Rapazes Afeminados e representacao queer nas telenovelas brasileiras

May 27, 2017 | Autor: Joao Nemi | Categoria: Queer Theory, LGBT Issues, Teoría Queer
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Rapazes afeminados e representação nas telenovelas brasileiras João Nemi Neto Columbia University

Uma breve digressão pré-introdutória: Recentemente surgiu no facebook um hábito que poderíamos chamar de “curte ou compartilha”, algo como “like or share”. Uma brincadeira em que as pessoas colocam duas situações, imagens ou frases e você escolhe uma das duas. Se for a primeira você deve curtir (like) e se for a segunda você deve compartilhar (share). Entre tantas imagens, apareceu uma que me motivou a pensar no tema deste trabalho:

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Indiferente às preferências e orientações sexuais, a imagem pede que a pessoa escolha entre um homem e uma mulher. Porém o que me chamou atenção foi a imagem do meio, ua pessoa de saia, com uma calcinha numa mão, uma cueca rosa na outra em uma pose tradicionalmente associada à feminilidade. E entre o curtir e compartilhar aparece a seguinte frase: “Não compartilha, não comenta e nem curti (sic), só olha e deseja”.

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Não tenho os direitos sobre a foto. Não foi possível encontrar a fonte para que se pudesse dar o devido crédito.

Desejar padrões estéticos de feminilidade e masculinidade são absolutamente possíveis em nossa sociedade contemporânea, porém desejar algo que como a própria imagem tenta nos dizer fica “entre” o masculino e o feminino é passível de vergonha – shame – e, portanto, deve ser escondido, reprimido e mantido em segredo.

Introdução

Personagens efeminados2 têm sido objetos de representação em várias manifestações culturais ao longo do século XX (a até na América Latina e no Brasil – cinema, teatro, televisão, romances, contos… Esses homens com “inclinações femininas” aparecem como representações de escárnio e farsa, ou como homens que não queriam ser homens. Totó-Fruta-do-Conde de “O Rei da Vela” de Oswald de Andrade (1937), e Pombinha, um homem afeminado que lava a roupa junto com as mulheres no romance “O cortiço” de Aluísio Azevedo de 1890 são dois exemplos literários retirados do nosso cânon. A lista é extensiva e poderíamos falar sobre vários personagens e suas representações de gênero nas mais diversas manifestações culturais em português. Talvez de maior importância que os próprios personagens em si, sejam as críticas que se fazem a esse retrato: Muitos autores apresentam uma leitura de que tal imagem seria uma representação estereotipada e que, de certa forma, faz um desserviço à comunidade LGBT. Para citar apenas alguns autores que seguem essa linha podemos mencionar Antonio Moreno (2000) em “A personagem homossexual no cinema brasileiro” e Irineu Ramos Ribeiro (2010) em “A TV no armário – A identidade gay nos

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Tanto afeminado quanto efeminado são de uso corrente no português contemporâneo.

programas e telejornais brasileiros” para manter-nos em trabalhos mais recentes. Ambos livros são importantes por nos trazerem histórias que não teriam sido contadas de outras maneiras, ainda que um certo olhar crítico se faça necessário. Fora do meio acadêmico, tal perspectiva ainda é prevalente também. Por exemplo, em 2014 Russel Tovey, ator principal da série americana Looking disse em uma entrevista que agradecia a seu pai por ele não ser efeminado e Luiz Mott em uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo disse que a representação na televisão não corresponde à realidade já que a maioria dos homossexuais são masculinos. Ao lermos tais críticas percebemos que, na verdade, o cerne dessa leitura é a comparação do homem com a mulher, ou seja, o alvo aqui é a mulher. Esses homens ao “imitarem mulheres” acabam por não representar de maneira adequada o homem gay que tenta conseguir respeito na sociedade de direitos civis (especialmente depois dos anos 60 e da explosão do ativismo homossexual). Como diz Piontek (60) em How Gay Theory and the Gay Movement Betrayed the Sissy Boy, “these attempts to prove that gay men are as masculine as straight men now reveal themselves as nothing but a relentless repudiation of femininity”. É importante lembrarmos de um caminho duplo: Afinal assume-se que todo homem heterossexual é masculino e todo efeminado é gay. Em um outro texto intitulado “La guerra declarada contra el niño afeminado: una autoetnografia queer”, Giancarlo Cornejo ao discorrer sobre o mesmo tema que nos aponta Piontek, sintetiza bem o preconceito com os afeminados ou maricas quando diz, “Nos dicen “pero no eres marica, eres gay” o no te pongas en la posición de víctima”, ou seja, há uma grande diferença entre ser maricas/ mariquinha e ser gay. O valor social de

ser maricas é inversamente proporcional à aceitação de ser gay na nossa sociedade latinoamericana3. Em um terceiro exemplo, Niall Richardson ao falar do programa de televisão britânico “Play it Straight” argumenta que o preconceito está relacionado à efeminofobia e não à homofobia em si. Ainda que os dois estejam intrinsicamente relacionados, podese perceber que em situações de “play it straight” a homofobia é praticamente eliminada. Tanto Piontek quanto Cornejo e Richardson apresentam pontos relevantes ainda nos dias de hoje (basta lembrarmos da reportagem de Luis Mott para a Folha de São Paulo ou o comentário do ator de “Looking” sobre não ser afeminado).

