibliográfica........................................................................................................... p. 12 Discussão teórico – metodológica........................................................................................ p. 15 CAPÍTULO I – A PERCEPÇÃO DA FIGURA DE VALENTINIANO 1. A visão na Antiguidade e no Período moderno: Edward Gibbon e Amiano Marcelino como ponto de partida ................................................................................................................... p. 18 1.1.Os antecedentes do período valentiniano: a reestruturação política ............................. p. 22 1.2. Sobre a eleição de Valentiniano.................................................................................... p. 20 1.3. A percepção da figura de Valentiniano I: Amiano Marcelino ...................................... p.27 1.4. A percepção da figura de Valentiniano I: Edward Gibbon ........................................... p.30 CAPÍTULO II – A ASCENSÃO E A ADMINISTRAÇÃO DE VALENTINIANO SEGUNDO AS FONTES ESCRITAS E MATERIAIS 1.O uso da numismática como fonte histórica e sua importância: as moedas e suas representações...................................................................................................................... p. 32 CONCLUSÃO..................................................................................................................... p. 46 Referencias Bibliográficas................................................................................................... p. 51 Anexos................................................................................................................................. p. 55

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INTRODUÇÃO A Antiguidade Tardia é denominada por vários historiadores do Brasil e do exterior, como um período que abrange os séculos III, IV e V1. Este período foi tratado por muito tempo por autores como Edward Gibbon, como uma época de ruína do Império Romano. Porém, de acordo com os estudos realizados ao longo dos anos, entendemos que trata-se de um período de transição, de renovação e de enriquecimento da cultura e dos vários aspectos da sociedade romana, pois esta recebe contribuições das mais variadas culturas de povos denominados, bárbaros2. O conceito de Antiguidade Tardia foi formado no final do século XIX e início do XX em oposição à idéia renascentista e iluminista de uma decadência da civilização romana. Segundo Júlio César Magalhães Nos anos 50 e 60 do século XX, a crítica ao conceito de decadência foi consolidada na historiografia graças à influência de Henri-Irénée Marrou (França), de Santo Mazzarino (Itália), e de Arnold Jones (Grã-Bretanha), que procuraram demonstrar como o Império Romano, longe de sucumbir à crise do século III, se renovou a partir da Tetrarquia, dando origem a uma civilização original e extremamente rica. (MAGALHÃES, 2007, p. 126) Ainda segundo Magalhães: [...] a crítica desses autores à idéia de decadência implicava, porém, pouco mais que uma reabilitação do período até então descrito, de maneira pejorativa, como o Baixo Império, sem, no entanto, negar as rupturas do século V, no Ocidente, e do século VII, no Oriente.

Ainda segundo Magalhães, o conceito moderno de Antigüidade Tardia, como um período longo, distinto e autônomo, englobando os últimos séculos da Antigüidade e os primeiros da Idade Média, seria difundido apenas a partir da publicação, de The World of Late Antiquity, do historiador Peter Brown em 1971. Brown elaborou uma definição de Antigüidade Tardia como um período distinto na história do Mediterrâneo, durante o qual um mundo novo e extraordinariamente criativo se desenvolvera a partir de uma dupla revolução, social e espiritual. (MAGALHÃES, 2007, p. 126)

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Geralmente considera-se que a Antiguidade Tardia abrange os séculos III, IV e V. Há historiadores que entendem que esta se prolonga até o século VIII com Carlos Magno. Já para alguns medievalistas, considera-se Alta Idade Média do século V ao X. 2 Os romanos denominavam bárbaros, àqueles povos vindos além da fronteira do Império. Aqui não utilizamos com sentido pejorativo, ou seja, não atribuímos à palavra sentido empregado a ela no século XIX quando usada para denominar povos inferiores, civilização em oposição à barbárie. Utilizamos aqui como meio para facilitar a compreensão quando nos referirmos a estes povos estrangeiros.

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Devemos salientar também que no período que trabalharemos aqui, ou seja, o período valentiniano, a administração imperial é dividida3 em Império Romano do Ocidente e Império Romano do Oriente, com centros firmados, respectivamente nas cidades de Roma e Constantinopla. Ou seja, mesmo com a “queda” política, a desagregação do Império Romano do Ocidente em 476 d.C., o Império Romano do Oriente continua vivo e resguarda a cultura romana por vários séculos e esta passa a ser elemento constituinte da cultura bizantina. Vale ressaltar que no que se refere à cultura, entendemos que esta tem conceitos múltiplos. Neste caso, acreditamos que a cultura abrange todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo. Ou seja, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideias e crenças (SILVA; SILVA, 2005, p.85). Neste sentido, entendemos que o Império Romano não chega ao seu fim quando há decadência política do Império Romano do Ocidente. Vale lembrar que o Império Bizantino se prolongará por cerca de mil anos após a queda do Império Romano do Ocidente. Peter Charanis discute que na verdade a expressão Império Bizantino – derivada de Bizâncio, antiga cidade anterior a construção de Constantinopla – é relativamente recente, e que para a os habitantes do território, o império em que viviam, era o Império Romano e eles eram romanos. (CHARANIS, 1970, p. 7). O autor em questão aponta ainda que o Império Bizantino foi de fato uma fase do Império Romano, algo que concordamos, pois este agrega e dissemina a cultura romana e a religião, que ganhou força no Império ao longo dos séculos, ou seja, o cristianismo. Charanis aponta que o Império Bizantino surgiu como triunfo do cristianismo ao passo que Constantino transferiu sua capital de Roma para Bizâncio no início do século IV. Apesar da perda das províncias ocidentais, com que se viu geograficamente restrito às do leste, perpetuou sem interrupção a estrutura política que os romanos haviam modelado. Quando olhamos para o Império Bizantino observamos não só a cultura romana ainda viva, mas também elementos da política. Porém vale ressaltar que a cultura bizantina carrega elementos variados, principalmente da cultura oriental, inclusive a arte. Vale destacar também que vários aspectos da sociedade e cultura romana influenciarão na formação dos reinos bárbaros no período medieval.

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Somente a administração imperial é dividida e não o Império Romano. O Império Romano só será dividido de fato depois da morte de Teodósio que ocorreu em 395 d.C.

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Outro ponto que vale destacar é o elemento bárbaro4 - além da questão da adoção do cristianismo inclusive por alguns imperadores – que foi visto ao longo dos séculos, inclusive por autores como Edward Gibbon como fator de desestruturação e desagregação do Império Romano. No que refere aos bárbaros, eram povos que viviam além das fronteiras romanas, porém nem todos eram inimigos ou invasores do Império. Durante e Antiguidade Tardia houve até mesmo a integração de alguns destes povos na sociedade e no exército romano, chegando a alcançar postos de grande relevância. Neste sentido concordamos com Peter Burke quando discute sobre o conceito de “apropriação”, “acomodação” e “tradução cultural” que são utilizados para descrever o mecanismo, pelo qual, encontros culturais produzem formas novas e híbridas. O autor destaca ainda que estes conceitos dão maior ênfase ao agente humano e suas especificidades. No que se refere ainda a esta ideia de trocas, Burke fala sobre os conceitos de hibridismo cultural e sincretismo. Este último, segundo o autor, adquire a partir do século XIX um significado positivo no contexto de estudos de religião na antiguidade clássica e especialmente as identificações, tão comuns no período helenístico, entre deuses e deusas de diferentes culturas. (BURKE, 2003, p. 51) Assim, podemos citar como contribuintes para a cultura e a sociedade romana, além da integração de povos bárbaros, armas e vestimentas que faziam parte de sua cultura, técnicas de batalha, divindades dentre outros elementos. Também no que se refere à religiosidade, podemos tomar estes conceitos para analisar a sociedade romana que dá espaço cada vez maior ao cristianismo que vem a se tornar religião oficial do Império ainda no século IV. Ao longo deste trabalho iremos observar como a administração de Valentiniano I se envolve com a religiosidade presente. Neste sentido faremos um recorte do século IV para que possamos analisar as questões político-religiosas. Tomaremos como ponto de partida o período em que Valentiniano I esteve à frente da administração do Império Romano do Ocidente (do ano 364 ao 375 d.C.), pois trata-se de um período e uma administração imperial ainda pouco analisados, apesar de ser considerado um dos últimos imperadores de importância, de acordo com alguns autores como André Aymard, Jeannine Ayboyer. Entendemos que a política e religiosidade estavam intimamente ligadas no contexto do Império Romano, desde o período em que paganismo predominava até a ascensão 4

Utilizamos o termo bárbaros não com sentido pejorativo, mas por se tratar de uma denominação de estrangeiro no período, e não no sentido moderno de barbárie, ou seja, de selvageria.

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do cristianismo. Assim buscamos observar estes aspectos em conjunto além das representações do poder em que estes aspectos estavam inseridos. Além disso, buscamos em textos como os de Amiano Marcelino e Edward Gibbon observar e analisar as representações do imperador, de sua administração e dos aspectos envolvidos nesse período. Para isso utilizaremos como fonte alguns livros da obra Historia5 (Rerum Gestarum Libri), - Edición de Maria Luisa Harto Trujillo – do historiador e militar, Amiano Marcelino, o capítulo que refere ao período valentiniano na obra Declínio e queda do Império Romano, de Edward Gibbon e a Numismática, ciência que estuda e analisa as moedas e medalhas, para que possamos observar os aspectos do período em que Valentiniano esteve à frente da administração imperial. Este trabalho inicialmente abordará a percepção da figura do Imperador Valentiniano I por meio de textos de Amiano Marcelino. Posteriormente faremos uma observação dos antecedentes do período valentiniano e da reestruturação política que aconteceu pós anarquia militar. Falaremos ainda sobre a eleição de Valentiniano e do significado desse episódio neste período. E finalmente, faremos algumas análises e observações sobre a administração de Valentiniano a partir das fontes escritas e materiais, suas representações e importância. Enfim, nosso objetivo é analisar este período ainda pouco estudado a partir de dois tipos de fontes, enriquecendo assim nossa pesquisa com as fontes imagéticas, ou seja, as moedas algo ainda pouco explorado no Brasil contribuindo assim para o fortalecimento dos estudos com este tipo de fonte, além de contribuir com os estudos da Antiguidade Tardia que vêm consolidando-se ao longo desses anos no país. Pensar sobre as continuidades e rupturas na Antiguidade Tardia e trazer novas formas de pensar a sociedade romana.

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Utilizamos uma versão em espanhol da obra de Amiano Marcelino pois até onde sabemos só temos traduções do latim para o inglês.

