Receita Pública

July 25, 2017 | Autor: C. De Azevedo Campos | Categoria: Direito Financeiro
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III. Receita Pública




1. Conceito
2. Classificações
3. Empréstimo público e dívida pública
4. Distribuição das receitas tributárias
4.1. Participações sobre a arrecadação de tributos alheios
5. Princípio da não afetação da receita de impostos







































1. Conceito

Como visto, na consecução dos serviços públicos, o Estado tem um
dispêndio de recursos monetários para o seu custeio, a chamada despesa
pública. O Estado, então, necessita de recursos financeiros para cobrir
essas despesas, ou seja, necessita de receita para custear os serviços e as
obras públicas voltadas para a realização do bem-estar comum – satisfazer
as necessidades públicas. Esses recursos são as chamadas receitas públicas.

Pode-se conceituar receita pública como todo ingresso de dinheiro nos
cofres do Estado que integra seu patrimônio e é utilizado para atendimento
de suas finalidades. Essa receita do Estado tanto pode ser obtida pela
exploração do seu próprio patrimônio, como pela imposição tributária, que
representam, ambas, atividades financeiras do Estado voltadas para obtenção
de recursos.

Para Aliomar Baleeiro,[1] "receita pública é a entrada que,
integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou
correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e
positivo". Com base nesse conceito, deve-se fixar a ideia da relação entre
receita pública, de um lado, e acréscimo do patrimônio do Estado, de outro:
só poderá ser considerada receita pública aquela entrada de dinheiro que
venha a integrar definitivamente o patrimônio do Estado.

Com efeito, seguindo essa linha de definição, nem todas as "entradas"
ou "ingressos" de valores nos cofres públicos podem ser consideradas
receitas públicas, pois muitos desses valores representam entradas que
serão objeto de "restituição posterior ou representam mera recuperação de
valores emprestados ou cedidos pelo governo". Daí que, Baleeiro denominou
essas "simples entradas de caixa" que não integralizam o patrimônio do
Estado de "movimentos de fundos",[2] caracterizados como ingressos de
recursos destituídos de natureza de receita pública. São ingressos,
entradas, mas não são receitas públicas, pois lhes falta a característica
essencial de promover um acréscimo patrimonial em favor do Estado.

O Mestre baiano exemplifica esses "movimentos de fundos" como as
cauções, fianças, depósitos judiciais recolhidos ao Tesouro, os empréstimos
contraídos pelo Estado ou as amortizações nos empréstimos concedidos pelo
próprio Estado. Esses exemplos firmam a noção de não serem receitas
públicas aqueles valores obtidos pelo Estado sob a condição de serem
restituídos aos respectivos depositantes ou concedentes de empréstimos. Com
esses exemplos, fica ainda mais claro que o conceito de receita pública não
se confunde com o de entrada. Todo ingresso de dinheiro aos cofres públicos
caracteriza uma entrada. Contudo, nem todo ingresso corresponde a uma
receita pública, pois existem meras "entradas de caixa" que não se integram
efetivamente ao patrimônio do Estado porque são representativos de entradas
provisórias que devem ser, oportunamente, devolvidas.[3]

Em suma, e na esteira das lições de Aliomar Baleeiro, nosso melhor
tratadista de Direito Financeiro, para se caracterizarem como receitas
públicas, os recursos devem ingressar nos cofres públicos sem quaisquer
reservas, condições ou correspondência no passivo, vindo a acrescer o
patrimônio do Estado como elemento novo e positivo.




2. Classificações

Os autores nacionais classificam as receitas públicas, normalmente, a
partir de dois critérios distintos: o critério da regularidade ou da
periodicidade e o critério da origem das receitas públicas.

