Raízes da Teologia Contemporânea - Hermisten M.P. da Costa - Resenha

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Resenha crítica

Ewerton B. Tokashiki





A obra Raízes da Teologia Contemporânea é um livro que se propõe
analisar a relação de alguns movimentos teológicos que contribuíram para a
formação da teologia do século 20. A proposta das raízes estabelece que a
intenção do autor não é expor cada pensador, ou escola teológica do século
20, mas de estudar como eles surgiram. O texto é uma introdução, não no
sentido de apresentar superficialmente cada tema, mas de oferecer como uma
análise dos movimentos teológicos e filosóficos que antecederam e que
criaram o contexto mais amplo da teologia contemporânea. Nenhuma "teologia"
surgiu no vácuo das idéias. Não há algo como uma neutralidade de
pensamentos que surgem ex nihil, mas todo movimento emerge como uma
implicação de sementes que foram postas em tempos anteriores e que tiveram
adubo cultural suficiente para que pudessem germinar em solo apropriado.
Assim, o autor confessa que "partimos do pressuposto de que a Teologia
Contemporânea está ligada às contribuições iluministas" e que o Iluminismo
"tem as suas origens próximas e remotas, ligadas a outras manifestações
filosóficas, cientificas, econômicas e teológicas, que foram efeito-causa-
efeito dos fenômenos históricos."[1]

O corte histórico para se começar a estudar a Teologia Contemporânea
dá-se início no período da Reforma Protestante do século 16. A definição de
teologia contemporânea é sugestiva para se estabelecer o seu escopo: "é o
estudo analítico-crítico das manifestações surgidas após a Reforma e, em
geral, contrárias ao sistema dela."[2]Na introdução é declarado que o livro
também se limita a não estudar a teologia católica, assim, temos um grande
grupo de teólogos deixados de lado, bem como alguns movimentos pós-
tridentinos não são considerados em sua relação com o protestantismo
moderno, especialmente na sua agridoce relação com o anglicanismo.

No capítulo 1, o autor inicia o seu texto com uma abordagem histórica
do Renascimento e do Humanismo e como contribuíram para a formação do
pensamento moderno. Surgindo no fim da Idade Média, ambos movimentos
libertaram o indivíduo do jugo católico, oferecendo o ambiente
universitário para questionar a estrutura romanista desenvolvida durante
todo aquele período de obscuridade e opressão. O Dr. Hermisten observa que
"o Renascimento – apesar de ser uma decorrência da Idade Média – veio
implodir a Idade Média e muito dos seus valores".[3] O sentimento de
ansiedade criado pela insuficiência da provisão dos cuidados e teologia
sacramental do catolicismo despertou na sociedade a busca por algo que
oferecesse respostas seguras ao clima de angústia e desespero que a Europa
vivia diante das guerras, epidemias e da instabilidade social. Não há um
consenso absoluto da relação entre o Renascimento e o Humanismo,
entretanto, o autor propõe que "o Humanismo foi, de certa forma, a
filosofia do Renascimento".[4] Todavia, o movimento somente pode progredir
com a invenção da imprensa, provendo a divulgação das idéias pela escrita e
dispondo uma ampla circulação de diferentes questionamentos. O teocentrismo
medieval foi substituído pelo antrocentrismo humanista renascentista,
assim, este cambio de eixo mudou toda a orientação escolástica.

O capítulo 2 dedica aproximadamente 1 ¼ do livro ao estudo da Reforma
do século 16, e mais especificamente a análise da pessoa e obra do
reformador João Calvino. Isto demonstra o respeito e dependência do autor,
em sua percepção, da influência e contribuição intelectual do reformador
francês para o pensamento moderno. A relação da Reforma com o Humanismo é
óbvia: os reformadores eram humanistas, todavia, cristãos. Não criam que a
necessária reforma que a sociedade precisava eram meramente o enaltecer das
virtudes humanas, mas a restauração do ser humano como imagem de Deus, em
Cristo Jesus; isto envolve a centralidade da Escritura Sagrada como
revelação da vontade de Deus.

No capítulo 3, é realizada uma análise do pensamento moderno em sua
relação da filosofia, a ciência moderna e a sua influência na teologia. É
afetada a estreita ligação que a filosofia tem com a teologia, que existia
desde o inicio do cristianismo, bem como a ciência que teve a sua origem na
mentalidade bíblica, agora a despreza. Presume-se que a Era da Razão chega
a sua maioridade e Deus torna-se uma hipótese desnecessária.