O afeminado como categoria e o preconceito contra essa imagem

Antes de seguirmos com o tema central deste trabalho é preciso, ainda de que maneira breve, voltar um pouco no tempo para tentarmos entender de onde vem tal preconceito. Ao lermos os relatos da inquisição na América Colonial (Luis Mott e Pete Sigal, por exemplo) percebemos que muitas vezes os homens que eram julgados e condenados eram aqueles que se sujeitavam à prática sexual anal “como a mulher”, ou seja, os que eram penetrados. Em muitos casos relatados apenas os “passivos” foram condenados, os outros acabavam sendo absolvidos já que mantinham relações como homem. E muitas vezes fazia-se uma associação entre feminilidade e penetração. No século XX a presença de homens afeminados à margem da sociedade é uma constante não só no Brasil, mas em outros países também. Chauncey (1994) em seu livro 3

Vale ressaltar a intermediação do vocábulo em inglês que passa a ser aceito socialmente no Brasil substituindo palavras em português que até o surgimento do “gay” nos anos 70 eram usadas pelas pessoas que se identificavam como homossexuais. “Entendido”, “bicha”, “veado”, por exemplo.

sobre a vida gay em Nova York escreve sobre a “fairy” e sua identificação como um “gender invert” cujas práticas sociais são derivadas de ideologias de gênero binárias dominantes à época. Ainda no Brasil dos anos 50 (Green 2005) há relatos em que só é possível um relacionamento entre dois homens quando um deles assume o papel da mulher – ou seja, o passivo na relação sexual. E mesmo na década de 70 com o movimento gay já politicamente articulado, fecha-se os olhos aos homens afeminados, travestis e outros corpos de identificação sexual não-normativas porque a ideia de aceitação social é a de que é preciso passar por um “filtro” heteronormativo para que o homem gay pudesse ser aceito pela sociedade como disse Piontek e outros (Bersani, Warner e Sedgwick, por exemplo). Há, portanto, uma negação de manifestações que não se enquadram no modelo heterossexual de comportamento. Ou como explica Bersani (Homos 5) há um processo de “de-gaying gayness” que ao final acaba por “fortify homophobic oppression; it accomplishes in its own way the principal aim of homophobia: the elimination of gays”. Em um de seus mais famosos textos “Is the Rectum a Grave”, Bersani retoma a discussão fazendo uma crítica à apropriação do estilo macho descrito por Jeffrey Weeks. Para Bersani, ainda que exista a apropriação da cultura do macho dentro da comunidade homossexual dos anos 70 (Rectum 13), o “crepúsculo do macho” como Fernando Gabeira chamou nos anos 80 não é ameaçado. Além da sexualização da estética ‘masculina’, há a apropriação do heterossexismo e reprodução de formas de opressão contra os “dissidentes”. Perlongher fala bastante em sua obra da ideia de ‘masculinização’ (El fantasma del SIDA, 1988).

Tal ideia ainda persiste nos dias de hoje, como vimos na reportagem para o jornal “Folha de São Paulo” de 09 de março de 2014 4, Luis Mott criticando as novelas brasileiras por apenas mostrar (o que não é verdade) personagens caricatos pois de acordo com o pesquisador, “[n]a vida real, os gays são másculos na maioria”. Apesar de tanto preconceito e tantas manifestações de negação e até repúdio, o objetivo desta apresentação é discutir o papel de personagens efeminados em algumas telenovelas e debater de que maneiras tais personagens são imagens estereotipadas ou são, na verdade, centros de resistência à opressão heteronormativa a despeito desse constante rechaço por parte dos mais diversos grupos sociais. Para tal, vou focalizar em dois personagens criadas com mais de uma década de distância. Primeiro, Uálber, protagonizado por Diogo Vilela em Suave Veneno de 1999 (Aguinaldo Silva) e Félix, a #bichamá, de Amor à vida de 2013 (Walcyr Carrasco)