Adotando o critério da periodicidade, temos: a) receitas ordinárias;
b) receitas extraordinárias:

a) receitas ordinárias – são fontes permanentes de recursos
financeiros do Estado, pois ingressam regularmente,
ordinariamente, nos cofres públicos através do desenvolvimento
regular da atividade financeira do Estado;

b) receitas extraordinárias – são receitas obtidas excepcionalmente,
temporariamente, só se justificando em casos extremos. Exemplo
clássico é o do art. 154, II da CF,[4] onde a União Federal pode
impor a exigência de impostos extraordinários em caso de iminência
ou na efetiva existência de guerra externa.

Quanto ao segundo critério classificatório, o da origem das receitas
públicas, essas podem ser classificadas em:

a) originária – aquela que advém da exploração do próprio patrimônio
público ou através da atuação do Estado na exploração de
atividades econômicas (empresas estatais e sociedades de economia
mista);

b) derivada – obtida pelo Estado por meio da coerção aos
administrados, retirando-lhes parte de suas riquezas, a título de
tributo ou de outras espécies de obrigação, para que possa cumprir
suas finalidades. Sem embargo algum, o exemplo mais destacado
dessa espécie de receita é a derivada da imposição de tributos aos
cidadãos, a chamada receita tributária. Podem também ser incluídas
entre as receitas derivadas as penalidades pecuniárias, o confisco
e as reparações de guerra.

Ainda, e tal como acontece com as despesas públicas, tem-se a
classificação legal das receitas públicas contida na Lei nº 4.320/66, que
igualmente não se compatibiliza com a classificação doutrinária,
principalmente porque, em seu art. 11, ela ignora plenamente, para efeito
de conceituação da receita pública, o requisito dos ingressos em dinheiro
integrarem efetivamente o patrimônio do Estado.

O referido dispositivo infraconstitucional não se preocupou em
conceituar as receitas públicas, porém, as espécies de receitas listadas
pela norma como sendo receitas públicas deixa clara a mens legis de ser
toda e qualquer entrada nos cofres públicos considerada como tal,
independente de estar condicionada à futura devolução, ser fruto de
devolução de empréstimo público outrora concedido ou de ser um ingresso que
tem uma contrapartida no passivo. Para o legislador ordinário, qualquer
ingresso de caixa em favor do Estado, pura e simplesmente porque é uma
entrada de recursos, é receita pública.




3. Empréstimo público e dívida pública

Dentre as entradas que, a rigor, não são consideradas receita pública
pela doutrina,[5] tem-se o empréstimo público – contrato administrativo por
meio do qual "o Estado se beneficia de uma transferência de liquidez com a
obrigação de devolvê-lo no futuro, normalmente acrescido de juros".[6]
Trata-se de conceito mais restrito que o de crédito público, que pode
envolver tanto a operação estatal de fornecer pecúnia como a de tomar
dinheiro. Com os empréstimos, o Estado toma dinheiro e, com isso, assume a
obrigação de restituir o valor e seus acréscimos pactuados. Como leciona
Lobo Torres, os governos lançam mão desses empréstimos como forma de
antecipar sua arrecadação tributária e sustentar seus investimentos de
longo prazo, sendo legítima a previsão dessas operações na lei orçamentária
anual, conforme art. 165, §8º, da Constituição de 1988.[7]

Porém, a classificação dos empréstimos públicos como receita pública
enfrenta dificuldades de fundo conceitual. Como visto, a configuração de
uma entrada como receita pública pressupõe a inexistência de qualquer
contrapartida a esse ingresso de caixa. Contudo, o empréstimo público
representa entrada de dinheiro nos cofres públicos que tem, como
contrapartida, a obrigação do Estado de satisfazer o crédito tomado, ou
seja, trata-se de entrada de dinheiro que não acresce ao patrimônio do
Estado, mas que produz no passivo estatal a obrigação de restituir a
quantia e seus acréscimos dentro do prazo pactuado. Trata-se, em suma, de
meras "entradas de caixa" ou "movimentos de fundos". Não obstante, a Lei nº
4.320/64, em seu art. 11, reconhece os empréstimos públicos como espécie de
receita pública.[8]