No capítulo 4, a ortodoxia protestante é definida como sendo "estar de
acordo com os princípios da Reforma".[5] Deste modo, novamente percebe-se o
compromisso do autor em manter-se na sua perspectiva calvinista como
referência de intérprete da história e dos movimentos. Este período, entre
os protestantes, foi marcado pela sua rigidez doutrinária, cristalizada
pelas confissões e catecismos escritos. Vários fatores contribuíram para
este movimento, como a educação humanista rígida, várias controvérsias
entre os protestantes, a dependência e confiança na razão, e o zelo por
preservar a identidade confessional de cada segmento, especialmente entre
luteranos e calvinistas.

O capítulo 5 analisa o despertamento espiritual promovido pelo
movimento alemão conhecido por Pietismo. O objetivo do Pietismo era
promover uma reforma na espiritualidade luterana, que se encontrava
indiferente com a teologia viva e com a pregação acompanhada por um
testemunho cristão contagiante pela experiência religiosa. O movimento
influência a missão cristã, especialmente entre os morávios, e
conseqüentemente, o jovem John Wesley. O autor faz a ponte da influência do
Pietismo sobre o presbiterianismo norte-americano e o surgimento do
Princeton Theological Seminary.

O capítulo 6 é o menor de todos, e nele o Iluminismo é estudado no
contexto do século 18. Este período foi marcado de forma permanente por
este movimento filosófico, que abalou a credibilidade da teologia. As
implicações finais do humanismo do século 16 são levadas as suas últimas
conseqüências no Iluminismo. O autor comenta que o Iluminismo sustentava
que "o homem é a medida de todas as coisas e a razão é o seu instrumento de
medição; é o cânon da verdade."[6]

No último capítulo está a análise do Liberalismo Teológico, que é a
transição para adentrar o século 20, onde ocorre os movimentos da Teologia
Contemporânea. O Liberalismo Teológico é filho de um adultério do
Iluminismo com o cristianismo, e a sua dependência do Renascimento é maior
do que da Reforma do século 16. A influência do Iluminismo foi abrangente,
de modo que a religião passou a ser considerada um sentimento vazio da
verdade divinamente revelada. O sobrenatural tornou-se uma idéia
intolerável e a religião de origem divina vista como insustentável, e todas
as áreas do cristianismo foi alvo de críticas, até mesmo por teólogos
cristãos. É neste contexto de descrédito que o Liberalismo Teológico é pego
de surpresa diante de duas grandes guerras mundiais, e então, surge a neo-
ortodoxia liderada por Karl Barth, sendo ele mesmo ex-aluno de teólogos
liberais.

Os adendos são pequenos artigos finais que complementam a obra.
Embora, penso que alguns deles poderiam ser inclusos no corpo do texto
enriquecendo a argumentação, em vez de serem postos como anexos de
esclarecimento. Digno de nota é o artigo "A Reforma Pombalina" que
demonstra como o Iluminismo afetou o Brasil durante o século 18 e 19, e
análise de alguns fatores que contribuíram para a tolerância religiosa.

A estrutura do livro segue uma ordem cronológica e temática. A partir
da história o autor realiza um estudo sociológico a partir das premissas de
cada movimento, descrevendo as suas características e principais
pensadores. É uma obra bem documentada resultado de pesquisa comprometida
com as fontes.

A identidade teológica do autor é claramente reformada. Não há
dubiedade quanto as suas convicções e compromisso com a perspectiva
calvinista.



COSTA, Hermisten M.P. da, Raízes da Teologia Contemporânea (São Paulo,
Editora Cultura Cristã, 2004).

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[1] Hermisten M.P. da Costa, Raízes da Teologia Contemporânea (São Paulo,
Editora Cultura Cristã, 2004), pp. 24-25.

[2] Hermisten M.P. da Costa, Raízes da Teologia Contemporânea, p. 15.

[3] Hermisten M.P. da Costa, op. cit., p. 43.

[4] Hermisten M.P. da Costa, op. cit., p. 49.

[5] Hermisten M.P. da Costa, op. cit., p. 235.

[6] Hermisten M.P. da Costa, op. cit., p. 281.
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