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Neste trabalho vamos nos ater ao período em que Valentiniano I esteve à frente da administração do Império Romano do Ocidente e as questões político-religiosas da sociedade romana na Antiguidade Tardia. Sobre as fontes, utilizaremos a numismática que tem se mostrado muito eficiente como documento para os estudos históricos e análise dos textos do historiador Amiano Marcelino, que viveu e escreveu no século IV. Com relação à bibliografia, utilizaremos principalmente Declínio e queda do Império Romano (edição de 2005), do historiador e filósofo Edward Gibbon além de Temístio e Amiano Marcelino. Constructors identitários entre os conceitos de realeza de Temístio e Amiano Marcelino (século IV d.C.) e Constructors identitários entre suas concepções sobre a Realeza em um Império Barbarizado (século IV d.C.), ambos de Bruna de Campos Gonçalves. A obra de Gibbon foi publicada originalmente em seis volumes, entre os anos de 1776 e 1778, e abrange da época de Trajano e dos Antoninos (98 – 180 d.C.) à tomada de Constantinopla (em 1453). Devemos salientar que Gibbon possui uma visão produzida por influências de sua época, algo que Gilvan Ventura da Silva discute: No século XVIII, por exemplo, Voltaire defendia um progresso da razão humana mediante a sua revelação empírico-objetiva, mas apontava entraves poderosos a esse progresso: a religião e as guerras [..]. A referência à Idade Média, período marcado por uma visão de mundo eminentemente religiosa, é aqui evidente. Gibbon (1989: 442-3), no seu monumental trabalho sobre a desagregação do Império Romano, manifestava uma clara influência iluminista ao afirmar que o Império havia sido “engolfado por um dilúvio de bárbaros” e que as seitas cristãs perseguidas haviam se tornado “inimigas do seu país”. (SILVA, 2001, p.61)

Mesmo com uma distância temporal, e da já citada influência iluminista, achamos pertinente utilizar a obra de Gibbon, pois esta nos traz também a ideia de decadência e queda do Império Romano. Deste modo, contribui também para o enriquecimento de nossa discussão sobre parte da historiografia que defende esta ideia – autores como Arther Ferril no século XX – possibilitando assim comparações entre os diversos olhares sobre uma decadência romana ao longo dos séculos. Já com relação aos trabalhos de Gonçalves (respectivamente Relatório de Qualificação e Tese de doutorado), dentre outros aspectos que interessam à nossa pesquisa, destacamos o uso do termo Antiguidade Tardia cunhado pelo historiador Peter Brown na década de 70 e a inserção de povos bárbaros na sociedade romana. A autora ainda faz uso dos textos de Amiano Marcelino e do filósofo Temístio (317 – 388 d.C.) para analisar os ideais de realeza que se propagaram no Império Romano no século IV (GONÇALVES, 2010, p.16).

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O termo Antiguidade Tardia, sugere que os séculos finais do Império Romano do Ocidente não foram de declínio e ruína, mas sim de uma renovação como bem destaca Everton Grein: [...] nessa fase de transição entre a Antiguidade Clássica e a Idade Média é que encontramos a Antiguidade Tardia, apresentada muito mais como um momento de permanências e transformações e que atinge principalmente os campos político, cultural, econômico, religioso e social e que viria imprimir uma nova face ao mundo mediterrânico ocidental pósromano. (GREIN, 2009, p. 110). Vale ressaltar que a divisão da História da humanidade em grandes períodos não é

um dado da própria História, mas faz parte da reflexão historiográfica, das questões que os historiadores, em certo momento, consideram mais relevantes para a compreensão do passado, como destaca Júlio César Magalhães de Oliveira. Ainda segundo o autor: Nos últimos quarenta anos, a emergência de uma concepção de Antigüidade Tardia como um período autônomo e distinto, entre a Antigüidade Clássica e a Idade Média, constituiu uma revolução historiográfica importantíssima, ainda que as fronteiras e os fundamentos dessa periodização estejam longe de serem consensuais. A emancipação desse período intermédio está certamente ligada às inquietações de nosso próprio tempo e, em particular, à rejeição de todo ideal tido como clássico ou de validade universal. (MAGALHÃES, 2007, p. 126)

O termo Antiguidade Tardia, como já citado anteriormente, foi difundido a partir da publicação, em 1971, de The World of Late Antiquity, do historiador Peter Robert Lamont Brown da Princeton University, sendo adotado por vários historiadores brasileiros e estrangeiros como John Bryan Ward-Perkins (University of Oxford), Margarida Maria de Carvalho (UNESP/Franca), Claudio Umpierre Carlan (UNIFAL-MG), Carlos Augusto Ribeiro Machado (UNIFESP), Paul Veyne e Jean Pierre Carrié (École des Hautes Études em Sciences Sociales), Gilvan Ventura da Silva (UFES), Ana Teresa Marques Gonçalves (UFG), Norma Musco Mendes (UFRJ), dentre outros. Por outro lado, devemos pontuar que entre estes historiadores há divergências quanto aos séculos que este termo compreende, em alguns casos os séculos III, IV e V em outros, do século III ao VIII com Carlos Magno. Para alguns medievalistas, considera-se este período como Alta Idade Média. Outro ponto importante do trabalho de Gonçalves é a ideia de diversidade no Império Romano, ou seja, a inserção de elementos bárbaros como fator agregador e não como de ruína e queda do Império. Ao contrário de obras como a de Gibbon, que apresenta o que considerou como o triunfo da barbárie e da religião sobre as nobres virtudes romanas, que sugere a presença de povos bárbaros como algo negativo para o Império. A autora pontua que:

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[...] contrariamos a posição que realça a idéia de barbarização como fator de declínio e queda do Império Romano, ponto defendido por Arther Ferril (1989) e Ramsay MacMullen (1963). Em oposição à essa questão encontramos J. H. W. G. Liebrschuetz (1999) e Peter Heather (2006), dois historiadores britânicos que estudam a diversidade no Império Romano como fator agregador, sendo essa, também, nossa posição. (GONÇALVES, 2010, p. 17)

A partir desta ideia, buscamos analisar elementos da política e da cultura – principalmente do que se refere a religiosidade - do período no qual Valentiniano I esteve à frente do Império e como estes fatores estão inseridos no tocante à administração e a legitimação do poder desse imperador. Neste sentido, vale ressaltar que nosso trabalho visa dar destaque não somente à administração de Valentiniano, mas também, consequentemente aos séculos finais do Império Romano do Ocidente, além de mostrar aspectos importantes da sociedade romana e corroborar para as discussões relativas ao estudo da Antiguidade Tardia.

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DISCUSSÃO TEÓRICO – METODOLÓGICO

As fontes que iremos utilizar neste trabalho serão basicamente duas: moedas do período valentiniano e textos escritos por Amiano Marcelino, militar e historiador do período. Com relação às fontes numismáticas, utilizaremos as imagens de moedas disponíveis para consulta no site do Museu de Berlin. Ao todo são 13 moedas e um medalhão cunhados no período em que Valentiniano I esteve à frente da administração imperial. Segundo informam no site, o The Münzkabinett of the Staatliche Museen zu Berlin ou a Coleção de Numismática do Museu Nacional em Berlim, é uma das maiores coleções de numismática do Mundo. A coleção abrange de moedas do século VII d.C. ao século XXI, da área geográfica da Finlândia a África do Sul, de Berlin a Buenos Aires. Além de mais de 500.000 itens (moedas, medalhas, notas e fichas) o Gabinete possui também selos, cunhos e históricas ferramentas de cunhagem. Segundo o Museu, a Coleção Numismática igualmente mantém seus deveres e funções de exposição, de arquivo de dinheiro, e seu papel como um centro de pesquisa e estudo de numismática. No Museu de Berlin há duas exposições permanentes dentro do Altes Museum (cunhagens até 268 d.C.) e no Bode-Museum (dos períodos antigo, medieval e moderno, incluindo medalhas). Adicionalmente moedas são apresentadas dentro do Museu für Vor- und Frühgeschichte e no Neues Museum. Como o próprio site informa, o catálogo “on line” permite que o público navegue através dessas exposições e faça outras explorações. Neste sentido, destacamos a importância dos acervos estarem à disposição na internet, pois pesquisas são possibilitadas através deste meio. Devemos lembrar que nem sempre é possível o deslocamento e acesso às moedas seja no país de origem do pesquisador ou a coleções em outros países. Através das moedas, podemos observar representações da época tais como, conquistas, vitórias, religiosidade dentre outras. As moedas na antiguidade tinham grande importância para a divulgação da administração dos imperadores e revelavam também aspectos religiosos que tiveram grande destaque no período, como por exemplo, adoção gradual do cristianismo pelos romanos. Sobre a importância das moedas como fonte numismática, vale destacar: O homem contemporâneo dificilmente pode ligar a moeda a um meio de comunicação entre povos distantes. Ao possuidor na Antigüidade de uma determinada espécie monetária estranha, esta falava-lhe pelo metal nobre ou não em que era cunhada, pelo tipo e pela legenda. O primeiro informava-o a riqueza de um reino e os outros dois elementos diziam-lhes algo sobre a arte, ou seja, o maior ou menor aperfeiçoamento técnico usado

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no fabrico do numerário circulante, sobre o poder emissor e, sobretudo, sobre a ideologia político-religiosa que lhe dava o corpo. É dentro deste último aspecto que pretendemos explorar a fonte numismática. (CARLAN, 2009, p. 67)

Ainda quanto ao uso das moedas em nosso estudo, lançaremos mão de uma análise simples de conteúdo, tratando de identificar as conotações tanto históricas quanto estéticas. Para isso, seguimos a categorização conhecida como Modelo de Lasswell – elaborada por Harold D. Lasswell – das análises de conteúdo aplicadas à política e à propaganda. Neste sentido, podemos analisar e compreender, a natureza do emissor, a quem se destinavam as imagens ou representações, seu significado e seu efeito sobre os sujeitos. Por meio das moedas, podemos identificar ainda, imagens que tem por objetivo fazer uma espécie de propaganda sobre o governo vigente. Deste modo, através desta iconografia aliada aos textos escritos, podemos observar aspectos políticos e religiosos do Império Romano. Com relação aos textos de Amiano Marcelino, estes podem nos dar uma visão de um indivíduo que viveu no período, que presenciou e registrou os acontecimentos daquela época. Amiano Marcelino era de origem grega, nasceu entre os anos 325 e 330 d.C., de uma família não cristã da elite de Antioquia, Síria. Durante sua juventude entrou para o exército e por pertencer à elite da sociedade romana, ingressou em um regimento de alto prestígio social, os protectores domestici6. Quanto à datação de sua obra, não há precisão, provavelmente tenha sido escrita entre os anos de 378 a 395 d.C. Seus escritos iniciam-se com relatos sobre o governo de Nerva (96 – 98 d.C.) e termina com o de Valentiniano II (378 – 383 d.C.). Sua obra é composta por trinta e um livros, porém se perderam os treze primeiros que tratariam desde 96 d.C. até o ano de 353. Os dezoito livros restantes abarcam somente vinte e cinco anos. (TRUJILLO, 2002, p.19) O que nos chama atenção inicialmente é o cuidado que Amiano Marcelino tenta empregar em sua obra. Maria Luisa Harto Trujillo, responsável pela edição de História (Rerum Gestarum Libri), destaca um trecho no qual o historiador fala do perigo de narrar acontecimentos do tempo presente e do cuidado que se deve tomar ao fazê-lo para não ter que suportar as duras críticas dos que examinem sua obra. Apesar do cuidado de Amiano, sabemos que toda escrita é passível de interferências, de subjetivismo e varia de acordo com o julgamento motivado pelo contexto 6

