Rainhas de Amarna: a influência de Tiye e Nefertiti no governo de Amenhotep IV / Akhenaton

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NEARCO – Revista Eletrônica de Antiguidade 2015, Ano VIII, Número II – ISSN 1982-8713 Núcleo de Estudos da Antiguidade Universidade do Estado do Rio de Janeiro Artigo aprovado em outubro de 2015

RAINHAS DE AMARNA A INFLUÊNCIA DE TIYE E NEFERTITI NO GOVERNO DE AMENHOTEP IV / AKHENATON 1

Priscila Scoville 2 RESUMO O senso comum cria uma imagem sobre o Egito Antigo que nem sempre corresponde àquele povo. Tendemos a imaginar o faraó como um governante supremo, quase mitológico, sem suas características humanas. Este artigo, assim, visa desmistificara imagem do faraó, apontando a influência das rainhas mãe e esposa no governo egípcio do Período de Amarna. PALAVRAS-CHAVE: Antigo Egito, poder régio, rainhas. ABSTRACT The common sense creates an image of ancient Egypt that does not always correspond to that people. We tend to imagine the pharaoh as a supreme ruler, almost mythological, without his human characteristics. This article therefore aims to demystify Pharaoh’s image, by pointing the influence of queens, mother and wife, in the Egyptian Amarna Period. KEY-WORDS: Ancient Egypt, royal power, queens.

A recorrente apropriação de elementos egípcios na atualidade muitas vezes cria noções equivocadas acerca daquele povo e reforça questões trazidas com o senso comum. A ideia do faraó como governante supremo é um exemplo facilmente 1

O presente artigo foi apresentado na “XII Jornada de História Antiga: Discurso, Narrativa e Representação no Mediterrâneo Antigo”, em maio de 2015 na UERJ; e é resultado da monografia de final de curso, defendida em 2014, na Universidade Federal do Paraná, curso de História Memória e Imagem, sob orientação do Prof. Dr. Renan Frighetto. 2

Mestranda de História Programa de Pós-Graduação em História na UFPR, na linha de Cultura e Poder. Orientada pelo Prof. Dr. Renan Frighetto. Atualmente pesquisa acerca das relações diplomáticas entre Egito Antigo e Mitani, com o projeto intitulado “Queremos nos amar como irmãos. Uma análise historiográfica das Cartas de Amarna e das relações entre Egito e o reino de Mitani entre 1390 – 1336 AEC”. Bolsista CAPES.

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encontrado. Durante um período de estagio no Museu Egípcio de Curitiba foi possível notar que crianças imaginam o governante o Egito como um ser quase mitológico, com centenas de anos 3. Deste modo, este trabalho visa apontar a influência das rainhas Tiye e Nefertiti no governo de Akhenaton (c. 1352 - 1336 AEC), para, assim, desmistificar a imagem do faraó, aproximando-o de características humanas. Para tanto, foi feita uma análise de imagens e textos que abrangem desde a formação do Reino Novo e as características do período de Amarna, até a representação destas rainhas. Por mais que o senso comum tenda a isolar geograficamente o Egito, os faraós tiveram contato com o exterior desde os tempos pré-dinasticos 4. Tais contatos possibilitaram a entrada de grupos semitas no vale do Nilo, em especial, em tempos de escassez, o que, com o tempo, culminou no domínio da região de Avaris pelos hicsos no Segundo Período Intermediário (c. 1650 – 1550). Os hicsos contribuíram para o Egito, trazendo, por exemplo, materiais da Ásia que, ironicamente, foram utilizados mais tarde para expulsá-los da região 5, como bigas e novos modelos de armas. O Egito, porém, continuava fragmentado e em decadência política e cultural. As elites locais lutavam entre si e cada região reconhecia um faraó diferente, o que explica a existência de várias dinastias coexistindo. 3

Dado constatado durante um período de estágio no Museu Egípcio e Rosacruz de Curitiba (junho/2011 – junho/2013), quando se observou que quando perguntado, para as crianças, “Quantos anos um faraó tinha quando chegava ao poder?”, muitas vezes obteve-se um número maior que cem anos, quando não mais de mil, como resposta, especialmente por alunos de até sexto ano de escolas públicas. 4