Aos homens afeminados falta, portanto, espaço em uma sociedade dominada por visões heteronormativas de conduta pois até mesmo dentro do movimento LGBT não lhes é dada a visibilidade necessária para que sejam considerados cidadãos. Tal fenômeno tem se repetido em várias instâncias sociais, desde os julgamentos coloniais até o os dias de hoje. Ainda nos dias de hoje, há vários relatos de pessoas cis afeminadas ou não homens cis que não respondem aos “padrões estéticos” masculinos) que não conseguem não só visibilidade como cidadão. Herbert Daniel, ainda em 1982 já dizia, em seu livro “Passagem para o próximo sonho”, Daniel (216) nos diz:

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(http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/03/1422093-faltam-muitos-capitulos-para-que-casal-gayvire-familia-no-horario-nobre.shtml),

A forma mais sutil da censura consiste na imposição da autocensura. Um homossexual calado é aceitável. Talvez até útil. Porque educado, comportadinho, tranquilizante. Uma bicha louca que se apresenta, é o escândalo e o despautério.

Como reconciliar o fato de que em termos de visibilidade midiática os homossexuais afeminados são maioria?

Fernanda Nascimento da Silva publicou recentemente um livro que traz um detalhado histórico de personagens LGBT na televisão brasileira, especialmente na TV Globo. De acordo com a autora são 126 personagens em 62 novelas. O trabalho da pesquisadora procura ir além da ideia de estereótipo utilizando-se dos conceitos camp e heteronormativo. Porém essa categorização (como todas) é problemática, pois há vários personagens que são caracterizados de forma heteronormativa, mas entram na lista como camp (Avenida Brasil e América, por exemplo). E também quais são os limites de tais classificações. O que é preciso para um personagem estar dentro do grupo heteronormativo? De acordo com Silva os dois personagens de Suave Veneno, Uálber e Idilberto, seu assistente e amigo são descritos a partir da estética ‘camp’. Como valor estético, eles respondem ao anseio do personagem afeminado, se tratam com pronomes femininos e sofrem preconceito por sua expressão social. Vale lembrar que o preconceito que eles sofrem é de fora da sua comunidade. Há um grupo de homens heterossexuais que os protegem em várias situações de perigo. E o maior perigo vem na pele de dois

personagens, ultramasculinizados (quase dentro da estética camp ou do exagero) também que andam com um pitbull ameaçando Uálber e Idilberto. Félix, em Amor à vida, é, na minha opinião, o personagem mais complexo construído até os dias de hoje em uma telenovela brasileira. Desde o início sabemos que ele tem relações com homens, mesmo sendo casado com uma mulher – Bárbara Paz. Ele tem um filho no seu casamento e é o vilão maior da novela. Ao longo da trama, ele ganha aceitação do público e passa por um processo de redenção passando de vilão a mocinho sem deixar de lado a sua característica corporal, saindo do armário mais tarde e ganhando um final feliz ao lado de um amor.

Para citar alguns exemplos: 1. Dona Bicha 2. Bicha, não. Pomba-gira 3. Eu tinha vergonha dos seus trejeitos. 4. Bicha deixa de ser a ofensa, e sim o maléfica. Há a questão de classe “bicha quáquá”. Ser pobre é o problema.

Em “O fascínio de Scherazade” Roberta de Andrade faz uma análise da recepção da novela entre as classes médias no Brasil. Todos os entrevistados parecem mais interessados em comentar o esoterismo de Uálber do que a homossexualidade. Uma das entrevistadas diz, inclusive, que a novela procura mostrar que é possível um gay ser amigo de um “machão” (personagem de Claudionor).

A comparação entre Felix e Ualber é válida porque são dois opostos em termos de construção de personagens. Félix é (ou era inicialmente) o vilão, assassino, ardil e Ualber, desde o início até o final um homem bondoso, gentil que ajuda a família (como vários entrevistados dizem na pesquisa de Andrade). O fato de serem efeminados não interfere na trajetória dos personagens.

Conclusão Durante o trabalho eu propus uma discussão sobre como ‘reconciliar a imagem do gay afeminado e ideia do estereótipo’. É preciso repensarmos a maneira como lidamos com a imagem do estereótipo. Acreditar que tais representações não correspondem à realidade é assumir uma postura heterossexista e machista em relação ao corpo queer. A postura “bicha” pode ser de resistência, ainda que muitos insistam em rechaçar tal imagem. Uálber em Suave Veneno mostra-se um personagem forte sem se sentir inferiorizado ainda que constantemente ameaçado fisicamente pelos ‘pitboys’ nas ruas do seu bairro. A cena em que ele diz “Dona Bicha”, deixa bem claro tal posição em relação a sua condição social. A ascensão e redenção de Félix entre o mal e o bem sem deixar de ser ‘bicha’ mostra que o personagem é mais forte do que a ideia de estereótipo. Félix e Uálber e outros personagens afeminados acabam por desafiar modelos tradicionais como corpos que não se conformam às noções binárias de gênero e sexualidade. Esses indivíduos feminizados mostram-se, ao final, como corpos de resistência e luta ao contrário do que se diz comumente.