Segundo Gilvan Ventura da Silva, Protector domestici, um ‘burocrata a serviço dos comandantes militares’, eram auxiliares de campo de um general, sendo assim, responsáveis pela atualização dos efetivos militares disponíveis, pela supervisão do abastecimento das tropas e pelo desempenho de missões especiais. (SILVIA, 2007, p.168 Apud Gonçalves, p. 2, 2012)

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político e social da época em questão. Neste sentido e no que se refere à escrita na Antiguidade vale destacar que: Compreendemos, portanto, além de algumas noções básicas daquilo que caracteriza a escrita da história de Heródoto e Tucídides, que a história da historiografia não é estática e natural, ou seja, que cada época fará uma leitura a respeito dos autores, que em cada período os textos terão significados diferentes e que, por isso, precisamos ficar atentos para questionarmos os cânones literários, filosóficos e, sobretudo, historiográficos. (ANHEZINI, 2009, p.29)

Devemos frisar também, que a Res gestae empreendida por Amiano, é um subgênero da historiografia clássica. Trujillo conclui que a obra de Amiano tem características de annales, pois narra os sucessos ano a ano, mas também de historiae, pois centram-se sobretudo em sucessos contemporâneos e intentam aprofundar as causas que influenciaram os sucessos. (TRUJILLO, 2002, p.18) Deste modo, nosso trabalho procura lançar mão de duas fontes importantes; a numismática, que tem se mostrado muito eficiente em nos trazer elementos para a compreensão dos diferentes períodos estudados, e os relatos de Amiano Marcelino que viveu no período, construindo assim um trabalho o mais abrangente possível.

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CAPÍTULO I - A PERCEPÇÃO DA FIGURA DE VALENTINIANO

1. O imperador Valentiniano na Antiguidade e no Período moderno: Edward Gibbon e Amiano Marcelino

Amiano Marcelino foi um militar e historiador no século IV. Segundo Maria Luisa Harto Trujillo, Amiano é grego, nascido em Antioquia (atual Síria) e escreve na última etapa de sua vida. O ambiente social, religioso e cultural que rodeia a sua obra, já que Amiano escreve no ultimo terço do século IV, é um dos momentos mais conflituosos na história de Roma. (TRUJILLO, 2002, p. 15) Por volta de 353 d.C. Amiano se integra a um corpo seleto do exército romano, a dos protectores domestici. Com relação à cultura e a historiografia do século IV, a autora destaca que frente às décadas anteriores que refletiram uma profunda crise na cultura e na literatura, na segunda metade do século IV, ou seja, a época da produção de Amiano, assistimos a um forte renascimento cultural, com nomes como Símmaco, Libanio, Claudiano, Ausonio, Prudencio, Ambrosio, Jerónimo, Macrobio, Sérvio o Donato, autores que contam em seus trabalhos, as grandezas de Roma e seu passado. Ainda segundo a autora, este ressurgimento se dá tanto nos círculos pagãos quanto cristãos, já que todos estavam interessados em recordar e manter viva a glória de Roma. Amiano Marcelino vivenciou os governos de Constâncio II (337 – 361 d.C.), Juliano (361 – 363 d.C.), Joviano (363 – 364 d.C.), Valentiniano I (364 – 375 d.C.), Valente (364 – 378 d.C.), Graciano (367 – 383 d.C.) Valentiniano II (375 – 392 d.C.) e Teodósio (378 – 383 d.C.). Segundo Trujillo, Amiano escreve sobre o Império desde 96 d.C., ou seja, o nomeação de Nerva como imperador até a morte do Imperador Valente em 378 d.C. Porém perdeu-se os 13 primeiros livros que tratariam desde 96 até 353 (mais de 200 anos) enquanto que os 18 livros restantes, os que conservamos, abarcam somente 25 anos. Trujillo salienta também que a partir do ano de 353 Amiano é protagonista e relata os acontecimentos presenciados por ele mesmo. (TRUJILLO, 2002, p. 19) Trata-se de uma testemunha do período, mesmo que sua obra seja passível de interferências decorrentes da subjetividade e da sociedade em que o mesmo vivia, ou seja, o exército. Além de ser um ser militar, um oficial superior pertencia à elite romana. A observação de seus escritos e o uso de fontes materiais – a numismática – se torna algo importante e que pode nos dar um arcabouço para a análise e compreensão do período.

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Como já exposto anteriormente, os escritos de Amiano Marcelino podem equipara-se aos de Tácito, ou seja, tenta ser objetivo descrevendo as grandes batalhas, vitórias além de outros acontecimentos de destaque no Império. Estes escritos podem ser caracterizados também como panegíricos, ou seja, documentos que descrevem e exaltam as vitórias de um império ou imperador. Espécie de propaganda política sobre determinado período. Bruna de Campos Gonçalves defende que o autor é considerado um historiador, pois acredita não haver regras absolutas, de validade universal para a escrita da história, ou seja, que os parâmetros da história podem mudar com o tempo e pontua: Assim sendo, sua narrativa histórica é construída por paráfrases e por suas experiências e não por uma leitura crítica da documentação disponível, como faria um historiador dos tempos atuais. (GONÇALVES: 2010, p.81)

Karina Anhezini destaca a obra de François Hartog e o objetivo do autor de delinear uma genealogia do conceito antigo de história, ou seja, como esses autores conceberam sua tarefa e apresentaram suas obras. Quem fala, para quem, como e por que, e ainda, “como se escreveu a história?” (ANHEZINI, 2001, p.10). Neste sentido questionamos; como Amiano concebeu sua obra e a apresentou? Quem é ele? Para quem ele escreve, como ele escreve e por que ele escreve? Segundo Ricardo Ferreira Teixeira, é importante estudar o conceito de história em épocas e autores nos quais ele manifesta significados e sentidos muito distintos dos que lhe conferimos hoje. (ANHEZINI, 2001, p.10) Ou seja, de acordo com determinada época haverá interesses e lógicas diferentes influenciados também pelo tempo presente da obra. Roma e a romanidade são os temas centrais de sua obra, segundo Trujillo, uma obra de caráter pragmático, moralizante e nostálgico que critica o comportamento dos romanos que estão fazendo o Império sucumbir. No entanto é também uma obra interessante que teve que deslumbrar o público que escutava as recitações e que se enquadra no interessa enciclopédico e etnográfico da época imperial com grande quantidade de digressões, descrições e retratos. (TRUJILLO, 2002, p. 23)

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1.1.Os antecedentes do período valentiniano: a reestruturação política.

No período denominado Anarquia Militar (235 – 268 d.C.), em várias ocasiões os imperadores eram nomeados por seus soldados, sendo assassinados logo depois, alguns chegaram a governar poucos dias. As legiões nomeavam seus generais como imperadores, na esperança de receber uma recompensa. Na época, não existia Exército Nacional, como atualmente, assim, cada legião, cada exército eram fiéis ao seu comandante. Quando o comandante não fazia o prometido era assassinado por seus soldados. Segundo relatos da época, alguns imperadores eram nomeados pela manhã e assassinados à noite. Após a anarquia militar, e a tentativa por parte dos imperadores ilírios de resolver os problemas socioeconômicos criados durante a Anarquia Militar, alguns imperadores que estiveram à frente do governo tomaram atitudes que beneficiaram o mesmo, e o mantiveram em relativa estabilidade por alguns períodos. Dentre os que mais se destacam está Diocleciano e Constantino. No que refere à Reestruturação Política do Império no século IV, podemos destacar que o período que antecede a administração de Valentiniano I, foi de grandes transformações no que refere à política. No século III e IV, após a Anarquia Militar, houve grandes reformas empreendidas por imperadores como Diocleciano e Constantino. Em sua administração, Diocleciano (244 – 311 d.C.), iniciou um dos programas de reformas mais importantes da história romana. O Estado foi transformado em uma monarquia absoluta, em que o imperador possuía a autoridade máxima. Diocleciano teve como modelo, as monarquias orientais, nas quais tudo o que cercava o rei era considerado sagrado. Diocleciano instala a diarquia (governo de dois) ao lado de Maximiano (285 - 286305), amigo pessoal e colega de armas. (CARLAN, RABÊLO, 2011, p.17). O sistema de diarquia é ampliado para tetrarquia. Os tetrarcas tentavam demonstrar à população que os tempos do Principado, ou seja, do apogeu do Império, estavam de volta. (CARLAN, RABÊLO, 2011, p. 18) Já em 363 d.C., após a morte do Imperador Juliano e com as batalhas contra o Império Persa Sassânida, era preciso escolher um novo imperador com certa rapidez. Os generais do exército convocaram os líderes das diferentes legiões e as tropas da cavalaria e debateram sobre a escolha de um novo governante. Porém, estavam divididos, pois Arinteo (germano), Victor e os demais que pertenciam à corte de Constâncio tentavam eleger alguém de seu bando. Contrariamente Nevita, Dagalaifo (ambos germanos) e os nobres galos buscavam algum candidato similar em seu próprio grupo. Amiano Marcelino fala sobre os

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interesses que estavam em jogo durante a escolha e a divisão das opiniões, pois os sujeitos queriam eleger alguém que fosse dos seus. (RABÊLO, 2012, p.2) Segundo Amiano Marcelino optaram por Salútio, no entanto, este recusou e deu como justificativa suas enfermidades e velhice. Depois de toda a agitação, escolheram Joviano, líder da guarda pessoal como o novo imperador. Este por sua vez, segundo Amiano Marcelino, era defensor da religião cristã, e em ocasiões inclusive a honrava. Porém ficou pouco tempo à frente da administração do Imperial, menos de um ano, quando veio a falecer. Com o conflito ente persas e os romanos e as dificuldades pelas quais estes passavam, Joviano levado pela fome e pela necessidade dos seus, firma paz com Sapor. Paz esta, segundo Amiano Marcelino, necessária, porém vergonhosa na qual o imperador teve que entregar cinco regiões, dentre elas Nisibis e Singara7. Amiano Marcelino - que nesse período ainda estava inserido no exército - relata que Sapor reclamou as cinco regiões e que Joviano levado por maus conselhos e pela insistência, entregou tudo o que se pedia. Porém o historiador e militar afirma que seria melhor combater dez vezes do que perder estas terras. Segundo Amiano, devido ao temor de uma revolução, Joviano marchou rapidamente através da Síria, Cilícia, Capadócia e Gelatia. Em Ancira compartilhou o consulado com seu jovem filho Verroniano e pouco depois morreu em Dasdatana. Amiano Marcelino destaca ainda que após uma grande marcha, eles chegaram à Antioquia onde durante vários dias, como se a divindade tivesse se ofendido, aconteceram números e cruéis milagres que fizeram os especialistas pronunciarem que iriam ocorrer tristes eventos.8 (TRUJILLO, 2002, p. 621) Por exemplo, a estátua do César Maximiano que estava colocada na entrada do Palácio Real perdeu de repente uma esfera de bronze que portava e que representava o globo. O globo é uma evocação do poder de reis, imperadores, de pontífices e de deuses, levado numa das mãos representa o domínio ou o território sobre o qual se estende a autoridade do soberano e o caráter totalitário dessa autoridade. Sua forma esférica pode ter como significado dentre outras coisas, a totalidade jurídica de um poder absoluto. Segundo Chevallier, é nessa acepção que convém interpretar o globo quando ele designa o território limitado sobre o qual se exerce o poder de um personagem, esse poder é ilimitado. (CHEVALIER, 2009, p. 472)

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Nisibis atual Turquia e Singara provavelmente hoje corresponda a Sinja, Iraque ou extremidade norte da Mesopotâmia. 8 Segundo Trujillo, nesses momentos finais da fatídica campanha persa, é a última vez que Amiano fala utilizando a primeira pessoa, algo que leva a J. Fontaine pensar que Amiano acompanhou Joviano até Antioquia para deixar logo a vida militar.