O passivo criado com a tomada de empréstimo público corresponde à
considerada dívida pública. O conceito de dívida pública alcança "os
empréstimos captados [pelo Estado] no mercado financeiro interno ou
externo, através de contratos assinados com os bancos e instituições
financeiras ou do oferecimento de títulos ao público em geral", além da
"concessão de garantias e avais". Por obviedade, não abrange as dividas
próprias da Administração, como as de "aluguéis, aquisição de bens,
prestação de serviços, condenações judiciais, etc.".[9]




4. Receitas tributárias e sua distribuição

Para nosso estudo importa, acima das demais espécies de receitas
públicas, a chamada receita tributária – aquela receita obtida através da
arrecadação de valores legalmente exigidos a título de tributos. Oportuna a
observação feita por Celso Ribeiro Bastos no sentido de serem as receitas
tributárias "as mais importantes no Estado Moderno." Acrescenta o autor:




"Ninguém pode negar a importância do tributo, sobretudo na sua
modalidade de imposto, na atividade financeira do Estado. De fato,
por sua própria natureza, o Poder Público volta-se para a
realização de diversos serviços cujos benefícios não são
divisíveis. São utilidades não suscetíveis de exclusiva imputação
individual. Assim sendo, é de justiça que também a coletividade
seja chamada a cobrir essas despesas mediante o pagamento do
imposto". [10]




Como já insistente exposto, a tarefa maior do Estado é a satisfação
das necessidades públicas, que vem a ser realizada pela consecução dos
serviços públicos; esses serviços públicos, para serem efetivos, requerem
recursos financeiros para seu custeio; assim, toda a atividade estatal
voltada para obtenção, gestão e aplicação desses recursos financeiros é a
denominada atividade financeira do Estado.

Ocorre que, o Estado, apenas por seus recursos próprios (receita
originária), não possui condições para o custeio e a manutenção desses
serviços públicos. Diante disso, o Estado precisa adquirir junto aos
administrados – inclusive àqueles que não sejam diretamente beneficiados
pelos serviços públicos e principalmente aos que possuem melhores condições
econômicas de contribuir – os recursos necessários para o funcionamento
adequado da máquina estatal. Esses recursos são obtidos mediante a
imposição de tributos – a receita tributária, que, acima de tudo, encontra
sua justificativa no dever de participação justa da sociedade na satisfação
das necessidades públicas. Como o Brasil é uma federação, com três níveis
de governo encarregados de amplos deveres perante a sociedade e alto custo
orçamentário para tanto, há a necessidade do estabelecimento de uma
distribuição equilibrada dessas receitas.

O constituinte de 1988 estabeleceu duas formas distintas de
distribuição de receitas tributárias para promover esse equilíbrio
financeiro: (i) distribuição de competências tributárias; (ii)
participações sobre as arrecadação de tributos de competência alheia. Trata-
se de institutos diferentes que requerem abordagens separadas.

No primeiro caso, há uma distribuição, pela Constituição de 1988, de
autorizações legislativas para que os entes federativos instituam e
arrecadem tributos próprios. Como será visto nos capítulos sobre
"tributos" (capítulo VII) e sobre a "competência tributária" (capítulo IX),
a Constituição de 1988, assim como haviam feito as constituições
anteriores, estabeleceu diferentes espécies tributárias e distribuiu, entre
a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
competências para a instituição em lei desses diferentes tributos, de modo
que cada uma dessas pessoas constitucionais pudesse obter recursos para
satisfazer as necessidades públicas que são de suas respectivas alçadas.
Assim, por expressa disposição constitucional, a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios receberam competências para instituir
impostos, taxas, contribuições de melhoria e contribuições especiais, na
forma e com o conteúdo autorizado constitucionalmente, enquanto a União
pode ainda instituir empréstimos compulsórios.