Uma evidência disso é o cabo de uma faca datada de 3300 - 3100 AEC, que possui desenhos fortemente influenciados pelos mesopotâmicos. Para as questões da influência religiosa ver ERMAN, Adolf. A Handbook of Egyptian Religion. Londres: Archibald Constable & Co. Ltd, 1907. 5

De acordo com ALDRED, Cyril. Os egípcios. Editorial Verbo: Lisboa, 1966, p.129, os egípcios foram apresentados a: bigas, armadura de escamas, proas de navios compósitas, uma série de armas, novos desenhos de adagas e espadas, novos métodos de tecelagem e fiação (como o tear vertical), novos instrumentos de música e alimentos como a azeitona e romã. Além disso, foi nessa época que desenvolveu a coroa de guerra, uma espécie de elmo provavelmente de cabedal cosido com discos de metal dourado. Os selos em forma de escaravelho, que haviam sido transformados em amuleto durante o Reino Médio (c. 2055 – 1650), foram adotados e produzidos em larga escala. O bronze passou a ser de uso mais recorrente, pois era mais fácil de trabalhar do que o cobre e mais eficiente para a confecção de armas e instrumentos.

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Após longas batalhas, os tebanos egípcios expulsaram os hicsos da região do delta, podendo, assim, se fortificar no poder e reunificar o Egito. Com isso, veio o Reino Novo (c. 1550 – 1069), iniciado pela XVIII dinastia. Estar unificado, contudo, não significa que o Egito estava estável, por isso, o faraó precisava se impor dentro e fora de suas fronteiras. Para esse fim, criou-se uma elite militar (WATERSON, 2002, pp. 1516), responsável por lançar o Egito ao leste, conquistando territórios da região Siriopalestina até o Eufrates, e ao sul, no reino de Kush. Por mais que os egípcios já tivessem ido além de suas fronteiras e estabelecido contatos com outros povos, somente no Reino Novo podemos considerar que o Egito possuiu um Império, que culminou da ação dos faraós do início da XVIII dinastia. Assim, devemos saber o que caracteriza um contato, a hegemonia e a diplomacia no mundo antigo. É claro que os conceitos não existiam neste momento, mas ainda assim podemos encontrar vestígios deles. O contato é o conhecimento mútuo entre povos, podendo ser comercial ou fronteiriço, por exemplo, mas não possui um padrão de conduta. O poder hegemônico representa toda a área que está sob influência governativa de outro povo, isto é, a submissão de um diante de outro (não sendo necessária uma imposição cultural). A diplomacia, por fim, é a busca pela manutenção da paz entre dois ou mais reinos, possui regras e padrões a serem seguidos e visam promover os interesses de governantes. No caso egípcio, estes três conceitos são visíveis no início da XVIII dinastia. Ahmose (c. 1550 -1525) fundou a dinastia quando expulsou os hicsos da região (contato) e reunificou o Egito. Seu filho e sucessor, Amenhotep I (c. 1525 – 1504) foi além das fronteiras, expandindo especialmente em direção ao reino de Kush, no sul (hegemonia). Tothmés I (c. 1504 – 1492) foi o responsável por profissionalizar o exército egípcio

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para expandir, ainda mais, as fronteiras. Em seguida veio o breve

governo de Tothmés II (c. c. 1492 – 1479), sucedido pelo de sua esposa, Hatshepsut (c. 6

Até então as tropas eram raramente necessárias, por isso, recrutava-se pessoas destreinadas em momentos que fosse preciso.