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Neste sentido, o fato narrado por Amiano, tem um significado para este e seus companheiros, é o símbolo que acompanha a autoridade do imperador, seu poder no Império Romano. Assim, o fato de aquela esfera ter se perdido, em episódios conturbados, ou seja, a morte de Juliano, a escolha de Joviano e a entrega de territórios a Sapor provocavam uma grande tensão, que sugeria a “fúria” de uma divindade.

1.2. Sobre a eleição de Valetniniano

Nesse período, foram organizadas três dinastias no império romano: a constantiniana, a valentiniana e a teodosiana. Ambas ligadas entre si, através do grau de parentesco. Após a morte de Joviano em 364 d.C., houve a necessidade de eleger um novo Imperador. Sobre este episódio, Amiano Marcelino relata que devido aos sussurros secretos de uns poucos, se estendeu um rumor em que se mencionava Equício, tribuno naquela época e que pertencia à primeira escola de escudeiros. Porém como não agradou a todos que tinham o poder, que lhe criticavam como pessoa rude e selvagem, se formou um ligeiro movimento de apoio a Januário, parente de Joviano que havia se encarregado dos assuntos militares urgentes no Ilírico9. Mas como este foi rejeitado igualmente com a desculpa de que estava longe, por vontade celeste, segundo o historiador, e sem nenhuma oposição, elegeu-se Valentiniano, a quem consideravam bem apropriado e apto para o que lhes aguardava. Amiano falará sobre a eleição de Valentiniano como Augusto. Segundo Amiano, Valentiniano era comandante da segunda escola de escudeiros e se encontrava em Ancira10. Como nada se opôs e parecia uma boa decisão para o estado, enviaram uns mensageiros para que lhe fizesse vir com grande rapidez e, durante dez dias, ninguém manejou o timão do império, algo que havia previsto o adivinho Marco quando examinou umas entranhas11 em Roma. (AMIANO MARCELINO, XXVI) Contudo, Equicio se esforçava com audácia para que não sucedesse nada contrário ao que havia sido estabelecido e para evitar o caráter inconstante dos soldados, com frequência volúveis. Ele ajudou a Leo que, sob o comando do Dagalaifo, comandante da infantaria, se encarregava das contas do exército e quem, depois desempenhou fatalmente o 9

Ilíria, região mais a noroeste dos Bálcãs. Hoje abriga; Sérbia, Montenegro, norte da Albânia, Bósnia e Herzegovina e Croácia. 10 Hoje Turquia. 11 Segundo Adélia Bezerra de Meneses, os adivinhos que fazem suas previsões do futuro a partir do estudo das entranhas dos animais sacrificados. Trata-se de uma prática antiquíssima, de origem mesopotâmica que também é adotada pelos gregos.

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cargo de mestre dos ofícios. Pois bem, ambos, como panônios e defensores do príncipe designado (Valentiniano), colaboraram na medida de suas possibilidades para manter a decisão tomada por todo o exército. Valentiniano, que foi avisado quando estava em Ancira, marcha rapidamente a Nicéia onde seria eleito imperador. Depois que lhe fizeram vir, conhecendo a missão que devia cumprir por uns presságios que poderia conhecer e por uns sonhos repetitivos, não quis aparecer no dia seguinte ou ser visto em público, pois tentava evitar o bissexto (bisextil) de fevereiro, que então começava e que, como se sabia, em ocasiões havia sido infeliz para a causa romana. Revestido com o manto púrpura e o diadema, é nomeado Augusto, após o qual dirige aos soldados. Sobre este episódio, Amiano Marcelino relata: Assim, diante da desolação e da dor de muitos que viam fracassadas suas expectativas, quando conclui-se a noite e chegou o dia, se reuniram todos os soldados. Então chegou ao campo Valentiniano, se permitiu que subisse a um palco que haviam construído e como se tratava de uma eleição, pelo apoio geral de todos os presentes, este homem foi eleito cabeça do Império12. (AMIANO MARCELINO, XXVI)

Valentiniano se dispôs a pronunciar um discurso que já havia preparado. Mas quando levou o braço para falar com mais liberdade, levantou-se um forte murmúrio, por que os centuriões na sua totalidade, os manipulados e os soldados de todas as cortes gritavam, pediram e demandavam com insistência que se elegesse um segundo imperador. Amiano Marcelino diz ainda que, embora alguns acreditassem que esta proposta era provocada por uns poucos corruptos que pretendiam favorecer algum dos rejeitados, contudo isso não era certo, porque não se escutavam gritos comprados, mas pertencentes a toda uma multidão que expressava um desejo comum. Isto ocorria, pois temiam a fragilidade da sorte dos imperadores – não em vão, em um breve período haviam morrido três imperadores. Estes murmúrios do exército, que protestavam com obstinação, logo deram passo a uma agitação mais violenta, levando-os a temer a ousadia dos soldados que, como sabemos, se lançam com frequência a cometer ações criminais. E como temia-se que isto pudesse acontecer a Valentiniano, este levantou rapidamente sua mão e segundo Amiano, com a autoridade de um príncipe pleno em confiança, se atreveu a criticar alguns sediciosos e obstinados, expondo sem que nada interrompesse o que já havia planejado: Estou feliz, valorosos defensores das províncias. Defendo e sempre defenderei que, sem que eu esperasse nem buscasse, em absoluto , foi vossa coragem valor que entregou-me o poder sobre o mundo romano. Assim pois, a tarefa que os correspondia antes de se eleger um imperador as realizeis com proveito e glória, trazendo para o cume do poder alguém 12

Nossa fonte encontra-se em espanhol, então os trechos citados são traduções nossas.

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que,como sabeis por experiência própria, desde a infância até a idade madura tem levado uma vida gloriosa e íntegra. Assim pois, por favor, receba com disposição minhas palavras, que são simples e que a meu entender, conduzem ao bem comum. É conveniente contar com um sujeito de poder similar para enfrentar tudo o que se suceda, tal como aconselha múltiplas razões, isso não duvido nem rejeito, pois eu também, como humano que sou, temo a dureza e os altos e baixos da sorte. No entanto, devemos buscar por todos os meios a concórdia/harmonia, pela qual aumentam até mesmo as forças mais insignificantes. E isso conseguiremos facilmente se vossa paciência, unida a vosso sentido de justiça, me permitirem de bom grado decidir o que me corresponde. E segundo espero, a sorte/fortuna colaboradora das decisões sábias,me concederá na medida de minhas possibilidades, um homem de costumes moderados se eu olhar com cuidado. Não em vão, como se afirma com grande, não só no Império, onde os perigos são extremos e contínuos, mas também nos assuntos particulares e cotidianos, uma pessoa prudente deve aceitar como amigo um estranho somente quando o já tenha examinado, e não examiná-lo uma vez que já considera amigo. Isto é o que prometo esperançoso em um futuro melhor. Quanto a vós, permaneceis firmes e leais e enquanto permite a pausa de inverno, recupera fossa fortaleza de corpo de espírito, pois desde modo recebereis em breve o que mereceis por haver me nomeado Augusto13. (AMIANO MARCELINO, XXVI)

Terminado este discurso, o que deu um caráter elevado a sua ascensão repentina14 ao poder, o imperador conseguiu convencer a todos e assim, inclusive os que antes haviam expressado com grande afã uma opinião contrária o precederam rodeado por águias e estandartes, cortejado ostentosamente por esquadrões de ordens distintas. Deste modo, lhe conduziram ao palácio com um aspecto já terrível. Segundo Amiano Marcelino, ainda no livro XXVI, Valentiniano com o consentimento do exército, nomeia Augusto, em vinte e oito de março, seu irmão Valente tribuno das cavalarias em Nicomédia, e depois em Hebdomo de Constantinopla, como seu companheiro na administração do Império. O historiador destaca ainda que depois de entregar os signos imperiais a Valente, colocou-lhe o diadema sobre a cabeça. Assim, Valente se torna colega legítimo do principado, e ainda segundo o Amiano Marcelino, este de hábitos mais bem moderados. Com relação a esta opinião do autor, vale ressaltar que em algumas partes de seus escritos, ele identifica Valentiniano como um sujeito de vícios e crueldade. Destaca ainda que, após esse ritual, sem que nada tivesse provocado distúrbio algum, ambos se viram

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Quando alguém era eleito imperador pelos soldados, usava-se recompensá-los com cinco áureos. Neste caso, além do discurso para legitimar sua ascensão repentina, as moedas serviriam neste sentido também. Assim, elas teriam ainda mais importância. 14