Essa distribuição de competências tributárias, por meio das quais os
entes constitucionais podem impor seus próprios tributos e, dessa forma,
arrecadar diretamente suas receitas públicas, é disciplinada nos arts. 145,
148, 149, 149-A, 153, 154, 155 e 156 da Constituição Federal. Trata-se, o
instituto da competência tributária, sob o ponto de vista da autonomia
política dos entes constitucionais, embora nem sempre do ponto de vista
econômico, o instrumento mais relevante que a Constituição estabeleceu para
os entes federativos obterem receitas tributárias. Contudo, como dito
acima, essa não é a única maneira por meio da qual o constituinte
originário distribuiu receitas tributárias. Há também a figura das
participações sobre a arrecadação de tributos alheios, por meio das quais
os entes menores recebem, dos entes maiores, parcelas das receitas
arrecadas por esses últimos por meio da imposição dos tributos de sua
competência. Parcela da receita tributária da União é distribuída para
Estados, Distrito Federal e Municípios; enquanto parcela da receita
tributária dos Estados é distribuída para seus respectivos Municípios.

Enquanto o instituto da competência tributária será especificamente
tratado mais adiante, no capítulo IX e como objeto do estudo do Direito
Tributário, as participações serão abordadas agora como matéria do Direito
Financeiro.[11]




1. Participações sobre a arrecadação de tributos alheios

Como muito bem advertido por Ricardo Lobo Torres, "as participações
sobre a arrecadação constituem instrumento dos mais modernos, de equilíbrio
financeiro" entre os entes federativos, no que toca à distribuição das
receitas públicas.[12] O constituinte de 1988 buscou, por meio dessas, o
equilíbrio financeiro vertical no complexo Estado federal brasileiro,
utilizando-se do expediente de transferir, em favor de um ente
constitucional menor, parte da receita de outro ente constitucional oriunda
do exercício concreto de uma ou mais de suas competências tributárias. Com
isso, o constituinte redistribui recursos dos entes federativos mais
autossuficientes para os mais dependentes econômica e financeiramente. A
Constituição tratou do tema em seus arts. 157 a 162.

Tal como estruturada na Constituição de 1988, essas participações
podem ser classificadas em diretas e indiretas. As participações diretas
operam por mera transferência orçamentária ou são entregues diretamente aos
entes destinatários, enquanto as participações indiretas se concretizam por
meio de fundos específicos.

As participações diretas são estabelecidas nos arts. 157 e 158 da
Constituição:

i) pertence aos Estados e ao Distrito Federal, a receita
arrecadada com o Imposto de Renda (IR) incidente na fonte
sobre os rendimentos pagos, a qualquer título, tanto a
funcionários e servidores públicos como aos prestadores de
serviços em geral, por esses entes constitucionais, por suas
autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem
(art. 157, I);

ii) pertence aos Municípios, a receita arrecadada com o Imposto
de Renda (IR) da União Federal, incidente na fonte sobre os
rendimentos pagos, a qualquer título, tanto a funcionários e
servidores públicos como aos prestadores de serviços em
geral, por esses mesmos entes constitucionais, por suas
autarquias ou pelas fundações que instituírem e mantiverem
(art. 158, I);

iii) pertencem aos Estados e ao Distrito Federal, 20% da
arrecadação com eventuais impostos residuais da União
Federal, estabelecidos na forma do art. 154, I (art. 157,
II);

iv) pertencem aos Municípios, 50% da arrecadação do Imposto sobre
a Propriedade Territorial Rural (ITR), de competência da
União Federal, relativamente aos imóveis situados em seus
respectivos territórios, podendo o percentual ser de 100% na
hipótese de os Municípios optarem por fiscalizar e cobrar
diretamente o imposto dos imóveis neles situados, na forma do
art. 153, §4º, III (art. 158, II);

v) pertencem aos Municípios, 50% do produto da arrecadação do
Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA),
de competência dos Estados, relativamente aos veículos
licenciados em seus respectivos territórios (art. 158, III);

vi) pertencem aos Municípios, 25% do produto da arrecadação do
Imposto sobre as operações relativas a Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS), maior imposto dos Estados,
conforme os critérios de valor adicionado das operações que
ocorrerem em seus territórios (art. 158, IV, § único).