Esses personagens procuram deixar claro que nessa imagem que construímos entre homem e mulher há muito mais força que podemos imaginar e que mais do que insistirmos na ideia de estereótipo e imagem negativa é preciso refletirmos sobre nossas ansiedades em relação à masculinidade e os nossos anseios heteronormativos.

RESTOS O trabalho sobre telenovela parte, muitas vezes, a partir de pesquisas em análise do discurso…

Effeminacy Between the left and the right Chapter 4 Challenge this idea of positive image of the gay men. Why this obsession with macho visibility of the gay man as positive? Why any other form of expression is negative therefore must be left aside, "in the closet". Remember small moments of telenovela that did more to challenge any normative view than a macho gay man. Diogo Vilela in the novela, "Dona bicha". Get this in the first chapter too. That the historical perspective would help us understand Brazilian practices in terms of same-sex and also reach queer theory. Thinking of this notion of positive image of gay characters, queer theory could help us desestabilizing these fixed notions of what should be appropriate in terms of representation. De Uálber para Félix

Uálber: http://www.mundonovelas.com.br/2012/01/suave-veneno-vamos-recordar.html Cena em que Uálber diz “Maricona, não. Pomba-Gira”. https://www.youtube.com/watch?v=KBhBAcbIXPc&list=PLpx02d60snPI06QbnYTjA6p jy9ToMxRV5&index=38 O problema aqui é que quando aparecem vestidos de mulher, são motivos de chacota. Interessante a hipermasculinzação dos ‘pitboys’ Muitas dessas críticas vem de uma certa ansiedade em relação à masculinidade compulsória. A linguagem “estereótipo”.

O trabalho sobre telenovela parte, muitas vezes, a partir de pesquisas em análise do discurso…

Effeminacy Between the left and the right Chapter 4 Challenge this idea of positive image of the gay men. Why this obsession with macho visibility of the gay man as positive? Why any other form of expression is negative therefore must be left aside, "in the closet". Remember small moments of telenovela that did more to challenge any normative view than a macho gay man. Diogo Vilela in the novela, "Dona bicha". Get this in the first chapter too. That the historical perspective would help us understand Brazilian practices in terms of same-sex and also reach queer theory. Thinking of this notion of positive image of gay characters, queer theory could help us desestabilizing these fixed notions of what should be appropriate in terms of representation. De Uálber para Félix Uálber: http://www.mundonovelas.com.br/2012/01/suave-veneno-vamos-recordar.html Cena em que Uálber diz “Maricona, não. Pomba-Gira”. https://www.youtube.com/watch?v=KBhBAcbIXPc&list=PLpx02d60snPI06QbnYTjA6p jy9ToMxRV5&index=38 O problema aqui é que quando aparecem vestidos de mulher, são motivos de chacota. Interessante a hipermasculinzação dos ‘pitboys’

Muitas dessas críticas vem de uma certa ansiedade em relação à masculinidade compulsória. A linguagem “estereótipo”.

Durante muitos anos, a representação homosexual na telenovela brasileira esteve associada ao “clown” como figura patética e de escárnio ou à crimes. A década de 2010 procura trazer novas perspectivas. Mas uma das cenas mais antológicas em relação ao respeito do afeminado é dos anos 90 ainda na novela Suave Veneno. O personagem de Diogo Vilella, “Uálber…” emu ma briga com seu pai… diz “Bicha, não. Para você, Dona Bicha”. Amor à vida: é um grande passo porque a bicha é incorporada pela sociedade, #bichamá. A questão da feminilidade é incorporada pelo ator e A crítica queer que se faz ao movimento gay que se apropria do imaginário branco de classe média como suporte de visibilidade cabe aqui quando falamos de personagens LGBTs na televisão brasileira. Viver a vida: Bicha má. Foi positivo? Recentemente o documentário: “Bichas”. A desexualização dos personagens LGBT é notória na televisão ainda hoje. Nos Estados Unidos, não há cenas na cama entre Mitch e Cam, o casal gay de Modern Family, ainda que existam cenas de todos os outros casais inclusive entre os adolescentes. Na novela “Babilônia” o mais recente foi o escândalo promovido online contra o beijo entre as personagens de Natalia Timberg e Fernanda Montenegro.

Fantasia da masculinidade (reportagem de Luis Mott), que vai além da questão de orientação sexual. Um herói mais afeminado, o desejo do macho.

Eles não são usados para tirar sarro da própria feminilidade como se fazia tradicionalmente.

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