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afetados por uma febre terrível o que deu margem para suspeita de que isso era causado por um feitiço secreto. Nesta mesma época, dá-se uma série de invasões por todo o mundo romano. Invasões dos alamanos na Gália e na Recia, dos sármatas na Panonia, os pictos, saxões, escoceses, atacotes atacavam os britânicos continuamente. Os austorianos e outros povos mouros, ainda segundo Amiano, devastavam a África com mais dureza do que a habitual. E por final, a Trácia e a Panônia eram saqueadas pelos godos. Vale ressaltar também uma passagem em que Amiano fala sobre o rei dos persas, já citado anteriormente por conta de suas relações com Joviano. Segundo Amiano, esse rei teria posto os olhos na Armênia e intentava recuperá-la rapidamente com todas as forças disponíveis. A desculpa era que, depois da morte de Joviano, com o qual havia firmado um pacto e um tratado de paz, não devia existir obstáculo algum para recuperar o que antes havia pertencido a seus antepassados. Assim, os imperadores, Valentiniano e Valente dividem entre si seus generais e as tropas, e pouco depois começam seu consulado, um em Milão e o outro em Constantinopla. No oriente Procópio15 - que fazia parte da dinastia constantiniana, e era primo de Juliano prepara uma revolução para tentar chegar ao poder e chega ser eleito imperador no oriente. No entanto, Valente manda um exército contra Procópio e este é executado no ano de 366. Ainda no livro XXVI, Amiano descreve as lutas contra os bárbaros na Germânia com diversos êxitos militares, fala sobre as lutas pelo papado nas províncias e dos povos da Trácia e a marcha de Valente contra os godos16. Com relação a estas passagens do livro XXVI de Amiano Marcelino, observamos um período conturbado, com ataques de diversos povos contra o Império, a tentativa de usurpação por parte de Procópio. Em 367, Valentiniano fica doente e, com o consentimento do exército, proclama seu filho, então com oito anos de idade, como imperador. Amiano relata que Valentiniano apareceu com Graciano, avançou pelo campo e subiu em uma tribuna onde, rodeado por todos os ornamentos dos altos mandatários, tomou o menino pela mão, colocou-o a vista de todos e o apresentou ao exército como futuro imperador pronunciando o seguinte discurso: Eu que visto essas galas imperiais, para as quais fui eleito diante de outras muitas ilustres pessoas, é um sinal claro de seu favor para o mim. Assim pois, contando com vocês como colaboradores e partícipes de meus desejos, vou realizar uma ação que é própria de um amor paternal é oportuna segundo promessa da divindade, eterna gratidão cuja ajuda do estado romano se manterá sempre firme. [...] 15

Com a morte de Juliano, surgiram rumores que ele havia dado ordens para que entregasse a administração do Império a Procópio, porém este com medo de que lhe matassem por conta disso, desapareceu por algum tempo. 16 Segundo Amiano, o Augusto Valente ataca os godos por terem ajudado Procópio contra ele. Porém, depois de três anos, formam a paz.

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Aceitarão por favor de bom grado, homens valorosos, esse desejo meu, considerando que esta decisão, sancionada pelas leis da afeição, não temos querido tanto que a podem saber, como que as ratificarei com vosso apoio, entendendo que é propicia e beneficiosa/ benéfica para vocês. Disponho-me a aceitar, para que compartilhe comigo a classificação de Augusto, o meu filho Graciano, já adulto, a quem depois de ver-lo tanto tempo ente vossos filhos quereis como se fora de todos. Minha intenção é, pois, reforçar a tranquilidade geral, se é que as divindades e vocês colaborais com meu amor paternal. Meu filho não foi educado como eu em um ambiente rígido desde a infância, nem sofreu circunstancias difíceis, pode até não enfrentar os esforços de uma guerra, como vês. Mas conhecendo as glórias de sua família e as façanhas de seus antepassados – e espero não despertar inveja ao dizer isso – chegará muito alto. De acordo que geralmente, com freqüência, considero seus costumes e gostos embora não esteja maduro ainda,, quando se é jovem, como irá ser polido nas artes liberais e no estudo das disciplinas intelectuais, julgará de forma íntegra a justeza ou não das ações. Além disso, fará que as gentes de pró se sintam compreendidas por ele. Será o primeiro a realizar as ações nobres, disposto a unir as insígnias militares e as águias. Suportará o calor, as neves, as geadas, a sede e as noites sem dormir. Lutará para defender seu acampamento se for necessário. Não lhe importará sua vida munido de defender seus companheiros e, o que é maior e principal, o dever da piedade, poderá amar ao estado como se fosse seu autêntico lugar, dele e de seus antepassados. (AMIANO MARCELINO, Historia, XXVII)

Assim, de acordo com relatos de Amiano Marcelino, quando ainda não havia terminado o discurso, escutou entre as grandes mostras de aprovação, todos e cada um, segundo sua classificação e posição, apressaram-se a antecipar aos demais e, como compartilham seus interesses e motivos de gozo, declararam como Augusto, Graciano em meio ao ruído enorme provocado pelas armas e pelos gritos de apoio. Amiano ainda relata que a reação de Valentiniano foi um tanto animada, beijou seu filho que resplandecia e estava adornado com a coroa e com os signos da dignidade imperial. Ele ainda descreve o que Valentiniano dizia a Graciano, sobre a íntegra da investidura ao menino pela sua vontade e a dos soldados, ficando claro o poder do exército no Império Romano. Valentiniano ainda fala sobre os deveres do menino, agora colega de dele e de Valente, e sobre Graciano acostumarse a permanecer junto de seus soldados, de derramar o seu sangue e seu ânimo sem medida em favor se seus súditos e não considerar estranho na medida que possa aumentar a glória do Império Romano. (AMIANO MARCELINO, Historia, XXVII.6,12) Com esses relatos percebemos a força do exército, pois o Imperador pede a aprovação deste. Esta aprovação que Valentiniano I pede, legitima também o início de uma dinastia valentiniana. Isto também era algo conveniente ao Império já que com a morte de três imperadores em um curto espaço de tempo, as constantes batalhas contra invasões, era preciso

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um governo estável, e esta sucessão familiar poderia garantir uma estabilidade como acontece com uma dinastia constantiniana.

1.3. A percepção da figura de Valentiniano I: Amiano Marcelino

No livro XXVII,7 Amiano relata a crueldade de Valentiniano e dá título a um de seus livros: “Acerca do temperamento selvagem, violento e cruel do Augusto Valentiniano I.” Devemos salientar que Amiano tinha um ideal de realeza. Bruna de Campos Gonçalves fala sobre isso e destaca que para o historiador e militar a figura mais próxima a esse ideal seria o Juliano, - muitas vezes denominado o apóstata ou o imperador filósofo tanto que em várias passagens ele lança elogios a este imperador. Vale ressaltar que uma das características do ideal de realeza de Amiano seria algumas virtudes e qualidade morais tais como a distância que o imperador deveria tomar dos vícios, pois estes poderiam levá-lo a crueldade e a tirania, aspectos abomináveis em administradores imperiais. (GONÇALVES, 2001, p. 107) Neste sentido, observamos que Valentiniano I se distanciava um pouco do ideal pensado por Amiano, e por isso, algumas vezes o historiador e militar o critica. Gonçalves ainda cita o trabalho de Helena Amália Papa, Os arianos na visão de Basílio de Cesareia: um conflito político-religioso no século IV d.C. de 2006, no qual a autora destaca que o Imperador Valentiniano, embora fosse adepto do cristianismo ortodoxo17, “estava mais preocupado em reunir forças do Exército nas fronteiras do que participar das discussões teológicas do período”. O mesmo não se verifica com seu irmão Valente que era adepto do cristianismo ariano18, presenciou vários embates entre cristãos ortodoxos e cristãos arianos (PAPA, 2006 apud GONÇALVES, 2011, p. 126) Amiano relata ainda que: Embora Valentiniano, um homem de crueldade, em inícios de seu reinado, para suavizar sua fama de duro, tentou em ocasiões conter seus ferozes, violentos impulsos; sem embargo, este defeito, escapou-se e aumentou a seu capricho, explodiu e causou a destruição de muitos, incitado por uma ira cada dia mais terrível. Não em vão, os filósofos definem a cólera como uma úlcera do espírito, duradoura e, às vezes, até mesmo crônica, uma úlcera que geralmente nasce em caráter brando. E, por isso, com grandes possibilidades de acertar, asseguram que as pessoas enfermas são encolerizadas mais que as sãs, as mulheres mais que os homens, os anciãos mais que os jovens e os desafortunados mais que os que são felizes. (AMIANO MARCELINO, Historia, XXVII.7,4) 17

Segundo Gonçalves, com base no trabalho de Papa, entende-se que ser adepto do cristianismo ortodoxo era acreditar no dogma niceno, o qual acreditava que Jesus teria sido gerado na mesma substância do Pai. 18 Ainda segundo Gonçalves, Papa destaca que ao contrário do credo niceno, os arianos, no geral, acreditavam que Jesus não fora gerado da mesma substancia do Pai.

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O historiador e militar fala ainda sobre os inocentes que Valentiniano mandou executar por delitos leves, e que os cristãos em Milão honram suas memórias e os chamam “Os inocentes” no lugar onde foram executados. Deste modo, Eupraxio aconselha Valentiniano a ser mais moderado, pois os que ele ordenou executar, veneram a religião cristã como mártires, a saber, como eleitos de Deus. Neste sentido, observamos uma relação político-religiosa, isto porque o Imperador deve ser moderado em suas atitudes na administração por estas se relacionarem à religiosidade cristã que ganhava força no período. Vale ressaltar que Valentiniano era cristão, porém haviam várias vertentes cristãs no período. Mesmo sendo perseguidos durante a administração de vários imperadores, dentre eles Diocleciano, o cristianismo ganha força ao longo dos anos conseguindo como adeptos alguns imperadores. Em vários amoedações percebemos uma mescla de elementos cristãos e pagão, sugerindo assim uma força casa vez maior da religião cristã. Cale lembrar que neste período temos cristianismos, como podemos verificar nas citações do trabalho da historiadora Helena Amália Papa quando fala sobre os cristãos ortodoxos e arianos. Ainda no livro XXVII Amiano Marcelino destaca que o Augusto Valentiniano cruza o Rin e, em um combate sangrento para ambos os lados, derrota e põe em fuga aos alamanos que haviam se refugiado em umas montanhas muito altas. Amiano Marcelino relata que Valentiniano, com importantes e úteis projetos em mente, fortifica com grandes construções todo o Rin desde o início de Recia até o estreito do Oceano19 para o qual levantava grandes acampamentos, fortalezas e numerosas torres em lugares apropriados e propícios por todas as terras da Gália. Inclusive, às vezes, levantavam alguma construção do outro lado do rio, introduzindo assim, o território bárbaro. (AMIANO MARCELINO, Historia, XXVIII) Já no livro XXIX, Amiano fala sobre uma campanha na Pérsia e novamente faz uma descrição das medidas cruéis tomadas por Valentiniano em meio ao clima bélico. No livro XXIX.3 Amiano Marcelino volta a falar sobre a “maldade e a terrível crueldade do Augusto Valentiniano” que segundo o autor era inimiga da razão. O historiador ainda destaca que Valentiniano, desde o início de seu principado havia mostrado grande afã em fortificar as fronteiras, Amiano ainda salienta, “afã certamente exagerado”. No livro XXX Amiano Marcelino relata que depois de devastar alguns distritos da Alemania, Valentiniano fala com Macriano, rei dos Alamanos e firma a paz.

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Segundo Trujillo faz alusão aqui ao Canal da Bélgica, que é uma parte do Mar do Norte.