Essas participações diretas são incondicionadas na medida em que não
possuem destinação prévia a quaisquer órgãos ou despesas, ao passo que a
nota característica das participações indiretas é justamente a vinculação
das receitas transferidas a determinadas despesas ou órgãos. O emprego
desses recursos fica então sujeito a um controle posterior quanto à sua
destinação correta a esses fundos e à sua vinculação a essas despesas pré-
determinadas, de modo que se possa falar em participações condicionadas.

A Constituição de 1988 estabeleceu alguns fundos especiais de
participação como "instrumentos de descentralização da administração
financeira" e que "constituem uma universalidade de receitas vinculadas a
despesas específicas". Nesses casos de "partilha de recursos através de
fundos", "o numerário ingressa originariamente no fundo e é repassado
segundo o sistema de cotas calculadas de acordo com critérios estabelecidos
em lei, ficando o emprego das importâncias transferidas sujeitas ao
controle do Tribunal de Contas da União". O fundo serve assim de "mecanismo
contábil para o cálculo e a entrega dos recursos" em um sistema, a
princípio, "refinado e produtivo de redistribuição de receita".[13]

O art. 159 prevê um sistema de redistribuição de receitas tributárias
da União Federal mediante essas participações indiretas:

i) 48% do produto da arrecadação do Imposto sobre a Renda (IR)
(excluída a parcela correspondente aos Estados e Municípios a
título de participação direta) e do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), da seguinte forma: a) 21,5% para o
Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE)
(art. 159, I, a); b) 22,5% para o Fundo de Participação dos
Municípios (FPM) (art. 159, I, b); c) 3% para aplicação em
programas de financiamento do setor produtivo das Regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país (art. 159, I, c); d)
mais 1% para o Fundo de Participação dos Municípios a ser
entregue nos primeiros dez dias de dezembro de cada ano (art.
159, I, d, §1º);

ii) 10% do produto da arrecadação do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) para os Estados e o Distrito Federal,
proporcionalmente ao valor das respectivas exportações e
limitados, para cada ente, ao percentual máximo de 20% do
valor a ser distribuído, devendo esses redistribuir, aos seus
respectivos Municípios, 25% dos recursos que lhes serão
transferidos (art. 159, II, a, §§ 2º e 3º);

iii) 29% do produto da arrecadação da Contribuição de Intervenção
sobre o Domínio Econômico (CIDE) de que trata o art. 177, §4º
(CIDE relativa às atividades de importação ou comercialização
de petróleo e seus derivados, gás natural e álcool
combustível) para os Estados e o Distrito Federal, devendo
esses redistribuir, aos seus respectivos Municípios, 25% dos
recursos que lhes serão transferidos; esses recursos devem
ser destinados exclusivamente para o financiamento de
programas de infraestrutura de transportes[14] (art. 159,
III, §4º c/c art. 177, §4º, II, c).

Conforme previsto no art. 160, caput, da Constituição de 1988, essas
transferências não estão sujeitas à retenção pelo ente obrigado à sua
realização, salvo as hipóteses em que a União e os Estados condicionarem a
entrega dos recursos ao "pagamento de seus créditos, inclusive de suas
autarquias" ou ao "cumprimento do disposto no art. 198, §2º, II e III", que
versam sobre os recursos mínimos que deverão ser aplicados em ações e
serviços públicos de saúde (art. 160, § único).