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1473 – 1458), que priorizou a prosperidade econômica (contato comercial). As campanhas militares voltam a acontecer quando Tothmés III (c. 1479 – 1425) assume, conquistando uma vasta região no Levante e enfrentando o poderoso reino de Mitani (hegemonia). Dois anos antes de morrer, Tothmés III nomeou seu filho Amenhotep II (c. 1427 – 1400) como corregente. Talvez por isso o governo de Amenhotep II tenha majoritariamente continuado o de seu pai. A novidade acontece pelo início dos contatos diplomáticos. Quando Tothmés IV (c. 1400 - 1390) assume, o poder dos hititas crescia, fazendo com que o faraó promovesse um casamento com uma princesa mitânia, o que possibilitou uma aliança entre estes reinos, que até então, eram inimigos. Amenhotep III (c. 1390 - 1352), por fim, estabilizou e nutriu as relações diplomáticas a fim de manter a paz na região (diplomacia). Com o aumento territorial do Egito, o clero de Amon, o deus dinástico, também se fortaleceu. Diversos faraós dedicaram suas conquistas ao deus e doaram os espólios das batalhas ao seu culto, o que possibilitou que os sacerdotes de Amon passassem a desempenhar um papel de grande influência na região. Destarte, quando o Egito chega ao seu auge de expansão e estabiliza suas relações com os governantes vizinhos, Akhenaton abala as estruturas em funcionamento, tanto internas quanto externas. Quando Amenhotep IV assume o governo, o Egito estava no seu auge, recebendo tributos e aparentemente sem ameaças externas. Contudo, logo se iniciam algumas mudanças na cultura egípcia. De forma resumida, Amenhotep IV muda seu nome para Akhenaton e a capital para Akhetaton, marcando a transformação do culto religioso, que agora adoraria somente a um deus, o deus Aton. Contudo, religião, política, economia, cultura e vida cotidiana formam uma unidade no mundo egípcio, assim, a mudança em um desses aspectos significa mudar todos os outros. O culto religioso egípcio, apesar de possuir vários deuses, teve uma tríade principal para cada dinastia, no caso da XVIII dinastia, Amon, Mut

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e Khonsu

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De acordo com HAT, George. The Routledge Dictionary of Egyptian Gods and Goddesses. New York: Routledge, 2005, pp. 97-98, a deusa Mut é esposa de Amon e é um símbolo de maternidade. A palavra

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marcavam tal tríade 9. Na religião de Akhenaton, por Aton ser único, a tríade foi modificada, como afirma Julio Gralha: No culto de Amarna, o deus Aton não tinha uma deusa ao seu lado, ele era único e é provável que possuísse os aspectos masculino e feminino da divindade. No entanto, como formar uma tríade se só a dualidade (Aton e o rei) existia? Na verdade, a tríade da religião de Aton era invertida, ou seja, como deus único, se desmembrava no monarca e na rainha - princípio masculino e feminino que deveriam ser cultuados em vida como o próprio deus. Torna-se mais claro, o porquê de Nefertiti ser representada de forma atuante e importante em todos os cultos ligados à nova religião. Pela primeira e única vez, dois seres humanos estavam desempenhado papéis divinos na tríade (em boa parte das cenas da família real, Akhenaton e Nefertiti estão recebendo os raios de Aton). (GRALHA, 2003, cap. 3.)

Como dissemos, a vida cotidiana, política e religiosa no Egito não se desvinculam, por isso, mudar o culto religioso significa mudar todas as esferas da vida, desde os princípios e formas da arte quanto as formas de relacionar-se com os reinos vizinhos. Isto significa que as mudanças internas também afetam no exterior. Na arte vemos a predominância de linhas curvas e o direcionamento do olhar para os quadris e coxas largas. Há, de acordo com Souza, uma tentativa de mudar seu foco para a família real, por isso o único deus é representado de forma geométrica, como vemos na figura 1. O uso da escala para apontar superioridade, contudo, permaneceu inalterado, isso significa que o tamanho da pessoa representada era proporcional à sua importância.

egípcia mwt representada por um abutre (símbolo da deusa) é traduzida nos dias de hoje como “mãe”. Apesar de o abutre ser a forma mais conhecida da deusa, ela também pode ser representada na forma de uma leoa. 8

De acordo com HAT, George. Op. Cit. pp.86-88, Khonsu é uma divindade ligada a noite, adorado em Tebas e filho da união entre Amon e Mut. 9

Outro exemplo de tríade conhecido é formado pelo o casal Osíris e Isis, e seu filho Hórus.