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Já no livro XXX.5, Amiano Marcelino fala sobre a disposição de Valentiniano em lutar contra os sármatas e os cuados20 , que estavam devastando a Panônia, e a sua marcha no Ilírico e depois de atravessar o Danúbio, assola cantões, incendeia povos e assassina bárbaros de todas as idades. Com estes relatos percebemos os constantes conflitos entre romanos e outros povos. (AMIANO MARCELINO, Historia, XXX) Ainda no livro XXX, Amiano relata que enquanto Valentiniano estava respondendo cheio de ira aos mensageiros dos cuados, que tentavam defender seus compatriotas, morre de apoplexia. Amiano descreve o episódio da seguinte forma: Então, o imperador, dominado por sua terrível cólera e muito excitado, sobretudo depois do início de sua resposta, insultou e criticou todo o povo dos cuados, a quem acusou de esquecidos e ingratos depois dos benefícios recebidos. Mas pouco depois se acalmou, quando parecia mais disposto ao perdão, de repente,como se tivesse sido castigado pelo céu, permaneceu sem poder respirar nem falar, e seu rosto se sufocou enormemente. Num instante, seu fluxo sanguíneo parou e seu corpo se cobriu com um gélido suor, diante do qual, para evitar que caísse diante da numerosa plebe que o rodeava, seus servidores o conduziram a um lugar reservado. Uma vez que foi colocado no leito, com grandes esforços para o manter com vida, sem perder ainda suas faculdades mentais, conheceu todos os presentes, aos quais seus assistentes pessoais fizeram vir a toda a velocidade para evitar qualquer suspeita de que havia sido assassinado. Como seu corpo ardia em febre, teria que abrir-lhe uma veia, porém não puderam achar nenhum médico. Já que o próprio Valentiniano lhes havia enviado por diversos territórios para que cuidassem dos soldados enfermos de peste. Ao fim, puderam achar um que tinha perfurado uma ou outra vez uma veia. Porém não pôde obter nenhuma gota de sangue, já que suas partes internas estavam “chamuscadas” pela excessiva temperatura. Outros pensam que seus membros estavam ressecados devido a certos canais de sangue, que na atualidade conhecemos como hemorróidas, estavam fechados e tampados pela baixa temperatura. Muito afetado por sua virulência e sua enfermidade, se deu conta de que chegava o fim de sua vida e tentou expressar algumas palavras e ordens, segundo indicavam seus movimentos, o triturar de seus dentes e a agitação de seus braços, semelhante a um lutador com cestas. Porém, vencido já vencido em cheio de manchas lívidas, morreu depois de uma larga agonia aos cinquenta e cinco anos de idade, depois de doze anos e cem dias de mandato como imperador. (AMIANO

MARCELINO, Historia, XXX) Após esse episódio, Amiano Marcelino escreve que é chegado o momento, “igual temos feito com outros imperadores” de narrar brevemente seus feitos. E salienta que não vai omitir nenhum defeito nem nenhuma virtude, já que todos eles entraram em evidencia pela grandeza de seu poder, com frequência, deixavam em evidência o interior das pessoas. Fala 20

Povo germânico.

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também sobre o pai de Valentiniano, “el mayor de los Gracianos” que nasceu de uma família humilde.

1.4. A percepção da figura de Valentiniano I: Edward Gibbon

Edward Gibbon (Putney 1737 - 1794) foi um historiador e filósofo inglês do século XVIII, ou seja, período em que o iluminismo se expressava, é autor de A História do Declínio e Queda do Império Romano. Gibbon chega a se converter ao catolicismo romano, influenciado pelo pensador católico Bossuet no período em que esteve no Magdalen College de Oxford, porém seu pai sabendo de sua conversão- neste tempo, a religião católica na Inglaterra era reprimida -, o tira de Oxford e o manda para Lausanne na Suíça aos cuidados de Sr. M. Pavvillard, ministro calvinista desse local. Influenciado por este, Gibbon retoma o caminho de volta à ortodoxia protestante. Publicada em seis volumes, entre 1776 e 1778, Declínio e Queda do Império Romano abrange três grandes períodos: da época de Trajano e dos Antoninos (100 d.C.), a conquista de Roma por Alarico em 410, do reinado de Justiniano no Oriente ao estabelecimento do Sacro Império Germânico por Carlos Magno e, por fim, do renascimento do império no Ocidente à tomada de Constantinopla. Aqui usamos esta obra abreviada e editada por Dero A. Saunders, de acordo com a edição, aborda principalmente o período inicial, o do progressivo enfraquecimento do império romano no Ocidente. Segundo a edição, o autor destaca principalmente o "triunfo da barbárie e da religião" sobre as nobres virtudes romanas que Gibbon tanto admirava. No que refere ao capítulo dedicado a proclamação e a administração do Imperador Valentiniano I, Edward Gibbon destaca as qualidade do imperador, fala de sua fisionomia que inspirava respeito, dos hábitos de castidade e temperança que contêm os apetites e revigoram as faculdades. Enfim, o que vemos em geral, é uma exaltação da figura do imperador. Diferente de Amiano que por muitas vezes o critica. Em um trecho de sua obra, Gibbon critica Amiano Marcelino por conta de suas críticas a crueldade dos imperadores Valente e Valentiniano: Quando Tácito descreve a morte de romanos inocentes e ilustres sacrificados à crueldade dos primeiros Césares, a arte do historiador ou o mérito dos sofredores suscitam em nosso peito as mais vivas sensações de terror, de admiração e piedade. A pena grosseira e discriminativa de Amiano delineou-lhes as sanguinárias figuras com tediosa e nauseante precisão. Todavia, como nossa atenção não é mais atraída pelo contraste entre

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liberdade e servidão, grandeza recente e sofrimento atual, devemos afastarnos com horror das freqüentes execuções que desgraçaram Roma e Antioquia, o reinado dos dois irmãos. Valente tinha índole tímida; Valentiniano a tinha colérica. (GIBBON, 2005, p. 417)

Gibbon ainda descreve os episódios em que Valentiniano ordena a condenação de sujeitos – cortar suas cabeças, queimarem o sujeito vivo, espancá-lo até a morte- como justiça selvagem. Gibbon, inclusive descreve episódios e fatos sobre o imperador que não é comprovado e que Amiano Marcelino, sendo tão detalhista, não relata em seus textos. Neste caso seria a existência de duas ursas, Inocência e Migalha, que dilaceravam e devoravam os membros ensanguentados de malfeitores, enquanto o imperador observava. (GIBBON, 2005, p. 419) Observamos aqui que as interpretações distintas seria resultado do contexto do período dos autores. Amiano segundo o trabalho de Bruna de Campos tem um ideal de realeza, no qual nos referimos anteriormente e inicialmente em sua obra, o autor deixa claro que tenta ser o mais imparcial possível. Vale ressaltar que os autores podem ser influenciados direta ou indiretamente pelo contexto do período em que vivem. Influências que podem vir do contexto social, econômico, cultural e político.

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CAPÍTULO II – A ASCENSÃO E A ADMINISTRAÇÃO DE VALENTINIANO SEGUNDO AS FONTES ESCRITAS E MATERIAS

1. O uso da numismática como fonte histórica e sua importância: as moedas e suas representações

As moedas têm se mostrado uma fonte importante no estudo dos vários períodos da História. Nesta pesquisa, iremos analisar dois conjuntos documentais: a numismática e textos escritos no período, ou seja, século IV. Com relação aos aspectos teóricos de nossas fontes, podemos pontuar que nosso trabalho gira em torno do papel dos símbolos numismáticos como forma de legitimação do poder imperial. Além disso, ressalta-se o papel propagandístico num contexto político, econômico e social variável, que ora passava por períodos conturbados, ora por períodos de relativa tranquilidade proporcionados pela administração de figuras como Diocleciano, Constantino, Constâncio II, Juliano II e Valentiniano I. Ao longo da história, o homem desenvolveu diversas formas simbólicas, tanto artísticas, quanto linguísticas como expressão de sua consciência. Com isto podemos afirmar que: “os símbolos políticos são definidos como símbolos que funcionam até um ponto significativo na prática do poder” (DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 1987, p. 1115). Essas questões estão presentes nos anversos monetários, no qual encontramos o busto do imperador; nos reversos, lado oposto, a representação indica alguma transformação (uma construção, casamento, vitória militar, dente outros) e o exergo, base da moeda, conhecida também como linha de terra – na moeda abaixo a inscrição TROBT vem no exergo identificando também em que local tal moeda foi cunhada, neste caso, em Tréveris ou Trier. Além das representações numismáticas, trabalharemos também com fontes escritas que são os textos de Amiano Marcelino. Estes escritos são caracterizados como panegíricos, ou seja, documentos que descrevem e exaltam as vitórias de um império ou imperador. Espécie de propaganda política sobre determinado período. Bruna de Campos Gonçalves diz que o autor é considerado um historiador, pois acredita não haver regras absolutas, de validade universal para a escrita da história, ou seja, que os parâmetros da história podem mudar com o tempo e pontua: Assim sendo, sua narrativa histórica é construída por paráfrases e por suas experiências e não por uma leitura crítica da documentação disponível, como faria um historiador dos tempos atuais. (GONÇALVES: 2010, p.81)

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Por tentar abarcar vários elementos da sociedade romana, seja ela religiosa, política, econômica e social, entre outros, enquadramos nosso trabalho na História Cultural, fazendo uso da numismática e da Cultura Material. Logo abaixo, trazemos algumas cunhagens do período Valentiniano com variadas representações. Estas amoedações estão expostas no Museu Nacional de Berlin.

Ano / Local: 375-378 d.C. / Tréveris (Trier) Anverso: D N VALENTINIANVS IVNPFAVC Reverso: GLORIA ROMARVM Exergo: TROBT Denominação: Solidus Observamos que há duas moedas muito semelhantes, porém em uma há a inscrição TROBT - cunhada em Tréveris (ou Trier), atual Alemanha, segunda casa monetária - no exergo e na moeda abaixo, TEQES. As duas foram cunhadas em Tréveris. Porém devemos salientar que no Império Romano havia várias casas de cunhagem de moedas, diferentemente do período atual, no caso do Brasil, por exemplo, há somente o Banco Central. Ou seja, estas moedas podem ter sido cunhadas em casas diferentes, porém na mesma região.

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Ano / Local: 367-375 d.C. / Tréveris (Trier) Anverso: D N VALENTINI ANVS PF AVC Reverso: GLORI A ROMARVM Exergo: TEQES Denominação: Solidus Nos dois casos, trata-se de moedas de ouro (Solidus) com a representação dos imperadores Valente e Valentiniano. Segundo informações do site do Museu de Berlin, o Solidus era uma moeda de ouro da Antiguidade Tardia (solidus aureus ou moeda de ouro maciço). Foi incorporada por Constantino, em 309 d.C., introduzida pela primeira vez em Trier, foi a principal moeda da Antiguidade e da Idade Média Bizantina (conhecida neste período como chrysion Nomisma). A partir 324 d.C. foi a única moeda totalmente de ouro a circular. Ainda segundo o Museu de Berlin, a distinção linguística entre solidus e aureus é algo moderno. As peças de ouro com peças correspondentes às primeiras da Idade Média, eram chamadas solidi. Bizâncio em 1093 resolveu que o Hyperpyron substituiria o solídus depois de 700 anos. Na Idade Média, uma moeda no valor de 12 centavos de Solidus correspondia a Schilling/xelin (moeda) alemães até século XVIII. No anverso podemos observar o busto do imperador Valentiniano I voltado para a direita encouraçado e diademado. Podemos considerar esta uma representação política, pois traz a figura do Imperador com estes símbolos de poder e autoridade. Essa simbologia é eficiente no sentido de legitimar o poder do imperador. Nessa moeda em especial podemos observar no reverso, além da imagem de Valentiniano, a de Valente, seu irmão e imperador da região oriental do Império.