O papel de estabelecer critérios para a partilha dos recursos, tanto
das participações diretas como dentro dos fundos de participação, com o
objetivo de promover o equilíbrio socioeconômico entre Estados e Municípios
e, desse modo, assegurar o escopo fundamental do desenvolvimento nacional e
buscar a redução das desigualdades regionais (art. 3º, II e III,
Constituição de 1988), foi reservado, pelo constituinte (art. 161), ao
legislador complementar. Em decisão relevantíssima, o Supremo Tribunal
Federal julgou, em 2010, inconstitucionais os critérios de rateio vigentes
e estipulados pela LC 62/1989, por entender os mesmos defasados com a atual
realidade socioeconômica dos entes destinatários das transferências e,
portanto, incapazes de cumprir com os propósitos constitucionais de
promover o equilíbrio socioeconômico dentro da Federação brasileira,
reduzindo assim as desigualdades regionais então existentes.[15]

A Corte, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99, modulou temporalmente
os efeitos de sua decisão, mantendo os critérios inconstitucionais vigentes
até 31/12/2012, dando assim quase três anos para que o Congresso Nacional
renovasse os critérios sem um vácuo normativo sobre a matéria. Contudo,
expondo mais uma vez toda a sua fraqueza funcional, o Congresso quedou-se
inerte, omisso, e não cumpriu o prazo estipulado pelo Supremo em sua
decisão. Dessa forma, desde 01/01/2013, o Brasil carece da lei complementar
exigida pelo art. 161 da Constituição de 1988, ficando a impressão da
injustiça continuada da distribuição dessas participações entre Estados e
Municípios.




5. Princípio da não afetação da receita de impostos

Tema relevante dentro do universo de abordagem da receita pública é o
da vedação constitucional, dirigida ao legislador ordinário, de vinculação
da receita pública a certas despesas.[16] Trata-se do chamado princípio da
não afetação da receita. Destaque para seu estabelecimento no art. 167, IV,
da Constituição de 1988, que proíbe a vinculação das receitas derivadas de
impostos a órgão, fundo ou despesa determinada, salvo a repartição do
produto da arrecadação de impostos de que tratam os arts. 158 e 159; a
destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, nos
termos do art. 198, §2º; a destinação de recursos para manutenção e
desenvolvimento do ensino (art. 212); recursos para realização de
atividades da administração tributária, na forma do art. 37, XXII; e
prestação de garantias às operações de crédito para antecipação de receita
(art. 165, §8º).

A vinculação da receita, total ou parcial, de imposto a órgão, fundo
ou despesa, fora das exceções estabelecidas no art. 167, IV, é causa de
inconstitucionalidade da medida legislativa. O constituinte, fora das
exceções estabelecidas, privilegiou a maior liberdade para a confecção e
execução do orçamento público. Para o Supremo, de acordo com esse
dispositivo constitucional, o legislador não pode destinar, seja para antes
ou para depois da entrada dos recursos, a receita de impostos a órgãos ou
despesas específicas ou pré-determinadas,[17] o que não alcança outros
tributos, como as taxas.[18]

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[1] BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução ao Estudo das Finanças. Op. cit., p.
126.
[2] Idem, ibidem.
[3] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 48. A
grande polêmica em torno dessa concepção de receita pública fica por conta
da caracterização do produto da arrecadação dos empréstimos compulsórios,
instituídos para atender a despesas extraordinárias decorrentes de
calamidade pública ou guerra externa, e sua natureza tributária
estabelecida pela Constituição de 1988. Previstos no art. 148 da CF/88,
dentro do Capítulo do Sistema Tributário Nacional e sujeitos aos
princípios constitucionais tributários, os empréstimos compulsórios são,
inadvertidamente, tributos para o constituinte originário. Contudo,
possuem a particularidade de ser um tributo restituível, o que, segundo a
concepção de Baleeiro, lhe retiraria a característica de gerir receita
pública, pois os valores arrecadados a este título ingressariam nos cofres
públicos sob a condição de serem futuramente restituídos. Ora, mas daí
surge uma grande polêmica: como os empréstimos compulsórios podem ser
tributo e, ao mesmo tempo, não ser receita pública? Trata-se de confusão
gerada pelo distanciamento entre a disciplina do constituinte originário e
a melhor doutrina do Direito Financeiro e do Direito Tributário nacional.
[4] Art. 154. A União poderá instituir: (...)
II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários,
compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão
suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação."
[5] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op.
cit., p. 216.
[6] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 111.
[7] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op.
cit., p. 216.