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Figura 1: Akhenaton e Nefertiti com três de suas filhas sob os raios de Aton Foto da autora, original no Neues Museum, Berlim.

A família, então, aparece com bastante força no regime de Akhenaton por isso, a escolha de se trabalhar com a mãe e com a esposa do faraó. Sabemos que a maternidade era algo muito valorizado durante o Egito faraônico

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, até mesmo no

período amarniano – que notamos pelo foco de atenção imagética nos quadris femininos largos. Talvez por isso, Tiye esteja então presente em cenas familiares no período amarniano.

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Para mais ver: BAKOS, Margaret M. Fatos e Mitos do Antigo Egito. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009; GRAVES-BROWN, Carolyn. Dancing for Hathor. Women in Ancient Egypt. Londres: Continuum, 2010.

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Quando casou-se, Tiye não pertencia à família real, o que, por si só já nos é um fator importante a ser observado, uma vez que as esposas principais deveriam ter um grau de parentesco com o faraó vigente. A rainha desempenhou um papel de grande impotância ainda no governo de seu marido, Amenhotep III. Foi deificada na Núbia, representada em estátuas colossais e em esfinges, e incluída no culto solar, como esposa da divindade Nebmaatra (seu marido) que ajudaria a restaurar a maat 11. Isso fica visível em uma tumba em Tebas, na qual Tiye, em forma de esfinge

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, massacra

inimigas (fig. 2). Se os inimigos do rei podem aparecer como uma representação do caos, eliminá-los é uma forma de reestabelecer a maat.

Figura 2. Rainha Tiye como esfinge massacrando inimigas. Imagem do painel da tumba de Kheruef em Tebas. Fonte: MORKOT, Robert G. Historical Dictionary of Ancient Egyptian Warfare. Maryland: The Scarecrow Press, 2003.

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Maat é o nome da deusa egípcia, filha de Rá, responsável por manter a justiça, verdade e ordem do universo. Seu nome era usado como um termo cujo significado era o mesmo que as suas responsabilidades. Neste trabalho, maat enquanto termo estará em itálico. 12

Tiye também aparece em forma de esfinge guardando cartuchos com o nome do marido.

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Durante o governo de seu filho, Tiye parece ter continuado bastante ativa. Podemos notar que Tiye era conhecedora dos assuntos políticos do governo de Amenhotep III e Akhenaton, a partir de cartas enviadas pelo Reino de Mitani. Em três cartas, Tushratta, rei de Mitani, afirma que Tiye conhecia melhor do que ninguém os assuntos tratados entre Amenhotep III e Tushratta. Em uma dessas cartas, endereçada para a própria rainha, o governante afirma que, por saber das negociações tão bem, ela deveria intervir na política de seu filho, uma vez que este não estava cumprindo os acordos já estabelecidos. Como vemos neste trecho da carta EA26: Mas você é a única, por outro lado, que é a que sabe muito melhor todas as outras coisas que nós diríamos um para outro. Ninguém mais as sabe tão bem [...] Eu pedi para seu marido estátuas de ouro maciço, dizendo “Que meu irmão envie para mim, como minhas saudações-presente, estátuas de ouro sólido fundido e ouro e genuína lápis-lazúli”. Mas agora Naphurreya, seu filho, substituiu por estátuas de madeira [...] Por que você não expôs para Naphurreya as palavras que você mesma, com a sua própria boca, disse para mim? Se você não expuser para ele, e você continuar em silêncio, alguém mais pode saber? Faça Naphurreya me enviar estátuas de ouro maciço! Ele não deve me causar aflição [...] Faça-o tratar comigo dez vezes melhor que seu pai tratou, com amor e evidencia de estima. (Trecho da carta EA26 em MORAN, 1992, pp. 84-85, tradução da 13 autora) .