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Cada um dos irmãos segura um cetro e um globo. O globo levado em uma das mãos representa o domínio ou o território sobre o qual se estende a autoridade do soberano, o globo ainda representa segundo Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, a totalidade geográfica do universo e a totalidade jurídica de um poder absoluto. Neste sentido, o globo designa o território ilimitado sobre o qual se exerce o poder e este poder é ilimitado. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p.472) Os dois imperadores são coroados por deusas que neste caso são as representações da deusa pagã Niké (na tradição grega) ou Vitória (na tradição romana). As deusas portam uma coroa de louros que é símbolo da imortalidade, pois permanece verde até mesmo durante o inverno. Segundo Chevalier e Gheerbran, os romanos o fizeram emblema da glória e a deusa Vitória é a responsável por entregá-la. Nesta representação observamos uma legitimação da ascensão dos dois imperadores por meio da representação da deusa Niké. Esta moeda circularia o Império Romano – suas várias províncias - mostrando que Valentiniano e Valente eram os novos imperadores. Há na moeda abaixo, uma representação semelhante à anterior, porém desta vez os dois imperadores, Valente e Valentiniano seguram o globo.

Ano / Local: 367-375 d.C. / Tréveris (Trier) Anverso: DN VALENTINI ANVS PF AVC Reverso: VICTOR IA AVCC GG Exergo: TROBC Denominação: Solidus

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No reverso desta moeda, podemos observar as imagens de Valentiniano e Valente de joelhos segurando um mesmo globo. Neste caso, podemos concluir que seria a representação de um Império Romano unido, mesmo com a divisão da administração entre os dois imperadores. Devemos lembrar que só após a morte do Imperador Teodósio haverá a divisão do Império Romano. Entre os dois imperadores novamente a representação da deusa Vitória alada. Podemos verificar que ambos os imperadores são descritos como cristãos, porém nas diversas amoedações podemos observar a representação da deusa pagã. Peter Burke denomina esse tipo de junção de culturas, neste caso a pagã e a cristã, como um hibridismo cultural. Ou seja, não há o apagamento de uma cultura em detrimento de outra. Neste sentido acreditamos que não há a morte de uma cultura, principalmente no que se refere à cultura romana, observamos seus elementos nos séculos posteriores à queda do Império Romano do Ocidente, e até mesmo presentes atualmente, como por exemplo, nas moedas brasileiras da República Velha, durante a presidência de Artur Bernardes (1924).

Ano / Local: 367-375 d.C. / Antióquia (Antiochia [Antakya]) Anverso: D N VALENTINI ANVS PFAVC Reverso: GLORIA ROMANORVM Exergo: ANTOR B Denominação: 4 1/2 Solidus Neste caso também, trata-se de uma moeda de ouro com a representação do imperador Valentiniano I com um cetro em sua mão esquerda e sendo coroado pela deusa Niké ou Vitória.

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Nesta moeda está representado o símbolo de Constantino que seria as iniciais da palavra Cristo, em grego. Abaixo observamos uma moeda de prata semelhante, porém, um pouco mais desgastada, menos elaborada e não há a representação do símbolo de Constantino.

Ano / Local: 367-375 d.C. / Tréveris (Trier) Anverso: D N VALENTINI ANVS PFAVC Reverso: VRBS ROMA Exergo: TRPS Denominação: Siliqua (prata) A moeda abaixo é uma moeda de ouro (solidus constantinianus21) que circulou até o século X, na Península Ibérica. Há a inscrição RESTITVTOR REIPUBLICAE ou algo como restituidor da república que, ao nosso ver, seria uma alusão à República Romana de Otávio. Esta inscrição poderia ser uma tentativa de mostrar que a administração valentiniana estava em busca de elementos dos bons tempos da República.

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THE ROMAN IMPERIAL COINAGE. Edited by Harold Mattingly, C.H.V. Sutherland, R.A.G. Carson. V. VIII. London : Spink and Sons Ltda, 1983, p. 175.

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Ano / Local: 370 d.C. / Antióquia (Antiochia [Antakya]) Anverso: DN VALENTINI ANVS PF AVC Reverso: RESTITVTOR REIPUBLICAE Exergo: ANTI Denominação: Solidus No anverso, podemos observar o busto do Imperador encouraçado e diademado. Há ainda a inscrição DN, dominus (senhor), esta por sua vez começou a surgir nas legendas monetárias durante o governo de Constantino I. O imperador deixava de ser princeps, primeiro cidadão, torna-se dominus. (CARLAN; RABÊLO, 2011, p. 27) No reverso verificamos a Vitória coroando o Imperador. Este possui em sua mão um estandarte, o vexillum que representa a força e autoridade suprema. O estandarte possui ainda o sinal de Constantino - PX sobrepostos -, iniciais da palavra Cristo em grego (Crismon ou Quirô). Há ainda a representação da deusa Vitória coroando o Imperador com um ornamento de louros. Além do símbolo de Constantino com as iniciais da palavra Cristo, observamos também a representação de uma cruz que, ao nosso ver, seria a cruz cristã. Entendemos que isso pode representar que o Império estava se tornando cristão e que o Imperador também adotara a nova religião. Por outro lado, com a presença da deusa Vitória percebemos que não houve desprendimento total da religião pagã e seus símbolos, denotando assim uma lenta passagem e adoção do cristianismo e uma fusão de culturas, uma assimilação.

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Percebemos ainda que os símbolos do cristianismo e do paganismo conviviam, podendo mostrar também que o Imperador era tolerante quanto às variadas crenças. Por fim, devemos salientar o jogo de quadris do Imperador, que significa a ligação entre os dois mundos, o terreno e o divino. Acrescentamos ainda que, nesse período, o Império estava de certa forma estabilizado, afinal, Constantino já havia estabelecido a sucessão pela família, seguindo os critérios dinásticos. No século IV, identificamos três dinastias no império romano: a constantiniana, a valentiniana e a teodosiana. (CARLAN; RABÊLO, 2011, p.27) Abaixo observamos uma moeda semelhante, porém trata-se de um aes. Esta moeda é de bronze, portanto circulava mais que a moeda anterior que é produzida em ouro. As moedas de ouro circulavam menos, por isso seu estado de conservação é melhor que a abaixo.

Ano / Local: 364-367 d.C. / Aquileia (Itália) Anverso: D N VALENTINI-ANVS P F AVG Reverso: RESTITVTOR - REIPVBLICAE // SMAQP Exergo: SMAQP Denominação: Aes 1 Abaixo podemos observar moeda de bronze com a representação do imperador Valentiniano I. A moeda possui ainda em seu campo algumas letras C C P.

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Ano / Local: 367-375 d.C. / Sisak [Siscia] Pannonien. Anverso: DN VALENTINI-ANVS PF AVG Reverso: GLORIA RO-MANORVM / / BSISC Exergo: BSISC Denominação: Aes 3 No anverso, observamos o busto do imperador Valentiniano I encouraçado e diademado. Há a inscrição Dominus Valentiniano. No reverso, verificamos a imagem do imperador em questão segurando o inimigo pelos cabelos, ou seja, submetendo o inimigo. Valentiniano porta um estandarte com o sinal de Constantino. Abaixo temos uma moeda de ouro semelhante à anterior, porém foi cunhada em um local distinto.

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Ano / Local: 364-367 d.C. / Thessaloniki [Tessalônica] (Makedonien) Anverso: D N VALENTINI-ANVS P F AVG. Reverso: SALVS - REIP // SMTES. Exergo: BSISC Denominação: Solidus Porém vale ressaltar algumas pequenas diferenças como, por exemplo, no anverso o Imperador além de portar um diadema Consular, está voltado para a esquerda segurando em sua mão esquerda um cetro. Já no reverso, observamos ao invés das letras C C P presentes na moeda anterior, há duas estrelas. Abaixo podemos verificar uma moeda votiva de ouro cunhada em Constantinopla. Podemos notar a casa de cunhagem pelas iniciais no exergo (CONS).

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Ano / Local: 367-375 d.C. / Constantinopla (Istambul) Anverso: DN VALENTINI ANVSPFAVC Reverso: VICTORIA AVGVSTORVM Exergo: CONS Denominação: Solidus No anverso podemos observar o busto do imperador Valentiniano I encouraçado e diademado. No reverso há a deusa Vitória e no campo as inscrições dentro de um círculo: VOT V MVB X. Próximo ao círculo observamos também a letra B. A imagem da deusa Vitória nesta moeda é algo significativo já que as moedas votivas eram cunhadas quando um governo completava cinco anos e era cunhado VOT V MVBX o que seria algo como: votamos mais cinco anos deste governo. Isto sugere à sociedade a vitória, a boa administração de Valentiniano, lembrando que os imperadores que o antecederam - Juliano e Joviano ficaram pouco tempo à frente da administração imperial. Observamos abaixo uma moeda votiva de prata.

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Ano / Local: 364-367 d.C. / Constantinopla (Istambul) Anverso: DN VALENTINI-ANVS PF AVG Reverso: VOT V Exergo: CONSPA Denominação: Siliqua No anverso verificamos o imperador Valentiniano I encouraçado e diademado. Já no reverso observamos as inscrições VOT V envoltas por uma coroa de louros. O louro simboliza a imortalidade pois permanece verde até mesmo durante o inverno. Assim entendemos que a coroa de louros representada em uma moeda votiva demonstra a glória alcançada pela administração vigente. As moedas votivas tinham a intenção de comemorar os anos de administração de um imperador. A moeda em questão vem com as inscrições VOTIS V que seria; votamos mais cinco anos. Abaixo, podemos observar uma moeda de prata com a representação de Valentiniano I encouraçado e diademado no anverso e no reverso. Esta moeda é denominada Miliarense (leicht). Segundo dados do Museu de Berlin, o miliarense é uma moeda de prata que foi introduzida por Constantino I e equivale a dois Solidus Siliquen.

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Ano / Local: 367-375 d.C. / Tréveris (Trier) Anverso: DN VALENTINI-ANVS PF AVG Reverso: VIRTVS - EXERCITVS / / TRPS Exergo: TRPS Denominação: Miliarense (leicht) Observamos também o Imperador com um estandarte com o símbolo de Constantino e um escudo em sua mão esquerda. Abaixo temos uma moeda com representação semelhante. Mesmo tendo a mesma representação verificamos que as moedas em seus aspectos artísticos ou estéticos são diferentes pois não há um padrão de cunhagem (e sim da representação). Isso se deve ao fato de existirem várias casas de cunhagem com artistas diferentes para realizar o desenho, a representação. Outra ponto é o corte que é feito, por isso há irregularidades nas bordas.