[8] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 111.
[9] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op.
cit., p. 217/218.
[10] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito
Tributário. Op. cit., p. 48.
[11] É de se entender que a distribuição de receitas tributárias por meio
das participações sobre a arrecadação de tributos alheios, ainda que trate
da partilha de recursos auferidos por meio da imposição tributária, não
constitui um instrumento de caráter tributário, ou seja, que encerra uma
relação jurídica de natureza tributária, mas sim, uma relação jurídico-
constitucional entre entes federativos dotada de natureza própria do
Direito Financeiro – aspecto da soberania financeira dos entes
constitucionais. Daí porque, didaticamente, o tema se encaixa melhor nos
capítulos destinados ao Direito Financeiro do que ao Direito Tributário.
[12] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e
Tributário. Constituição Financeira, Sistema Tributário e Estado Fiscal.
Op. cit., p. 500.
[13] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e
Tributário. Constituição Financeira, Sistema Tributário e Estado Fiscal.
Op. cit., p. 506/507.
[14] Cf. STF – Pleno, ADI 2.925/DF, Rel. p/ac. Min. Marco Aurélio, j.
19/12/2003, DJ 14/03/2005, onde a Corte julgou inconstitucional lei
orçamentária que dava destinação diversa à CIDE daquelas estabelecidas no
inciso II do §4º do art. 174, da Constituição, deixando claro se tratar de
disciplina constitucional exaustiva e plenamente vinculante inclusive ao
legislador orçamentário.
[15] STF – Pleno, ADI 2.727/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 34/02/2010, DJ
30/04/2010.
[16] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op.
cit., p. 119.
[17] STF – Pleno, ADI 1.750/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 20/09/2006, DJ
12/10/2006: "É inconstitucional a lei complementar distrital que cria
programa de incentivo às atividades esportivas mediante concessão de
benefício fiscal às pessoas jurídicas, contribuintes do IPVA, que
patrocinem, façam doações e investimentos em favor de atletas ou pessoas
jurídicas. 2. O ato normativo atacado a faculta vinculação de receita de
impostos, vedada pelo artigo 167, inciso IV, da CB/88. Irrelevante se a
destinação ocorre antes ou depois da entrada da receita nos cofres
públicos. 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade da vinculação do imposto sobre
propriedade de veículos automotores --- IPVA, contida na LC 26/97 do
Distrito Federal."
STF – Pleno, ADI 1.759/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14/04/2010, DJ
20/08/2010: "Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o inciso V do §
3º do art. 120 da Constituição do Estado de Santa Catarina, com a redação
dada pela Emenda Constitucional nº 14, promulgada em 10 de novembro de
1997. Vinculação, por dotação orçamentária, de parte da receita corrente
do Estado a programas de desenvolvimento da agricultura, pecuária e
abastecimento. Inconstitucionalidade. Afronta à iniciativa privativa do
Chefe do Poder Executivo em tema de diretrizes orçamentárias. Precedentes.
Violação ao art. 167, IV, da Constituição. Precedentes. Ação julgada
procedente".
[18] STF – Pleno, ADI 2.129/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 26/04/2006, DJ
16/06/2006: "1. Preceito de lei estadual que destina 3% [três por cento]
dos emolumentos cobrados pelas serventias extrajudiciais ao Fundo Especial
para Instalação, Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Mato Grosso do Sul não
ofende o disposto no art. 167, V, da Constituição do Brasil Precedentes.
2. A norma constitucional veda a vinculação da receita dos impostos, não
existindo, na Constituição, preceito análogo pertinente às taxas. Pedido
julgado improcedente.
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