Nefertiti, por outro lado, não é referenciada nas cartas, mas isso não diminui sua valorização. Como esposa de Akhenaton, ela é incluida na nova forma de culto, como comentamos anteriormente

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. Ao ser agregada ao culto, preces e oferendas

deveriam ser destinadas a ela. Não conhecemos as origens de Nefertiti, por isso, diversas hipóteses circulam nos debates acadêmicos. Atualmente, uma das teorias mais aceitas afirma que 13

Trecho da carta EA26. Original em cuneiforme. Atualmente no British Museum, sob número de catálogo E29794. Texto em inglês retirado de: MORAN, William. The Amarna Letters. Baltimore: The John Hopkins University Press, 1992, pp. 84-85. 14

A importância de Nefertiti no culto religioso pode ser vista em obras como, por exemplo: ARNOLD, Dorothea (org). The Royal Women of Amarna: Images of Beauty from Ancient Egypt. New York: Distributed by Happy N. Abrams, Inc, The metropolitan Museum of Art, 1996; DODSON, Aidan. Amarna Sunset: Nefertiti, Tutankhamun, Ay, Horemheb, and the Egyptian Counter-Reformation. Cairo: The American University in Cairo Press, 2009; GRAVES-BROWN, Carolyn. Op. Cit., 2010; e SOUZA, Anna Cristina Ferreira de. Nefertiti, sacerdotisa, deusa e faraó. Rio de Janeiro: Madras, 2012.

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Nefertiti era prima de Akhenaton, filha de Ay, irmão de Tiye. Apesar de suas origens pemanecerem incertas, sabemos que a rainha demonstra sua afinidade com o cada vez mais poderoso deus Aton logo no inicio do reinado de seu marido. Ainda antes de Amenhotep IV mudar seu nome para Akhenaton, Nefertiti adiciona Nefernefrutaten como prenome (SOUZA, 2012, pp. 87-88) , que significa “bela é a beleza de Aton”. A importância de Nefertiti pode ser vista representada em relevos em Karnak, nos quais aparece fazendo oferendas sem a presença do marido. Além disso, é interessante notar nas imagens que Nefertiti aparece junto de Akhenaton, que o tamanho dos dois é muito próximo (fig. 3) e a Rainha aparece em poses tipicamente masculinas (fig. 4), talvez seguindo uma tendência estabelecida com Tiye ao assumir a forma de uma esfinge.

Figura 3. Câmara α da Tumba Real de Amarna, com a cena da morte de Meketaten Fonte: DODSON, Aidan. Amarna Sunset: Nefertiti, Tutankhamun, Ay, Horemheb, and the Egyptian Counter-Reformation. Cairo: The American University in Cairo Press, 2009, p.22.

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Outro ponto interessante se dá no possível do poder efetivo de Nefertiti como faraó. Já foi sugerido que Nefertiti assumiu a corregência do Egito (GRAVES-BROWN, 2010, p. 156). Sabemos que por volta do ano 14 de reinado de Akhenaton a rainha desaparece das fontes, não se sabe se ela teria morrido ou apenas foi substituída por outra esposa de seu marido, Kiya. Esse desaparecimento é justificado, por autores que sugerem a corregência de Nefertiti (GRAVES-BROWN, 2010, p. 156), através de uma nova mudança de nome. Nos últimos dois anos de reinado de Akhenaton, um faraó chamado Nefernefruaten-Smenkhkara assumiu o trono, assim, acredita-se que a rainha tenha substituído o nome Nefertiti por Smenkhkara, uma vez que o nome Nefernefruaten coincide, mas não há documentos que comprovem essa teoria 15.

Figura 4. Detalhe do talatat com cena de barcos, mostrando Nefertiti massacrando inimigos. Fonte: Site do Museum of Fine Arts, Boston.

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Recentemente, a partir de descobertas na tumba de Tutankhamon, o egiptólogo britânico Nicholas Reeves sugeriu que a tumba originalmente pertenceu à rainha Nefertiti. O avanço das pesquisas sobre essa teoria poderá nos responder algumas questões sobre a vida de Nefertiti. A notícia foi divulgada por Reeves dia 09/08/2015 e está disponível em: https://www.academia.edu/14831515/Are_We_Close_to_the_Discovery_of_the_Century_Nefertitis_Secr et_Resting_Place_Emil_Diephuis_Cairo_Scene_9_August_2015_ acesso em: 15/08/2015.