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Ano / Local: 367-375 d.C. / Tréveris (Trier) Anverso: DN VALENTINI-ANVS PF AVG Reverso: VIRTVS EXERCITVS Exergo: TRPS Denominação: Miliarense (leicht) Abaixo podemos verificar um medalhão de ouro com a representação dos irmãos Valente e Valentiniano I.

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Ano / Local: 364-375 d.C. / Antioquia Anverso: R-ES-IS - ROMA-NO-R-VM [RESIS statt REGES] Reverso: GLORIA ROMANOR VM / / AN Exergo: A N Observamos os bustos dos Imperadores Valentiniano I e Valente encouraçados e diademados. Valentiniano governava o Ocidente enquanto Valente tomou posse do Oriente, talvez por isso na representação de ambos em um mesmo lado do medalhão simbolizando assim, a união entre Ocidente e Oriente e não uma separação entre as duas regiões como irá ocorrer posteriormente no governo dos filhos de Teodósio. No reverso podemos observar o Imperador montado em um cavalo. Segundo Chevalier e Gheerbrant, as estátuas ou retratos eqüestres glorificam um chefe vitorioso, são símbolos de seu triunfo e de sua glória, assim como ele doma sua montaria, dominou as forças adversas. Neste caso, os simbolismos presentes são convenientes aos propósitos do Imperador, pois era preciso mostrar uma imagem de vitória, de conquistas, principalmente após o Império perder Juliano e Joviano em tão pouco tempo de administração durante as batalhas contra os persas. Este medalhão foi cunhado no início do governo dos dois imperadores e transmite uma idéia de triunfo e de glória. Isto seria importante já que o Império passava por algumas dificuldades. Já a presença de uma auréola em volta de sua cabeça, em nossa interpretação, transmite a idéia de um elo entre o Imperador e o cristianismo que no período estava em ascensão, além de sua divindade.

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Com relação à figura que aparece em sua frente, segundo descrição do Museu de Berlin, trata-se de um Tyche de Antioquia com uma coroa mural segurando em sua mão esquerda uma tocha. Já no exergo há uma figura feminina deitada com cornucópia, esta representa abundância, riqueza. Ou seja, a nova administração representava também a expectativa de bons tempos. No entanto, essas figuras podem ser, no caso da mulher torreada, em frente ao Imperador, a representação de uma cidade e esta, está em dificuldades e o imperador em questão, está indo socorrê-la, isto porque na antiguidade as cidades eram representadas como mulheres. A cidade em questão, poderia ser Antioquia pois este medalhão foi cunhado nesta cidade – no exergo há a inscrição AN que indica a casa onde foi cunhado – e poderia ser uma manifestação do episódio ocorrido em tal cidade. Já a imagem cunhada no exergo, pode ser a representação de uma divindade não cristã ou que represente um povo inimigo do Império. A representação pode indicar também a luta do Imperador contra outra religião pois os imperadores eram cristãos, e a religião em questão estava em ascensão no período. Por outro lado, devemos lembrar que Valentiniano era tolerante quanto a outras seitas ou religiões, que não fosse a cristã. Enquanto que, seu irmão, Valente, cristão ariano, tinha algumas atitudes um tanto quanto desmedidas. Ao longo da descrição e apresentação das moedas podemos verificar várias representações de Valentiniano I e de símbolos ligados a religião cristã e a não cristã, ou seja, pagã. Representações do sinal de Constantino que representa o cristianismo já inserido no Império Romano e possivelmente uma alusão a administração constantiniana que obteve sucesso e é uma das mais lembrada quando se trata do período imperial. Devemos salientar que Constantino deu continuação a uma administração e uma série de medidas importantes tomadas pela administração de Diocleciano que instituiu a tetrarquia e a sucessão indicada por esta. Esta medida permitiu uma estabilidade política ao Império pois anteriormente tinha passado por uma anarquia militar que consistia na tomada de poder desordenada. Alguns sujeitos eram proclamados imperadores não chegando a cumprir um dia completo de administração. Estes símbolos religiosos tais como a representação da deusa Vitória legitimavam o poder do novo imperador, ou como vimos em representação de Valentiniano e seu irmão, dos imperadores do Ocidentes e do Oriente romano. Percebemos então que a religião e a política estava intimamente ligadas no Império Romano. Amiano Marcelino inclusive relata um episódio que ocorreu após morte de Joviano e antes da escolha do novo imperador em que a estátua do César Maximiano que estava colocada na entrada do Palácio Real perdeu de

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repente uma esfera de bronze que portava e que representava o globo. O globo é uma evocação do poder de reis, imperadores, de pontífices e de deuses, levado numa das mãos representa o domínio ou o território sobre o qual se estende a autoridade do soberano e o caráter totalitário dessa autoridade. Sua forma esférica pode ter como significado dentre outras coisas, a totalidade jurídica de um poder absoluto. Segundo Chevallier, é nessa acepção que convém interpretar o globo quando ele designa o território limitado sobre o qual se exercem poder de um personagem, esse poder é ilimitado. (CHEVALIER, p. 472) Neste sentido, o fato narrado, - a estátua que perdeu a esfera- tem um significado para Amiano e seus companheiros, é o símbolo que acompanha a autoridade do imperador, seu poder, o poder do Império Romano. Assim, o fato de a esfera ter se perdido, as “confusões” ocorridas (morte de Juliano, a escolha de Joviano e a entrega de territórios a Sapor) provocava uma grande tensão, que sugeria a “fúria” de uma divindade. Assim vemos que há um contexto híbrido no que se refere a religiosidade e esta está intimamente ligada a política, a representação do poder.

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CONCLUSÃO

Com a conclusão das pesquisas que resultaram neste trabalho, podemos fazer algumas considerações finais. No que se refere à política, a cultura e às representações do período valentiniano, devemos destacar alguns pontos. Com relação à política empreendida por Valentiniano I, vemos o estabelecimento de uma dinastia legitimando-se a partir do apoio do exército. Vemos também a atitude de fortificar as fronteiras - segundo Amiano, até com um certo exagero – que era algo necessário já que o território romano era constantemente invadido por outros povos. Observamos também algumas características atribuídas a Valentiniano I por Amiano Marcelino e Edward Gibbon: bom administrador, cruel ou não muito moderado em suas ações de julgamento, não se metia nas questões religiosas dentre outras. No que no que se refere à algumas características relatadas por Amiano Marcelino, podemos observar um ideal de realeza22. Já com relação a Gibbon, vemos uma exaltação da Antiguidade no geral. Segundo Rafael José Bassi, Gibbon foi muito influenciado pelo Iluminismo francês, pelas idéias do século XVIII e pelos acontecimentos que o cercavam nos instantes da Revolução Francesa, algo que de certa forma influencia sua visão sobre a Antiguidade. (BASSI, 2009, p. 9) No tocante às representações em moedas, observamos estas como um modo de legitimar o poder do Imperador e suas realizações. Além disso, a partir da observação de símbolos nestas moedas, sejam eles cristãos ou não cristãos, verificamos também os aspectos culturais dessa sociedade. Estes aspectos culturais referem-se também à política de Valentiniano I de não interferir diretamente em questões religiosas além da inserção dos elementos cristãos e não cristãos em suas representações como forma haver uma assimilação pela população romana. Além disso, podemos citar a continua inclusão de bárbaros no exército e na sociedade romana, dando margem para um enriquecimento da cultura. Não que este fosse seu objetivo, o objetivo era agregar bons soldados ao exército romano para a proteção do Império, porém podemos dizer que este ato consequentemente interfere na cultura romana já que estes povos estavam também incluídos nesta sociedade e isto torna a cultura romana ainda mais plural. Vale lembrar que após desintegração do Império do Ocidente, há a formação de reinos bárbaros que irão adotar aspectos da cultura, sociedade, política e economia romana.

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Estudado profundamente por Bruna de Campos Gonçalves.

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Neste sentido ressaltamos que os Impérios Bizantino e o Carolíngio também tem em sua cultura, contribuições romanas. Ou seja, percebemos continuidades e rupturas nestes séculos que se referem à Antiguidade Tardia e pós Antiguidade Tardia. A partir destas observações, observamos que a religião e a política estavam associados no Império Romano, tanto no período em que predomina o paganismo como no período em que o cristianismo estava em ascensão Neste sentido, a partir da observação dos aspectos culturais (bárbaros presentes no império, religiões dentre outros) e políticos (inclusão de bárbaros na sociedade e ao exercito romano, e uma política de tolerância por alguns imperadores e a tentativa de restauração do paganismo como no caso de Juliano) somos levados ao conceito de antiguidade tardia que possuí, ao nosso ver, continuidades e rupturas. Neste sentido, não há uma ruína do império, o desaparecimento ou morte de uma cultura, de uma sociedade, há continuidades e rupturas. Vale ressaltar aqui, no que se refere à numismática e às representações, elementos culturais associados a questões políticas. Neste sentido observamos que quando fazemos observações sobre a política de uma sociedade, devemos analisar também a cultura pois são aspectos indissociáveis. No tocante as representações, podemos incluir além das amoedações, os escritos de autores como Amiano Marcelino, que trabalha de uma forma mais direta porém que não chega a maioria da população, diferente das moedas que circulavam por todo o Império. Enfim, a partir da observação do período Valentiniano, buscamos analisar estas facetas do Império e uma das da Antiguidade Tardia, suas continuidades e rupturas, com objetivo de contribuir também para os estudos da Antiguidade no Brasil e da possibilidade de trabalhar com fontes materiais, no caso a numismática, além das fontes escritas. Buscamos também contribuir com novas formas de pensar o Império Romano e Antiguidade Tardia e os reflexos dessa sociedade ao longo dos séculos.

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REFERÊNCIAS Catálogos e Dicionários CHEVALIER, Jean. GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 8a. ed. Tradução: Vera Costa e Silva, Raul de Sá Barbosa, Ângela Melim, Lúcia Melim. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1994. MEDINA, Sinval Freitas. Dicionário da História das Civilizações. Colaborador; Aldorema Freitas Medina. Organizada sob direção do Professor Alvaro Magalhães. Porto Alegre, Editora Globo, 1967. SILVA, Kalina Vanderlei, SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 2ª edição. São Paulo : Contexto, 2009. Fontes Numismáticas Museu de Berlim - The Münzkabinett of the Último acesso em: 28 de fevereiro de 2013.

Staatliche

Museen

zu

Berlin

Fontes Impressas AMMIANO MARCELLINO. Historia (Rerum Gestarum Libri). Edición de Maria Luisa Harto Trujillo. Madrid:Akal, 2002. Textos da Internet BASSI, Rafael José. Esquecer os favoritismos e os ódios. Ana Comnena e a historiografia bizantina (séculos XI-XII) Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) – Departamento de História da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2009. Disponível em:
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