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A partir dessas questões podemos encontrar os aspectos humanos do faraó. A influência das rainhas, desse modo, nos serve para enxergar a subjetividade do governante egípcio, sendo alguém que pode ser influenciado, além de influenciar, que pode mudar de ideia e que suas opiniões podem estar em desacordo com as dos governantes anteriores. No caso de Akhenaton, Nefertiti parece concordar com as mudanças propostas, o que podemos ver pela sua inclusão no culto e pela mudança de nome. Tiye, por sua vez, talvez não concordasse com as atitudes do filho, por isso Tushratta escreve para ela e pede para que o faraó consulte sua mãe. Com isso, podemos notar que Nefertiti e Tiye tiveram uma participação ativa no governo, seja pelos contatos com as regiões vizinhas ou pelo enfoque da religião. Assim, vemos que Tiye foi apreciada e respeitada como influenciadora do governo diante os demais reis, no caso de Mitani, o rei Tushratta. Nefertiti, por sua vez, desempenhou sua autoridade dentro do Egito, promovendo cultos e sendo adorada como parte da tríade.

BIBLIOGRAFIA Documentação: MORAN, William. The Amarna Letters. Baltimore: The John Hopkins University Press, 1992.

Referências imagéticas: Sites: Museum of Fine Arts, Boston: http://www.mfa.org/ Livros: DODSON, Aidan. Amarna Sunset: Nefertiti, Tutankhamun, Ay, Horemheb, and the Egyptian Counter-Reformation. Cairo: The American University in Cairo Press, 2009.

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MORKOT, Robert G. Historical Dictionary of Ancient Egyptian Warfare. Maryland: The Scarecrow Press, 2003.

Referências Bibliográficas: ALDRED, Cyril. Os egípcios. Editorial Verbo: Lisboa, 1966. ARNOLD, Dorothea (org). The Royal Women of Amarna: Images of Beauty from Ancient Egypt. Nova York: Happy N. Abrams, Inc., The metropolitan Museum of Art, 1996. BAKOS, Margaret M. Fatos e Mitos do Antigo Egito. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009. DODSON, Aidan. Amarna Sunset: Nefertiti, Tutankhamun, Ay, Horemheb, and the Egyptian Counter-Reformation. Cairo: The American University in Cairo Press, 2009. ERMAN, Adolf. A Handbook of Egyptian Religion. Londres: Archibald Constable & Co. Ltd, 1907. GRAVES-BROWN, Carolyn. Dancing for Hathor. Women in Ancient Egypt. Londres: Continuum, 2010. GRALHA, Julio. Senhora da Casa, Deusa, Faraó: as várias imagens da mulher egípcia. Site NetHistória. Brasília, set. 2003. Sessão Ensaios. Disponível em: . Acesso: 16/07/2015. HAT, George. The Routledge Dictionary of Egyptian Gods and Goddesses. New York: Routledge, 2005. MORAN, William. The Amarna Letters. Baltimore: The John Hopkins University Press, 1992. MORKOT, Robert G. Historical Dictionary of Ancient Egyptian Warfare. Maryland: The Scarecrow Press, 2003. SHAW, Ian & NICHOLSON, Paul. British Museum Dictionary of Ancient Egypt. Londres: British Museum Press, 1995. SOUZA, Anna Cristina Ferreira de. Nefertiti, sacerdotisa, deusa e faraó. Rio de Janeiro: Madras, 2012.

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SCOVILLE, Priscila. As mulheres do faraó: análise da influência das rainhas Tiye e Nefertiti durante o regime de Amenhotep IV/Akhenaton (c. 1352 - 1336 AEC). (Trabalho de conclusão de curso). Universidade Federal do Paraná, 2014. Disponível em: Acesso: 06/07/2015. WATTERSON, Barbara. Amarna. Ancient Egypt’s age of revolution. Tempus: Stroud, 2002.

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